Como analisa Walkerdine (1998, p.184), sobre sua trajetória docente no ensino fundamental, “o professor tem um mandato para falar, para manifestar-se para contar certos tipos de teorias com uma autoridade que é fruto de sua posição.” Nesse sentido e com o intuito de me posicionar nesse relato, conto sobre o que trazia comigo quando me ingressei na coordenação de área das “Artes Visuais” do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID), da Faculdade de Artes Visuais (FAV), da Universidade Federal de Goiás (UFG). T
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
Efeitos dos programas de inserção na docência
1. Efeitos dos programas de inserção profissional à docência na melhoria escolar
INFORME DE EXPERIÊNCIA
PIBID, DOCÊNCIA, ENSINO E APRENDIZAGEM DA CULTURA VISUAL NA
FORMAÇÃO DE ARTE-EDUCADORES/AS
ARANTES, Kelly Christina Mendes
kellymendes.fav@hotmail.com
Universidade Federal de Goiás
BRAGA, Thayna Bruna Rodex
thaynarodex@gmail.com
Universidade Federal de Goiás
TEIXEIRA, Neri da Silva
neri.dasilvateixeira@gmail.com
Universidade Federal de Goiás
Palavras-chave: Relações hegemônicas de poder – pedagogia crítica – cultura visual
PRIMEIRO PONTO DE VISTA: O PIOR DA ARISTOCRACIA É O ESCRAVO
ARISTOCRATA1
Como analisa Walkerdine (1998, p.184), sobre sua trajetória docente no ensino
fundamental, “o professor tem um mandato para falar, para manifestar-se para contar
certos tipos de teorias com uma autoridade que é fruto de sua posição.” Nesse sentido e
com o intuito de me posicionar nesse relato, conto sobre o que trazia comigo quando me
ingressei na coordenação de área das “Artes Visuais” do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação a Docência (PIBID), da Faculdade de Artes Visuais (FAV), da Universidade
Federal de Goiás (UFG). Trazia comigo uma experiência de 17 anos de atuação no
ensino de arte na rede municipal de educação da cidade de Belo Horizonte, assim como,
a consciência da necessidade de relacionar a escola ao mundo da vida nos termos em
que discute Ascêncio (2010, p.101):
A escola tradicional tem se mantido à margem do mundo da vida como
horizonte de ação comunicativa, posto que tem permanecido em uma
racionalidade teleológica instrumental, limitando possibilidades de
1
Frase proferida pelo professor Ildeu Moreira Coêlho no curso Docência do Ensino Superior – UFG, quando
analisava os rumos e perspectivas das graduações no Brasil, 03/10/2013.
2. empoderamento e de estabelecer entendimento através do diálogo, não
tendo uma postura clara com respeito ao que acontece na sociedade, no
contexto imediato em que se encontra, não sendo protagonista de suas
próprias situações, nem gerando conhecimento e/ou mudanças
significativas para si e para a comunidade na qual se insere (...).
Esse distanciamento do “mundo da vida”, como, o distanciamento dos professores das
realidades de seus alunos e da ignorância do próprio sistema escolar e gestões em
relação às produções de seus professores e estudantes, passaram a me chamar a
atenção quando tive acesso a teorias pedagógico críticas no campo de estudo da Cultura
Visual e quando ainda era professora do ensino fundamental. Desde então, iniciei um
processo de reconhecimento de meus estudantes como atores fazedores de histórias
como propõe Hernández (2007) e, portanto, como sujeitos dentro da história e não em
contato com a história como problematiza Freire, (2005).
As minhas experiências práticas e teóricas na minha trajetória docente aos poucos foram
tomando outras dimensões e refletindo na minha formação, de professora expectadora e
distante da escola, passei a me enxergar como sujeito pertencente, estando dentro dela e
não fora, rompendo com as rígidas estruturas tradicionais que nos levam a vê-la a partir
dos olhos de quem a vê estando fora e não dentro.
