O documento discute as particularidades da farmacoterapia pediátrica, incluindo: 1) o uso frequente de medicamentos não licenciados ou sem indicação em crianças; 2) as dificuldades em conduzir estudos clínicos em pediatria; 3) as diferenças anatomofisiológicas entre crianças e adultos que impactam a administração e ação dos medicamentos.
2. Definição
•NÃO LICENCIADOS : formulações extemporâneas; doses elaboradas
a partir de especialidades farmacêuticas para uso em adultos; ou uso
de medicamentos contra-indicados, importados e substâncias químicas
sem grau farmacêutico.
•SEM INDICAÇÃO: indicação terapêutica diferente da aprovada para o
medicamento; doses diferentes das recomendadas, administração por
via diferente da preconizada e em faixas etárias para as quais o
medicamento não foi testado.
(Choonara; Conroy, 2002)
6. Dificuldades da condução de E C em pediatria
1) necessidade de um diálogo cuidadoso entre o investigador, a criança e seus
responsáveis;
2) dificuldade de inclusão de sujeitos de pesquisa;
3) complexidade da estratificação destes entre as categorias: neonato, lactente,
criança e adolescente;
4) necessidade de realocação destes sujeitos, por meio das categorias, no
decorrer do estudo;
5) limitação de retorno financeiro para a indústria, uma vez que a população
pediátrica, que geralmente utilizará os novos medicamentos, poderá ser
menor em relação à adulta;
6) custo das tarifas adicionais para a aprovação de novas indicações ;
7) complexidade da realização dos ensaios, que devem ser conduzidos em
hospitais pediátricos; demoram mais para serem desenvolvidas e demandam
equipes com experiência em pediatria .
11. População Pediátrica
Criança = paciente especial
•População pediátrica (0-18 anos)
•Enfermidades específicas (não apresentadas por outras faixas etárias)
•Sinais e sintomas podem ser inespecíficos
•Dependência (em relação a cuidadores)
•Dificuldade de expressão
12. População Pediátrica
a) recém-nascidos pré – termo (RNPT) = < 37 semanas IG até 28 ddv;
b) recém-nascidos a termo (RNT) = ≥37 semanas IG até 28 ddv;
c) lactentes e crianças de 29 dias a 23 meses de idade;
d) crianças de 2 a 11 anos;
e) adolescentes de 12 a 18 anos
(OMS, 2007)
13. FARMACOTERAPIA PEDIÁTRICA
50% medicamentos utilizados em pediatria não são licenciados
para uso nessa faixa etária
(Yeung, 2007)
?? ?
•Características peculiares que podem predispor a ocorrência de EAM’s;
•Carência de um método universal para o cálculo das doses (idade / características
do desenvolvimento);
14. “…remedies of the infantile state are a
subject that has received little attention
from Enlightened Physicians…”
(Dr. Eli Ives – 1813)
15. Histórico
•morte de 107 crianças que receberam o elixir de
sulfanilamida em dietilenoglicol em 1937;
•o aumento da mortalidade neonatal associada ao
Kernicterus em recém-nascidos prematuros que
receberam sulfonamida, em 1956;
•a descrição de colapso cardiovascular em neonatos
que recebiam cloranfenicol, em 1959,
(RACHMANINA; VAN DEN ANKER, 2006)
17. Brasil
[...] o uso destes medicamentos é feito
por conta e risco do médico que o
prescreveu, e pode eventualmente vir
a caracterizar um erro médico, mas
em grande parte das vezes trata-se de
uso essencialmente correto, apenas
ainda não aprovado[...].
(ANVISA, 2005)
19. Relação Risco x Benefício
“O emprego de fármacos sem a devida garantia de
eficácia e, sobretudo, da segurança somente pode ser
justificado em situações nas quais o risco de se utilizá-
los é menor do que o de não fazê-lo.”
(WANNMACHER, 2007)
20. Considerar
Cada faixa etária apresenta características próprias em função dos diferentes
graus de maturação dos processos fisiológicos (digestiva, renal, hepática,
cardiovascular, etc.)
Adaptação biológica progressiva = modificações metabólicas , bioquímicas e
fisiológicas
Processos e mecanismos farmacodinâmicos e farmacocinéticos de
medicamentos
21. Particularidades
• Maior parte do peso corpóreo é constituído de água (75% RN
termo; 85% RNPT), ↑ de relação extracelular/ intracelular
(40:60 neonato x 20:80 adulto).
