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FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL
                                                           PASSO 1
                        Introdução: Considerações Sobre uma Abordagem Comportamental para a Psicologia

Objetivos: 1) Definir, identificar e distinguir explicações mentalistas e internalistas de explicações funcionais externalistas do
comportamento; 2) Discorrer sobe as críticas ao mentalismo.

     Atualmente uma das definições mais conhecidas de Psicologia é a de que ela é o "estudo do comportamento". Essa não seria
uma definição adequada, entretanto, para a Psicologia que se fazia quando Wundt fundou essa disciplina como uma ciência
independente, e mesmo para toda a Psicologia científica de hoje. A “Psicologia”, que etimologicamente significa “estudo da
psique ou da mente”, passou a se interessar cada vez mais pelo comportamento, porque o “processamento mental”, o
funcionamento da “mente”, só pode ser inferido1, não pode ser diretamente observado2 nem manipulado, criando dificuldades
metodológicas, conceituais e filosóficas.
     Por algum tempo, estudar o comportamento era apenas uma alternativa para a obtenção de dados que permitiam inferir sobre
o então objeto de estudo da Psicologia (a chamada mente). Em outras palavras, observava-se o comportamento para inferir sobre
as possíveis estruturas e funções dos processos mentais e, a partir de então, explicar o comportamento. A esse tipo de abordagens
ou concepções sobre a Psicologia nós nos referiremos aqui genericamente como abordagens mentalistas.
     Contraditoriamente, a única fonte de informação sobre a dimensão mental residia exatamente nas ações dos organismos, os
comportamentos, e nas interações entre as ações e os eventos precedendo-as ou sucedendo-as. Por isso, progressivamente o
comportamento assumiu um valor intrínseco, ou seja, tornou-se, pelo menos para uma parte dos psicólogos, o próprio objeto de
estudo da Psicologia, até mesmo porque uma parte do que tem sido chamado de mente, o pensamento, as sensações, as percepções
e os sentimentos, por exemplo, apesar de não serem eventos observáveis para todos, são ações, atividades, comportamentos tanto
quanto as ações, atividades, comportamentos publicamente observáveis. Nesse momento surge, portanto, uma abordagem
comportamentalista para a Psicologia, em distinção das abordagens mentalistas. A publicação por John Watson (1913/19713) no
manifesto intitulado “A Psicologia como um Behaviorista a vê” pode ser considerada o marco inicial do Comportamentalismo.
     Outra parte dos psicólogos, contudo, não abandonou a tradição mentalista e continuou a estudar o comportamento público
como uma forma de inferir o funcionamento de supostos eventos internos sem dimensões físicas chamados de mentais, dentro da
tradição cartesiana, e a considerar os eventos comportamentais ocorridos sob a pele (ou seja, eventos internos), ou privados, como
sendo de uma natureza distinta dos demais fenômenos conhecidos e seguindo leis próprias ou não seguindo lei alguma. Assim,
dentro de uma tradição mentalista de Psicologia as ações diretamente observáveis das pessoas seriam regidas por uma entidade
interior, não-física (sem dimensões no espaço e no tempo), que gerenciaria “de dentro” o comportamento humano. Essa
característica das concepções mentalistas pode ser nomeada como internalismo.
     Mais recentemente, e com o intuito de se livrar das pesadas críticas feitas a esta imaterialidade da mente, alguns psicólogos
têm equiparado mente a cérebro. Observe, contudo, que o maior problema do mentalismo não é, necessariamente, as referências a
algo inobservável, mas sim o apelo a um agente interno responsável pelo comportamento (internalismo), e ao equiparar mente e
cérebro este problema persiste. Não queremos com isto dizer que o cérebro deva ser desconsiderado. Antes julgamos que se deve
considerá-lo pelo que ele é; ou seja, um órgão. O cérebro não é uma máquina operando à parte do corpo. Ele é parte deste corpo,
e como tal, faz parte dos processos comportamentais ligados a este corpo, mas não como causa destes comportamentos, como
em uma relação mecanicista (Agente Interno Comportamento).
     Uma outra faceta também do mentalismo, complementar à descrita anteriormente, estaria em interpretar os comportamentos e
outros eventos ocorridos de forma privada (por exemplo ver imagens durante um sonho ou fazer uma conta “de cabeça” ou
“mentalmente”) como processos de ordem ou natureza diferente dos eventos públicos. Dessa forma, por exemplo, fazer um
cálculo “de cabeça” teria uma realidade distinta, em um modelo mentalista, de fazer o mesmo cálculo usando lápis e papel (para
mais detalhes sobre uma análise histórico-conceitual das explicações mentalistas, ver Carvalho Neto, 2001).
