O documento fornece informações sobre como é viver com autismo do ponto de vista de uma criança. Ele descreve como a comunicação, sensorialidade, comportamentos e interesses são afetados pela perturbação do espectro do autismo.
1. Pequeno Manual de
Instruções
Para o meu mundo da
Perturbação do Espectro do Autismo
2. Dizem que comunicar é uma das
mais importantes características do ser
humano.
As pessoas transmitem muitas
emoções com olhos, pelas expressões
faciais, gestos, tons de voz e expressão
corporal.
3. Para mim, olhar alguém nos
olhos significa ser bombardeado
com demasiada informação que
não sou capaz de processar.
Estabelecer contacto visual directo
estimula demasiado o meu cérebro,
e é uma experiência dolorosa para
mim, causa-me muita ansiedade.
Olhar para outra pessoa pode
causar-me irritabilidade, dores de
cabeça, e até ataques de pânico
ou birras (meltdowns).
Por isso, muitas vezes ao falar com
outra pessoa, olhamos para um
ponto que transmita menos
informação, como a boca, o
queixo ou até os ombros.
4. Dou muita atenção a pormenores,
mesmo que insignificantes.
Posso descobrir detalhes que passam
despercebidos a outras pessoas, e que
para mim funcionam como “post-its”,
que me ajudam a identificar pessoas,
locais ou objectos.
Com essa informação, posso
reconhecer pessoas, sítios, cheiros,
sons, texturas, cores, formas,
reflexos, enfim, tudo o que
envolva os meus sentidos.
Tenho muito boa memória.
5. Muito barulho descontrola-me, e tapo
muitas vezes os ouvidos para me defender
de todas as informações que os sons
transmitem.
Apesar de conseguir identificar os sons
individualmente, não os consigo interpretar
quando são demasiados - um sítio com
muitos sons, como a rua, por exemplo -
pode ser para mim um lugar hostil e confuso.
Posso, por exemplo, recusar-me a
comer num sítio barulhento, ou
andar a pé na rua, porque tantos
sons ao mesmo tempo assustam-me
muito.
Os meus ouvidos são tão sensíveis
que às vezes ouço sons que as
outras pessoas não ouvem, e
também não gosto de sons muito
agudos ou muito graves.
Também não gosto que falem alto
ou gritem comigo.
6. Sou muito esquisito com
a comida…
… e posso rejeitar alimentos sólidos, texturas ou cheiros que me sejam estranhos
ou que me façam impressão.
7. Por outro lado, e por causa da minha perturbação sensorial,
posso sentir-me atraído e compelido a comer ou mastigar
objectos estranhos, como papel, lápis de cera, livros de
cartão, creme das fraldas, pilhas ou lâmpadas, entre outros.
8. Gosto muito de brincar e tenho um sentido de
humor muito peculiar.
Às vezes tenho ataques de riso sem razão
aparente – muitas vezes quando estou cansado
ou tenho sono, ou quando vejo um pormenor que
escapa a toda a gente - e sorrio quando vejo
coisas de que gosto ou reconheço.
Por vezes não entendo brincadeiras, gestos ou
expressões.
Gosto que me digam o que se vai passar a seguir
porque não sei antecipar acontecimentos, e que
me ensinem devagar, com calma e muita
paciência, porque experiências novas podem-me
assustar muito, e um passo mal dado numa
experiência anterior pode-me deixar algum
trauma.
9. Às vezes gosto de me isolar e de me
sentar a balançar o corpo, como se
estivesse a andar de baloiço.
Isso ajuda-me a aliviar o stress, e gosto
de o fazer até me acalmar, ou, em
caso de estar cansado, até dormir.
10. Às vezes tenho grandes “birras” (meltdowns), porque preciso
de descarregar energia e informação excessiva que fui
acumulando durante o dia/dias.
Não confundam estas “birras” – os meltdowns - com má
educação, mau temperamento ou mero capricho:
• Quando tenho um meltdown não vejo se as pessoas se
importam com o que estou a fazer, faço-o porque me
sinto triste, desconfortável, com excesso de energia,
quando quero muito uma coisa e não me consigo fazer
compreender, ou até mesmo ao sentir-me doente. Não o
faço para chamar de propósito a atenção dos outros.
• Durante um meltdown perco completamente o controlo
e posso pôr em causa a minha própria segurança ou a de
terceiros. Posso eventualmente bater com os pés no
chão, bater com as mãos na minha cabeça, bater com
a cabeça na parede, torcer os dedos das mãos dos
outros, bater ou morder.
• Os meus meltdowns são grandes e podem durar algumas
horas – desaparecem muito devagar – e geralmente
nessas alturas não gosto que me toquem ou falem alto
comigo.
Em caso de meltdown, removam objectos do sítio onde me encontro e com que
me possa magoar ou magoar os outros.
Posso atirar com coisas ou dar murros ou pontapés nas portas, paredes, esquinas,
mesas, cadeiras, etc.
Se possível, removam todas as pessoas do sítio onde me encontro.
