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Jorge Barbosa
FILOSOFIA
Curso de Artes Visuais
Fevereiro, 2013




                  O U S O T E Ó R I C O DA R A Z Ã O - K A N T


A Vida de Kant
   A vida de Immanuel Kant Reuter não teria nada de interessante para um homem típico do nosso
tempo. Ele, que é considerado por muitos o maior filósofo alemão e até de todo o Ocidente, nasceu
em 1724 em Konigsberg, na Prússia oriental, justamente quando a Rússia começava a ser considerada
um país europeu, graças à acção do imperador Pedro, o Grande. Atualmente, embora Kant seja
considerado alemão (alemão era a sua língua), Konigsberg chama-se Kaliningrado e situa-se em
território russo.

    O seu pai, Johann Georg Kant, era soldado de carreira, de costumes sóbrios, e a sua mãe, Ana
Regina Reuter, tinha fortíssimas convicções religiosas que transmitiu aos seus filhos. A família era
economicamente muito modesta e foi atingida por numerosas desgraças (morreram cinco irmãos de
Kant, ainda crianças, sendo Kant o quarto de nove filhos e o que viveu mais tempo). Um dos seus
irmãos foi pastor protestante e as suas duas irmãs foram artesãs. O seu pequeno corpo, de 1,52m. de
altura, e o seu ombro direito mais alto do que o esquerdo convenceram o seu pai de que não serviria
para soldado, pelo que basicamente foi criado pela mãe, de acordo com as ideias da rigorosa seita
pietista. Kant era ruivo e tinha uma voz tão débil que os seus alunos da terceira fila tinham dificuldade
em o ouvir.

    Com oito anos, foi inscrito por sua mãe no Collegium Fridericianum, dirigido pelo pastor F. A.
Schultze. Ali estudou até aos 16 anos. O forte sentimento moral que impregna toda a obra de Kant é
muito influenciado por esta seita pietista e pela sua própria mãe. No entanto, mais tarde repudiará a
dureza da educação que ali recebeu. Manteve sempre a sua fé cristã, mas afastou-se da Igreja oficial e
da participação nos seus rituais e cerimónias. Após os estudos secundários, aos 16 anos, portanto,
Kant começou a dar aulas particulares como preceptor dos filhos de nobres que viviam no castelo de
Konigsberg, situado a menos de 10Km da cidade; diz-se que esta foi a maior distância da sua cidade a
que se deslocou durante toda a sua vida.

    Por essa altura, e durante seis anos, frequentou a universidade da sua cidade. De facto, Kant
estudava em casa do seu mestre, Martin Knutzen, tendo acesso à sua biblioteca pessoal. Martin
Kuntzen era professor de Lógica e de Metafísica Racionalista. Após a morte de seu pai, Kant teve de
abandonar os seus estudos universitários, e dedicar-se exclusivamente a dar aulas particulares. A sua
formação em Filosofia ficou muito incompleta: conhecia mal a filosofia grega e tinha quase nenhuma
informação sobre a filosofia medieval. As suas leituras filosóficas não foram abundantes, mas teve
acesso a vastos conhecimentos sobre geografia e história, como prova a sua biblioteca pessoal.

    Mesmo assim, 11 anos depois (em 1755, ano do terramoto de Lisboa) apresentou a sua tese de
doutoramento em Filosofia. Foi-lhe de imediato oferecido o lugar de “leitor” de filosofia na
Universidade, o que lhe permitiu apresentar ainda no mesmo ano a sua tese de habilitação para a
docência. Assim se manteve como professor da Universidade durante 15 anos. Recebia de acordo
com as horas de aula que desse e com o número de alunos que tivesse. Por isso, dedicou-se a ensinar
tudo o que podia para poder sobreviver economicamente: Lógica, Metafísica, Antropologia, Pedagogia
e até Mineralogia (tinha publicado em 1756 um livro sobre Terramotos e outro sobre Teoria dos
Ventos). Como leitor da Universidade, continuava a expor livros de texto oficial, apesar de já ter
produzido teses próprias interessantes.

   Kant era, então, um homem de saúde frágil e cheio de achaques, que sobreviveu, podemos dizer,
doente durante oitenta anos, graças à sua sobriedade e simplicidade. Levantava-se às cinco da manhã,
tomava chá e preparava as suas duas horas de aulas (das 7 às 9, ou das 8 às 10h da manhã); depois
das aulas, regressava a casa, onde estudava até às 13h. A esta hora, almoçava e, depois, dava sempre à
mesma hora um longo passeio, de que regressava às 5 horas da tarde em ponto, acompanhado pelo
seu criado Lampe, que o protegia, sempre que necessário, da chuva com um guarda-chuva. Da parte
da tarde, continuava a trabalhar até à hora de se deitar, 10 horas da noite em ponto. Do quarto, onde
estudava, só se via uma torre. Nunca se casou e não se lhe conhece nenhuma amizade com alguma
mulher. A sua relação com o irmão e com as irmãs foi sempre muito fria, embora os tenha, algumas
vezes, ajudado economicamente. Apesar disso, tudo indica que era bastante avarento, e, quando
morreu, foi encontrada uma grande quantidade de dinheiro em sua casa, pelo que, apesar de sempre
ter vivido modestamente, morreu rico. Os últimos dois ou três anos de vida foram terríveis para
Kant, que perdeu a visão, deixou de falar e até ficou amnésico. Quando morreu, em 12 de Fevereiro
de 1804 (com oitenta anos), a sua fama tinha-se espalhado de tal forma, que era considerado de
muito bom tom que damas da Alta Sociedade se dedicassem a ler as suas obras. Na sua campa, foi
escrito o seguinte epitáfio: “O céu estrelado sobre mim, e a lei moral em mim.”




