Este documento discute o comportamento governado por regras versus o comportamento modelado por contingências. Comportamento governado por regras é antecedido por uma descrição das contingências de reforço, enquanto o comportamento modelado é estabelecido pelas próprias contingências. Exemplos ilustram como as crianças podem aprender por exposição direta às contingências ou por instruções sobre as contingências. Experimentos mostram que o comportamento governado por regras é menos flexível a mudanças nas contingências.
1. FUNDAMENTOS DE PSICOLOGIA EXPERIMENTAL
PASSO 14. COMPORTAMENTO GOVERNADO POR REGRAS.
Objetivos: 1) Definir e dar exemplos de regras; 2) Definir e dar exemplos de comportamento governado por
regras e comportamento modelado por contingências, estabelecendo a distinção entre ambos.
Quando nascem, os organismos estão preparados para responder a determinadas estimulações do ambiente.
Estas respostas são chamadas de respostas reflexas; são invariáveis, comuns a todos os indivíduos de uma mesma
espécie e foram selecionadas por estarem diretamente relacionadas à sobrevivência da espécie.
O reflexo é apenas um tipo dos muitos tipos de relações que podem existir entre estímulos e respostas. Outros
comportamentos são adquiridos durante a ontogênese e sua aquisição depende da experiência individual de cada
organismo. Estes comportamentos aprendidos durante a ontogênese são importantes para a adaptação do organismo ao
seu meio físico e social. Quais comportamentos serão aprendidos e como eles serão aprendidos, ou seja, como o
repertório comportamental é construído, depende de diferentes relações estabelecidas entre estímulos e respostas. Em
outras palavras, há diferentes maneiras de aprender novos comportamentos. Novos comportamentos podem ser
adquiridos através do chamado condicionamento pavloviano, por imitação, por generalização, por equivalência, por
exposição direta às contingências de reforço e por uma descrição das contingências de reforço.
Neste passo vamos descrever e diferenciar duas maneiras de aprender novos comportamentos: uma, é através da
exposição às contingências de reforço; outra é através de uma descrição das contingências de reforço. O primeiro é
chamado de comportamento modelado por contingências (que já estudamos em passos anteriores) e o segundo é
chamado de comportamento governado por regras. Esta distinção foi introduzida na literatura por Skinner na década
de 60 e possibilitou a explicação de inúmeros exemplos de comportamento que não pareciam ter sido adquiridos por
meio da exposição direta às contingências de reforço (Parrot, 1987).
A aprendizagem por exposição direta às contingências de reforço ocorre em diferentes espécies. Já a
aprendizagem por regras, ou seja, por uma descrição antecedente das contingências de reforço é característica da
espécie humana. Os humanos além de serem afetados pelas contingências de reforço, são capazes de analisá-las. Ou
seja, humanos são capazes de descrever o que estão fazendo e por que estão fazendo. Descrevem seus
comportamentos e de outros, o contexto em que eles ocorrem e suas conseqüências. Segundo Skinner, estas práticas
verbais são regras e incluem ordens, conselhos, avisos, instruções, orientações, advertências, leis governamentais,
normas religiosas, leis da ciência, manuais, receitas e etc. (Skinner, 1982).
Ao discutir o papel de regras no controle do comportamento humano, Skinner (1982) apresentou duas definições
de regras, uma formal e outra funcional. Formalmente regras são estímulos especificadores de contingências. Ou seja,
estímulos que especificam o comportamento a ser emitido (a forma, a freqüência e a duração do comportamento), as
condições sob as quais ele deve ser emitido (quando e onde o comportamento deve ser emitido), e suas prováveis
conseqüências (o que vai ocorrer se a regra for seguida). Funcionalmente, regras são estímulos discriminativos (SD),
um antecedente correlacionado com a disponibilidade de reforço.
Regras envolvem relações verbais. A característica definidora do comportamento verbal é a de que ele é
estabelecido e mantido por reforçamento mediado por outra pessoa. Ou seja, o comportamento verbal não age
diretamente sobre o ambiente. O reforçamento mediado resulta da ação de um outro indivíduo. Requer-se, portanto,
para que haja comportamento verbal, um falante e um ouvinte. Mas para que o ouvinte possa reforçar o
comportamento verbal do falante, é preciso que o ouvinte seja especificamente treinado para tal. Significa dizer que o
comportamento verbal de alguém depende de uma dada cultura para ser reforçado. Em outras palavras, o
comportamento verbal envolve convencionalidade. É apenas por convenção que uma dada palavra se refere a uma
dada coisa, não havendo relação entre palavra e referente baseada na similaridade de forma ou outra propriedade
natural.
Mais recentemente, alguns autores (Chase & Danforth, 1991; Hayes, Zettle & Rosenfarb, 1989) têm adotado
uma definição de relações verbais que é consistente com a de Skinner, mas que adiciona uma característica crítica. De
acordo com estes autores comportamento verbal é uma relação na qual:
A: Uma resposta é emitida por um indivíduo (falante).
B: A conseqüência crítica é provida pelo comportamento de outro indivíduo (ouvinte).
C: O ouvinte foi explicitamente treinado a responder ao estímulo produzido pelo falante.
D: O treino explícito do ouvinte envolve treino de relações arbitrárias entre estímulos, de classes
relacionais, como por exemplo, equivalência de estímulos.
Ao falarmos de relações verbais devemos considerar que além do comportamento do ouvinte ser uma
conseqüência crítica para o comportamento do falante, o comportamento do falante é um importante meio de mudar o
comportamento do ouvinte. Esta é a função primária das regras (Catania, 1999). Uma característica importante das
regras é simplificar as contingências de reforço no estabelecimento de um novo comportamento, substituindo as
contingências naturais por antecedentes verbais. Ex. “Não toque na tomada porque você levará um choque”. Regras
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podem simplificar as contingências de reforço, modificando o comportamento do ouvinte, principalmente em
situações em que as contingências naturais são pouco claras, pouco eficazes ou atuam a longo prazo. Ao convidarmos
amigos para uma visita, lhes damos o endereço, em vez de deixá-los procurar o caminho por si próprios. Regras
também têm o efeito de ampliar o repertório dos indivíduos, uma vez que, ao descreverem as contingências de reforço,
permitem aos mesmos entrarem em contato com contingências que nunca poderiam ser contatadas naturalmente.
Muitos comportamentos complexos são ensinados por meio de regras na medida em que apenas a exposição direta às
contingências de reforço poderia até mesmo colocar em risco o próprio indivíduo ou outros indivíduos, como quando
aprendemos a pilotar um avião, a fazer cirurgias, dirigir automóveis e etc. (Skinner, 1982).
Agora vamos retomar o objetivo do nosso passo, vamos aprender a diferença entre comportamento governado
por regras e comportamento modelado por contingências. Para Skinner (1969), o comportamento modelado por
contingências e o comportamento governado por regras podem ter topografias similares, mas estão sob tipos distintos
de controle de estímulos e são, portanto, operantes distintos. Estes comportamentos ocorrem sob controle de condições
antecedentes diferentes. Diferente do comportamento modelado por contingências, todo comportamento governado
por regras é antecedido por uma descrição de uma contingência de reforço enquanto o comportamento
modelado é estabelecido por suas conseqüências imediatas. Em outras palavras, pode-se dizer que um
comportamento é controlado por contingências quando o comportamento observado é estabelecido por suas
conseqüências e na ausência de uma descrição antecedente das próprias contingências (regras). Diferentemente todo
comportamento controlado por regras é antecedido por estímulos que descrevem contingências de reforço, isto é, é
antecedido por uma regra.
Para vocês entenderem um pouco melhor o que foi dito, atentem para os seguintes exemplos:
Arthur é uma criança que costuma brincar muito na sala da sua casa. Durante as brincadeiras, Arthur costumava
jogar seus brinquedos para o alto. Certo dia, um dos seus brinquedos favoritos se despedaçou no chão. Desde
então, Arthur passou a não jogar mais seus brinquedos para o alto. Um dia, Arthur viu seu irmão mais novo
jogando para o alto o brinquedo que havia acabado de ganhar, nesse momento Arthur disse: - Não jogue seu
brinquedo para o alto porque pode quebrar e aí você não vai mais poder brincar com ele. Depois disso, seu
irmão não mais jogou os brinquedos para o alto.
Mariana é uma adolescente que começou a namorar há pouco tempo. Sempre que queria sair com o namorado
tinha que pedir para o pai. Assim, quando o pai chegava do trabalho Mariana ia logo pedir que ele deixasse ela
sair. Quando o pai estava sorridente, falante, ele deixava. Quando estava mais sério, falando pouco, não deixava.