     Para muitos psicólogos, portanto, as teorias psicológicas são modelos de como funciona a mente e de como ela produz
eventos mentais, como a consciência e a memória, e comportamentais, como a agressão, a fala, etc. É interessante ressaltar que,
mesmo pensando que as teorias psicológicas explicam como a mente produz eventos psicológicos e comportamentais (teorias




1 Inferir é supor, com base em fatos observados, a ocorrência de um fato não observado. Maria verificou que João estava deitado
no sofá, imóvel e com os olhos fechados. Ela inferiu que João estava dormindo. Apesar da inferência fazer parte da atividade
científica (na formulação de hipóteses, por exemplo), a construção de conhecimento científico requer verificação. Uma parte do
conhecimento da Psicologia é constituído de inferências a respeito de “instâncias psíquicas” (como Id, Ego, Superego) formuladas
a partir da observação de comportamentos. Conflitos entre o Id e o Superego jamais foram observados. Eles são inferências a
partir de certos padrões comportamentais diretamente acessados.
2
  Mais tarde veremos que o fato de um evento não ser diretamente observado por outras pessoas não é um impedimento real para
não interpretá-lo e estudá-lo cientificamente. Somos incapazes de observar diretamente eventos muito pequenos, como partículas
físicas elementares, ou muito grandes, como o cosmos inteiro, ou eventos que ocorrem em espaços de tempo muito longos, como
a evolução das espécies. Ainda assim, para cada um desses exemplos foi possível conceber formas de investigação científica. Os
problemas com os conceitos mentais tradicionais decorrem da interpretação imaterialista dos eventos psicológicos concretos
ocorrendo sob a pele de cada um e da tomada de tais eventos como causas diretas da ação humana observada do que propriamente
sua localização (ver, a propósito, Tourinho, 1999).
3
    Quando duas datas foram apresentadas, a primeira especificará o ano da edição original e a segunda o ano da edição consultada.
Fundamentos de Psicologia Experimental            Passo 1                                   2
internalistas ou mentalistas4), esses psicólogos dependem da observação do comportamento e de sua interpretação para,
indiretamente, verificar se as teorias estão corretas.
     Os analistas do comportamento procuram explicar a ocorrência dos eventos comportamentais (João beijou Maria; Roberta
levantou-se cedo) verificando que relações esses eventos mantém com os eventos ambientais com os quais o organismo em
questão mantém intercâmbio (exatamente por isso, podemos dizer que ela é uma abordagem externalista5 ou funcional). Nesse
contexto: 1) uma parte da atividade que é tida em outras áreas como atividade mental, para os analistas do comportamento pode
ser considerada enquanto processamento cerebral, fisiológico e, portanto, deve ser estudado pela neuropsicologia; 2) outra parte
pode ser analisada enquanto eventos (comportamento ou ambiente) encobertos (ou seja, acessíveis apenas ao próprio sujeito da
ação). Quando faço um cálculo “de cabeça” ou “mentalmente”, estou me comportando tanto quanto se tivesse feito esse cálculo de
maneira aberta a outros observadores, usando papel e caneta6. Isso quer dizer que, mesmo quando pensamos algo ou cantarolamos
uma música de maneira inaudível para os outros, estamos nos comportando e este comportamento não tem uma natureza diferente
de outros comportamentos observáveis para os outros, eles diferem apenas em relação à possibilidade de acesso à observação.
Neste caso, enquanto comportamento, os fenômenos psicológicos encobertos não explicam o comportamento visível, mas
precisam também ser explicados. Se você canta uma música em um bar onde todos são afetados por ela e depois canta essa mesma
música ao chegar em casa para você mesmo, na “sua cabeça”, sendo o único capaz de ouvi-la agora e ser afetado por sua própria
ação, onde estaria a diferença entre as duas formas de “cantar”? A natureza do cantar se transmutou misteriosa e magicamente
nessa passagem do público para o privado? Como? Por que devo supor isso? O que sustenta tal interpretação? No primeiro você
usa o seu corpo e age, é um evento físico, e no segundo não? Note também que, enquanto comportamentos, os fenômenos
psicológicos encobertos, chamados tradicionalmente de “mentais”, não explicam o comportamento visível, mas precisam também
ser explicados.
