Este documento analisa como o discurso construtivista influenciou a formação de professores no Brasil. A autora descreve como o construtivismo substituiu métodos anteriores de alfabetização ao se apresentar como mais científico e eficaz, desvalorizando os métodos tradicionais. A autora também analisa um texto que promove o método construtivista, destacando como ele representa evolução em relação aos métodos anteriores.
A influência do construtivismo na formação docente
1. A produção dos discursos construtivistas.
Thaise da Silva/UFGD
Introdução
Este trabalho tem por objetivo analisar a forma como o “discurso construtivista” tem
influenciado na formação dos professores. Para isso utilizo o volume 1 da coleção Para casa
ou para a escola? elaborado por Lourdes Eustáquio Pinto Ribeiro, o qual se destina a orientar
o professor que ingressa na teoria construtivista apresentando e orientando o docente a como
trabalhar com a coleção, sendo que esta é composta por seis volumes (o primeiro apresenta a
teoria construtivista e os demais são compostos por atividades que trabalham com cada nível
pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético1
). Dentro do volume 1 trabalho com a
análise do texto “Pelos caminhos da alfabetização” que traça um panorama da introdução do
construtivismo no Brasil e cita as vantagem de trabalhar com este método de ensino. Ao longo
da análise será possível perceber a influência que o “discurso construtivista” tem na formação
do sujeito educador, e o quanto este profissional acaba sendo por ele subjetivado tendo sua
prática e forma de agir modificada. Para tal utilizo os aportes teóricos dos estudos sobre
letramento, ancorada na perspectiva dos Estudos Culturais.
Além da introdução, este artigo é organizado em outras três seções. A primeira seção
apresenta os aportes teóricos que embasarão o meu trabalho; a segunda, analisa fragmentos
que julgo serem ilustrativo do texto; e por fim, na última seção, teço algumas conclusões
provisórias sobre o que foi analisado.
Delineando o campo teórico
Analisando os pressupostos científicos que orientaram o processo de alfabetização ao
longo dos anos é possível perceber o quanto estes foram pensados a partir dos princípios que
regeram a modernidade. Esta fase da história das civilizações tem em sua base o “progresso”
e o “desenvolvimento científico”. Se transportarmos estes dois princípios para o contexto da
educação, mais especificamente o da alfabetização, esta forma de pensar gera duas
transformações, a primeira é de que toda teorização deve ter por base um amparo científico, e
a segunda é de que sempre o mais atual é visto como mais científico, mais verdadeiro, mais
eficaz... Se pensarmos, por exemplo, como o método construtivista de alfabetização ganhou
reconhecimento frente aos anteriores (analíticos, sintéticos e mistos), pode-se perceber que a
1
Este último nível é composto por dois volumes.
2. força de sua imposição decorreu, em grande parte, de um discurso baseado em oposições
binárias (métodos construtivistas/métodos tradicionais; construção do
conhecimento/transmissão de conhecimentos; sujeito autônomo/sujeito heterônomo...), ou
seja, buscou-se a desvalorização dos pressupostos teóricos anteriores para colocar em seu
lugar um outro, que dentro das concepções de poder/saber passa a ser legitimado. Dentro
deste entendimento o “verdadeiro” método é sempre o que está por vir e que a “última
novidade” é sempre “mais verdadeira” que a anterior, sendo, portanto, a busca pelo novo, pelo
milagroso método que sanaria os problemas que envolvem esta temática em nosso país
(MARZOLA, 2007).
Esta visão se sustenta na forma linear em que se pensava/pensa a alfabetização, uma
visão de história progressiva e contínua, que produz ao mesmo tempo um sujeito incompleto,
mas que busca constantemente sua completude, ou seja, ser alfabetizado, educado, governado
e territorializado.
