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Este livro de título simples e objetivo pode ser
considerado o mais clássico dos estudos sobre o ro
mance, gênero intimamente associado ao adven
to da era burguesa. É também a ele que o nome
do húngaro Georg Lukács ligou-se de maneira pa
radoxal. Reconstituindo a sua gênese num texto
de 1962, Lukács explicita as duas grandes corren
tes que nortearam o estudo que empreendera meio
século antes: “Que eu saiba, A teoria do romance
é a primeira obra das ciências do espírito em que
os resultados da filosofia hegeliana foram aplica
dos concretamente a problemas estéticos”.
A adesão ao marxismo, sob o influxo da Revo
lução Russa, levou-o a distanciar-se da obra escri
ta em um “estado de ânimo de permanente deses
pero com a situação mundial”. Paradoxalmente,
porém, tal refutação não foi empecilho para que o
seu estudo se constituísse em referência fundamen
tal para reflexões estéticas posteriores (inclusive as
de inspiração marxista). Na retrospectiva de 1962,
Lukács alude à situação “algo grotesca” de ver Ernst
Bloch reivindicar A teoria do romance para fazer
frente, durante a polêmica sobre o Expressionis
mo, às posições do “Georg Lukács marxista”. A esta
mesma obra recorre Walter Benjamin, no antoló
gico ensaio de 1936 sobre o “Narrador”, para con
trastar o romancista com aquele ancestral enraiza
do nas tradições orais e, assim, nuançar as diferen
ças no “estatuto histórico das formas artísticas”.
Também para Adorno, A teoria do romance jamais
perdeu a validade enquanto parâmetro crítico: re
tomando, no início dos anos 50, a delimitação de
funções das formas épicas proposta pelo jovem Lu
kács, Adorno desenvolve, em “A posição do narra
dor no romance contemporâneo”, a tese da neces
sária “capitulação” do romance diante do “super-
poderio da realidade”, que só pode ser transformada
na práxis e não mais “transfigurada na imagem”.
Tais exemplos permitem remontar o fascínio
desse livro à extraordinária amplitude de sua pers-
pectiva teórica, à densidade de suas formulações,
ao élan que anima cada momento de sua argumen
tação. Esta tem a sua viga-mestra na categoria da
“totalidade”, que aliás será redimensionada na in
flexão marxista do pensamento de Lukács, mas
sem perder a posição fulcral. Pois o pano de fun
do dessas explanações sobre o gênero romanesco
é sempre o conceito de “épica”, referido aos ven
turosos tempos em que a vivência da totalidade se
dá de forma imediata, enraizado o homem em um
mundo homogêneo, fechado e, portanto, pleno de
sentido. Já o romance, “epopéia da era burguesa”,
estaria desde o seu advento sob o signo do parado
xo: condenado à fragmentariedade e à insuficiên
cia por um substrato histórico-filosófico em que
a “totalidade extensiva da vida” não mais está dada
de forma palpável e a “imanência do sentido à vi
da” tornou-se problemática, ele não pode, por ou
tro lado, renunciar à disposição para a totalidade.
Na segunda parte do livro, o leitor encontra
rá ainda um balanço da história do romance euro
peu, balizado pelas objetivações mais significativas
de quatro grandes “tipos”: Dom Quixote (“idealis
mo abstrato”), A educação sentimental (“romantis
mo da desilusão”), Wilhelm Meister (“romance de
educação”) e, como fecho desse desenvolvimento,
Guerra e paz e Ana Karenina, em que já se deli
nearia uma extrapolação das “formas sociais” da
era burguesa. Para além do romance tolstoiano, o
jovem Lukács aponta para um horizonte utópico
que vislumbra na obra de Dostoiévski, intuído
como arauto de um novo mundo, que possibili
taria ao artista épico concretizar novamente a sua
vocação para a totalidade.
MarcusVinicius Mazzari
Coleção Espírito Crítico
A TEORIA DO
ROMANCE
A Ielena Andréievna Grabenko
Este livro foi composto
em Adobe Garamond pela
Bracher & Malta, com
fotolitos do Bureau 34 e
impresso pela Bartira Gráfica
e Editora em papel Pólen Soft
80 g/ m2 da Cia. Suzano de
Papel e Celulose para a
Duas Cidades/ Editora 34,
em setembro de 2003.
Com A teoria do romance de Georg Lu
kács, a Coleção Espírito Crítico dá início à pu
blicação de uma série de clássicos da crítica li
terária internacional. Redigido entre 1914 e
1915, este livro permanece como referência
fundamental para qualquer estudo acerca do
romance. O horizonte conceituai de suas inda
gações ultrapassa o âmbito da literatura, con
ferindo ao debate teórico uma ampla perspec
tiva histórico-filosófica.
O poder de irradiação de suas idéias está
presente na reflexão de importantes críticos,
entre os quais Walter Benjamin, Theodor W.
Adorno, Lucien Goldmann, Harry Levin e Fre
dric Jameson. Numa prosa densa e pontuada
de lirismo, esta obra — marco da crítica lite
rária do século XX — mantém intacta toda a
sua atualidade.

