O autor descreve seu encontro com o escritor Moacyr Scliar em 2006. Scliar o recebeu com simpatia e durante a viagem sanou todas as dúvidas do autor, orientando-o como um bom professor. Sua palestra em Charqueadas encantou a plateia com seu talento e humildade. O encontro deixou uma impressão duradoura no autor sobre a afabilidade e curiosidade de Scliar.
1. ESPECIAL
REGIÃO CARBONÍFERA, TERÇA-FEIRA, 1º DE MARÇO DE 2011
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Rodrigo
Ramazzini
rodrigoramazzini@terra.com.br
Adeus, Scliar!
Os bastidores de um encontro.
Conheci pessoalmente o escritor Moacyr Scliar
no ano de 2006. À época, eu era presidente da As-
sociação de Literatura de Charqueadas e o traría-
mos ao município para realizar uma palestra duran-
te as atividades do Sarau Literário daquele ano.
Como ocupante do cargo, coube-me acompanhar o
carro que buscaria o escritor na capital para fazer-
lhes as honras da casa. Antes da curta viagem, li-
guei para o meu amigo João Soares para contar-lhe
sobre a realização do evento, bem como do futuro
encontro com o Scliar. Lembro até hoje das pala-
vras do “Joãozinho”: “cola nele e “chupa” todo o
conhecimento que conseguires dele. O Scliar é uma
pessoa sensacional!”. Depois descobri que o João
tinha toda a razão.
Nervosismo à parte, o primeiro contato com o
escritor aconteceu na entrada do seu prédio, em
Porto Alegre. Com um sorriso no rosto, ao ver-me
gritou “fala, mestre” e cumprimentou-me com sua
singular simpatia. A partir daí, comecei o que pos-
so classificar como uma verdadeira “guerra”, pois
iniciei um bombardeio de questões sobre todos os
assuntos até retornarmos para Charqueadas.
Durante o trajeto de volta descobri porque o es-
critor era admirado não só por sua obra, mas, tam-
bém, como ser humano. Com simplicidade, paciên-
cia e bom humor, Scliar ia sanando todas as minhas
dúvidas e orientando-me como um bom professor.
Um dos ensinamentos carrego vivo até hoje: a va-
lorização dos leitores. Parece óbvio isso para quem
escreve. Porém, não é. Tratar cada leitor como um
ser único e mostrar-lhe gratidão por ele “gastar” seu
tempo lendo os textos deve ser algo sempre que
possível demonstrado. É o que eu tento fazer quan-
do há qualquer tipo de manifestação nesse sentido.
Logicamente, sou mais um dos admiradores do
trabalho do Moacyr Scliar. Possuo vários livros do
autor, mas tenho um apreço pela obra “O exército
de um homem só”. A qualidade e a quantidade da
sua produção literária são impressionantes. Dizia
ele que escrevia uma coluna de jornal em 20 minu-
tos. Sinceramente, não consigo imaginar como isso
é possível, tendo como base que, às vezes, demoro
horas para escrever meia dúzia de linhas.
Voltando a palestra, em Charqueadas. Já durante
o evento, nos sentamos ao lado um do outro. Com
um Solar Shopping lotado, ele começou a falar e a
encantar quem estava lá assistindo. Poucas vezes vi
uma plateia prestar tanta atenção no que uma pes-
soa falava. Era um silêncio só. Depois de mais de
uma hora de conversa, o Scliar agradeceu a presen-
ça de todos e me passou o microfone, questionan-
do-me baixinho “E aí, o que achou?”. Embevecido
com tudo e surpreendido pela pergunta em um tom
de impressionante humildade, apenas tive a reação
de convocar uma salva de palmas, o que foi realiza-
da por todos em pé.
Após atender os leitores, autografar vários livros
e uma breve paradinha na praça de alimentação, era
hora de fazer o caminho de volta para Porto Alegre.
Foi o momento da vingança do Scliar contra mim.
Com os papeis trocados, ele que começou a me en-
cher de perguntas. Fez isso, na maior parte do traje-
to, com uma incomum curiosidade.
Já na capital, com cordiais palavras escreveu
uma dedicatória e deu-me um autógrafo. Despedi-
mos-nos. Dois dias depois me enviou um email co-
mentando um dos meus textos que acabara de ler.
Novamente, utilizando afetuosas e generosas pala-
vras.
Essa afabilidade era a marca de um homem inte-
ressado e maravilhado com o cotidiano de pessoas
comuns, como eu. Foi uma experiência e um conta-
to que durou pouco tempo, mas que deixará os ras-
tros e os ensinamentos para o resto da vida.
Obrigado por tudo e adeus, Scliar!
pdn_368.p65 5 28/2/2011, 20:19