A Crítica ao Racionalismo Dogmático
    Por “dogmatismo” Kant entende a pretensão de avançar nos nossos conhecimentos, partindo de
puros conceitos filosóficos, sem que a razão tenha sido examinada quanto à possibilidade de
conhecer, isto é, sem que a razão investigue sobre as suas possibilidades e os seus limites. Kant foi
inicialmente um racionalista dogmático. O dogmatismo inicial de Kant foi perturbado pelo empirismo
de Hume. O seu racionalismo dogmático inicial tinha origem nas lições do seu mestre Martin Knutzen
e era inspirado em Leibniz (o tal que dissera que tudo tinha uma razão). Este racionalismo é uma
posição dogmática, é um “sonho dogmático”, na medida em que os racionalistas não questionam a
possibilidade de a razão conhecer, não se questionam sobre os limites da razão, antes, partem do
princípio de que a razão conhece, como um dado de facto. É justamente esta doutrina que será
criticada por Kant (numa fase mais madura da sua filosofia). Antes de avançar nas nossas
investigações, diz ele, é preciso saber se o “órgão” encarregado de conhecer pode de facto conhecer.
“Dogmático” opõe-se então a “crítico”, daí o termo “crítico” que qualifica a filosofia de Kant. Segundo
ele, foi precisamente este dogmatismo da postura racionalista que conduziu muitos à posição
contrária, representada pelo próprio Hume: o cepticismo.



A Crítica ao Cepticismo Empirista
     Tudo indica que, num primeiro momento, Kant passou de uma convicção racionalista para o
cepticismo contrário. No entanto, Kant sai deste cepticismo, sobretudo por influência de uma leitura
mais atenta de Leibniz. Este autor tinha influenciado o dogmatismo racionalista, mas merecia uma
leitura mais cuidadosa do que a que tinham feito dele os dogmáticos. E foi isso que Kant fez. Leibniz
concorda com a fórmula de Locke e de Hume, segundo a qual “nada há no entendimento que não
tenha estado antes nos sentidos”, mas acrescenta, e este acrescento foi inspirador para Kant, “a não
ser o próprio entendimento”. Portanto, lendo Leibniz, Kant despertou do seu breve “sonho
céptico”, tal como lendo obras de empiristas tinha despertado do seu “sonho dogmático”. Para ele, o
empirismo tinha razão quando afirmava que a metafísica é uma ilusão, se prescindir do conhecimento
empírico. Mas, se admitirmos os pressupostos empiristas de que só conhecemos o que provém dos
sentidos, e se formos radicais nesta posição, então cairemos no cepticismo de Hume. Esta doutrina
não só destruiria toda a possibilidade da metafísica, como também qualquer possibilidade de
construção de uma ciência empírica como a Física. Não haveria ciência nem conhecimento
necessários, mas só ciência e conhecimento aparentes, ou, na melhor das hipóteses, prováveis. No
nosso tempo, esta consequência de uma ciência provável não incomoda verdadeiramente muita
gente, mas, no seu tempo, Kant considerava que a Física de Newton era uma ciência comprovada e
certa, com conhecimentos necessários e não meras probabilidades. Na verdade, a admiração de Kant
por Newton é o ponto de partida para a sua doutrina filosófica. Por outras palavras, o empirismo, nas
suas consequências, não só elimina a metafísica, mas também a ciência, e, para Kant, a ciência é um
Facto. Por outro lado, Kant defende a objectividade, isto é, o facto de que, face a algumas proposições,
todos os homens terem de se pôr de acordo. Se eu disser “hoje está um lindo dia”, é muito provável
que alguns não concordem comigo, mas se disser “o calor dilata os corpos”, isto não é uma simples
opinião subjectiva, mas um facto científico que não pode ser negado, como não pode ser negado que
um triângulo tem três lados.
Nem Dogmatismo nem Cepticismo: Idealismo Transcendental
     Kant procurou um caminho intermédio entre o dogmatismo racionalista e o cepticismo
empirista, não no sentido de um caminho conciliador, mas como uma nova alternativa. Segundo Kant,
na razão pura, o primeiro passo é próprio de um estádio infantil, o dogmatismo, sendo o segundo, o
cepticismo, o próprio de um juízo posto à prova pela experiência. Mas temos de considerar ainda “um
terceiro passo, próprio do juízo maduro e viril, que se baseia em máximas firmes e de comprovada
universalidade, consistente com submeter a exame não os factos da razão, mas a própria razão, tendo em
conta todas as suas capacidades e aptidões para os conhecimentos a priori. Já não se trata de uma
censura, mas de um crítica da razão; crítica, em virtude da qual se prova não só que a razão tem limites,
mas também quais são esses limites; não simplesmente a ignorância deste ou daquele aspecto, mas
também a ignorância a respeito de todas as questões de uma certa categoria.”

     Então, se Hume despertou Kant do seu sono dogmático, Leibniz despertou-o do seu sono
céptico. Kant opõe-se à tese empirista de que todo o conhecimento provém, tem origem, na
experiência. Por outras palavras, admite que todo o conhecimento comece com a experiência, mas
não aceita que todo o conhecimento tenha origem, provenha dela. O princípio, segundo o qual nada
está no entendimento que não tenha estado primeiro nos sentidos, corresponde a uma tradição que
vem de Aristóteles e que passou pela filosofia medieval até ao século XVII. O racionalismo, na versão
de Platão, opunha a esta perspectiva a teoria das ideias inatas, sempre difíceis de definir. Admitindo a
ideia de Leibniz, segundo a qual tudo o que está no entendimento provém dos sentidos, excepto o
próprio entendimento, Kant defende a existência de elementos no conhecimento que não têm
origem na experiência, que são a priori, anteriores à experiência. O racionalismo defendia que existe
uma certa intuição intelectual das ideias, admitindo muitas vezes as ideias inatas, como faz Leibniz. Kant
irá mais longe do que o racionalismo, defendendo que o a priori, como fonte de conhecimento
anterior à experiência, não é constituído por ideias inatas das coisas, mas pela própria estrutura
do entendimento, da subjectividade cognoscitiva. Deste modo, o a priori de Kant não é
um a priori passivo, como nos racionalistas, mas converte-se num a priori activo e estrutural. Trata-se,
em definitivo, de um entendimento que é sempre activo, que se situa no centro do conhecer como
condição de possibilidade de conhecimento, e que é também um entendimento não intuitivo de
ideias inatas como afirmava o racionalismo de Platão. A Filosofia de Kant tem muitas consequências.
Uma dessas consequências, talvez uma das mais importantes, tem a ver com o facto de, nos dias de
hoje, não ser completamente absurdo falar do conhecimento como uma construção. Kant é
claramente o primeiro construtivista (no que diz respeito ao conhecimento) da era moderna.