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A teoria do romance de Lukács

  • 1.
  • 2. Este livro de título simples e objetivo pode ser considerado o mais clássico dos estudos sobre o ro mance, gênero intimamente associado ao adven to da era burguesa. É também a ele que o nome do húngaro Georg Lukács ligou-se de maneira pa radoxal. Reconstituindo a sua gênese num texto de 1962, Lukács explicita as duas grandes corren tes que nortearam o estudo que empreendera meio século antes: “Que eu saiba, A teoria do romance é a primeira obra das ciências do espírito em que os resultados da filosofia hegeliana foram aplica dos concretamente a problemas estéticos”. A adesão ao marxismo, sob o influxo da Revo lução Russa, levou-o a distanciar-se da obra escri ta em um “estado de ânimo de permanente deses pero com a situação mundial”. Paradoxalmente, porém, tal refutação não foi empecilho para que o seu estudo se constituísse em referência fundamen tal para reflexões estéticas posteriores (inclusive as de inspiração marxista). Na retrospectiva de 1962, Lukács alude à situação “algo grotesca” de ver Ernst Bloch reivindicar A teoria do romance para fazer frente, durante a polêmica sobre o Expressionis mo, às posições do “Georg Lukács marxista”. A esta mesma obra recorre Walter Benjamin, no antoló gico ensaio de 1936 sobre o “Narrador”, para con trastar o romancista com aquele ancestral enraiza do nas tradições orais e, assim, nuançar as diferen ças no “estatuto histórico das formas artísticas”. Também para Adorno, A teoria do romance jamais perdeu a validade enquanto parâmetro crítico: re tomando, no início dos anos 50, a delimitação de funções das formas épicas proposta pelo jovem Lu kács, Adorno desenvolve, em “A posição do narra dor no romance contemporâneo”, a tese da neces sária “capitulação” do romance diante do “super- poderio da realidade”, que só pode ser transformada na práxis e não mais “transfigurada na imagem”. Tais exemplos permitem remontar o fascínio desse livro à extraordinária amplitude de sua pers-
  • 3. pectiva teórica, à densidade de suas formulações, ao élan que anima cada momento de sua argumen tação. Esta tem a sua viga-mestra na categoria da “totalidade”, que aliás será redimensionada na in flexão marxista do pensamento de Lukács, mas sem perder a posição fulcral. Pois o pano de fun do dessas explanações sobre o gênero romanesco é sempre o conceito de “épica”, referido aos ven turosos tempos em que a vivência da totalidade se dá de forma imediata, enraizado o homem em um mundo homogêneo, fechado e, portanto, pleno de sentido. Já o romance, “epopéia da era burguesa”, estaria desde o seu advento sob o signo do parado xo: condenado à fragmentariedade e à insuficiên cia por um substrato histórico-filosófico em que a “totalidade extensiva da vida” não mais está dada de forma palpável e a “imanência do sentido à vi da” tornou-se problemática, ele não pode, por ou tro lado, renunciar à disposição para a totalidade. Na segunda parte do livro, o leitor encontra rá ainda um balanço da história do romance euro peu, balizado pelas objetivações mais significativas de quatro grandes “tipos”: Dom Quixote (“idealis mo abstrato”), A educação sentimental (“romantis mo da desilusão”), Wilhelm Meister (“romance de educação”) e, como fecho desse desenvolvimento, Guerra e paz e Ana Karenina, em que já se deli nearia uma extrapolação das “formas sociais” da era burguesa. Para além do romance tolstoiano, o jovem Lukács aponta para um horizonte utópico que vislumbra na obra de Dostoiévski, intuído como arauto de um novo mundo, que possibili taria ao artista épico concretizar novamente a sua vocação para a totalidade. MarcusVinicius Mazzari
  • 4. Coleção Espírito Crítico A TEORIA DO ROMANCE
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  • 239. Este livro foi composto em Adobe Garamond pela Bracher & Malta, com fotolitos do Bureau 34 e impresso pela Bartira Gráfica e Editora em papel Pólen Soft 80 g/ m2 da Cia. Suzano de Papel e Celulose para a Duas Cidades/ Editora 34, em setembro de 2003.
  • 240. Com A teoria do romance de Georg Lu kács, a Coleção Espírito Crítico dá início à pu blicação de uma série de clássicos da crítica li terária internacional. Redigido entre 1914 e 1915, este livro permanece como referência fundamental para qualquer estudo acerca do romance. O horizonte conceituai de suas inda gações ultrapassa o âmbito da literatura, con ferindo ao debate teórico uma ampla perspec tiva histórico-filosófica. O poder de irradiação de suas idéias está presente na reflexão de importantes críticos, entre os quais Walter Benjamin, Theodor W. Adorno, Lucien Goldmann, Harry Levin e Fre dric Jameson. Numa prosa densa e pontuada de lirismo, esta obra — marco da crítica lite rária do século XX — mantém intacta toda a sua atualidade.