Em 2005 desenvolvi um projeto de trabalho na perspectiva pedagógica crítica no campo
de estudos da Cultura Visual com adolescentes do nono ano, nesse período, ainda me
encontrava no ensino fundamental. Na ocasião, tal projeto levou os/as estudantes a
colocar em xeque as políticas públicas de educação voltadas para a classe trabalhadora.
Esse trabalho teve repercussão na grande mídia e, posteriormente, se transformou em
um capítulo de revista (ARANTES, 2005). Em consequência, necessitei me ausentar da
escola por uns dias para apresentar minhas reflexões em um Seminário fora do estado
de Minas Gerais. No entanto, fui coibida pela gestão escolar da época a assinar um
documento assumindo as minhas ausências, o que resultaria, se caso o assinasse, na
redução de meu salário devido a participação no seminário. Estavam ali estabelecidas na
prática as relações hegemônicas de poder. Nessa direção pergunto: De que lado estão
as gestões das escolas? Como se relacionam estas gestões com o que acontece em seu
próprio limite pedagógico e administrativo? Foucault (1992, p.108) nos esclarece: “o
poder não está localizado no aparato do Estado”, para que ele funcione “é necessário
que haja do homem à mulher, do adulto à criança, (do diretor ao professor) relações de
dominação bem específicas que tem sua configuração própria e sua relativa autonomia”
(Ibidem, 1992, p.157). Para que essas estruturas permaneçam, relações de poder
minuciosas e cotidianas localizam-se fora do aparato do Estado e nas escolas é um dos
lugares em que elas se naturalizam.
(...) o problema, político, ético, social e filosófico que se nos coloca hoje,
não consiste tanto em tentar liberar o indivíduo do Estado e de suas
instituições, quanto liberarmos a nós mesmos do Estado e do tipo de
individualização que este implica. Temos de promover novas formas de
subjetividade que se enfrentem e oponham ao tipo de individualidade
que nos tem sido imposto durante muitos séculos (FOUCAULT, 1996,
p.36).
3. Partindo desse breve histórico sobre minha trajetória docente no ensino fundamental, o
que venho construindo hoje com os/as alunos/as e professores/as supervisores/as do
PIBID é uma proposta metodológica de ensino e de pesquisa que nos permita encarar e
problematizar os fenômenos que ocorrem no contexto da escola e não evitá-los, para
assim mostrarmos que as imprevisibilidades e conflitos, presentes nesse contexto,
servem de ponto de partida para ações pedagógicas reflexivas, críticas e políticas e para
a formação continua de nossas subjetividades docentes.
PIBID – Artes Visuais – UFG
O subprojeto da área de Artes Visuais do PIBID – FAV – UFG tem como proposta, em
primeiro lugar, aproximar os/as estudantes bolsistas de Licenciatura em Artes Visuais
das demandas reais das escolas parceiras para que, em diálogo com a coordenação de
área, com os/as professores/as supervisores/as de arte das escolas parceiras e
estudantes da comunidade escolar, possam propor ações pedagógicas voltadas para
suas realidades e reais necessidades. Em segundo lugar, propiciar diálogos reflexivos e
críticos sobre a prática docente entre a comunidade escolar, estudantes bolsistas e
unidade acadêmica, mediados pelo campo de estudo da Cultura Visual. Esse subprojeto
pretende diminuir as distancias entre os conhecimentos produzidos na universidade e os
conhecimentos produzidos nas comunidades escolares envolvidas. Sendo assim,
destacamos dois objetivos fundamentais a perseguir:
Levar os/as bolsistas do PIBID, através de uma abordagem “pedagógica
crítica” (KINCHELOE, 1997; GIROUX e McLAREN, 1998; GIROUX, 1996;
ASCENCIO, 2010, HERNÁNDEZ, 2000, 2007 e 2011; DUNCUM, 2011), a
dialogar, refletir e problematizar sobre os problemas reais da comunidade
escolar, sobre suas próprias inquietações no processo formativo e sobre as
demandas dos/as alunos/as das escolas parceiras, criando, dessa forma,
através do campo de estudo da Cultura Visual, outras possíveis visualidades
e identidades que promovam a autonomia dos sujeitos e o respeito às
diferenças e diversidades existentes no cotidiano das escolas parceiras;
Pensar a escola parceira como local permanente de imprevisibilidades,
possibilidades e transformações, como forma de contribuir para a formação de
futuros docentes e para a formação continuada dos professores supervisores,
permitindo-os a recriação dos currículos.