• A gordura representa cerca de 3% do peso corpóreo.
• Perda de peso durante os 10 primeiros ddv.
22. Particularidades
• pH mais básico do estômago (imaturidade das células parietais) até
32 semanas de idade gestacional).
↓ Atividade das enzimas amilase, lipase e ácidos bilares.
↓ Motilidade intestinal, ↑ do tempo de esvaziamento gástrico.
• Imaturidade da mucosa intestinal (↑ da permeabilidade).
23. Particularidades
↓ Da concentração, qualidade e afinidade da ligação das
proteínas plasmáticas (albumina)
• Presença de bilirrubina (produto final do catabolismo do
grupo heme) ligada de forma reversível a albumina.
24. Particularidades
• Limitação de metabolismo hepático
Fase I - ↓ reações de oxidação, redução, hidrólise, metilação e
hidroxilação até por volta do sexto mês de idade;
Fase II - ↓ reações de glucoronidação, sulfatação e acetilação
até por volta do terceiro ou quarto anos de vida.
25. Particularidades
Ritmo de filtração glomerular ↓ nos prematuros: cerca de 30 a
40% em relação ao adulto (nefrogenese até 12 meses de
idade).
Ex.: Para um neonato menor que 34 semanas de idade
gestacional GFR 1 a 3 mL/min/1,73 m2, sendo de 2 a 4
mL/min/1,73 m2 para um RN termo.
26. Impacto na Administração de medicamentos
Limitação de oferta de volume.
Intravenosa: diluições próprias para esta população,
diluição em casos de restrição hídrica, velocidade
de infusão, osmolalidade (flebites ↑ 900mOsm/Kg
periférico).
27. Impacto na Administração de medicamentos
•a pequeno calibre das veias;
•presença de maior camada adiposa;
•emprego de pequenos volumes (erros de diluição).
Excipientes:
•propilenoglicol, álcool benzílico e polietilenoglicol causam
toxicidade em neonatos devido à função renal imatura.
28. Impacto na Administração de medicamentos
Intramuscular: absorção lenta e errática (↓ massa
muscular, ↓ circulação sanguínea), limitação de
volume, dor no local da aplicação e imobilidade do
RN.
29. Impacto na Administração de medicamentos
Tópica: ↑ da absorção (estrato córneo menos
espesso), ATENÇÃO RISCO DE TOXICIDADE
SISTÉMICA. Absorção variável.
Oral: diminuição da absorção de fármacos ácidos
(fenobarbital/ fenitoína), ↓ da solubilidade de
fármacos lipossolúveis, retardo do início de ação.
Atenção a osmolalidade: risco de enterocolite
necrotizante (↑ 460 mOsm/Kg).
30. Impacto na Administração de medicamentos
Retal: alternativa para a administração sistêmica
evitando o efeito de primeira passagem.
31. Distribuição
Necessidades de maiores doses (mg/Kg) para alguns
fármacos, devido ao maior volume de distribuição.
Ex: aminoglicosídeos
Menor distribuição de fármacos lipossolúveis.
32. Distribuição
Maior fração de droga livre plasmática, que é
farmacologicamente ativa (digoxina, fenitoína e
fenobarbital) RISCO DE TOXICIDADE.
Possibilidade de deslocamento da bilirrubina pelo uso de
fármacos com alta afinidade a proteína plasmática. Obs.
A bilirrubina atravessa a BHE e pode ocasionar o
Kernicterus.
34. Monitorização terapêutica
Intervalos para concentrações séricas não são bem
definidos em neonatos e principalmente em prematuros.
Nos prematuros extremos a baixa ligação a proteína
plasmática representa um desafio à monitorização
terapêutica, uma vez que podem ocorrer sinais de
toxicidade ou resposta terapêutica adequada mesmo
abaixo dos níveis terapêuticos.
35. Monitorização terapêutica
O sistema de infusão também oferece dificuldades ao
monitoramento, em razão de seu comprimento, diâmetro
e da velocidade de infusão.
Obs.: torna-se necessário conhecer os dispositivos de
infusão utilizados para adequar e orientar o preparo e
administração de medicamentos com segurança.
