O documento discute a teoria sociológica de Peter Berger sobre a construção social da realidade. Berger propõe um processo dialético de exteriorização, objetivação e interiorização pelo qual a sociedade produz um mundo objetivo que é interiorizado pelos indivíduos. A religião desempenha um papel central nesse processo ao fundir o nomos social com o cosmos, conferindo inevitabilidade aos significados sociais.
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
A construção social da realidade segundo Peter Berger
1. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
SOBRE PETER BERGER
“sociólogo da religião, autor de vários outros livros além
do citado, nesta área de estudos, embora um tanto
discriminado pela intelectualidade
brasileira, antes por motivos ideológicos – é
protestante, liberal e foi assessor para assuntos
religiosos do ex-presidente Nixon – que propriamente
acadêmicos. Vai além da proposta de Bourdieu
porque não se limitou a rever as teorias clássicas
da religião, como este, mas aplicou sua teoria
na análise empírica, no caso das religiões
norteamericanas contemporâneas.” (Negrão, 2005)
2. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
“Se não se pode aceitar uma continuidade necessária
entre religião e capital (pelo menos como lei geral e
inevitável), não há dúvida de que no mundo americano
– que Berger “reflete” – esta continuidade existe. Baste-
nos a referência ao estudo acurado de Herberg que vê
o protestantismo, o catolicismo e o judaísmo como três
variantes da mesma religião, o “american way of life”.
De resto, se Marx já tinha decifrado o caráter religioso
da mercadoria, a seu modo, Berger decifra o CARÁTER
MERCANTIL da RELIGIÃO!”
(Benedetti, Introdução, p.7)
3. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
Prefácio
• “Perspectiva teórica geral derivada da sociologia do
conhecimento ao fenômeno da religião”, em duas
partes: sistemática e histórica.
• Não é uma “sociologia da religião” – não trata da
relação entre religião e outras instituições da
sociedade, as formas de institucionalização
religiosa, os tipos de liderança religiosa...
• “Levar à derradeira consequência sociológica uma
compreensão da religião como produto histórico.”
(p.10)
4. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
Parte I
Elementos Sistemáticos: Religião e Construção do
Mundo.
• Destaque ao lugar da religião na construção humana
do mundo. (fenomenológico, ontológico omitido)
• Sociedade – indivíduo – pessoa: “O homem não
pode existir independentemente da
sociedade.”(p.15). A História tanto precede uma
biografia individual quanto sucede, sobrevive.
5. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• A sociedade é produto do homem, o homem é
produto da sociedade: é necessário reconhecer seu
caráter dialético para compreendê-la em termos
adequados à sua realidade empírica. Implícito pressuposto
da antropologia marxista - Realidade empírica como produto coletivo
• Dialética do social – síntese teórica das abordagens
sociológicas
• Weber: realidade social continuamente constituída
por significação humana. Fundamento subjetivo.
• Durkheim: social contrastante com individual –
sua facticidade objetiva – privacidade/publicidade.
6. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Processo dialético fundamental: três momentos ou
passos que devem ser entendidos conjuntamente.
• Exteriorização
• Objetivação
• Interiorização
7. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Exteriorização
• Necessidade antropológica (Essencialista – Hegel
e Marx, Scheler) + Fundamentação biológica
(Gehlen)
• “Tornar-se homem” – interação da criança com
um ambiente exterior ao seu organismo que é
mundo físico e mundo humano para desenvolver
personalidade e assimilar cultura.
8. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• “Existe um mundo de camundongos, um mundo de
cães, um mundo de cavalos, e assim por diante[...]
Não há um mundo do homem no sentido acima. O
mundo do homem é imperfeitamente programado
pela sua própria constituição. É um mundo aberto”
(p.18)
valores progressistas e iluministas
• “O homem não só produz um mundo como também
se produz a si mesmo. Mais precisamente – ele se
produz a si mesmo num mundo. Só nesse mundo
estabelece-se e realiza a sua vida.”
9. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Cultura
Totalidade dos produtos do homem, diversos em
seus simbolismos culturais (visão antropológica cultural
americana). Toda efusão cotidiana do ser humano
sobre o mundo, contínua na atividade física e mental.
Homo sapiens – animal social.
“Embora seja possível, talvez com intuitos
heurísticos, analisar a relação do homem com o seu
mundo em termos puramente individuais, a realidade
empírica da construção humana do mundo é sempre
social.”
10. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
Exteriorização...Objetivação
• Socialização – a participação individual numa cultura
não só acontece neste processo social , mas
também a continuação da existência cultural
depende da manutenção de dispositivos sociais
específicos.
• “A sociedade estrutura, distribui e coordena as
atividades de construção do mundo desenvolvidas
pelos homens. E só na sociedade os produtos
dessas atividades podem durar” (p.21)
11. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Compreensão sociológica humanizante
“Em si mesmo não há nada de errado em falar o
sociólogo de
instituições, estruturas, funções, padrões etc. O mal
vem só quando ele as concebe, como o homem
comum, como entidades existentes entre si e por si
mesmas, desvinculadas da atividade e produção
humanas. [...] A compreensão sociológica deve ser
humanizante, isto é, deve referir as configurações
ilusórias da estrutura social aos seres humanos que
a as criaram.” (p.21).
12. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Ratifica grau de distinção do homem criador e do que
foi por ele produzido, derivado – confronto entre o
criador e a facticidade que lhe é exterior, presente no
conceito de objetivação.
• Objetivação: quando os produtos da atividade
humana conquistam uma realidade que se defronta
inclusive com os seus produtores originais.
• Produtos culturais do homem: materiais e não
materiais. Impõem sua lógica aos que deles se
utilizam, embora possa não lhes ser agradável, não
pretendida, não prevista.
13. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• “O homem produz valores e verifica que se sente
culpado quando os transgride. [...] Pode também
acontecer, naturalmente, que o homem se afogue
nas ondas que ele próprio produziu.”(p.23)
• Status de objetividade da cultura em dois sentidos:
ela está lá - à disposição de qualquer um.
• O indivíduo pode sonhar, ter devaneios sociológicos
– que enquanto ficam presos à consciência individual
e não reconhecidos pelos outros como possibilidades
empíricas, só existirão como fantasmagorias irreais.
14. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Em contraste, as instituições são reais por sua
realidade objetiva, por mais que o indivíduo as odeie.
“Estar na cultura significa compartilhar com outros de
um mundo particular de objetividades.” (p.24)
• “Nas suas mais poderosas apoteoses (um termo
propositadamente escolhido, como adiante veremos)
a sociedade pode até destruir o indivíduo”(p.24)
• Objetividade coercitiva: “por na linha” os indivíduos
ou grupos recalcitrantes. Pressupõe existir na
totalidade das instituições, inclusive daquelas que
foram fundadas em consenso.
15. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• “A sociedade está diante do homem como facticidade
externa, subjetivamente opaca e coercitiva.”(p.24)
• Coercitividade fundamental da sociedade está não
nos mecanismos de controle social, mas sim no seu
poder de se constituir e se impor como realidade.
• Caso paradigmático da linguagem: produto
humano da inventividade, da imaginação e até do
capricho do homem.
16. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Linguagem: regras objetivas, precisam ser
aprendidas, não podem ser modificadas, mas
reconhecidas. Penalidades para
transgressões, constrangimento social. “... um
universo pronto e coletivamente reconhecido de
discurso, no âmbito do qual os indivíduos podem
entender-se uns com os outros e a si mesmos” (p.26)
• Biografia do indivíduo só podem existir porque antes
porque existem as interpretações oficiais da
existência individual – nome, dependencia
legal, cidadania, estado civil, ocupação – a
sociedade pode conferir realidade ao sujeito.
17. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Papeis na família como institucionalização da
sexualidade humana experimentada e apreendida
como uma realidade objetiva. (p.26)
• “Desempenhando esse papeis, o indivíduo vem a
representar as objetividades institucionais de um
modo que é apreendido, por ele e pelos outros, como
desvinculado dos “meros” acidentes da sua
existência individual.”(p.27) – cita Mead e Durkheim.
• Conservação de uma “verdadeira identidade
pessoal”, consciência de si mesmo distinto do papel-
máscara ao ator.
18. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• “A sociedade não só contem um conjunto disponível
de instituições e papeis, mas um repertório de
identidades dotadas do mesmo status de realidade
objetiva.” (p.27)
• Não se espera somente o representar mas o ser.
• Recesso da consciência do homem, defrontando-se
consigo mesmo em figuras que são geralmente
disponíveis como elementos objetivos do mundo
social. Diálogo interno com as objetivações de si
mesmo, que possibilita, em primeiro lugar, a
socialização.
19. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Interiorização – reabsorção na consciência do mundo
objetivado, de modo que as estruturas deste mundo
vêm a determinar as estruturas subjetivas da própria
consciência. Diferente do mundo das objetivações
sociais, produzido pela exteriorização da
consciência, que enfrenta a consciência como
facticidade externa. (p.28)
• Problema enfrentado pela sociedade – transmitir os
seus sentidos objetivados e fazer viver de acordo
com seus programas institucionais e tarefas
estabelecidas – aceitação de papeis e identidades.
20. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Os processos que interiorizam o mundo socialmente
objetivado são os mesmos processos que
interiorizam as identidades socialmente conferidas.
Ex.: militar, acadêmico, sacerdócio, familiar
• Realidade conferida pela conversação: “É possível
resumir a formação dialética da identidade da
afirmação de que o indivíduo se torna aquilo que os
outros o consideram quando tratam ele” (p.29)
21. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Manutenção da continuidade – conversação com
quem é significativo. Um dos mais importantes
imperativos da ordem social.
• Facticidade: objetiva do mundo social e subjetiva.
• O indivíduo se apropria da realidade das instituições
juntamente com os seus papeis e sua identidade.
Papeis se igualam à própria identidade.
• Introspecção como método viável para a descoberta
de significados institucionais – depois de uma
socialização bem sucedida.
22. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Participação – Apropriação – co-produção: a
negação entra na dialética como fator formativo do
mundo e do individuo.
• Mundo socialmente construído é acima de tudo, uma
ordenação significativa da experiência: Sociedade
nomizante. “A ordenação da experiência é própria a
toda espécie de interação social” (p.32).
• “O ato nominante original é dizer que um item é isto
e, portanto, não aquilo.[...] visa uma ordem
compreensiva de todos os itens que possam ser
objetivados, um nomos totalizante.”(p.33)
23. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• “O nomos objetivo é interiorizado no decurso da
socialização” (p.34) – apropriação, sentido
• ruptura do sujeito com a sociedade implicaria em
estados de anomia coletivos e individuais. Ordem
fundamental para o sujeito “dar sentido” à sua vida e
reconhecer a própria identidade.
• “O nomos socialmente estabelecido pode, assim, ser
entendido, talvez no seu aspecto mais
importante, como um escudo contra o terror.” (p.35)
O terror da ruptura com a sociedade.
24. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Tensões psicológicas que se fundam no fato
antropológico da sociedade: “A anomia é intolerável
até o ponto em que o indivíduo pode lhe preferir a
morte.” (p.35)
• Sacrifício e sofrimento na busca de um mundo
nômico. Comparável a “angústia epistemológica” de
Pondé.
• Podem surgir neuroses ou psicoses sobre a
fragilidade e possível fraude imposta pela
“normalidade”
25. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• “inata precariedade de todos os mundos sociais”:
Possibilidade da sociedade ruir pelo nomos. O
caos embora poderoso e de estranha força, deve ser
mantido em cheque a todo custo. A “orientação para a
realidade” é fundamental e oficialmente estabelecida.