Nessa perspectiva, entendemos currículo como “um meio através do qual o professor
aprende, semelhante a um artista, a arte de ensinar mediante o exercício de seu próprio
‘que fazer’. Nessa aprendizagem, é preferível a comprovação crítica, como garantia da
autonomia, à aceitação passiva” de um currículo técnico preestabelecido (DICKEL, 2007,
p.46-47).
4. O que buscamos? Tirar o máximo de proveito das constantes imprevisibilidades do
campo empírico
Enfatizamos a “prática reflexiva” compreendida como o “pensar sobre as dimensões
sociais e políticas da educação e do contexto em que ela se insere”, nesse sentido, e de
acordo com Dickel (2007) e Zeichnner (2007), a formação de um professor reflexivo vai
de encontro à formação do professor(a)-pesquisador(a). O que significa ir além da
exclusiva capacitação individual e transformação pessoal, incluindo, também, uma
preocupação explícita com a reconstrução social (Zeichnner, 1995, apud. Dickel, 2007,
p.42), que leve o/a aluno/a bolsista a pensar, refletir e construir propostas de ações
pedagógicas conectadas às realidades e demandas do contexto das escolas parceiras,
mediadas por um diálogo permanente entre as vozes dos/as alunos/as bolsistas do
PIBID, dos/as professores/as supervisores/as, dos/as alunos/as das escolas parceiras e
coordenação de área.
Nossa perspectiva teórica e metodológica
Para se pensar as relações citadas anteriormente dialogando com o projeto institucional
PIBID/UFG, “Formação de professores e desenvolvimento da profissão docente:
reflexões e ações acerca de seus impactos na cultura escolar”, propomos a perspectiva
teórica da pedagogia crítica (GIROUX e McLAREN, 1998; GIROUX, 1996; ASCENCIO,
2010; KINCHELOE, 1997) na qual pretendemos, a partir da pergunta guarda-chuva do
subprojeto de artes visuais, desenvolver ações pedagógicas que abracem as demandas
da comunidade escolar:
“Como se relaciona a escola com o mundo da vida?”
(ASCENCIO, 2010, p.101)
Pergunta que não somente norteia a imersão nas escolas parceiras como respalda o
surgimento de outras perguntas e inovações metodológicas que inclui também as novas
tecnologias.
Nesse processo, proponho que os/as alunos/as bolsistas ao se aproximarem da
comunidade escolar, levando consigo a pergunta problematizadora, tragam várias outras
questões dinamizadoras do processo de construção do conhecimento e de formação
docente: Como construir propostas metodológicas mediadas pelas novas tecnologias que
dê conta de abarcar as vozes e necessidades reais dos/as estudantes pré-adolescentes
e adolescentes envolvidos? Como fazer do ensino e aprendizagem da Cultura Visual
significativos para a vida desses/as estudantes? Como construir colaborativamente uma
metodologia que abarque os anseios e necessidades dos/as pré-adolescentes e
adolescentes, os tornando protagonistas de suas próprias histórias? Como pensar no
processo de formação do professor que o prepare para tirar o máximo de proveito dos
“conflitos” e “fenômenos” presentes no cotidiano escolar mediado pela Cultura Visual?
Como considerar as diferenças culturais, de gênero, étnicas, religiosas, territoriais,
sociais e econômicas no sentido de contribuir para uma sociedade verdadeiramente
democrática e emancipada? Que tipo de arte educador/a pretendo ser diante das
5. perspectivas sócio-culturais apontadas nesse início do séc.XXI?