A “Revolução Copernicana” de Kant
    Para Kant, era claro que a metafísica tradicional, dogmática tinha falhado completamente, devido
ao seu dogmatismo e ao seu afastamento da realidade empírica. Para ele, o caminho para alcançar um
verdadeiro conhecimento especulativo consiste em aprender o já percorrido pelas ciências empíricas,
como a Física. Essas ciências recorrem a hipóteses e a um método a priori. Por outras palavras, os
cientistas trabalham de um modo tal que, ao                Nota muito importante: muita
formular em primeiro lugar as suas hipóteses, se        gente fala de “construtivismo” sem saber
adiantam à resposta da natureza, obrigando esta a       a que é que ele se refere; muitos outros
responder às questões prévias do investigador, que,     têm uma ideia privada de
posteriormente, procurará confirmar as suas              construtivismo (que não dizem ou não
hipóteses com a experiência. Kant conclui, assim, que   sabem qual é), e usam essa ideia só
“a razão só conhece o que ela própria produz, de        deles para criticar qualquer coisa que
acordo com o seu esboço”.                               lhes apeteça dos outros, sem se
                                                        aperceberem que a única crítica que
     Do mesmo modo que Copérnico refutou as             deviam fazer seria à sua própria
ideias de Ptolomeu, segundo as quais a Terra seria o    ignorância. Está na moda, sobretudo no
centro do Universo (geocentrismo), defendendo           campo da educação, criticar o
que era o Sol esse centro (heliocentrismo), assim       construtivismo. Mas o que acontece é
também Kant combate a concepção epistemológica          que, na esmagadora maioria das vezes,
realista, desde Aristóteles até ao seu tempo,           essa crítica resulta da ignorância e do
defendendo que o conhecimento humano não é              empenho com que alguns “pensadores”
conhecimento por se reger ou se adequar aos             pretendem manter-se nela. São
objectos, mas que é precisamente o contrário o que      “pensadores” tão importantes que se há
acontece: os objectos subordinam-se ao sujeito.         algo que não entendem, então isso não
                                                        presta. Só a sua importância presta. O
     Então, Kant propõe que os problemas
                                                        construtivismo tem diferentes
tradicionais da filosofia se resolvam adotando, como
                                                        modalidades, mas todas elas partem da
hipótese, o ponto de vista de que o conhecimento
                                                        doutrina kantiana, segundo a qual o
não se rege pelo objecto, mas que o objecto se rege
                                                        conhecimento, qualquer conhecimento,
pelo conhecimento, uma vez que, embora todo o
                                                        só é possível graças à atividade de
conhecimento comece com a experiência, nem
                                                        estruturas já presentes no nosso
todo o conhecimento tem origem na experiência.
                                                        entendimento e anteriores à
Por conseguinte, só se conhece quando é possível
                                                        experiência concreta que queremos
impor ao objeto os elementos a priori, próprios do
                                                        conhecer, ou que estamos em vias de
sujeito. São esses elementos a priori, comuns a todos
                                                        ter. Esta doutrina é obviamente
os homens, que permitem um conhecimento
                                                        criticável, mas há que ter cuidado com a
universal e necessário.
                                                        ligeireza com que os opinadores oficiais
                                                        falam de assuntos que não dominam
                                                        bem, só porque lhes apetece ou só
O Espaço e o Tempo como Formas Puras                    porque precisam de notoriedade.
   da Sensibilidade
     Segundo Kant, a possibilidade ou não da matemática como ciência pura será demonstrada, muito
curiosamente, na Estética Transcendental. É nesta obra que Kant determina quais são os seus
elementos a priori ou “formas puras”: o espaço e o tempo. Contra o racionalismo de Leibniz, que
os entende como “conceitos discursivos”, contra Newton, que concebe o espaço e o tempo como
absolutos e contra o empirismo de Locke e Hume, que os entende como conceitos empíricos, Kant
sustenta uma concepção do espaço e do tempo como formas a priori da sensibilidade, como
intuições puras da sensibilidade.

     O espaço e o tempo, em Kant, não provêm da experiência dos sentidos, mas são coisas em si,
são, pelo contrário, aquilo que faz com que seja possível qualquer experiência. O espaço e o tempo
têm uma realidade subjectiva, existem como formas que possibilitam a intuição, e têm uma “realidade
empírica”, na medida em que são condições de qualquer experiência possível, mas não pertencem
propriamente às coisas tal como elas são. Por outras palavras, o espaço e o tempo não são
impressões empíricas nem sensíveis; o espaço e o tempo não estão nos objectos, mas são a condição
subjetiva de possibilidade da intuição empírica: todos os objectos são percebidos no espaço e no
tempo.

     Estas “formas da sensibilidade”, ao mesmo tempo que conferem necessidade e universalidade aos
juízos sintéticos a priori1 , também fazem com que o objecto percebido nunca seja o objecto tal como
ele é em si mesmo, mas tal como é apreendido pela sensibilidade humana. Não representam as coisas
em si mesmas, mas, sendo simples condições da sensibilidade, estas fontes de conhecimento
determinam os seus próprios limites, referindo-se aos objectos só como “fenómenos”, e não como
essências, isto é, como as manifestações das coisas a que as estruturas espaço e tempo conseguem
dar sentido.