• “Não basta que o indivíduo considere os sentidos-
chave da ordem social como úteis, desejáveis ou
corretos. É muito melhor (em termos de estabilidade
social) que ele os considere como inevitáveis, como
parte e parcela da universal “natureza das
coisas”.(p.37) – ex. pânico homossexual – culpa e
terror.
26. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Nomos e cosmos aparecem como co-extensivos
quando o nomos socialmente estabelecido atinge a
qualidade de ser aceito como expressão da
EVIDÊNCIA, quando ocorre a
Fusão do seu sentido com os que são
considerados os sentidos fundamentais
inerentes ao universo.
• Cosmos sagrado – empreendimento da religião.
• “salta para fora” das rotinas normais do dia-a-dia.
27. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
• Sagrado e profano – dicotomização da realidade é
intrínseca a especulação religiosa (p.39).
• Cosmos sagrado enfrenta o caos como seu terrível
contrário
• “Caos” – “voragem”
• “Religião” – latim ter cuidado.
• Toda cosmificação, convalidado nos nomoi
humanos, não precisa ser sagrada. Mas pode-se
afirmar com segurança que TODA cosmificação teve
um caráter sagrado. Sendo a existência humana
como exteriorizante, através do sagrado foi possível
ao homem conceber um cosmos em primeiro lugar.
(Berger usa Eliade, p.41))
28. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
BERGER, Peter. (2001), “A dessecularização do
mundo: uma visão global”.
[...] uma subcultura internacional composta por pessoas
de educação superior no modelo ocidental, em
particular no campo das humanidades e das ciências
sociais, que é de fato secularizada. Essa subcultura é o
vetor principal de crenças e valores progressistas e
iluministas. Embora sejam relativamente pouco
numerosos, são muito influentes, pois controlam as
instituições que definem “oficialmente” a
realidade, principalmente o sistema educacional, os
meios de comunicação de massa e os níveis mais altos
do sistema legal (2001, pp.16-17).
29. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
“Berger entende a religião como uma forma de
atribuição de significado à vida natural e social que
exerce função nomizadora. Na ausência de instintos
sociais, ordem significativa, por ele designada pela
palavra “nomos”, extensão do cosmos sagrado e
absoluto, fora do qual existe apenas o caos, os terrores
da anomia. Quando se dá por estabelecido o nomos
como próprio da “natureza das coisas”, entendido
cosmológica ou antropologicamente, se lhe dota de
uma estabilidade que deriva de fontes mais poderosas
do que os esforços históricos dos seres humanos. É
este o ponto em que a religião entra significativamente
em nossa exposição.
30. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
... A religião é a empresa humana mediante a qual se
estabelece um cosmos sagrado. Para dizê-lo de outra
maneira, a religião é a cosmicização de um modo
sagrado (1971, p. 40, trad. Negrão).”
“Mas a religião é também uma forma de alienação,
pois por meio dela a sociedade oculta seu caráter de
construção humana. Como tal, sua ordem é relativa e
precária, uma vez que pode ser transformada por um
ato de vontade ou decisão. Reconhecer-se como
produto humano não permitiria que fosse legitimada e
aceita pelas novas gerações. Daí a
ocultação, necessária à sua reprodução ordenada no
tempo, obtida através da remissão a um cosmos
sagrado....
31. O DOSSEL SAGRADO – PETER BERGER
... A religião, na medida em que produz a perda da
consciência de que o mundo humano é um mundo
socialmente criado e mantido, constitui-se no agente
privilegiado da falsa consciência e da alienação.
Embora use estes últimos termos, sua análise nada tem
de marxista, pois o que se oculta não é a dominação
de classe, mas o caráter social da construção
da sociedade. Esta é vista por Berger como
uma totalidade indivisa, cuja transmissão se dá
entre gerações. A questão em pauta é a da ordem,
de sua transmissão e manutenção. Mais próxima
de Durkheim que de Marx ou mesmo de Weber.”
(Negrão, “Nem jardim encantado, NEM “CLUBE DOS
INTELECTUAIS DESENCANTADOS”