Trindade (2004) ao analisar as transformações por que passou o conceito de
alfabetização ao longo dos anos lembra que há diferença na forma como os estudos
acadêmicos interpretavam o analfabetismo e a alfabetização há alguns séculos e como os
interpretam hoje, distinguindo-os em novos tipos e níveis, e o exame dos processos e métodos
de alfabetização é um exemplo disso. Ao mapear a produção de conhecimento sobre os
métodos e processos de alfabetização, Trindade (2004) refere a possibilidade de que tal
produção pode ser reconhecida como prática social, criada a partir de determinados discursos
e representações. Segundo ela,
A possibilidade de interpretar as teorias como discursos não nos dá um olhar
privilegiado sobre elas; contudo, nos permite compreendê-las não mais (ou somente)
como produtos de autorias, mas como produção cultural e coletiva, contextual e
histórica, a qual nos seus deslocamentos, sofre os efeitos de mudanças nas práticas
que a produzem. Outrossim, interpretar as teorias como discursos permite identificá-
las como artefatos construtivos de práticas, comunidades e identidades sociais ou
sujeitos. (TRINDADE, 2004, p. 127)
Marzola (2003) nos dirá que as implicações atribuídas à alfabetização, produzida
como ação de ensinar a leitura e a escrita fez com que esta questão se tornasse fundamental
para o governo das populações, pois de acordo com as concepções da escola da modernidade
a alfabetização marcaria a fronteira entre a “humanidade” e a barbárie. Sendo assim, a busca
pelo método mais eficiente, tornou-se uma das maiores preocupações e um objetivo a ser
alcançado pelas pesquisas e ações no campo da educação. A autora completa dizendo que:
3. O modismo, com a supervalorização da ‘última novidade’ em matéria de método e
com os constantes revivals, que dão novas roupagens ao antigo, instituiu-se como
uma prática habitual, reguladora de expectativas e esperanças. Assim, a expectativa
por um método de alfabetização que resolva definitivamente os problemas ligados à
aprendizagem da leitura e da escrita e que, ademais, alcance os resultados
esperados da ação alfabetizadora [...] cria e define um lugar de busca permanente
por novos métodos. (MARZOLA, 2003, p.210)
Essa substituição constante dos métodos tem relação direta com o discurso da
modernidade que tem por base a noção de progresso científico que produz o mais recente
como o mais avançado, desvalorizando o anterior para colocar outro em seu lugar, tido como
mais verdadeiro. Bauman (2001) afirma que a modernidade se constituiu dentro desta prática
de substituição da velha ordem, tida como defeituosa, por uma nova ordem tida como
“melhor”.
Trindade (2004) ao analisar os discursos que tiveram grande repercussão na produção
acadêmica na área da alfabetização, orientando a formação e a prática docente nos últimos
cinquenta anos aqui no Brasil, inicia chamando a atenção para o estado da arte da
alfabetização, realizado por Soares (1989), para mostrar que as pesquisas sobre alfabetização
eram praticamente inexistentes até a década de 1950, e que cresceram significativamente nas
décadas de 1970 e 1980, obtendo destaque, entre as temáticas, os estudos sobre os métodos de
alfabetização.
Marzola (2003) observa que para que esta forma de pensar se estabelecesse, foi
preciso que a pedagogia adquirisse a base científica que lhe proporcionou o surgimento da
psicologia experimental, no final do século XIX, fazendo com que métodos de alfabetização
se sustentassem nas diferentes teorias de aprendizagem de cunho psicológico.
Com isso a Ciência Psicológica vem produzindo efeitos de verdade e de poder na
atividade pedagógica, fornecendo base científica para uma série de métodos de ensino da
leitura e da escrita, através das teorias da aprendizagem que produziu ao longo do século XX.
Exemplos disso são: no início do século XX a psicologia associacionista2
, que fundamentou o
método montessoriano de ensino e serve de base científica para os métodos sintéticos de
alfabetização3
; a psicologia da forma (Gestalt) que, na metade do século XX, fundamentou
2
Atribui a percepção de um objeto à associação das sensações.