     Portanto, e em resumo, segundo Kant, decididamente, o tempo e o espaço não “estão” nas
coisas, não são propriedades das coisas, não nos são dados pela sensibilidade. Não sendo qualidades
objectivas (relativas aos objectos) acontece exatamente o contrário: o espaço e o tempo são as
condições subjectivas (relativas ao sujeito) a priori que possibilitam qualquer experiência, interna ou
externa. Deste modo, o espaço e o tempo não são só condições de possibilidade de conhecimento
sensível, mas de todo o conhecimento, na medida em que se referem a algo “inato” no homem,
a sua própria estrutura cognitiva.



O Entendimento - As categorias
     Até aqui, Kant ocupou-se em explicar as condições que nos permitem “intuir” empiricamente um
objecto (através da sensibilidade ou capacidade para “sentir” o objecto). Já vimos que essas condições
que o sujeito tem de possuir (condições subjectivas) são os elementos a priori espaço e tempo. Em
função deles, apreendemos o “fenómeno”, isto é, como o objecto se manifesta face a esses elementos
a priori. Também já sabemos que estes elementos, espaço e o tempo, são condições subjectivas da

1 Juízos analíticos são aqueles em que o predicado só explicita o que já está contido no sujeito (o triângulo tem três
ângulos, por exemplo). Estes juízos não acrescentam nada ao que já se sabe. Juízos sintéticos são aqueles, cujo
predicado proporciona um novo saber acerca do sujeito, sendo portanto extensivos e tendo a particularidade de
aumentar o nosso conhecimento (por exemplo, os alunos de filosofia sabem o que é um juízo sintético, isto é, saber o que
é um juízo sintético não é uma característica incluída no conceito de aluno de filosofia). Os juízos sintéticos a priori
são as sínteses, através das quais a ciência, que se exprime sempre com juízos sintéticos, determina o fundamento das suas
próprias verdades. É nas sínteses, dito de outro modo mais simples, em que o entendimento se apoia para fundamentar
novos conhecimentos científicos.
sensibilidade, mas também de todo o conhecimento. Já sabemos como “sentimos” os objectos, e já
sabemos que essas condições de “sentir” os objectos são condições subjectivas de todo o
conhecimento.

     Mas, agora, como é que “pensamos” os objectos? O entendimento é essa faculdade humana que
“pensa” os objectos. Vejamos o que diz Kant: “O nosso conhecimento surge basicamente de duas fontes
do psiquismo: a primeira é a faculdade de receber representações (receptividade das representações); a
segunda é a faculdade de conhecer um objecto através dessas representações (espontaneidade dos
conceitos). Através da primeira, acedemos a um objecto; através da segunda, pensamo-lo em relação
com a representação”. Uma primeira diferença entre as duas faculdades fica desde logo clara: enquanto
a sensibilidade é “passiva” e receptiva e tem intuições empíricas, o entendimento é activo e não tem
intuições empíricas.

     Se do intuir passarmos agora para o pensar, também deveremos examinar quais são os elementos
puros do entendimento, assim como as condições de possibilidade que devemos acrescentar à
sensibilidade para constituir a experiência. Enquanto a sensibilidade intui objectos, o entendimento
pensa os objectos, e fá-lo através de juízos que podemos decompor em conceitos. O entendimento
é, então, a capacidade de o homem pensar o objecto da intuição sensível. “A nossa natureza é de modo
a que a intuição só possa ser sensível, isto é, que só contenha o modo segundo o qual somos
afectados (passivamente) pelos objectos. A capacidade de pensar o objecto da intuição é, por outro lado,
o entendimento. Nenhuma destas propriedades é preferível à outra: sem sensibilidade, nenhum objecto
nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado”.

     Julgar, “pensar”, pressupõe a utilização de conceitos que sintetizem os fenómenos para os dotar
de significado, pois o fenómeno, só por si, é desordenado e caótico. Segundo Kant, existem dois tipos
de conceitos no entendimento

    ✦     Os primeiros são os conceitos empíricos, que correspondem basicamente a generalizações
     abstraídas e induzidas da experiência (conceito de árvore, como referindo-se à apreensão do
     fenómeno várias árvores); precisamos destes conceitos para pensar, mas são insuficientes,
     porque estes são conceitos a posteriori.

    ✦    Os segundos são os conceitos puros ou a priori do entendimento. Trata-se de
     categorias, que são estruturas formais da mente, indispensáveis para pensar os fenómenos
     que, de outro modo, seriam caóticos.

    Deste modo, enquanto a sensibilidade traz ao nosso psiquismo a matéria ou o conteúdo do
pensamento, o entendimento comporta a forma, ou a estrutura, isto é, as categorias.
ANEXO:

    TABELAS DOS JUÍZOS E DAS CATEGORIAS, E DOS PRINCÍPIOS DO
                   ENTENDIMENTO PURO DE KANT



GRANDES                       JUÍZOS                     CATEGORIAS
CATEGORIAS

                     Universais Todo o A é B      Unidade

     QUANTIDADE      Particulares Algum A é B     Pluralidade

                     Singulares Só um A é B       Totalidade

                     Afirmativos A é B             Realidade

     QUALIDADE       Negativos A não é B          Negação

                     Infinitos A é não B           Limitação

                     Categóricos A é B            Inerência e Subsistência
                                                  (substância e acidente)

                     Hipotéticos Se A é B,        Causalidade e Dependência
         RELAÇÃO     então é C                    (causa e efeito)

                     Disjuntivos A é B ou C, ou   Comunidade (acção
                     D...                         recíproca entre agente e
                                                  paciente)

                     Problemáticos A é            Possibilidade - Impossibilidade
                     possivelmente B

                     Assertivos A é realmente     Existência - Não-existência
     MODALIDADE      B

                     Apodíticos A é               Necessidade - Contingência
                     necessariamente B
GRANDES                 CATEGORIAS                        PRINCÍPIOS
CATEGORIAS

                 Unidade

    QUANTIDADE   Pluralidade                         Axiomas da Intuição

                 Totalidade

                 Realidade
                                                        Antecipações da
    QUALIDADE    Negação
                                                          percepção
                 Limitação