     Sobre essa questão, De Rose (1997) explica:
         “Infelizmente, em nossa cultura, inventou-se, para explicar a ocorrência de comportamentos encobertos, uma entidade
         imaterial denominada mente. Esta noção nos levou a perder de vista o fato de que comportamentos encobertos são
         operantes do mesmo modo que os comportamentos visíveis. Pior, esta entidade inventada, que denominamos mente,
         passou a ser tomada como explicação dos comportamentos visíveis e, deste modo, as causas reais destes
         comportamentos têm passado despercebidas” (p. 80).
     Uma explicação mentalista incorre em diversos erros lógicos e carece de uma base empírica sólida demonstrada e
demonstrável. Duas das objeções mais graves ao modo de explicação mental foram sinalizadas por Ryle (1949/1969) e por
Skinner (1953/1965). Ryle examina a própria fragilidade lógica da tradicional descrição da mente. A visão corrente de mente (que
tem sido aceita há mais de 300 anos) é aquela proposta por Descartes, que é decorrente de sua suposição de que existiriam dois
tipos de substância no universo: a res estensa (matéria) e a res cogito (mente). A mente para Descartes seria uma substância não
física, não espacial, não temporal, não divisível, não perecível e etc. Esta mente estaria em constante interação com o corpo
material. O problema decorrente destes postulados, muito bem apontado por Ryle, é simples: como é possível que o corpo, que é
material e, portanto, opera segundo leis físicas, pode interagir com esta substância não física, que opera segundo leis próprias?
Além disto, se a mente não tem propriedades espaciais, por que nós a situamos dentro do corpo? Como é possível que um evento
ocorrido em um tempo preciso possa afetar a mente se esta é atemporal? Entre tantas outras.
     Ao longo de sua obra Skinner faz uma série de críticas ao mentalismo, mas uma que é particularmente útil neste momento é
aquela relacionada à circularidade das explicações de natureza mental. Ele acreditava que os termos mentalistas seriam, de início,
apenas nomes usados para designar conjuntos de comportamentos e que posteriormente adquiriram, equivocadamente, o papel de
“causas” destes comportamentos. Ele justifica seu argumento apontando para as falaciosas explicações mentalistas e seus


4 Essas teorias podem ser denominadas de internalistas ou mentalistas porque consideram os eventos mentais ou internos como
causas autônomas dos comportamentos observáveis, o que é uma visão radicalmente diferente da defendida pelos analistas do
comportamento, onde os eventos internos são, quando muito, elos intermediários em uma cadeia envolvendo ações públicas e
privadas, mas tendo sua origem e estando suas variáveis relevantes igualmente fora do organismo que se comporta. Assim, se
dizemos que uma ação, como o correr, é “movida” por um pensamento, em uma análise do comportamento verifico que tanto o
“pensamento” quanto o “correr”, ambos comportamentos, foram criados e são mantidos no intercâmbio com o mundo público
(histórico e imediato) e mesmo que estejam encadeados (pensar  correr) há coisas que aconteceram antes do pensar e que
também o controlam, coisas que residem fora do organismo (ambiente público, histórico e imediato  pensar  correr). Por quê
você pensa lingüisticamente em português e não em uma língua eslava? Quando você estuda outra língua um bom sinal de
progresso é “pensar na língua estrangeira”. O pensar verbal parece ter, então, uma existência atrelada a uma história particular de
interação com o mundo social e não ocorre espontaneamente em um universo interior refratário e indevassável. Outro exemplo, o
pensamento matemático não exige um treinamento prévio ou basta “pensar”, como basta “respirar”?
5
 O que não é o mesmo que dizer que ela ignora eventos concretos ocorridos em baixo da pele (“internos”) de cada um. Não está
em discussão a existência de eventos psicológicos/comportamentais subjetivos, mas apenas sua natureza e sua posição em uma
cadeia causal ampla (Skinner, 1945).
6
  Observe que podemos identificar pelo menos dois tipos de “pensar”: um essencialmente verbal e outro perceptual. No primeiro
ocorre uma descrição, privada, do mundo através de uma língua qualquer. Quando você “fala com você mesmo” em um nível tão
baixo que somente você mesmo é afetado pelo que está fazendo. Uma outra forma de pensar parece envolver apenas
comportamentos perceptuais, como “ver”, “ouvir”, “tatear”, etc. Quando você “lembra” do rosto do seu melhor amigo quando
ouve o nome dele, você está agindo de forma perceptual, no caso “ver”, na ausência do estímulo original. Em ambos os casos,
estamos diante de coisas que os organismos fazem no intercâmbio com seus mundos.