Com o tempo, Mariana aprendeu que só deveria pedir para sair com o namorado quando o pai estava sorridente
e falante. Quando a irmã mais nova de Mariana começou a namorar, esta falou para sua irmã que só deveria
pedir para sair quando o pai estivesse sorridente. A irmã de Mariana nunca pediu para sair quando o pai estava
sério e falando pouco, só o fazia quando este estava sorridente e falante.
Considerando os dois exemplos acima, podemos observar que Arthur e Mariana aprenderam por exposição às
contingências e seus irmãos por exposição a regras (descrição dessas contingências).
Existem duas outras características que também permitem distinguir o comportamento modelado por
contingências do comportamento governado por regras.
a) Quando o comportamento é inicialmente estabelecido por regras, ele é menos provável de
mudar acompanhando mudanças nas contingências de reforço do que quando o comportamento é
estabelecido por modelagem. Ou seja, quando é requerido que um novo comportamento seja aprendido,
quando o comportamento que vinha sendo emitido anteriormente deixa de ser eficaz em produzir
conseqüências reforçadoras, o indivíduo que aprendeu por regras não muda o seu desempenho; continua
emitindo o comportamento especificado na regra mesmo este não sendo mais efetivo em produzir
conseqüências reforçadoras. Falando menos tecnicamente, o indivíduo não “percebe”, “não se dá
conta”, que ocorreram mudanças nas contingências ou, até “percebe” que ocorreram tais mudanças, mas
continua fazendo o que foi dito para fazer. Mesmo que isto implique na perda de reforçadores
(Paracampo, de Souza, Matos & Albuquerque, 2001).
b) Estes comportamentos também podem ser distinguidos pela maneira através da qual regras e
contingências restringem a variabilidade do comportamento. O comportamento governado por regras
geralmente não apresenta variação em relação à regra. A topografia da resposta, na maioria das vezes,
está descrita na regra e o indivíduo emite a resposta antes mesmo que as conseqüências possam exercer
algum efeito sobre a mesma; ou seja, no comportamento governado por regras os padrões de respostas
são produzidos sem exposição direta às contingências de reforço. Em contraste, o comportamento
modelado por contingências pode inicialmente apresentar grande variabilidade, e uma longa exposição
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às contingências pode ser necessária antes que o padrão de respostas desejado seja selecionado (Joyce &
Chase, 1990).
Para compreender melhor o que foi descrito, observe as figuras abaixo. Estas figuras mostram o desempenho de
duas crianças – uma teve o comportamento inicialmente estabelecido por exposição a regras e a outra por exposição às
contingências. Estas crianças foram expostas a um procedimento de escolha segundo o modelo, cuja tarefa era
escolher um estímulo igual ou diferente do modelo na presença de uma determinada luz. O delineamento experimental
consistia em expor as crianças a regras correspondentes - que descreviam o comportamento que produzia reforço –
fichas trocáveis por brinquedos (Condição Instrução - Fase 1) ou a instruções mínimas - que descreviam a tarefa
experimental, sem especificar o comportamento que produzia reforço (Condição Reforço Diferencial – Fase 1) e
observar se o comportamento estabelecido na Fase 1, mudava, ou não, acompanhando mudanças nas contingências de
reforço programadas nas fases subseqüentes (Fases 2 e 3).
Figura 1
S 11
40
S 21
20 F1 F2 F3
0
0 20 40 60 80 100
Tentativas
Figura 2
Figuras 1 e 2. Freqüência acumulada de respostas corretas (linhas sólidas) e incorretas (linhas tracejadas)
emitidas pelo Participante S11 da Condição Reforço Diferencial e pelo Participante S21 da Condição Instrução
durante cada fase (F) experimental. Quebras na curva acumulada indicam mudança de fase.
A Figura 1 mostra que a criança (S11) exposta a Condição Reforço Diferencial iniciou a Fase 1 apresentando
um desempenho variável, oscilando entre respostas corretas e incorretas, passando posteriormente a apresentar um
responder diferenciado, na presença dos estímulos luzes, de acordo com as contingências programadas. Quando as
contingências foram alteradas nas fases subseqüentes (2 e 3) e o comportamento deixou de produzir conseqüências
reforçadoras, inicialmente a criança persistiu no desempenho que vinha apresentando, respondendo de acordo com as
contingências em vigor na fase anterior, mas logo começou a variar seu desempenho passando a responder de acordo
com as novas contingências em vigor. Em outras palavras, o comportamento estabelecido por reforçamento diferencial
na Fase 1, mudou acompanhando a mudança nas contingências programadas nas Fases 2 e 3. A Figura 2 mostra que a
criança (S21) exposta a Condição Instrução iniciou a Fase 1 seguindo a regra apresentada no início da fase, ou seja,
emitindo respostas corretas, e continuou seguindo regra durante toda a fase e nas fases subseqüentes (2 e 3),
independente deste comportamento estar, ou não, produzindo conseqüências reforçadoras. Em outras palavras, o
comportamento de seguir regras, estabelecido na Fase 1, não mudou acompanhando a mudança nas contingências
programadas nas Fases 2 e 3.