Tais questões contribuem para a aproximação do universo da comunidade escolar,
contribuem para novas visualidades e experiências, contribuem para a criação de novas
metodologias e teorias para o ensino mediado pela Cultura Visual. Perspectivas essas
passíveis de dialogar com as mudanças constantes existentes nos contextos das escolas
parceiras, sem engessá-las numa proposta rígida com pretensões generalistas de
aplicação. Nessa trajetória, os/as alunos/as bolsistas iniciam a compreensão de que o
universo da escola, assim como, o universo social, demandam metodologias e
perspectivas teóricas que os possibilitem encarar as constantes imprevisibilidades e
possibilidades existentes nesse contexto (KINCHELOE, 1997).
Nessa perspectiva, a formação crítica e política do/a arte-educador/a contribui não só
para a formação docente, mas também para a formação do/a professor/a-pesquisador/a.
Sendo assim, pretendemos que novas abordagens do ensino da Cultura Visual nas
escolas parceiras na cidade de Goiânia, assim como, no Estado de Goiás sejam
promovidas em consequências às novas maneiras de pensar e atuar no ensino da
Cultura Visual promovida no campo de estudo do ensino das Artes Visuais e da Cultura
Visual da FAV – UFG.
Nossas ações
O subprojeto de artes visuais se estrutura sobre quatro ações pontuais: Prática reflexiva;
Teoria crítica; Formação do/a professor/a-pesquisador/a e Socialização do conhecimento
construído e está formado por uma equipe de onze alunas e quatro alunos do curso de
Licenciatura em Artes Visuais, dois professores supervisores e uma professora
supervisora de arte das escolas parceiras e uma professora do curso de Licenciatura em
Artes Visuais como coordenadora de área do PIBID – Artes Visuais – UFG.
As ações giram em torno de reuniões semanais com os/as alunos/as bolsistas na
unidade acadêmica, imersões semanais na escola parceira, reuniões mensais com toda
a equipe (Alunos/as bolsistas, professores/as supervisores/as e coordenação de área)
na unidade acadêmica FAV – UFG e socialização do conhecimento construído em
seminários e congressos no contexto estadual e nacional.
A imersão no campo – (Prática reflexiva) ocorre de maneira não intrusa, respeitando
as práticas dos/as professores/as supervisores/as e conquistando diálogos com a
comunidade escolar, para além da dinâmica das aulas de arte em sala. A partir de
observações participantes e encontros semanais, nas escolas parceiras, são
desenvolvidas as propostas de ações pedagógicas em diálogo com a comunidade
escolar, que poderão ser desenvolvidas através de diferentes técnicas: pintura,
fotografia, audiovisual, performance, desenho entre outros.
Nas reuniões semanais – (Teoria Crítica) na FAV discute-se o arcabouço
teórico/prático e metodológico que estruturará as ações pedagógicas demandadas pelas
escolas parceiras.
6. Os encontros mensais – (Formação do/a professor/a-pesquisador/a) contribuem
para que os conhecimentos construídos nas escolas parceiras se aproximem dos
conhecimentos construídos na unidade acadêmica (FAV – UFG). Nesses encontros,
alunos/as bolsistas e professores/as supervisores e coordenação de área socializam as
práticas ocorridas durante o mês transcorrido, ponderando algumas questões e
elaborando propostas de ações pedagógicas a partir de conflitos, erros e acertos
observados no contexto da escola parceira.
Socialização do conhecimento construído. Ao final de cada semestre, os/as
alunos/as devem escrever um artigo e os professores supervisores são convidados a
participar dessa proposta reflexiva sobre as experiências vividas ou em andamento para,
posteriormente, divulgarem em diferentes âmbitos, como forma de contribuir para
discussões que giram em torno da formação do professor/a-pesquisador/a de artes
visuais.
Essa dinâmica tem apontado que os/as alunos/as bolsistas, assim como, professores/as
supervisores/as e coordenação de área passam a refletir sobre o próprio processo de
formação, na medida em que, salientando pontos positivos, pontos negativos, questões
e problemas, apontam para a necessidade da abertura das práticas pedagógicas para
novos diálogos com as comunidades escolares em que atuam.