Fundamentos de Psicologia Experimental             Passo 1                                   3
raciocínios viciosos como o que se segue: Ao observar que Bart está cabisbaixo, quieto, com um olhar disperso, e os olhos
marejados de lágrimas o mentalista dirá: “Bart está triste!”. Mas alguém poderia então interpelá-lo sobre como é possível que ele
saiba que Bart está triste, ao que ele responderia: “Olhe como ele está cabisbaixo, como está quieto! Olhe o modo como seu olhar
parece disperso e os seus olhos estão marejados de lágrimas! É óbvio que está triste!” Observe como neste nosso exemplo
hipotético, o referido mentalista se exime de explicar as razões do comportamento de Bart; ele simplesmente torna a descrever o
comportamento de Bart, que é justamente aquilo que ele deveria explicar. Note que o problema não está em se utilizar o termo
“triste”, afinal este termo apenas sintetiza uma série de comportamentos que normalmente são apresentados em conjunto em uma
determinada circunstância. O problema surge quando tomamos esta tristeza como sendo a “causa” do comportamento. É por isto
que Skinner acusa o mentalismo de apresentar explicações circulares; afinal os defensores desta abordagem do comportamento
observam um dado evento comportamental, atribuem este evento a uma entidade mental qualquer e justificam sua existência com
base em inferências feitas a partir do próprio evento que se pretende explicar.
     Como dito anteriormente, o grande problema com as explicações mentalistas é a atribuição de uma causa interna a um
comportamento. A fim de evitar tal equivoco, os analistas do comportamento restringem suas explicações ao estabelecimento de
relações funcionais entre eventos (no Passo 4 será apresentada uma versão mais detalhada do conceito de relação funcional).
Deste modo, para estes cientistas do comportamento, tanto o comportamento visível, quanto os comportamentos encobertos
(eventos privados) devem ser entendidos a partir de suas relações com o ambiente.

                                          Referências & Bibliografia Complementar
    Abib, J. A. D. (2001). Arqueologia do behaviorismo radical e o conceito de mente. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P.
P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre comportamento e cognição. Vol. 7 (p. 20-35). Santo André: ESETec.
    Baum, W. M. (1999). Compreender o behaviorismo: ciência, comportamento e cultura (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y.
Tomanari, E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: ARTMED. Publicado originalmente em 1994.
    Carvalho Neto, M. B. (2001). B. F. Skinner e as explicações mentalistas para o comportamento: uma análise histórico-
conceitual (1931-1959). Tese de Doutorado. São Paulo, SP: Universidade de São Paulo.
    De Rose, J. C. C. (1997). O que é comportamento? Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição. Vol. 1 (p.
79-81). 2ª edição. Santo André: Arbytes.
    Kantor, J. R. (1978). Cognition as events and as psychic constructions. Psychological Record, 28, 329-342.
    Lewontin, R. (2002). A tripla hélice: Gene, organismo e ambiente. São Paulo: Companhia das Letras.
    Matos, M. A. (1997). O behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e o behaviorismo radical (p.54-67).
Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição. Vol. 1. Santo André, SP: Arbytes.
    Moore, J. (1981). On mentalism, methodological behaviorism, and radical behaviorism. Behaviorism, 9, 55-77.
    Moore, J. (1990). On mentalism, privacy, and behaviorism. Journal of Mind and Behavior, 11, 19-36.
    Moore, J. (1995). Radical behaviorism and the subjective-objective distinction. The Behavior Analyst, 18, 33-49.
    Ryle, G. (1969). The concept of mind. 11ª reimpressão. London: Hutchinson. Publicado originalmente em 1949.
    Santos, A. C. S. (1998). Análise conceitual de pensamento sob a perspectiva do behaviorismo. Psicologia Argumento, 16
(22), 119-140.
    Skinner, B. F. (1945). Operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277/291-294.
    Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: The Free Press. Publicado originalmente em 1953.
    Tourinho, E. Z. (1999). Eventos privados: o que, como e porque estudar. Em R. R. Kerbauy e R. C. Wielenska (Orgs) Sobre
comportamento e cognição, Vol. 4 (pp.13-25). Santo André, SP: Arbytes.
    Watson, J. B. (1913/1971). A Psicologia como o behaviorista a vê. Em R. J. Herrnstein & E. G. Boring (Orgs), Textos
básicos de história da Psicologia. São Paulo: Herder/EDUSP.

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Passo 1 2007 1

  • 1. FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL PASSO 1 Introdução: Considerações Sobre uma Abordagem Comportamental para a Psicologia Objetivos: 1) Definir, identificar e distinguir explicações mentalistas e internalistas de explicações funcionais externalistas do comportamento; 2) Discorrer sobe as críticas ao mentalismo. Atualmente uma das definições mais conhecidas de Psicologia é a de que ela é o "estudo do comportamento". Essa não seria uma definição adequada, entretanto, para a Psicologia que se fazia quando Wundt fundou essa disciplina como uma ciência independente, e mesmo para toda a Psicologia científica de hoje. A “Psicologia”, que etimologicamente significa “estudo da psique ou da mente”, passou a se interessar cada vez mais pelo comportamento, porque o “processamento mental”, o funcionamento da “mente”, só pode ser inferido1, não pode ser diretamente observado2 nem manipulado, criando dificuldades metodológicas, conceituais e filosóficas. Por algum tempo, estudar o comportamento era apenas uma alternativa para a obtenção de dados que permitiam inferir sobre o então objeto de estudo da Psicologia (a chamada mente). Em outras palavras, observava-se o comportamento para inferir sobre as possíveis estruturas e funções dos processos mentais e, a partir de então, explicar o comportamento. A esse tipo de abordagens ou concepções sobre a Psicologia nós nos referiremos aqui genericamente como abordagens mentalistas. Contraditoriamente, a única fonte de informação sobre a dimensão mental residia exatamente nas ações dos organismos, os comportamentos, e nas interações entre as ações e os eventos precedendo-as ou sucedendo-as. Por isso, progressivamente o comportamento assumiu um valor intrínseco, ou seja, tornou-se, pelo menos para uma parte dos psicólogos, o próprio objeto de estudo da Psicologia, até mesmo porque uma parte do que tem sido chamado de mente, o pensamento, as sensações, as percepções e os sentimentos, por exemplo, apesar de não serem eventos observáveis para todos, são ações, atividades, comportamentos tanto quanto as ações, atividades, comportamentos publicamente observáveis. Nesse momento surge, portanto, uma abordagem comportamentalista para a Psicologia, em distinção das abordagens mentalistas. A publicação por John Watson (1913/19713) no manifesto intitulado “A Psicologia como um Behaviorista a vê” pode ser considerada o marco inicial do Comportamentalismo. Outra parte dos psicólogos, contudo, não abandonou a tradição mentalista e continuou a estudar o comportamento público como uma forma de inferir o funcionamento de supostos eventos internos sem dimensões físicas chamados de mentais, dentro da tradição cartesiana, e a considerar os eventos comportamentais ocorridos sob a pele (ou seja, eventos internos), ou privados, como sendo de uma natureza distinta dos demais fenômenos conhecidos e seguindo leis próprias ou não seguindo lei alguma. Assim, dentro de uma tradição mentalista de Psicologia as ações diretamente observáveis das pessoas seriam regidas por uma entidade interior, não-física (sem dimensões no espaço e no tempo), que gerenciaria “de dentro” o comportamento humano. Essa característica das concepções mentalistas pode ser nomeada como internalismo. Mais recentemente, e com o intuito de se livrar das pesadas críticas feitas a esta imaterialidade da mente, alguns psicólogos têm equiparado mente a cérebro. Observe, contudo, que o maior problema do mentalismo não é, necessariamente, as referências a algo inobservável, mas sim o apelo a um agente interno responsável pelo comportamento (internalismo), e ao equiparar mente e cérebro este problema persiste. Não queremos com isto dizer que o cérebro deva ser desconsiderado. Antes julgamos que se deve considerá-lo pelo que ele é; ou seja, um órgão. O cérebro não é uma máquina operando à parte do corpo. Ele é parte deste corpo, e como tal, faz parte dos processos comportamentais ligados a este corpo, mas não como causa destes comportamentos, como em uma relação mecanicista (Agente Interno Comportamento). Uma outra faceta também do mentalismo, complementar à descrita anteriormente, estaria em interpretar os comportamentos e outros eventos ocorridos de forma privada (por exemplo ver imagens durante um sonho ou fazer uma conta “de cabeça” ou “mentalmente”) como processos de ordem ou natureza diferente dos eventos