                 Inerência e Subsistência  Analogias da
                 (substância e acidente)   experiência.
                                           Princípios:
                 Causalidade e Dependência 1.Da permanência da
                 (causa e efeito)          substância
     RELAÇÃO
                                           2.Da sucessão temporal
                 Comunidade (acção         (segundo a lei da causalidade)
                 recíproca entre agente e 3.De simultaneidade (segundo
                 paciente)                 a lei de comunidade ou acção
                                           recíproca)

                 Possibilidade - Impossibilidade   Postulados do pensar
                                                   empírico:
    MODALIDADE   Existência - Não-existência       1.Postulado da possibilidade
                                                   2.Postulado da existência
                 Necessidade - Contingência        3.Postulado da necessidade

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Teoria da Razão - Kant

  • 1. Jorge Barbosa FILOSOFIA Curso de Artes Visuais Fevereiro, 2013 O U S O T E Ó R I C O DA R A Z Ã O - K A N T A Vida de Kant A vida de Immanuel Kant Reuter não teria nada de interessante para um homem típico do nosso tempo. Ele, que é considerado por muitos o maior filósofo alemão e até de todo o Ocidente, nasceu em 1724 em Konigsberg, na Prússia oriental, justamente quando a Rússia começava a ser considerada um país europeu, graças à acção do imperador Pedro, o Grande. Atualmente, embora Kant seja considerado alemão (alemão era a sua língua), Konigsberg chama-se Kaliningrado e situa-se em território russo. O seu pai, Johann Georg Kant, era soldado de carreira, de costumes sóbrios, e a sua mãe, Ana Regina Reuter, tinha fortíssimas convicções religiosas que transmitiu aos seus filhos. A família era economicamente muito modesta e foi atingida por numerosas desgraças (morreram cinco irmãos de Kant, ainda crianças, sendo Kant o quarto de nove filhos e o que viveu mais tempo). Um dos seus irmãos foi pastor protestante e as suas duas irmãs foram artesãs. O seu pequeno corpo, de 1,52m. de altura, e o seu ombro direito mais alto do que o esquerdo convenceram o seu pai de que não serviria para soldado, pelo que basicamente foi criado pela mãe, de acordo com as ideias da rigorosa seita pietista. Kant era ruivo e tinha uma voz tão débil que os seus alunos da terceira fila tinham dificuldade em o ouvir. Com oito anos, foi inscrito por sua mãe no Collegium Fridericianum, dirigido pelo pastor F. A. Schultze. Ali estudou até aos 16 anos. O forte sentimento moral que impregna toda a obra de Kant é muito influenciado por esta seita pietista e pela sua própria mãe. No entanto, mais tarde repudiará a dureza da educação que ali recebeu. Manteve sempre a sua fé cristã, mas afastou-se da Igreja oficial e da participação nos seus rituais e cerimónias. Após os estudos secundários, aos 16 anos, portanto, Kant começou a dar aulas particulares como preceptor dos filhos de nobres que viviam no castelo de Konigsberg, situado a menos de 10Km da cidade; diz-se que esta foi a maior distância da sua cidade a que se deslocou durante toda a sua vida. Por essa altura, e durante seis anos, frequentou a universidade da sua cidade. De facto, Kant estudava em casa do seu mestre, Martin Knutzen, tendo acesso à sua biblioteca pessoal. Martin
  • 2. Kuntzen era professor de Lógica e de Metafísica Racionalista. Após a morte de seu pai, Kant teve de abandonar os seus estudos universitários, e dedicar-se exclusivamente a dar aulas particulares. A sua formação em Filosofia ficou muito incompleta: conhecia mal a filosofia grega e tinha quase nenhuma informação sobre a filosofia medieval. As suas leituras filosóficas não foram abundantes, mas teve acesso a vastos conhecimentos sobre geografia e história, como prova a sua biblioteca pessoal. Mesmo assim, 11 anos depois (em 1755, ano do terramoto de Lisboa) apresentou a sua tese de doutoramento em Filosofia. Foi-lhe de imediato oferecido o lugar de “leitor” de filosofia na Universidade, o que lhe permitiu apresentar ainda no mesmo ano a sua tese de habilitação para a docência. Assim se manteve como professor da Universidade durante 15 anos. Recebia de acordo com as horas de aula que desse e com o número de alunos que tivesse. Por isso, dedicou-se a ensinar tudo o que podia para poder sobreviver economicamente: Lógica, Metafísica, Antropologia, Pedagogia e até Mineralogia (tinha publicado em 1756 um livro sobre Terramotos e outro sobre Teoria dos Ventos). Como leitor da Universidade, continuava a expor livros de texto oficial, apesar de já ter produzido teses próprias interessantes. Kant era, então, um homem de saúde frágil e cheio de achaques, que sobreviveu, podemos dizer, doente durante oitenta anos, graças à sua sobriedade e simplicidade. Levantava-se às cinco da manhã, tomava chá e preparava as suas duas horas de aulas (das 7 às 9, ou das 8 às 10h da manhã); depois das aulas, regressava a casa, onde estudava até às 13h. A esta hora, almoçava e, depois, dava sempre à mesma hora um longo passeio, de que regressava às 5 horas da tarde em ponto, acompanhado pelo seu criado Lampe, que o protegia, sempre que necessário, da chuva com um guarda-chuva. Da parte da tarde, continuava a trabalhar até à hora de se deitar, 10 horas da noite em ponto. Do quarto, onde estudava, só se via uma torre. Nunca se casou e não se lhe conhece nenhuma amizade com alguma mulher. A sua relação com o irmão e com as irmãs foi sempre muito fria, embora os tenha, algumas vezes, ajudado economicamente. Apesar disso, tudo indica que era bastante avarento, e, quando morreu, foi encontrada uma grande quantidade de dinheiro em sua casa, pelo que, apesar de sempre ter vivido modestamente, morreu rico. Os últimos dois ou três anos de vida foram terríveis para Kant, que perdeu a visão, deixou de falar e até ficou amnésico. Quando morreu, em 12 de Fevereiro de 1804 (com oitenta anos), a sua fama tinha-se espalhado de tal forma, que era considerado de muito bom tom que damas da Alta Sociedade se dedicassem a ler as suas obras. Na sua campa, foi escrito o seguinte epitáfio: “O céu estrelado sobre mim, e a lei moral em mim.” A Crítica ao Racionalismo Dogmático Por “dogmatismo” Kant entende a pretensão de avançar nos nossos conhecimentos, partindo de puros conceitos filosóficos, sem que a razão tenha sido examinada quanto à possibilidade de conhecer, isto é, sem que a razão investigue sobre as suas possibilidades e os seus limites. Kant foi
  • 3. inicialmente um racionalista dogmático. O dogmatismo inicial de Kant foi perturbado pelo empirismo de Hume. O seu racionalismo dogmático inicial tinha origem nas lições do seu mestre Martin Knutzen e era inspirado em Leibniz (o tal que dissera que tudo tinha uma razão). Este racionalismo é uma posição dogmática, é um “sonho dogmático”, na medida em que os racionalistas não questionam a possibilidade de a razão conhecer, não se questionam sobre os limites da razão, antes, partem do princípio de que a razão conhece, como um dado de facto. É justamente esta doutrina que será criticada por Kant (numa fase mais madura da sua filosofia). Antes de avançar nas nossas investigações, diz ele, é preciso saber se o “órgão” encarregado de conhecer pode de facto conhecer. “Dogmático” opõe-se então a “crítico”, daí o termo “crítico” que qualifica a filosofia de Kant. Segundo ele, foi precisamente este dogmatismo da postura racionalista que conduziu muitos à posição contrária, representada pelo próprio Hume: o cepticismo. A Crítica ao Cepticismo Empirista Tudo indica que, num primeiro momento, Kant passou de uma convicção racionalista para o cepticismo contrário. No entanto, Kant sai deste cepticismo, sobretudo por influência de uma leitura mais atenta de Leibniz. Este autor tinha influenciado o dogmatismo racionalista, mas merecia uma leitura mais cuidadosa do que a que tinham feito dele os dogmáticos. E foi isso que Kant fez. Leibniz concorda com a fórmula de Locke e de Hume, segundo a qual “nada há no entendimento que não tenha estado antes nos sentidos”, mas acrescenta, e este acrescento foi inspirador para Kant, “a não ser o próprio entendimento”. Portanto, lendo Leibniz, Kant despertou do seu breve “sonho céptico”, tal como lendo obras de empiristas tinha despertado do seu “sonho dogmático”. Para ele, o empirismo tinha razão quando afirmava que a metafísica é uma ilusão, se prescindir do conhecimento empírico. Mas, se admitirmos os pressupostos empiristas de que só conhecemos o que provém dos sentidos, e se formos radicais nesta posição, então cairemos no cepticismo de Hume. Esta doutrina não só destruiria toda a possibilidade da metafísica, como também qualquer possibilidade de construção de uma ciência empírica como a Física. Não haveria ciência nem conhecimento necessários, mas só ciência e conhecimento aparentes, ou, na melhor das hipóteses, prováveis. No nosso tempo, esta consequência de uma ciência provável não incomoda verdadeiramente muita gente, mas, no seu tempo, Kant considerava que a Física de Newton era uma ciência comprovada e certa, com conhecimentos necessários e não meras probabilidades. Na verdade, a admiração de Kant por Newton é o ponto de partida para a sua doutrina filosófica. Por outras palavras, o empirismo, nas suas consequências, não só elimina a metafísica, mas também a ciência, e, para Kant, a ciência é um Facto. Por outro lado, Kant defende a objectividade, isto é, o facto de que, face a algumas proposições, todos os homens terem de se pôr de acordo. Se eu disser “hoje está um lindo dia”, é muito provável que alguns não concordem comigo, mas se disser “o calor dilata os corpos”, isto não é uma simples opinião subjectiva, mas um facto científico que não pode ser negado, como não pode ser negado que um triângulo tem três lados.
  • 4. Nem Dogmatismo nem Cepticismo: Idealismo Transcendental Kant procurou um caminho intermédio entre o dogmatismo racionalista e o cepticismo empirista, não no sentido de um caminho conciliador, mas como uma nova alternativa. Segundo Kant, na razão pura, o primeiro passo é próprio de um estádio infantil, o dogmatismo, sendo o segundo, o cepticismo, o próprio de um juízo posto à prova pela experiência. Mas temos de considerar ainda “um terceiro passo, próprio do juízo maduro e viril, que se baseia em máximas firmes e de comprovada universalidade, consistente com submeter a exame não os factos da razão, mas a própria razão, tendo em conta todas as suas capacidades e aptidões para os conhecimentos a priori. Já não se trata de uma censura, mas de um crítica da razão; crítica, em virtude da qual se prova não só que a razão tem limites, mas também quais são esses limites; não simplesmente a ignorância deste ou daquele aspecto, mas também a ignorância a respeito de todas as questões de uma certa categoria.” Então, se Hume despertou Kant do seu sono dogmático, Leibniz despertou-o do seu sono céptico. Kant opõe-se à tese empirista de que todo o conhecimento provém, tem origem, na experiência. Por outras palavras, admite que todo o conhecimento comece com a experiência, mas não aceita que todo o conhecimento tenha origem, provenha dela. O princípio, segundo o qual nada está no entendimento que não tenha estado primeiro nos sentidos, corresponde a uma tradição que vem de Aristóteles e que passou pela filosofia medieval até ao século XVII. O racionalismo, na versão de Platão, opunha a esta perspectiva a teoria das ideias inatas, sempre difíceis de definir. Admitindo a ideia de Leibniz, segundo a qual tudo o que está no entendimento provém dos sentidos, excepto o próprio entendimento, Kant defende a existência de elementos no conhecimento que não têm origem na experiência, que são a priori, anteriores à experiência. O racionalismo defendia que existe uma certa intuição intelectual das ideias, admitindo muitas vezes as ideias inatas, como faz Leibniz. Kant irá mais longe do que o racionalismo, defendendo que o a priori, como fonte de conhecimento anterior à experiência, não é constituído por ideias inatas das coisas, mas pela própria estrutura do entendimento, da subjectividade cognoscitiva. Deste modo, o a priori de Kant não é um a priori passivo, como nos racionalistas, mas converte-se num a priori activo e estrutural. Trata-se, em definitivo, de um entendimento que é sempre activo, que se situa no centro do conhecer como condição de possibilidade de conhecimento, e que é também um entendimento não intuitivo de ideias inatas como afirmava o racionalismo de Platão. A Filosofia de Kant tem muitas consequências. Uma dessas consequências, talvez uma das mais importantes, tem a ver com o facto de, nos dias de hoje, não ser completamente absurdo falar do conhecimento como uma construção. Kant é claramente o primeiro construtivista (no que diz respeito ao conhecimento) da era moderna. A “Revolução Copernicana” de Kant Para Kant, era claro que a metafísica tradicional, dogmática tinha falhado completamente, devido ao seu dogmatismo e ao seu afastamento da realidade empírica. Para ele, o caminho para alcançar um verdadeiro conhecimento especulativo consiste em aprender o já percorrido pelas ciências empíricas, como a Física. Essas ciências recorrem a hipóteses e a um método a priori. Por outras palavras, os
  • 5. cientistas trabalham de um modo tal que, ao Nota muito importante: muita formular em primeiro lugar as suas hipóteses, se gente fala de “construtivismo” sem saber adiantam à resposta da natureza, obrigando esta a a que é que ele se refere; muitos outros responder às questões prévias do investigador, que, têm uma ideia privada de posteriormente, procurará confirmar as suas construtivismo (que não dizem ou não hipóteses com a experiência. Kant conclui, assim, que sabem qual é), e usam essa ideia só “a razão só conhece o que ela própria produz, de deles para criticar qualquer coisa que acordo com o seu esboço”. lhes apeteça dos outros, sem se aperceberem que a única crítica que Do mesmo modo que Copérnico refutou as deviam fazer seria à sua própria ideias de Ptolomeu, segundo as quais a Terra seria o ignorância. Está na moda, sobretudo no centro do Universo (geocentrismo), defendendo campo da educação, criticar o que era o Sol esse centro (heliocentrismo), assim construtivismo. Mas o que acontece é também Kant combate a concepção epistemológica que, na esmagadora maioria das vezes, realista, desde Aristóteles até ao seu tempo, essa crítica resulta da ignorância e do defendendo que o conhecimento humano não é empenho com que alguns “pensadores” conhecimento por se reger ou se adequar aos pretendem manter-se nela. São objectos, mas que é precisamente o contrário o que “pensadores” tão importantes que se há acontece: os objectos subordinam-se ao sujeito. algo que não entendem, então isso não presta. Só a sua importância presta. O Então, Kant propõe que os problemas construtivismo tem diferentes tradicionais da filosofia se resolvam adotando, como modalidades, mas todas elas partem da hipótese, o ponto de vista de que o conhecimento doutrina kantiana, segundo a qual o não se rege pelo objecto, mas que o objecto se rege conhecimento, qualquer conhecimento, pelo conhecimento, uma vez que, embora todo o só é possível graças à atividade de conhecimento comece com a experiência, nem estruturas já presentes no nosso todo o conhecimento tem origem na experiência. entendimento e anteriores à Por conseguinte, só se conhece quando é possível experiência concreta que queremos impor ao objeto os elementos a priori, próprios do conhecer, ou que estamos em vias de sujeito. São esses elementos a priori, comuns a todos ter. Esta doutrina é obviamente os homens, que permitem um conhecimento criticável, mas há que ter cuidado com a universal e necessário. ligeireza com que os opinadores oficiais falam de assuntos que não dominam bem, só porque lhes apetece ou só O Espaço e o Tempo como Formas Puras porque precisam de notoriedade. da Sensibilidade Segundo Kant, a possibilidade ou não da matemática como ciência pura será demonstrada, muito curiosamente, na Estética Transcendental. É nesta obra que Kant determina quais são os seus elementos a priori ou “formas puras”: o espaço e o tempo. Contra o racionalismo de Leibniz, que os entende como “conceitos discursivos”, contra Newton, que concebe o espaço e o tempo como absolutos e contra o empirismo de Locke e Hume, que os entende como conceitos empíricos, Kant
  • 6. sustenta uma concepção do espaço e do tempo como formas a priori da sensibilidade, como intuições puras da sensibilidade. O espaço e o tempo, em Kant, não provêm da experiência dos sentidos, mas são coisas em si, são, pelo contrário, aquilo que faz com que seja possível qualquer experiência. O espaço e o tempo têm uma realidade subjectiva, existem como formas que possibilitam a intuição, e têm uma “realidade empírica”, na medida em que são condições de qualquer experiência possível, mas não pertencem propriamente às coisas tal como elas são. Por outras palavras, o espaço e o tempo não são impressões empíricas nem sensíveis; o espaço e o tempo não estão nos objectos, mas são a condição subjetiva de possibilidade da intuição empírica: todos os objectos são percebidos no espaço e no tempo. Estas “formas da sensibilidade”, ao mesmo tempo que conferem necessidade e universalidade aos juízos sintéticos a priori1 , também fazem com que o objecto percebido nunca seja o objecto tal como ele é em si mesmo, mas tal como é apreendido pela sensibilidade humana. Não representam as coisas em si mesmas, mas, sendo simples condições da sensibilidade, estas fontes de conhecimento determinam os seus próprios limites, referindo-se aos objectos só como “fenómenos”, e não como essências, isto é, como as manifestações das coisas a que as estruturas espaço e tempo conseguem dar sentido. Portanto, e em resumo, segundo Kant, decididamente, o tempo e o espaço não “estão” nas coisas, não são propriedades das coisas, não nos são dados pela sensibilidade. Não sendo qualidades objectivas (relativas aos objectos) acontece exatamente o contrário: o espaço e o tempo são as condições subjectivas (relativas ao sujeito) a priori que possibilitam qualquer experiência, interna ou externa. Deste modo, o espaço e o tempo não são só condições de possibilidade de conhecimento sensível, mas de todo o conhecimento, na medida em que se referem a algo “inato” no homem, a sua própria estrutura cognitiva. O Entendimento - As categorias Até aqui, Kant ocupou-se em explicar as condições que nos permitem “intuir” empiricamente um objecto (através da sensibilidade ou capacidade para “sentir” o objecto). Já vimos que essas condições que o sujeito tem de possuir (condições subjectivas) são os elementos a priori espaço e tempo. Em função deles, apreendemos o “fenómeno”, isto é, como o objecto se manifesta face a esses elementos a priori. Também já sabemos que estes elementos, espaço e o tempo, são condições subjectivas da 1 Juízos analíticos são aqueles em que o predicado só explicita o que já está contido no sujeito (o triângulo tem três ângulos, por exemplo). Estes juízos não acrescentam nada ao que já se sabe. Juízos sintéticos são aqueles, cujo predicado proporciona um novo saber acerca do sujeito, sendo portanto extensivos e tendo a particularidade de aumentar o nosso conhecimento (por exemplo, os alunos de filosofia sabem o que é um juízo sintético, isto é, saber o que é um juízo sintético não é uma característica incluída no conceito de aluno de filosofia). Os juízos sintéticos a priori são as sínteses, através das quais a ciência, que se exprime sempre com juízos sintéticos, determina o fundamento das suas próprias verdades. É nas sínteses, dito de outro modo mais simples, em que o entendimento se apoia para fundamentar novos conhecimentos científicos.
  • 7. sensibilidade, mas também de todo o conhecimento. Já sabemos como “sentimos” os objectos, e já sabemos que essas condições de “sentir” os objectos são condições subjectivas de todo o conhecimento. Mas, agora, como é que “pensamos” os objectos? O entendimento é essa faculdade humana que “pensa” os objectos. Vejamos o que diz Kant: “O nosso conhecimento surge basicamente de duas fontes do psiquismo: a primeira é a faculdade de receber representações (receptividade das representações); a segunda é a faculdade de conhecer um objecto através dessas representações (espontaneidade dos conceitos). Através da primeira, acedemos a um objecto; através da segunda, pensamo-lo em relação com a representação”. Uma primeira diferença entre as duas faculdades fica desde logo clara: enquanto a sensibilidade é “passiva” e receptiva e tem intuições empíricas, o entendimento é activo e não tem intuições empíricas. Se do intuir passarmos agora para o pensar, também deveremos examinar quais são os elementos puros do entendimento, assim como as condições de possibilidade que devemos acrescentar à sensibilidade para constituir a experiência. Enquanto a sensibilidade intui objectos, o entendimento pensa os objectos, e fá-lo através de juízos que podemos decompor em conceitos. O entendimento é, então, a capacidade de o homem pensar o objecto da intuição sensível. “A nossa natureza é de modo a que a intuição só possa ser sensível, isto é, que só contenha o modo segundo o qual somos afectados (passivamente) pelos objectos. A capacidade de pensar o objecto da intuição é, por outro lado, o entendimento. Nenhuma destas propriedades é preferível à outra: sem sensibilidade, nenhum objecto nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado”. Julgar, “pensar”, pressupõe a utilização de conceitos que sintetizem os fenómenos para os dotar de significado, pois o fenómeno, só por si, é desordenado e caótico. Segundo Kant, existem dois tipos de conceitos no entendimento ✦ Os primeiros são os conceitos empíricos, que correspondem basicamente a generalizações abstraídas e induzidas da experiência (conceito de árvore, como referindo-se à apreensão do fenómeno várias árvores); precisamos destes conceitos para pensar, mas são insuficientes, porque estes são conceitos a posteriori. ✦ Os segundos são os conceitos puros ou a priori do entendimento. Trata-se de categorias, que são estruturas formais da mente, indispensáveis para pensar os fenómenos que, de outro modo, seriam caóticos. Deste modo, enquanto a sensibilidade traz ao nosso psiquismo a matéria ou o conteúdo do pensamento, o entendimento comporta a forma, ou a estrutura, isto é, as categorias.
  • 8. ANEXO: TABELAS DOS JUÍZOS E DAS CATEGORIAS, E DOS PRINCÍPIOS DO ENTENDIMENTO PURO DE KANT GRANDES JUÍZOS CATEGORIAS CATEGORIAS Universais Todo o A é B Unidade QUANTIDADE Particulares Algum A é B Pluralidade Singulares Só um A é B Totalidade Afirmativos A é B Realidade QUALIDADE Negativos A não é B Negação Infinitos A é não B Limitação Categóricos A é B Inerência e Subsistência (substância e acidente) Hipotéticos Se A é B, Causalidade e Dependência RELAÇÃO então é C (causa e efeito) Disjuntivos A é B ou C, ou Comunidade (acção D... recíproca entre agente e paciente) Problemáticos A é Possibilidade - Impossibilidade possivelmente B Assertivos A é realmente Existência - Não-existência MODALIDADE B Apodíticos A é Necessidade - Contingência necessariamente B
  • 9. GRANDES CATEGORIAS PRINCÍPIOS CATEGORIAS Unidade QUANTIDADE Pluralidade Axiomas da Intuição Totalidade Realidade Antecipações da QUALIDADE Negação percepção Limitação Inerência e Subsistência Analogias da (substância e acidente) experiência. Princípios: Causalidade e Dependência 1.Da permanência da (causa e efeito) substância RELAÇÃO 2.Da sucessão temporal Comunidade (acção (segundo a lei da causalidade) recíproca entre agente e 3.De simultaneidade (segundo paciente) a lei de comunidade ou acção recíproca) Possibilidade - Impossibilidade Postulados do pensar empírico: MODALIDADE Existência - Não-existência 1.Postulado da possibilidade 2.Postulado da existência Necessidade - Contingência 3.Postulado da necessidade