As quatro ações sustentam as propostas pedagógicas a serem desenvolvidas pelos/as
alunos/as bolsistas nas escolas parceiras, isso significa que a proposta não parte
somente do conhecimento construído no âmbito acadêmico e em seguida
“transplantado” para escola. Nesse processo, alunos/as bolsistas, professores/as
supervisores/as e coordenação de área se posicionam provisoriamente diante das
questões nascidas das experiências nas escolas parceiras, aprendendo a lidar com as
imprevisibilidades intrínsecas das instituições educacionais. Nessa perspectiva
esperamos:
Que os/as alunos/as, a partir da observação participante e dos diálogos com
a comunidade escolar, aprendam a tirar o máximo de proveito das incontáveis
imprevisibilidades do contexto escolar, contribuindo para transformações
significativas das escolas parceiras, como, por exemplo, romper com as barreiras
impostas às novas tecnologias nos contextos escolares e sua importância para a
transformação e socialização de lugares e possibilidades emancipadoras;
Que os/as alunos/as bolsistas ao se reunirem semanalmente para refletir sobre
as dinâmicas e práticas ocorridas na escola parceira, reconheçam a importância
e a responsabilidade de ser professor/a, de aprender com o outro, da escola e da
unidade acadêmica de origem, contribuindo para o fortalecimento e valorização
da profissão docente;
Que os/as jovens futuros/as arte-educadores/as ao construírem suas propostas
de ação pedagógica colaborativamente, ou seja, mediadas pelas reflexões
proporcionadas pelo diálogo com a comunidade escolar e acadêmica se
apaixonem pelo o exercício de aprender-ensinar-aprender;
7. Que os/as alunos/as bolsistas através de suas ações pedagógicas se tornem
comprometidos com transformações sociais, que contribuam para uma educação
emancipadora e não conformista;
Que os/as alunos/as bolsistas a partir do conhecimento construído mediado pela
prática e pelas teorias divulguem seus aprendizados e se libertem e aprendam
que educar é um ato de criatividade e “criticidade” que, portanto, não deve estar
engessado em técnicas metodológicas rígidas e fixas.
Partindo desses pressupostos trago, em seguida, as vozes de duas estudantes bolsistas
do PIBID – Artes Visuais – UFG que destacam, a partir de seus pontos de vista e de
seus lugares de posicionamento, os obstáculos e conquistas ocorridos nas suas
experiências nas escolas parceiras.
OUTRO PONTO DE VISTA: CONFRONTANDO IDENTIDADES E SUBJETIVIDADES
NAS AULAS DE ARTES VISUAIS MEDIADAS PELA CULTURA VISUAL
Thayna Bruna Rodex Braga
Participar do Programa Institucional de Iniciação a Docência (PIBID) me possibilitou
frequentar a Escola Municipal Marechal Castelo Branco durante um ano e meio. Essa
escola está situada em uma região periférica de Goiânia e atende estudantes do ciclo I e
II correspondente ao primeiro e nono ano do ensino fundamental.
Durante o período que a frequentei, tive como principal objetivo conhecer o espaço e
perceber as relações vivenciadas ali, suas realidades e demandas, assim como,
conhecer quem eram os/as estudantes com os quais iria me relacionar e, a partir disso,
construir um plano de ação pedagógica.
Nessa perspectiva, a pesquisa qualitativa me possibilitou estar nessa escola buscando
uma compreensão a cerca dos fenômenos sociais e das relações que envolviam as
subjetividades desse espaço (GOLDENBRG, 1997). Essa experiência me possibilitou
perceber a necessidade de encontrar um problema que norteasse minha pesquisa e ação
na escola e ainda a urgência de “aprender novos caminhos interrogativos, pelos quais
possamos exercitar outras e mais instigantes e criativas maneiras de perguntar”
(FISCHER, 2007, p.53).
A busca de novos caminhos surgiu da minha vivência no campo e através da minha
relação com os/as estudantes que tinham entre 13 e 14 anos. Nesse processo notei
como eles/as se relacionavam entre si. Observei os grupos formados na sala de aula e
também aqueles que nunca estavam em nenhum grupo.
Os conflitos identitários que atravessavam as relações desses estudantes passavam
pelas dificuldades de relacionamento deles/as e, muitas vezes, eram mediadas por
piadas, pré-conceitos e exclusão de alguns colegas. Isso trazia para sala de aula ou para
8. os demais ambientes da escola, uma visível diferença entre aqueles que podiam falar e
aqueles que apenas eram silenciados pelas vozes dos outros.
Essas relações tornaram-se então o problema da minha pesquisa e o ponto de partida
para o desenvolvimento da proposta de ação pedagógica que desenvolvi na escola:
Como contribuir para o encontro entre as aulas de artes visuais e a vida desses
estudantes? De que maneira essas aulas poderiam contribuir para mediar diálogos e
reflexões em torno dos conflitos identitários vividos por esses/as estudantes?
Foi confrontando o ensino de artes visuais e aprendendo as possibilidades oferecidas
pelo campo de estudo da Cultura Visual que escolhi trabalhar com os problemas,
acreditando, como enfatiza Fernando Hernández (2011, p.41), na necessidade de:
Convidar a subverter o ‘dever ser’ das artes (e especialmente das artes
vinculadas com a escola) e começar a considerá-las como práticas
sociais, que nos permitem não só responder à pergunta ‘o que é que
vemos ou sentimos’ ante (ou realizando) um quadro, uma dança ou uma
peça musical, mas em que lugar nos coloca como sujeitos, em suma,
propor a pergunta ‘o que diz de nós’; (...) Além de nos permitir revisar os
efeitos das narrativas hegemônicas que se apresentam como formas de
verdade sobre nós e nossas maneiras de ver.
Foi a partir dessas inquietações que propus uma ação pedagógica que
possibilitasse aos/as estudantes refletir sobre suas representações identitárias, utilizando
dos objetos que eles/as carregavam na mochila. Essa dinâmica mediou nossas
conversas sobre como nos vemos e somos vistos, como nos posicionamos e quais
consequências trazem as construções dessas representações, ou seja, como e porque
essas representações afirmam preconceitos? Ou de que forma elas podem mediar
transformações emancipadoras? Questionar essas representações foi a maneira que
encontrei de pensar, junto com esses/as estudantes, como as identidades, as
subjetividades e as diferenças são produzidas dentro de um contexto social e cultural, em
que a identidade e a diferença por meio da representação,
(...) se ligam ao sistema de poder. Quem tem o poder de representar tem
o poder de definir e determinar a identidade. (...) Questionar a identidade
e a diferença significa, nesse contexto, questionar os sistemas de
representação que lhes dão suporte e sustentação. (SILVA, 2009, p. 91).
No contexto da minha ação e de acordo com Giroux e McLaren (1998) diferenciei
identidade de subjetividade pois, como apontam esses mesmos autores (1998, p. 148):
(...) a subjetividade nos permite reconhecer e orientar as formas nas
quais os indivíduos constroem o sentido de suas experiências, incluem
suas experiências e maneiras inconscientes de ver, e as formas culturais
disponíveis, através das quais maneiras semelhantes de ver são, de um
modo ou de outro, constrangidas ou permitidas. O termo ‘identidade’
9. implica, por outra parte, que há uma essência determinada que existe
independentemente da cadeia de discursos disponíveis para os
indivíduos.
A distinção desses termos tornou-se necessária na medida em que refletia sobre as
experiências vividas em sala de aula em relação às identidades afirmadas pelos/as
estudantes e, os conflitos que essas geravam ao se depararem com as diferenças
existentes no contexto da sala de aula. Nessa dinâmica, identidades fixas passaram a ser
questionadas e as subjetividades dos/as estudantes vieram à tona.
A ação pedagógica que partiu dos objetos que consumimos no nosso cotidiano nos
possibilitou refletir sobre nossas subjetividades, não somente, mediada pelos objetos
como, também, pela história do autorretrato desde seus primórdios até os dias atuais.
Essa ação ilustrou como nossas representações estão ligadas aos contextos sociais,
culturais e econômicos a qual vivemos, além disso, nos permitiu pensar sobre diferenças
e transformações das representações de sujeitos ao longo da história.
A voz desses estudantes e a construção de um pensamento crítico nas aulas de artes
visuais me proporcionaram não somente refletir sobre as identidades e subjetividades
dos/as estudantes, mas no papel do/a arte educador/a, ou seja, me proporcionou refletir
sobre minhas próprias identidades e subjetividades naquele espaço. Determinados fatos,
diálogos, dificuldades e rupturas no campo da escola parceira me levaram a avaliar a
minha atuação e intenção enquanto arte educadora e que lugar devo ocupar na escola e
na arte-educação.
MAIS UM PONTO DE VISTA: DO CAMPO MINADO AO SOLO FÉRTIL
Neri da Silva Teixeira
De maneira simbólica, mas carregada de interrogações e questionamentos, a experiência
que relato, brevemente, traz reflexões sobre a minha imersão na Escola Municipal
Marechal Castelo Branco situada na zona urbana de Goiânia. Essa experiência significou
um convite para transitar e refletir sobre os desafios, imprevisibilidades e surpresas
encontradas no contexto escolar. Através do convívio com adolescentes do 9º ano, de
faixa etária entre 13 e 14 anos, pude desenvolver a proposta de ação pedagógica que
passo a relatar.
Essa proposta com os/as adolescentes foi sendo construída a partir da observação
participante, desenvolvida por um período de acompanhamento com o professor
supervisor, que possibilitou trânsitos não somente entre os alunos, mas entre
coordenadores, professores e a gestão escolar durante um percurso de um ano e meio.
10. Neste processo, foi possível manter uma aproximação significativa com este ambiente
escolar, possibilitador de problematizações e solo fértil para construções metodológicas.
Durante o processo de investigação, pude notar que a sala de informática, apesar de
oferecer todos os equipamentos em pleno funcionamento, não era utilizada pelos/as
estudantes do turno vespertino devido à carência de profissional na área. Foi então que
comecei a me perguntar: Como os/as estudantes se relacionam com os espaços
existentes na escola? Como eles/as percebem estes espaços? Será que os alunos/as se
sentem pertencentes a estes espaços?
Notei que havia um distanciamento ou até mesmo um desinteresse por parte da escola e
dos próprios alunos/as em reativar o espaço da sala de informática, o que me
impulsionou a investigar como poderíamos realizar esse trânsito.
Utilizando a técnica de animação stop motion como mediadora, propus uma ação
pedagógica que envolveu a apropriação e o uso dessa sala com os/as estudantes numa
proposta repensar o ensino das artes no sentido de aproximá-lo da realidade dos/as
estudantes, já que estes/as são familiarizados/as com as novas tecnologias. Porém, a
gestão da escola apontava dificuldades para nossa entrada na sala de informática, que
era essencial para a edição dos vídeos que estavam sendo produzidos. Situações
imprevisíveis como esta nos mostraram como estão enraizadas as estruturas de controle
e poder nas instituições. Pensando assim, para Hall (2000, p.42):
Foucault destaca um novo tipo de poder, que ele chama de “poder
disciplinar”, que se desdobra ao longo do século XIX, chegando ao seu
desenvolvimento máximo no início do presente século. O poder
disciplinar está preocupado, em primeiro lugar, com a regulação, a
vigilância é o governo da espécie humana ou de populações inteiras e,
em seu segundo lugar, do indivíduo e do corpo. Seus locais são aquelas
novas instituições que se desenvolveram ao longo do século XIX e que
“policiam” e disciplinam as populações modernas – oficinas, quartéis,
escolas, prisões, hospitais, clínicas e assim por diante.
Dessa maneira, percebi onde estava pisando, em um campo minado, conflituoso, mas
solo fértil para construções pedagógicas, pois, quando nos posicionamos diante da
gestão da escola e da coordenação reforçando a importância do espaço da sala de
informática, as relações começaram a tomar outro rumo. Foi então que, através de longo
período de negociações, foi liberada a sala para que pudéssemos realizar a edição dos
vídeos.
11. A partir das produções das histórias, observei o quanto os/as estudantes na produção
dos vídeos traziam suas “vozes” como um convite para reflexões. Os temas ilustrados em
seus trabalhos se tornaram objetos de análise para pensar e criticar sutis relações de
poder presentes na escola, através das distintas visualidades produzidas por eles/as
perpassadas por suas subjetividades e questionamentos. Como afirma Hernández,
(2011, p.33):
As imagens e outras representações visuais são portadoras e
mediadoras de significados e posições discursivas que contribuem para
pensar o mundo e para pensarmos a nós mesmos como sujeitos. Em
suma, fixam a realidade de como olhar e nos efeitos que têm em cada
um ao ser visto por essas imagens.
Essa experiência tornou significativa as nossas relações, pois, através da criação de
diferentes histórias passei a compreender o convite dos/as estudantes para pensarmos
em mudanças significativas em relação às aulas. Na perspectiva da pedagogia crítica,
Giroux (1988) afirma sobre a importância das relações sociais trazidas para a vida
escolar. Considerando que a vida desses/as estudantes, suas subjetividades, histórias e
vivências dentro e fora da escola são importantes, na medida em que passam a falar “a
partir de suas próprias experiências” (GIROUX, 1995).
Sendo assim, no decorrer deste processo, pude refletir sobre as imprevisibilidades
presentes na escola parceira, sobretudo, pude refletir sobre como terrenos minados
podem se transformar em terrenos férteis contribuindo, não só, para a construção da
minha subjetividade como arte-educadora e me tornando parte da história, como
também, refletir sobre quais lugares ocupam os/as estudantes na escola e quais lugares
podem vir a ocupar.
DIFERENTES PONTOS DE VISTA E LUGARES DE POSICIONAMENTOS
Partindo dessas experiências e de diferentes pontos de vistas e lugares de
posicionamento o PIBID – Artes Visuais – UFG vem contribuindo para a aproximação
dos/as estudantes bolsistas das realidades apresentadas nos contextos das escolas
parceiras. Ainda que, em um primeiro momento, muitas das vezes tais realidades possam
ser assustadoras, devido a sua complexidade, ao analisá-las a partir de uma perspectiva
pedagógica crítica passam a ser apaixonantes, pois os fenômenos encontrados deixam
de ser analisados isoladamente de seus contextos histórico, social e cultural revelando as
relações hegemônicas de poder que fazem dos sujeitos oprimidos e, portanto, não
emancipados, mais aristocratas que a própria aristocracia. A revelação dessas relações
12. leva os/as futuros/as arte-educadores/as pensar seus planejamentos de ações
pedagógicas, não como uma prática pré-estabelecida e de controle, mas como uma
prática reflexiva e comprometida com transformações sociais.
Nesse sentido, construir lugares de posicionamento significa como destaca Walkerdine
(1998), termos consciência de onde viemos e para onde pretendemos seguir, em outras
palavras, significa termos consciência de nossa própria história.
Referências
ARANTES, K. C. M. (2005) De que lado nós estamos? Uma experiência na educação de
adolescentes através da cultura visual. Visualidades. Goiás, v. 3, n. 2, p. 57-88, jul./dez.
ASCENCIO, Susana A. (2010) “Un Punto de Encuentro con La Pedagogía Crítica:
Aproximaciones desde la teoría de la acción comunicativa”. In: CATALDO, H.;
PANKOVA, V.; ASCENCIO, S.; SOBARZO, M. (2010) Los Confines de lo Educativo.
Santiago de Chile: ARCIS.
COÊLHO, Ildeu Moreira. Graduação: Rumos e perspectivas. Conferência proferida no dia
13 de agosto de 1998, no Seminário de Estudos e propostas para Graduação, promovido
pela Pró-Reitoria de Graduação da UNICAMP.
DICKEL, A. (1998) Que sentido há em se falar em professor-pesquisador no contexto
atual? Contribuições para o debate. In: GERALDI, C. M. G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA,
E. M. de A. (Org.). Cartografia do trabalho docente: professor (A) – pesquisador (A).
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