A entrevista discute os planos de investimento e expansão da fábrica da Fiat em Betim para os próximos anos, as novas tecnologias que serão implementadas, e como a empresa está lidando com a crise econômica global.
1. ENTREVISTA texto Caio Moraes fotos Roberta Dabdab
A
tuando há mais de 30 anos no setor automobilístico,
Cledorvino Belini, 59 anos, acumula hoje as funções de
Diretor Superintendente da Fiat Automóveis para a
América Latina e a presidência da Fiat do Brasil. Nascido em São
Paulo, o executivo é formado em Administração de Empresas pela
Desafio de um Universidade Mackenzie, mestre em Administração Financeira pela
Universidade de São Paulo e tem MBA pelo INSEAD/FDC, da França.
Em sua bem-sucedida trajetória na indústria automobilística,
GIGANTE
Foto: Reprodução
Belini esteve à frente de outras duas empresas de grande porte:
Cofap e Magneti Marelli do Brasil. No comando da Fiat em um perío-
do que vem sendo excepcionalmente bom para a empresa, que é lí-
der de mercado no Brasil desde 2001, ele tem sido responsável por
uma política agressiva de lançamentos, investimentos e construção
Primeiro brasileiro a ser nomeado presidente da Fiat do Brasil, Cledorvino de novas instalações em Betim, Minas Gerais. O executivo falou à
Belini fala sobre os desafios de manter a empresa na liderança em ano de crise Cavallino sobre este bom momento da empresa e o desafio de se
mundial e sobre a ampliação do complexo da montadora em Minas Gerais manter na dianteira mesmo com a crise mundial.
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2. ENTREVISTA
plenamente. Lá, será possível projetar visualmente, em três dimen-
sões, um novo carro, com todas as suas formas e cores, por fora e por
dentro, sem que seja necessário construir o protótipo. Ou seja, tere-
mos situações reais de coisas que ainda não existem, o que também
representa grande ganho de tempo.
Com o novo volume de produção, essa unidade deverá atender à
demanda de quais mercados?
Nossos mercados prioritários são o Brasil e a América Latina, mas tam-
bém exportamos para a Europa e para países da África e da Ásia. Con-
tamos também com a fábrica da Fiat em Córdoba, na Argentina, que
complementa nossa capacidade produtiva.
Quais tecnologias ou conceitos inovadores de produção serão apli-
cados na nova planta?
Na fábrica de motores da FPT (Fiat Powertrain), adotamos o que há de
mais moderno em robótica nas atividades de alta precisão. As novas
prensas serão capazes de estampar 15 peças por minuto, o dobro do
que é feito hoje. O Polo de Pesquisa e Desenvolvimento, que está sen-
do expandido, já conta com laboratório de compatibilidade eletro-
magnética, o único capaz de realizar testes no interior dos veículos pa-
ra certificar a imunidade de seus sistemas eletroeletrônicos. Na expe-
Há pouco tempo, a Fiat anunciou que construiria no Brasil a verá que há uma série de novas instalações e ainda al- Os investimentos incluem somente aumento produtivo rimentação de veículos, temos uma câmara climática onde é possível
maior fábrica da marca no mundo. Com a chegada da crise mun- guns galpões em construção. As obras civis dos novos ou estão destinados a outros setores? realizar testes com o carro em velocidade de até 200 km/h no dinamô-
dial, essa decisão permanece? galpões das áreas de prensas e de funilaria já estão fina- Além da produção, estamos otimizando os processos e in- metro e em temperaturas que variam de -30ºC a 50ºC. Isso significa
Nosso plano de investimentos previsto para o triênio 2008-2010 é de lizadas, e os equipamentos já estão a caminho. Uma linha vestindo fortemente em tecnologia. O desenvolvimento que não precisamos ir à Patagônia nem ao deserto do Saara para tes-
R$ 5 bilhões e está mantido. A fábrica de Betim (em Minas Gerais) te- de prensas, vinda do Japão, já desembarcou no Porto do de novos produtos tem peso considerável em nosso pla- tar a resistência de nossos carros. A Sala Virtual do Centro Estilo, com
rá sua capacidade de produção ampliada de 700 mil para 800 mil Rio de Janeiro e deve chegar em breve. Todas as áreas no. O Fiat Linea, sedan de luxo lançado em 2008, é parte as projeções em 3D e tamanho real, é outro exemplo do que há de
veículos por ano. Além disso, está prevista a adoção de novos pro- operacionais da fábrica, a exemplo da pintura e da monta- desse programa, assim como o novo Punto T-Jet. O Polo mais moderno em termos de tecnologia.
cessos e tecnologias, principalmente no que diz respeito ao desen- gem, estão sendo ampliadas. No setor de pintura, foram de Pesquisa e Desenvolvimento ganhou novos laborató-
volvimento de novos modelos. Com essa dimensão, a fábrica de instalados 33 novos robôs, o que não só amplia a capaci- rios e equipamentos de última geração, como softwares A Fiat já fez algumas tentativas de implantar a marca Alfa Romeo
Betim certamente já está entre as maiores do mundo, segundo ava- dade produtiva como nos permite aumentar o padrão de que realizam testes e simulações, reduzindo o tempo de no Brasil. Por que não deu certo? Ainda existe essa possibilidade?
