1. D1 Araçatuba, quarta-feira, 3 de novembro de 2010
LITERATURA Paulo Gonçalves/Folha da Região - 27/10/2010
Histórias
que cruzaram
A escritora Marilurdes Campezi, de Araçatuba,
diz que gosta de descrever o belo em suas
fronteiras
Araçatuba sua devoção pela cidade é tão la- reira, foram nove livros publica- se interessou pelo material e re-
obras; na década de 80, as histórias
que contava para os filhos se
transformaram em livros comercializados
em toda a América Latina
ra na cidade. A Academia man- ARAÇATUBA
Jean Oliveira tente quanto sua candura. dos, mais uma incontável partici- solvemos, então, fazer uma tém um grupo experimental que Um das características de
jean.oliveira@folhadaregiao.com.br pação em outras publicações. obra mais robusta", conta. Era o Marilurdes é a gratidão. E este
“ "Tenho tido um trabalho cons- destino a acolhendo. As histó- “ sentimento não está presente
A
escritora araçatubense tante e não tenho do que recla- rias ganharam vida própria e os apenas quando fala da acade-
Marilurdes Campezi Eu não mar quanto à receptividade de- livros foram vendidos em cole- Tenho mia. Ao falar de Araçatuba, sua
gosta de ver o mundo le", disse ela à Folha da Re- ção, com slides e CDs, por toda cidade natal, a escritora se em-
por uma lupa sentimental. Tu- concordo gião em uma entrevista concedi- a América Latina. A primeira tido um polga. "Amo minha cidade e é
do o que há em seu mundo é
visto de perto, com zelo, com
que o poeta da na sede da Academia. edição teve 5 mil cópias. "En-
tão, saíram mais edições. Novos
trabalho uma pena que ela esteja tão
malcuidada. Não estou fazendo
curiosidade. E por isso, nasce, deva sofrer HISTÓRIAS livros foram feitos e também tra- constante e crítica a esta ou outra adminis-
de suas mãos, uma literatura para escrever Marilurdes começou a criar duzidos para o inglês", conta. não tenho tração. O processo é mais longo
mais intimista. "Mas eu não histórias antes de pensar em pu- e complexo", diz.
concordo que o poeta deva so- bem. blicá-las. Quando seus filhos ain- ACADEMIA
do que
Mas, apesar desta ressalva
frer para escrever bem. Vejo tu- Vejo tudo de da eram pequenos, na década Já com uma carreira sedi- reclamar sobre a situação atual da cidade,
do de perto, mas vejo o belo. perto, de 1980, ouviam histórias inven- mentada, a professora foi convi- quanto à a escritora afirma que este é me-
Escrevo sobre o que é belo", diz tadas por ela antes de dormir. dada pelo também escritor Célio lhor lugar para se viver. "Não
ela, que é carinhosamente cha- mas vejo Para não perder este acervo, e Pinheiro, na década de 1990, pa- receptividade troco esta cidade por nada. Ela é
mada de Lula pelos amigos. o belo presenteá-los no futuro, ela pro- ra fazer parte da primeira funda- dele calma, bonita e agradável", diz.
Marilurdes é escritora de li- curou uma gráfica de Araçatuba ção da Academia. "Bom, daí em Este amor pela cidade já foi mo-
teratura infantojuvenil, foi profes- para imprimir algumas cópias diante, só tive mais incentivo pa- tivo até de livro. Marilurdes es-
sora de Português da rede oficial ” dos textos que redigira. ra continuar escrevendo", afirma ” creveu a obra "Porta-Retratos",
de ensino e de muitas escolas par- Por isso seus livros já cruza- "Estava lá quando fui abor- ela, que considera o trabalho fei- dá apoio a novos autores. Al- em que fez um mosaico de histó-
ticulares de Araçatuba, e é mem- ram fronteiras, tendo sido vendi- dada por um editor de livros, to pela instituição junto aos jo- guns chegaram a se tornar imor- rias e pensamentos sobre a cida-
bro da Academia Araçatubense dos em diversos países, em mui- chamado Agostinho Lemos, que vens escritores como um dos tais depois de algum tempo de de. A obra se tornou referência
de Letras desde sua fundação. A tas línguas. Ao longo de sua car- também era araçatubense. Ele grandes feitos em favor da cultu- treino e publicações. histórica sobre Araçatuba.
Marilurdes, a Lula, diz que Cecília
Meireles é uma de suas referências
Sensibilidade. Este é prin- brasileira. É considerada umas guém que explique e ninguém gião , que esta sua sensibilida-
cipal atributo do trabalho da das vozes líricas mais importan- que não entenda". de tem sido reforçada, nos últi-
escritora araçatubense Marilur- tes das literaturas de língua E é por esse talento, que mos anos, por causa de sua
des Campezi, que se inspira portuguesa. Ela era capaz de di- Marilurdes se encanta. Ela con- aproximação com as questões
no intimismo de Cecília Meire- zer muito sobre a vida, com fessa que às vezes escreve algu- espirituais. Ela disse que tem
les. "Ela sempre percebia as poucas palavras. mas frases em seus livros ou estudado mais sobre causas e
coisas com os cinco sentidos e Cecília é autora de frases outros escritos que são de pura consequências dos atos das
muito mais. E é isso que eu antológicas como: "Aprendi inspiração. "Até eu paro para pessoas na vida e no possível
busco quando escrevo", diz com as Primaveras a me dei- ler e pensar", comenta. pós-vida.
Marilurdes. xar cortar para poder voltar "Com isso, tenho tido um
Cecília Meireles sempre inteira" e "Liberdade é ESPIRITUAL olhar ainda mais compreensivo
(1901-1964) foi uma poetisa, uma palavra que o sonho hu- Marilurdes afirma, nesta e delicado sobre as questões
pintora, professora e jornalista mano alimenta, não há nin- entrevista à Folha da Re- cotidianas". J.O.