36. Dificuldade de informação
Fármaco Micromedex (FDA - BNF for children Anvisa (Bulário Eletrônico e CBM Fabricante
Drug Summary 2007 2004/2005)
Information)
aminofilina Licenciado para uso Licenciada para A Apresentação para uso USO ADULTO E
pediátrico. uso pediátrico. parenteral não consta do Bulário PEDIÁTRICO. Não
Não Inclui neonatos. Inclui neonatos. eletrônico da ANVISA. CBM: USO menciona recém-nascidos,
ADULTO E PEDIÁTRICO. lactentes e crianças.
Minoton® - Ariston.
cefotaxima Licenciado para uso Licenciada para Bulário eletrônico da ANVISA e USO ADULTO E
pediátrico. Inclui uso pediátrico. CBM: USO ADULTO E PEDIÁTRICO. Inclui recém-
neonatos. Inclui neonatos. PEDIÁTRICO. "Contra-indicado nascidos. Cetazima® -
em crianças com idade abaixo de Novafarma.
30 meses."
dobutamina Não licenciado para Não Bulário eletrônico da ANVISA e USO ADULTO E
uso em crianças. licencenciado CBM: USO ADULTO E PEDIÁTRICO. "Não
para uso em PEDIÁTRICO. Não menciona menciona neonatos".
neonatos. Dobutanil® - Novafarma.
crianças.
37. Medicamentos com restrição por idade
Medicamento Restrição
atropina só em maiores de 3 meses
benzoato de benzila só em maiores de 2 anos
cefazolina só em maiores de 1 mês
clindamicina só em maiores de 1 mês
efavirenz só em maiores de 3 anos
ibuprofeno só em maiores de 3 meses
penicilina procaína só em maiores de 1 mês
prometazina só em maiores de 2 anos
sulfadiazina de prata só em maiores de 2 meses
trimetoprima só em maiores de 6 meses
(Adaptado de WHO)
38. Doses em pediatria
? ??
•Não há consenso relativo à determinação da posologia em crianças.
•Em geral, os cálculos usam peso, superfície corporal e idade, devendo
ser individualizados, embora em muitas bulas de medicamentos o
fabricante coloque doses de acordo com peso ou faixa etária.
•Esse cuidado é tanto mais importante, quanto menor for a idade da
criança.
39. Doses em pediatria
•Em algumas situações, especialmente quando o medicamento é
novo, pode-se calcular a dose da criança em função da do adulto.
Porém, se ainda não há doses para crianças, muito provavelmente
esse medicamento ainda não foi testado suficientemente,
necessitando indicação e monitoramento ainda mais criteriosos.
Logo, os cálculos individualizados são meras aproximações.
40. Doses em pediatria
•Lembrar que os reajustes de dose são necessários até o peso máximo
de 25 a 30 kg. Além desse peso, utiliza-se a dose preconizada para
adultos.
•A dose máxima calculada não deve superar a do adulto.
•A utilização da superfície corporal baseia-se no fato de que, na criança,
ela é maior em relação ao peso do que nos adultos. A razão superfície
corporal/ peso varia inversamente com a altura.
•Prefere-se a utilização da superfície corporal quando o peso da criança
for superior a 10 kg. Quando for inferior a esse valor, o próprio peso é
utilizado. Assim, a dose do medicamento é apresentada em mg/kg/dia ou
mg/m2/dia.
41. Regras e fórmulas para cálculo de dose com base
no peso do paciente
Regra de Clark - Peso corporal < 30 kg
DP = DA x peso da criança (kg)
70 kg
Regra de Law < de 1 ano de idade
DP = idade da criança (meses) x DA
150
Fórmula de Young 1 a 12 anos de idade
DP = idade da criança (anos) x DA
(idade da criança + 12)
DP = dose pediátrica DA = dose do adulto já estabelecida
42. Dose, Forma farmacêutica, Apresentação
x
Erros de medicação
•Necessidade de efetuar cálculos para a prescrição em pediatria;
•↓ disponibilidade de especialidades farmacêuticas gerando a necessidade
de manipulação ou transformação de formas farmacêuticas para uso adulto;
•Grande utilização de suspensões extemporâneas para uso oral
(homogeneidade) ;
•Variabilidade de concentrações;
•Necessidade de realização de cálculos para administração intra-hospitalar
pela equipe de enfermagem;
•Necessidade de preparo dos cuidadores para tratamentos domiciliares.
43. Ensaios clínicos Necessários???
Enfermidades específicas
•Persistência do canal arterial
•DMH
•Broncodisplasia
•Apnéia da prematuridade
•Retinopatia da prematuridade
•Convulsões febris, etc.
44. Ensaios clínicos, Evidência, Ética e Legislação
A utilização de medicamentos “não licenciados e sem
indicação” não é capaz de gerar evidências e ainda
expõe estas populações a riscos que poderiam ser
monitorados em ensaios clínicos controlados
(RACHMANINA E VAN DEN ANKER , 2006) .
45. Ensaios clínicos, Evidência, Ética e Legislação
Crianças não são pequenos adultos, apresentam diferenças
não apenas anatômicas, mas variações fisiológicas
importantes durante todo o seu desenvolvimento.
Apresentam características e doenças distintas das que
acometem os adultos, o que inviabiliza a extrapolação de
dados oriundos de estudos realizados em populações
adultas para pediátrica, principalmente, a neonatal
(KAUFFMAN, 1994).
46. Ensaios clínicos, Evidência, Ética e Legislação
Seria justificável e ético conduzir ensaios clínicos
controlados a oferecer tratamentos sem evidência
científica razoável, ou seja, baseados apenas em
relatos de experiências locais, uma vez que o ensaio
clínico tem maior capacidade de responder a
questões de eficácia e segurança sobre um
tratamento (YEUNG, 2007) .
47. Ensaios clínicos, Evidência, Ética e Legislação
A utilização desses medicamentos em pediatria é uma
prática comum e, ao mesmo tempo, um dilema.
Apesar de não constituir um preceito ilegal, pode
oferecer risco ao paciente, sendo o médico e o
farmacêutico responsáveis por qualquer evento adverso
relacionado ao seu uso (ASHP, 1992; BARR et al, 2002;
COLLIER, 1999; DICK et al, 2003; FDA, 1982).
48. Ensaios clínicos, Evidência, Ética e Legislação
Também é um fator de preocupação, uma vez que
esta população tem maior suscetibilidade para o
desenvolvimento de toxicidade, devido à
imaturidade das funções hepática e renal e ao
grande número de medicamentos utilizados
(CUZZOLIN; ZACCARON; FANOS, 2003).
49. Brasil
Medicamentos não licenciados
Porcentagem de itens de medicamentos Porcentagem de fármacos licenciados e não
licenciados e não licenciados para uso neonatal licenciados para uso neonatal no Brasil
no Brasil
Não licenciados
58%
Não Licenciados
licenciados 27%
73%
Licenciados
42%
•adrenalina •dexametasona •fósforo •proximetacaína
•aminofilina •dipirona •furosemida •ranitidina
• ampicilina •dobutamina •espironolactona •rocurônio
• atropina •dopamina •hidrato de cloral •salbutamol
• benzoato de sódio •fenobarbital • hidroclorotiazida •sildenafil
• cálcio (gluconato) •fenoterol •midazolam •tramadol
•cefotaxima •fentanila •milrinona
• clotrimazol •filgrastima •pancurônio
50. EUA
Medicamentos não licenciados
Porcentagem de itens de medicamentos licenciados e não
licenciados para uso neonatal nos EUA
Porcentagem de Fármacos com especialidades
farmacêuticas licenciadas para uso neonatal nos
EUA
Não licenciados
53%
Licenciados
34%
Não licenciados
Licenciados
66%
47%
•adrenalina •dobutamina •flumazenila •proximetacaína
•aminofilina •dopamina •fósforo •ranitidina
•atropina •espironolactona •furosemida •rocurônio
•benzoato de sódio •fenobarbital •hidrato de cloral •salbutamol
•clotrimazol •fenoterol •hidroclorotiazida •sildenafil
•dexametasona •fentanila •midazolam •tramadol
•dipirona •filgrastima •milrinona,
51. Disponibilidade de informação sobre medicamentos segundo a fonte
Fármacos
n=41
Sem especialidade
farmacêutica no Sem bula no
Brasil CBM Sem bula BE
n=3 (7,3%) n=19 (50%) n=24 (63%)
52. Pesquisas – HU-USP
Alternativas terapêuticas com aprovação de
uso pediátrico pelas agências reguladoras
brasileira (ANVISA) e norte-americana (FDA).