Este documento discute a dívida acumulada na Segurança Social portuguesa devido à evasão fiscal e fraude contributiva por parte de empresas, com a conivência dos governos. Ao longo de décadas, bilhões de euros em contribuições não pagas foram usados pelos empresários como forma de capitalização, enquanto a dívida à Segurança Social cresceu significativamente. Apesar de vários planos de recuperação da dívida ao longo dos anos, a situação continua a piorar, comprometendo a sust
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Segurança Social, vítima de uma burla com décadas
O valor retido pelo empresariato corresponde a quase
um ano de pensões, com a conivência silenciosa dos
governos e das chamadas oposições
A riqueza é sempre relativa e, incorporando o vírus do capitalismo, não se contenta em
qualquer patamar de acumulação. Enriquecer é um desígnio nunca saciado e para o qual a ética,
quando apontada, é apenas um tapete que encobre a burla e o roubo; se necessário, através da
inevitável repressão das gentes.
O papel do Estado, desde a ascensão do capitalismo foi sempre o de um gestor, de um auxiliar
essencial para a acumulação de capital. Para o efeito, (re)constrói, em permanência, um discurso
de organização e de encaminhamento da punção fiscal, hierarquizando os vários segmentos
sociais.
Em Portugal, a Segurança Social (SS), no essencial, obtém, entre outras, as suas receitas a partir
das quotizações dos próprios trabalhadores e contribuições das empresas onde trabalham, por
conta do valor acrescentado que geraram. Os recursos financeiros da SS têm assim, uma
proveniência bem definida e uma aplicação dos seus fundos, bem delimitada – pagamento de
reformas, situações de desemprego, doença ou invalidez dos indivíduos que procederam aos
devidos descontos. Pelo contrário, o Estado, tem recursos captados sobre toda a população
(impostos) e, uma aplicação não consignada, muito generalizada, envolvendo uma miríade de
funções.
Em Portugal, por regra, as receitas da área pública são cobradas com uma enorme e calculada
dose de incúria; uma incúria que tem décadas, que é estrutural para financiamento de empresas
que se inserem num capitalismo subalterno e, historicamente, muito dependente do apoio
estatal. Esse apoio, revela-se num tradicional e elevado nível de economia paralela (27 a 30% do
PIB); de fraude contributiva, com aparelhos de fiscalização muito lentos e “maleáveis”; e, uma
administração pública burocratizada, partidarizada, que publicou a Conta da Segurança Social
de 2018 (um verdadeiro labirinto) uns, vinte meses após o final daquele ano.
A SS, tal como a Autoridade Tributária, passou a divulgar listas de empresas com grandes
débitos para com aquelas instituições. Uma consulta recente nomeava 34 empresas com dívida
de contribuições não pagas, no valor de € 1 a 5 milhões; e que certamente não pagarão, não só
pelo nível acumulado de dívida; porque já terão dissipado qualquer património; ou ainda,
porque aquele foi previamente objeto de garantia a favor dos bancos credores, muito mais
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lestos e cautelosos nesta matéria. Se o objetivo era envergonhar alguém com essas listagens
esse objetivo… falhou redondamente.
A situação conhecida no momento atual é clara quanto a uma silenciosa política de instalada
incúria visando o financiamento de … empresários falidos ou calculistas.
Dívidas de médio / longo prazo (> um ano) M euros
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Client. Contrib...
cobr. duvidosa
2087 3098 4161 5072 3407 3829 4348 4575 4676 6880 6984 7262
provisões(%) 90,5 91 95 97 92 92 93 91 91 93 93 99
Prest. Soc. a
repôr
286 378 411 445 459 483 480 553 575 566 634 643
provisões(%) 69 74 92 93 93 95 93 93 92 97 88 87
Contribuintes nd nd nd nd nd 2480 2560 2805 3212 1498 1501 1469
Médio / longo
prazo
2374 3476 4572 5517 3866 6792 7388 7933 8463 8945 9119 9373
Dívidas de curto prazo (< um ano) M euros
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Contribuintes c/c 681 477 397 400 3466 1955 2695 2621 2650 2262 2545 2582
Client. Contrib...