liações feitas por diversos consultores da indústria automobilística qualidade, reduzir a emissão de poluentes e melhorar as desenvolvimento de novos modelos. Com isso, os avan- Sem entrar no mérito das iniciativas anteriores, posso dizer que, nos
em publicações especializadas. condições de trabalho de nossos colaboradores. Na FPT ços tecnológicos chegam mais rapidamente ao mercado e últimos anos, a instabilidade da taxa cambial prejudicou o planeja-
(Fiat Powertrain), divisão da Fiat que produz motores e com custo mais acessível. O Centro Estilo, onde o design mento da marca no Brasil. A Alfa é uma referência em termos de espor-
O que já foi feito desde que foi anunciada a ampliação da fábrica? transmissões, uma nova fábrica de propulsores está sen- de nossos automóveis é idealizado, ganhou uma nova tividade, com forte tradição também no nosso país, e sua volta ao mer-
Se você percorrer os 5,5 quilômetros do perímetro da Fiat em Betim do construída, usando a mais moderna tecnologia. “sala virtual”, que está totalmente equipada e já funciona cado não está descartada, embora não tenhamos um prazo definido.
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3. ENTREVISTA
Na opinião do senhor, quais fatores levaram a Fiat a assumir e a Quais as possibilidades abertas com a inauguração do
manter a liderança de mercado no Brasil? Polo de Desenvolvimento Giovanni Agnelli, em 2003?
Não há dúvida de que todos os veículos melhoraram; basta comparar O Polo tem recebido novos investimentos, pois a atualiza-
os automóveis de hoje com os produzidos no século passado. A tec- ção tecnológica é um processo contínuo. Esta é uma de-
nologia embarcada atualmente é muito maior, e os benefícios para o corrência natural do crescimento do mercado brasileiro e
consumidor são muitos: mais conforto, segurança, desempenho e de sua liderança na América Latina. Com o crescimento do
economia. A Fiat tornou-se líder no mercado brasileiro em 2001 e, des- mercado e a ampliação da nossa gama, precisamos cada
de então, foi campeã de vendas por sete anos. Posso concluir, então, vez mais desenvolver soluções próprias, tanto em design
que melhoramos a qualidade de nossos automóveis em uma escala quanto em outros campos da engenharia automobilísti-
acima da de nossos concorrentes. Costumo dizer que a razão desse ca. O pólo nos trouxe mais proximidade com o mercado. O
sucesso é uma combinação de fatores: qualidade de nossos carros, fortalecimento da engenharia no Brasil facilita também o
melhor oferta de conteúdo e contravalor aos clientes; parceria estabe- aumento do intercâmbio com nossa matriz, na Itália, pois
lecida com os fornecedores e os concessionários, com padrões de ex- podemos oferecer soluções em áreas nas quais adquiri-
celência nos serviços de venda e de pós-venda; e também a força de mos grande expertise, como suspensões e motores movi-
nosso time interno, pois são as pessoas que trazem as inovações, que dos a biocombustíveis, além de outros mercados, com ca-
projetam e fabricam os carros e fazem o atendimento dos clientes. racterísticas mais parecidas com as do Brasil.
A Fiat tem tradição na fabricação de modelos de pe-
queno porte, mas ainda não conseguiu emplacar defi-
nitivamente um sedan médio em nosso mercado.
Existe uma resistência do brasileiro com relação a um
carro de maiores dimensões da marca?
Não tenho essa percepção. O Línea, recém-lançado, tem
todos os atributos de conforto e desempenho de seus
concorrentes, além de um design belo. O Tempra foi um Qual a posição adotada pela Fiat diante da atual conjuntura?
grande sucesso e o Marea teve um conjunto equilibrado, A postura que temos adotado é a de agir com realismo e firmeza dian-
com alto grau de satisfação de seus clientes. te do novo momento vivido pelo mercado, mas sem perder a confian-
ça de que a superação será rápida. Obviamente, precisamos nos pre-
As vendas do Linea estão atendendo as expectativas? parar para o novo cenário, adequando os níveis de produção e procu-
O Linea foi lançado no momento em que o mercado come- rando maior eficiência nos custos em todas as áreas da empresa.
çou a desacelerar, no mundo e no Brasil, o que certamen-
te afetou nossos planos iniciais. Mas suas vendas já estão A indústria automobilística está sempre em busca de produtos que
na ordem de mil carros por mês. serão comercializados vários anos à frente. Na visão da Fiat, qual
será o futuro das tecnologias automotivas: elétricos, híbridos ou cé-
Na percepção do senhor, qual é a gravidade da atual lula de combustível?
crise mundial e quanto tempo será necessário para que Não haverá apenas uma solução. A tecnologia flex, no Brasil, é um
ela seja superada? avanço significativo, pois possibilita ampla utilização dos biocombus-
Não podemos ignorar sua gravidade, pois a crise não é tíveis, que são renováveis e permitem um balanço de carbono mais fa-
somente financeira. Tem atingido todos os setores, em vorável ao meio ambiente. Todas as demais alternativas estão sendo
todos os mercados. O momento é de grande incerteza. desenvolvidas e encontrarão seu espaço na matriz da mobilidade so-
Mas tenho esperança de que o Brasil possa apontar pa- bre rodas. Hoje, a Fiat desenvolve pesquisas em todas as possibilida-
ra uma recuperação mais rápida do que os demais paí- des conhecidas, com protótipos em testes. No Brasil, estamos con-
ses do mundo, com os efeitos negativos da crise limita- centrando o desenvolvimento nos motores movidos a biocombustí-
dos ao primeiro trimestre de 2009. veis e nos carros elétricos, em parceria com a Itaipu.
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