públicos. Dessa forma, por exemplo, fazer um cálculo “de cabeça” teria uma realidade distinta, em um modelo mentalista, de fazer o mesmo cálculo usando lápis e papel (para mais detalhes sobre uma análise histórico-conceitual das explicações mentalistas, ver Carvalho Neto, 2001). Para muitos psicólogos, portanto, as teorias psicológicas são modelos de como funciona a mente e de como ela produz eventos mentais, como a consciência e a memória, e comportamentais, como a agressão, a fala, etc. É interessante ressaltar que, mesmo pensando que as teorias psicológicas explicam como a mente produz eventos psicológicos e comportamentais (teorias 1 Inferir é supor, com base em fatos observados, a ocorrência de um fato não observado. Maria verificou que João estava deitado no sofá, imóvel e com os olhos fechados. Ela inferiu que João estava dormindo. Apesar da inferência fazer parte da atividade científica (na formulação de hipóteses, por exemplo), a construção de conhecimento científico requer verificação. Uma parte do conhecimento da Psicologia é constituído de inferências a respeito de “instâncias psíquicas” (como Id, Ego, Superego) formuladas a partir da observação de comportamentos. Conflitos entre o Id e o Superego jamais foram observados. Eles são inferências a partir de certos padrões comportamentais diretamente acessados. 2 Mais tarde veremos que o fato de um evento não ser diretamente observado por outras pessoas não é um impedimento real para não interpretá-lo e estudá-lo cientificamente. Somos incapazes de observar diretamente eventos muito pequenos, como partículas físicas elementares, ou muito grandes, como o cosmos inteiro, ou eventos que ocorrem em espaços de tempo muito longos, como a evolução das espécies. Ainda assim, para cada um desses exemplos foi possível conceber formas de investigação científica. Os problemas com os conceitos mentais tradicionais decorrem da interpretação imaterialista dos eventos psicológicos concretos ocorrendo sob a pele de cada um e da tomada de tais eventos como causas diretas da ação humana observada do que propriamente sua localização (ver, a propósito, Tourinho, 1999). 3 Quando duas datas foram apresentadas, a primeira especificará o ano da edição original e a segunda o ano da edição consultada.
  • 2. Fundamentos de Psicologia Experimental Passo 1 2 internalistas ou mentalistas4), esses psicólogos dependem da observação do comportamento e de sua interpretação para, indiretamente, verificar se as teorias estão corretas. Os analistas do comportamento procuram explicar a ocorrência dos eventos comportamentais (João beijou Maria; Roberta levantou-se cedo) verificando que relações esses eventos mantém com os eventos ambientais com os quais o organismo em questão mantém intercâmbio (exatamente por isso, podemos dizer que ela é uma abordagem externalista5 ou funcional). Nesse contexto: 1) uma parte da atividade que é tida em outras áreas como atividade mental, para os analistas do comportamento pode ser considerada enquanto processamento cerebral, fisiológico e, portanto, deve ser estudado pela neuropsicologia; 2) outra parte pode ser analisada enquanto eventos (comportamento ou ambiente) encobertos (ou seja, acessíveis apenas ao próprio sujeito da ação). Quando faço um cálculo “de cabeça” ou “mentalmente”, estou me comportando tanto quanto se tivesse feito esse cálculo de maneira aberta a outros observadores, usando papel e caneta6. Isso quer dizer que, mesmo quando pensamos algo ou cantarolamos uma música de maneira inaudível para os outros, estamos nos comportando e este comportamento não tem uma natureza diferente de outros comportamentos observáveis para os outros, eles diferem apenas em relação à possibilidade de acesso à observação. Neste caso, enquanto comportamento, os fenômenos psicológicos encobertos não explicam o comportamento visível, mas precisam também ser explicados. Se você canta uma música em um bar onde todos são afetados por ela e depois canta essa mesma música ao chegar em casa para você mesmo, na “sua cabeça”, sendo o único capaz de ouvi-la agora e ser afetado por sua própria ação, onde estaria a diferença entre as duas formas de “cantar”? A natureza do cantar se transmutou misteriosa e magicamente nessa passagem do público para o privado? Como? Por que devo supor isso? O que sustenta tal interpretação? No primeiro você usa o seu corpo e age, é um evento físico, e no segundo não? Note também que, enquanto comportamentos, os fenômenos psicológicos encobertos, chamados tradicionalmente de “mentais”, não explicam o comportamento visível, mas precisam também ser explicados. Sobre essa questão, De