Cobr. duvidosa
107 165 359 491 269 225 317 292 222 230 190 169
provisões(%) 25 25 41,9 41 54 48 64 67 55 58 61 53
Prest. Soc. a repôr 171 108 120,6 120 120 102 153 95 98 128 70 72
provisões(%) 12 14 10,6 11 12 11 7 8 8 5 2 10
Curto prazo 959 751 876 1011 3855 2282 3165 3008 2969 2619 2805 2820
Curto +m/l prazo 3333 4226 5448 6528 7722 9074 10554 10941 11432 11564 11923 12194
Relação entre Médio longo prazo/curto prazo
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Client. contrib.
cobrança duvidosa
19,5 18,7 11,6 10,3 12,6 17,0 13,7 15,6 21,1 30,0 36,8 43,5
Prest. Soc. a repôr 1,7 3,5 3,4 3,7 3,8 4,7 3,1 5,8 5,9 4,4 9,1 8,9
Fonte – Contas da Segurança Social
O crescimento das dívidas tomadas como de médio ou longo prazo resulta, nos últimos anos,
da grande redução das contribuições tomadas como dívida consolidada e já não como
prestações em atraso (Contribuintes); o que não ilustra a gestão de Vieira da Silva. Para mais em
paralelo temporal com o tempo pos-troika, o I governo Costa lançou o programa Peres1
de
recuperação de dívida que, como todos os programas2
do género deverá ser o último… antes do
próximo que provavelmente virá na boleia dos danos do covid-19.
1
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/10/mais-um-perdao-fiscal-peres-e-sua-graca_10.html
2
No período 1986/2002 houve sete planos como o referido Peres, entre eles o famoso plano Mateus
que deu alguns resultados, muito provisórios. Ainda mais atrás, em 1985/95, Cavaco desviou da
3. Grazia.tanta@gmail.com 7/12/2020 3
O gráfico seguinte ilustra a crescente utilização das contribuições não pagas à SS como norma
de capitalização ou fuga de capitais por parte dos empresários portugueses, com a dedicada
conivência dos governos, naturalmente. A grande quebra observada entre 2002/2003 deve-se a
uma operação de titularização de dívidas fiscais e à SS3
, levada a cabo por Manuela Ferreira
Leite. Nessa operação os créditos cedidos - € 9446 M do Estado e € 1995.2 M da SS – em
grande parte incobráveis, os valores recebidos no final, foram de € 1453 M e € 307 M
respetivamente. A diferença, na sua maioria, corresponde a não pagamentos de empresas em
dívida e, entretanto desaparecidas, como produto da tradicional benevolência dos órgãos
estatais face aos responsáveis. Uma tradição que surge como inconcebível em outros países da
Europa.
Curiosamente, como também se pode ver no gráfico seguinte, o grande crescimento da dívida à
SS, em termos de percentagem do PIB e entre 2005/11, coincide com a governação Sócrates,
tendo como ministro para a SS um nocivo Vieira da Silva; que voltaria a protagonizar um
acréscimo da dívida a partir de 2015, com António Costa, e apesar da cobrança extraordinária
do já atrás referido, Peres. Vieira da Silva protagonizou4
ainda a introdução do Factor de
Sustentabilidade, uma fórmula de colocação dos trabalhadores a trabalhar (e a descontar) mais
anos, encolhendo, naturalmente o tempo de vida, livre do trabalho; e, reduzindo o encargo para
a SS mantendo a habitual displicência face ao incumprimento por parte dos patrões. Em
contrapartida, o regime pos-fascista age duramente sobre pequenos devedores como neste
caso
Segurança Social, para tapar um buraco financeiro no orçamento do Estado, o valor de 1206.4 M
contos… o equivalente a toda a cobrança de 1995 (Livro Verde da Segurança Social, 1996).
3
Apuramento contemplado no Relatório nº 6/2011 – 2ª s. do Tribunal de Contas
4
Vieira da Silva teve na operacionalização do Factor de Sustentabilidade, como Secretário de Estado, um tal
Pedro Marques, uma estrela do PS atualmente no Parlamento Europeu, em estágio para voos mais altos
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Sobre a Segurança Social, sinalizamos adiante textos divulgados nos últimos anos – um tema
que nunca interessou a imprensa, porque os prejuízos recaem sobre a população em geral e
os reformados em particular que não têm lobbies para os representar. O modelo
organizativo é aceite acriticamente pelos sindicatos, pela população em geral e, com o
silêncio interessado da classe política; da parcela mais à direita até à menos reacionária.
O tecido económico de hoje não é dominado pelo trabalho intensivo como há décadas e isso
exige outras incidências para financiamento da SS, mormente sobre o valor acrescentado; um
tema que obviamente não é colocado, na pobreza ideológica dominante.
Alguns textos publicados sobre a SS:
http://www.slideshare.net/durgarrai/estratgia-para-um-sistema-de-segurana-social-favorvel-multido-de-trabalhadores-e-ex-
trabalhadores
http://www.slideshare.net/durgarrai/segurana-social-processos-de-descapitalizao-1
http://grazia-tanta.blogspot.com/2012/02/fundo-de-garantia-salarial-desvio-de.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/o-tribunal-constitucional-e-o-roubo-dos.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/12/continua-o-saque-da-seguranca-social.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/10/dia-internacional-para-erradicacao-da.html
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents