O autor pede ao governo para não anunciar mais planos de redução de despesa, afirmando que irá esquecer as promessas anteriores de cortes que não se concretizaram. Ele está disposto a esquecer as palavras dos políticos sobre cortes na despesa desde que não façam novos anúncios sobre reduções de gastos, pois sabe que esses anúncios serão seguidos por aumentos de impostos.
1. Por favor
por PEDRO MARQUES LOPES*
Tenho um pedido a fazer aos membros deste Governo: não anunciem
mais planos de redução da despesa.
Prometo esquecer-me da famosa proclamação do primeiro-ministro,
aquela em que Passos Coelho dizia existirem dois caminhos para a solução
do problema do défice: reduzir a despesa ou aumentar impostos, sendo a
dos socialistas a segunda e a dele a primeira. Vou varrer da minha
memória as afirmações grandiloquentes de actuais responsáveis
governamentais, que juravam a pés juntos haver um plano detalhado para
o corte nos gastos supérfluos do Estado.
Assobiarei para o lado quando me recordarem as palavras do primeiro-
ministro no Pontal, quando assegurava que até dia 31 de Agosto o grande
plano ia ser apresentado e até Outubro estaria executado. Fingirei que
não percebo nada de aritmética quando me falarem de um terço para isto
e dois terços para aquilo. Estou disposto a jurar que quando Passos Coelho
disse que seria intransigente na questão das deduções dos gastos em
educação, habitação e saúde em sede de IRS e jamais as aprovaria, foi mal
interpretado e não era isso exactamente que queria dizer. Quando Paulo
Portas aparecer na televisão, vou só concentrar-me nas suas tarefas de
ministro de Negócios Estrangeiros e não matutarei no esbulho fiscal que
estava em marcha há uns meses. Vou deitar fora o livrinho do Álvaro, o
ministro, para não ler o que ele escrevia sobre aumentos de impostos e a
facilidade com que se ia cortar na despesa. "Cortes históricos" e "maior
redução da despesa dos últimos cinquenta anos" são frases que não
utilizarei. Sempre que ouvir falar em gordura, direi que desta vez vou
mesmo emagrecer.
Não voltarei a perguntar onde é que afinal está o desvio colossal (o tal que
existe mas ninguém diz onde) e desprezarei essa inutilidade chamada
boletim de execução orçamental, que teima em malevolamente mostrar
que até Junho a despesa desceu e a partir dessa data desatou a subir.
2. Estou disposto a isto tudo mas, por favor, não anunciem que neste ou
naquele dia vão apresentar medidas de corte na despesa. É que é certo e
sabido que vem aí um anúncio de mais impostos, o fim de deduções fiscais
ou uma subida de preços.
Se esta minha amnésia auto-infligida não for suficiente, posso mesmo
controlar-me e não rir às gargalhadas quando o ministro das Finanças
voltar a dizer que um aumento de impostos é um exercício de
solidariedade, achar normal que o documento de estratégia orçamental
não dedique uma palavrinha que seja sobre incentivos ao investimento
das empresas - a não ser que se considere o aumento de impostos uma
medida potenciadora de mais investimento - ou como diabo se vai pôr a
economia a crescer.
Sou capaz de respirar fundo quando pela milionésima vez se ceder às
chantagens e desmandos de Alberto João Jardim, achar que os onze
grupos de trabalho criados em dez semanas de governação são mesmo
necessários - sobretudo os três dedicados ao futebol - ou engolir em seco
ao ouvir o ministro para tudo e mais alguma coisa, Miguel Relvas dizer que
vai antecipar o pagamento das dívidas da RTP para a poder entregar de
boa saúde, sem ónus ou encargos, às dezenas de empresas que, com
certeza, acorrerão ao concurso de privatização.
Receio, porém, que estas minhas promessas todas não sejam suficientes.
Dia 15 de Outubro vai ser apresentado o Orçamento do Estado para 2012,
e nessa altura vamos saber dos cortes, ou seja, é muito provável que
surjam mais impostos. Talvez um imposto sobre os gordos, pois de forma
evidente não estão a praticar a austeridade. Outro sobre os que tomam
banho todos os dias, essa gente que desperdiça água. Até tenho medo de
dar ideias, mas estou convencido de que não faltará imaginação ao
Governo. Ou então pode ser que nos digam que interpretamos mal as
palavras gordura e consumos intermédios. Gordura era assim como dizer
salários, consumos intermédios era outra maneira de se falar em pensões,
e será aí que irão ser feitos os cortes. É que só faltava mesmo essa.
Sou capaz até de ir a Fátima a pé, mas por favor não marquem mais datas
para anunciar cortes na despesa.
*PEDRO MARQUES LOPES (militante do PSD)