Rose (1997) explica: “Infelizmente, em nossa cultura, inventou-se, para explicar a ocorrência de comportamentos encobertos, uma entidade imaterial denominada mente. Esta noção nos levou a perder de vista o fato de que comportamentos encobertos são operantes do mesmo modo que os comportamentos visíveis. Pior, esta entidade inventada, que denominamos mente, passou a ser tomada como explicação dos comportamentos visíveis e, deste modo, as causas reais destes comportamentos têm passado despercebidas” (p. 80). Uma explicação mentalista incorre em diversos erros lógicos e carece de uma base empírica sólida demonstrada e demonstrável. Duas das objeções mais graves ao modo de explicação mental foram sinalizadas por Ryle (1949/1969) e por Skinner (1953/1965). Ryle examina a própria fragilidade lógica da tradicional descrição da mente. A visão corrente de mente (que tem sido aceita há mais de 300 anos) é aquela proposta por Descartes, que é decorrente de sua suposição de que existiriam dois tipos de substância no universo: a res estensa (matéria) e a res cogito (mente). A mente para Descartes seria uma substância não física, não espacial, não temporal, não divisível, não perecível e etc. Esta mente estaria em constante interação com o corpo material. O problema decorrente destes postulados, muito bem apontado por Ryle, é simples: como é possível que o corpo, que é material e, portanto, opera segundo leis físicas, pode interagir com esta substância não física, que opera segundo leis próprias? Além disto, se a mente não tem propriedades espaciais, por que nós a situamos dentro do corpo? Como é possível que um evento ocorrido em um tempo preciso possa afetar a mente se esta é atemporal? Entre tantas outras. Ao longo de sua obra Skinner faz uma série de críticas ao mentalismo, mas uma que é particularmente útil neste momento é aquela relacionada à circularidade das explicações de natureza mental. Ele acreditava que os termos mentalistas seriam, de início, apenas nomes usados para designar conjuntos de comportamentos e que posteriormente adquiriram, equivocadamente, o papel de “causas” destes comportamentos. Ele justifica seu argumento apontando para as falaciosas explicações mentalistas e seus 4 Essas teorias podem ser denominadas de internalistas ou mentalistas porque consideram os eventos mentais ou internos como causas autônomas dos comportamentos observáveis, o que é uma visão radicalmente diferente da defendida pelos analistas do comportamento, onde os eventos internos são, quando muito, elos intermediários em uma cadeia envolvendo ações públicas e privadas, mas tendo sua origem e estando suas variáveis relevantes igualmente fora do organismo que se comporta. Assim, se dizemos que uma ação, como o correr, é “movida” por um pensamento, em uma análise do comportamento verifico que tanto o “pensamento” quanto o “correr”, ambos comportamentos, foram criados e são mantidos no intercâmbio com o mundo público (histórico e imediato) e mesmo que estejam encadeados (pensar  correr) há coisas que aconteceram antes do pensar e que também o controlam, coisas que residem fora do organismo (ambiente público, histórico e imediato  pensar  correr). Por quê você pensa lingüisticamente em português e não em uma língua eslava? Quando você estuda outra língua um bom sinal de progresso é “pensar na língua estrangeira”. O pensar verbal parece ter, então, uma existência atrelada a uma história particular de interação com o mundo social e não ocorre espontaneamente em um universo interior refratário e indevassável. Outro exemplo, o pensamento matemático não exige um treinamento prévio ou basta “pensar”, como basta “respirar”? 5 O que não é o mesmo que dizer que ela ignora eventos concretos ocorridos em baixo da pele (“internos”) de cada um. Não está em discussão a existência de eventos psicológicos/comportamentais subjetivos, mas apenas sua natureza e sua posição em uma cadeia causal ampla (Skinner, 1945). 6 Observe que podemos identificar pelo menos dois tipos de “pensar”: um essencialmente verbal e outro perceptual. No primeiro ocorre uma descrição, privada, do mundo através de uma língua qualquer. Quando você “fala com você mesmo” em um nível tão baixo que somente você mesmo é afetado pelo que está fazendo. Uma outra forma de pensar parece envolver apenas comportamentos perceptuais, como “ver”, “ouvir”, “tatear”, etc. Quando você “lembra” do rosto do seu melhor amigo quando ouve o nome dele, você está agindo de forma perceptual, no caso “ver”, na ausência do estímulo original. Em ambos os casos, estamos diante de coisas que os organismos fazem no intercâmbio com seus mundos.