As palavras não me chamam à razão, se me tentar magoar, tentem acalmar-me
pondo-me num baloiço, ou balançando comigo.
Também gosto de ouvir música clássica muito baixinho e estar num quarto com
uma lâmpada que mude de cor, ou um candeeiro que projecte imagens nas
paredes.
11. Gosto e procuro a companhia de adultos que me
consigam entender e ajudar.
Quando preciso ou quero alguma coisa, pego na mão
da pessoa e levo-a ao sítio onde a mesma coisa se pode
encontrar. A minha linguagem verbal pode ser
inexistente ou muito reduzida, o som “ahhh” é “água” ou
“dá”, “páá” é “papa” ou “papá” e “bá” é “bola”.
Por vezes tento imitar o que me dizem, e outras vezes
repito o som duas vezes – por exemplo, “bá, bá” é “bola,
bola”.
Às vezes digo “má”, que é “mãe” ou “má”, e digo
claramente “NÃO”. Mas ando a ensaiar!
Gosto que me cantem músicas para eu olhar para a
boca e perceber como é que se emitem os sons.
Apesar de procurar mais os adultos, também gosto da
companhia de outros meninos, e eventualmente posso
tentar brincar com eles, ou pedir-lhe ajuda.
Outros meninos como eu podem ter uma linguagem muito
sofisticada.
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14. Portas abertas são um perigo para mim, porque gosto de fugir silenciosamente e sem direcção
definida.
Como não falo, não consigo pedir ajuda, direcções, ou explicar quem sou e quem contactar, e como
não tenho muito sentido de direcção em espaços abertos, tenho dificuldade em encontrar o caminho
de volta.
15. … posso ser vítima de bullying, por as pessoas não
perceberem porque sou assim, e ter comportamentos
Q uando preciso de ajuda, procuro “estranhos” ou “incomodativos”. de mim, mesmo que sejam estranhos.
considerados quem esteja mais perto
O simples facto de ir a um supermercado, por exemplo, e
Como não tenho noção de perigo, e não me conseguem explicar o que fazer ou não fazer, confio em
dar gritos de alegria por ver coisas novas pode
qualquer pessoa, o que meincomodar grandea
põe em risco. população comum.
E eu não sei pedir ajuda em situações de de ser protegido destas situações e que
Por isso preciso perigo.
Preciso de atenção extrema em sítios minha condição à população geral.
divulguem a frequentados por outras pessoas.
16. Não tenho noção de perigo, e tenho muita tendência para acidentes, ou de me colocar em
situações potencialmente perigosas, que me podem causar danos físicos ou mesmo a morte.
Uma janela aberta para mim pode ser fascinante e debruço-me para ver uma perspectiva, ou
os passarinhos.
Posso ir para a estrada para ver os carros mais de perto, e uma piscina com água cheia de
reflexos e movimento é para mim ainda mais apelativa do que para os outros meninos.
17. Gosto de observar coisas novas, e ficar parado a olhar
“para o infinito”.
Essas são as alturas do “semáforo vermelho”, e não gosto que
me toquem, ou que me interrompam.
Fico muito irritado quando estou concentrado e me
interrompem!
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20. Gosto de brincar com bolas de ténis, de futebol e até gosto de jogar basquete.
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23. Adoro pintar, seja com lápis, lápis de cera, canetas de
feltro e digitintas.
Às vezes peço ajuda para o fazer e fico muito zangado
se não me ajudam.
Também gosto muito de plasticina e consigo fazer bolas
e “cobrinhas”.
24. Gosto de bolinhas de sabão, apesar de às vezes não gostar de lhes tocar.
25. E gosto mesmo muito de tomar banho e mexer na água!
44. Adoro brincar com o meu mano -
sentimos muito a falta um do outro,
apesar de às vezes andarmos à bulha!
45. E gosto muito da nossa família, e nós somos muito importantes para ela.
46. Obrigado me ajudarem a ter um futuro
integrado, seguro, feliz e brilhante!
47. Créditos:
Imagens:
Pesquisa Google
Os direitos das mesmas direitos pertencem
ao seu autor original.
Apresentação inspirada no livro “All Cats
Have Asperger’s Syndrome”, de Kathy
Hoopmann, nas obras de Daniel Tammet e
de Temple Grandin.
Música:
The Cinematic Orchestra Arrival of
the Birds & Transformation
Os direitos da mesma pertencem
ao seu autor original.
Textos:
Martin&Martin, pais orgulhosos.
Dedicado aos nossos “projectos em
desenvolvimento contínuo, com o
maior amor do mundo.
A todos os profissionais que “nos” e
“os” ajudam e acompanham na
descoberta do Mundo.
A todas as famílias, meninos,
meninas e adultos com
Perturbações do Espectro do
Autismo.
“You is kind. You is smart. You is important.”
(and we love you very, very much!)
Kathryn Stockett, The Help
Nunca se esqueçam disto, e nunca
acreditem se alguém disser o contrário.