Para finalizar, vale destacar que o fato de um comportamento ser antecedido por uma regra não implica que todo
comportamento que se segue à apresentação de uma regra particular pode ser classificado como controlado por regra.
Algumas condições devem ser observadas para que se possa dizer que um comportamento foi estabelecido por regras.
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1) O comportamento observado deve ser o especificado na regra, ou seja, a forma do comportamento que
se segue à apresentação da regra deve corresponder à descrita na regra e o comportamento deve ser
emitido na presença dos estímulos descritos pela regra;
2) Este comportamento deve ocorrer antes mesmo que as conseqüências por ele produzidas possam
exercer algum efeito sobre ele; o comportamento deve ocorrer independentemente das conseqüências
imediatas produzidas por ele.
Por exemplo, considerando o estudo brevemente descrito acima, se a regra apresentada especificar que a criança
deve apontar para o estímulo igual ao modelo na presença da luz verde e para o estímulo diferente do modelo na
presença da luz vermelha e a criança fizer isso na presença desses estímulos antes mesmo que seu comportamento seja
reforçado com fichas trocáveis por brinquedos, podemos dizer que o comportamento foi estabelecido por regra; por
outro lado, se a criança apontar para o estímulo igual na presença da luz vermelha e para o diferente na presença da luz
verde, ou apontar para um dos estímulos de comparação na ausência do estímulo luz, não podemos dizer que o
comportamento foi estabelecido por regra.
Grande parte do repertório humano é estabelecido por regras, são raros os exemplos de comportamento humano
puramente controlado por contingências não verbais. Estudar os efeitos de regras sobre o comportamento humano tem
sido o objetivo de muitos trabalhos conduzidos por analistas experimentais do comportamento. Há uma grande
quantidade de trabalhos teóricos e experimentais publicados sobre o tema, que de modo geral, tem procurado
responder questões como - porque regras são seguidas e quais as variáveis responsáveis pela manutenção ou não do
comportamento de seguir regras. Este passo foi apenas uma introdução ao tema. Leituras adicionais servirão para
ampliar seu repertório sobre este tema de grande relevância para a compreensão do comportamento humano.
Conclusão Geral
Nas próximas disciplinas de Análise do Comportamento você poderá avançar para processos ainda mais
complexos, usando como ferramentas básicas de análise o conhecimento contido nesses Passos introdutórios. O
material até aqui apresentado é meramente ilustrativo. Sua formação precisa ser complementada com a leitura de
outros textos, originais ou revisões, como relatos de pesquisa e manuais. Os trabalhos indicados nos Passos podem ser
um bom início.
REFERÊNCIAS
Chase, P. N., & Danforth, J. S. (1991). The role of rules in concept learning. Em L. J. Hayes, & P. N. Chase
(Eds.) Dialogues on verbal behavior (pp.205-225). Hillsdale, NJ: Erlbaum.
Hayes, S. C., Zettle, R., & Rosenfarb. I. (1989). The Verbal Action of the Listener as a Basis for Rule-
Governance. In S. C. Hayes (Ed.). Rule governed behavior: Cognition, contingencies, and intructional control
(pp.153-190). New York: Plenum.
Joyce, J. H. & Chase, P. N. (1990). Effects of response variability on the sensivity of rule-governed behavior.
Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 54, 251-262.
Paracampo, C. C. P; de Souza, D. G; Matos, M. A. & Albuquerque, L. C. (2001). Efeitos de mudanças em
contingências de reforço sobre o comportamento verbal e o não verbal. Acta Comportamentalia, 9, 31-53.
Parrot, (1987). Rule-governed behavior. An implicit analysis of reference. Em S. Modgil & C. Modgil (Orgs.),
B. F. Skinner: Consensus e Controversy (pp.265-276). Sussex: Falmer Press.
Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement: A theoretical analysis. New York: Appleton-Century-
Crofts.
Skinner, B. F. (1982). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Martins Fontes.