  • 3. Fundamentos de Psicologia Experimental Passo 1 3 raciocínios viciosos como o que se segue: Ao observar que Bart está cabisbaixo, quieto, com um olhar disperso, e os olhos marejados de lágrimas o mentalista dirá: “Bart está triste!”. Mas alguém poderia então interpelá-lo sobre como é possível que ele saiba que Bart está triste, ao que ele responderia: “Olhe como ele está cabisbaixo, como está quieto! Olhe o modo como seu olhar parece disperso e os seus olhos estão marejados de lágrimas! É óbvio que está triste!” Observe como neste nosso exemplo hipotético, o referido mentalista se exime de explicar as razões do comportamento de Bart; ele simplesmente torna a descrever o comportamento de Bart, que é justamente aquilo que ele deveria explicar. Note que o problema não está em se utilizar o termo “triste”, afinal este termo apenas sintetiza uma série de comportamentos que normalmente são apresentados em conjunto em uma determinada circunstância. O problema surge quando tomamos esta tristeza como sendo a “causa” do comportamento. É por isto que Skinner acusa o mentalismo de apresentar explicações circulares; afinal os defensores desta abordagem do comportamento observam um dado evento comportamental, atribuem este evento a uma entidade mental qualquer e justificam sua existência com base em inferências feitas a partir do próprio evento que se pretende explicar. Como dito anteriormente, o grande problema com as explicações mentalistas é a atribuição de uma causa interna a um comportamento. A fim de evitar tal equivoco, os analistas do comportamento restringem suas explicações ao estabelecimento de relações funcionais entre eventos (no Passo 4 será apresentada uma versão mais detalhada do conceito de relação funcional). Deste modo, para estes cientistas do comportamento, tanto o comportamento visível, quanto os comportamentos encobertos (eventos privados) devem ser entendidos a partir de suas relações com o ambiente. Referências & Bibliografia Complementar Abib, J. A. D. (2001). Arqueologia do behaviorismo radical e o conceito de mente. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre comportamento e cognição. Vol. 7 (p. 20-35). Santo André: ESETec. Baum, W. M. (1999). Compreender o behaviorismo: ciência, comportamento e cultura (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y. Tomanari, E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: ARTMED. Publicado originalmente em 1994. Carvalho Neto, M. B. (2001). B. F. Skinner e as explicações mentalistas para o comportamento: uma análise histórico- conceitual (1931-1959). Tese de Doutorado. São Paulo, SP: Universidade de São Paulo. De Rose, J. C. C. (1997). O que é comportamento? Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição. Vol. 1 (p. 79-81). 2ª edição. Santo André: Arbytes. Kantor, J. R. (1978). Cognition as events and as psychic constructions. Psychological Record, 28, 329-342. Lewontin, R. (2002). A tripla hélice: Gene, organismo e ambiente. São Paulo: Companhia das Letras. Matos, M. A. (1997). O behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e o behaviorismo radical (p.54-67). Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição. Vol. 1. Santo André, SP: Arbytes. Moore, J. (1981). On mentalism, methodological behaviorism, and radical behaviorism. Behaviorism, 9, 55-77. Moore, J. (1990). On mentalism, privacy, and behaviorism. Journal of Mind and Behavior, 11, 19-36. Moore, J. (1995). Radical behaviorism and the subjective-objective distinction. The Behavior Analyst, 18, 33-49. Ryle, G. (1969). The concept of mind. 11ª reimpressão. London: Hutchinson. Publicado originalmente em 1949. Santos, A. C. S. (1998). Análise conceitual de pensamento sob a perspectiva do behaviorismo. Psicologia Argumento, 16 (22), 119-140. Skinner, B. F. (1945). Operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277/291-294. Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: The Free Press. Publicado originalmente em 1953. Tourinho, E. Z. (1999). Eventos privados: o que, como e porque estudar. Em R. R. Kerbauy e R. C. Wielenska (Orgs) Sobre comportamento e cognição, Vol. 4 (pp.13-25). Santo André, SP: Arbytes. Watson, J. B. (1913/1971). A Psicologia como o behaviorista a vê. Em R. J. Herrnstein & E. G. Boring (Orgs), Textos básicos de história da Psicologia. São Paulo: Herder/EDUSP.