3
Associação das partes para se chegar ao todo, ou seja, associação das letras e sílabas para a formação das
4. cientificamente os métodos analíticos4
de alfabetização; a linguística estruturalista de
Saussure (1857-1913) que fornece o suporte científico para os métodos fométicos5
. Com isso
deu-se legitimidade a antigas metodologias de alfabetização possibilitando a estas participar
dos jogos de verdade, ou seja, da disputa pelo poder dizer a verdade sobre o ensino da leitura
e da escrita.
A corrente psicogenética (Piaget – década de 20 e 30) veio substituir os métodos de
alfabetização que vigoravam. Esta concepção de aprendizagem ganha visibilidade em nosso
país na década de 80 introduzindo a verdade do método construtivista de alfabetização, tendo
como marco de seu surgimento as publicações feitas por Ferreiro & Teberosky (1979) sobre a
psicogênese da língua escrita. Segundo narra Marzola (2003, p.212)
Foi a pesquisa destas autoras [Ferreiro & Teberosky] sobre o processo de
construção, pelo indivíduo, da hipótese alfabética da escrita, que serviu de base
para a elaboração de um método de alfabetização construtivista, que respeita as
diversas etapas ou níveis desse processo. Fundamentado, assim, na psicologia
piagetiana e na linguística moderna, tal método se apresentou como uma “ruptura
conceitual” em relação aos seus predecessores, aos quais qualificou de “métodos
tradicionais”, numa clara estratégia de imposição da sua verdade. Desse jogo, que
incluiu, entre outras coisas, a desqualificação dos outros métodos e a exclusividade
de um conhecimento sustentado por um nome de prestígio no campo científico,
resultou a posição hegemônica que o método construtivista de alfabetização goza,
ainda hoje, entre nós.
Trindade (2004) observa que este novo deslocamento nos estudos sobre o processo de
aquisição da escrita faz com que métodos e cartilhas perdessem o status que possuíam na
didática da alfabetização, sendo que a psicogênese tem como base de sua teorização o
deslocamento em uma questão básica da aprendizagem, uma vez que deixam de ocupar-se
com o “como se ensina” para ocupar-se com o “como se aprende”, o que, segundo esta forma
de pensar a alfabetização, individualizaria o processo de aprendizagem tornando-o mais
eficaz, já que respeitaria o ritmo de aprendizagem de cada educando ao mesmo tempo que se
fariam interferências mais eficientes, visto que o bom professor saberia em que etapa do
desenvolvimento da escrita a criança estaria interferindo eficientemente.
Na seção que segue farei uma breve análise de um dos poucos livros didáticos
produzidos dentro da perspectiva construtivista analisando um texto destinado aos
palavras.
4
Partem do todo (palavras) para a análise das partes que a compõem (sílabas e letras).
5
Associação dos fonemas e sílabas com o som.
5. professores, cujo objetivo é demonstrar a caminhada desenvolvida entre os métodos anteriores
e o construtivista, buscando convencer o professor a aderir à novidade da época.
Os caminhos da ordem discursiva
O texto analisado localiza-se no volume 1 e é apresentado logo após do prefácio,
sendo intitulado de: “Retrospectiva: pelos caminhos da alfabetização”, logo abaixo aparece
uma citação que diz: “Educador! Eu já passei e estou passando pelos mesmos caminhos que
você também passou ou está passando...”. A palavra caminho é algo que aparece em
destaque em vários livros que trabalham dentro da concepção construtivista. Ela aparece
dando a ideia de evolução de desafio a ser enfrentado pelo educador que “não para no tempo”
que quer “evoluir” e “melhorar” seu método de aprendizagem. Esta palavra também é citada
fazendo inferência à evolução na leitura e na escrita, os níveis, sendo que esta coleção
apresenta cinco livros referentes a quatro níveis de aprendizagem.
O texto inicia com um relato da autora da coleção Lourdes Eustáquio Pinto Ribeiro6
que conta suas experiências profissionais como professora alfabetizadora, que em 1966
utilizava o método global de alfabetização, e mais tarde como diretora de uma escola que era
orientada a utilizar o método fônico. Segundo ela ambos os métodos não atingiam um grande
número de alunos, sendo que:
Muitos alunos continuavam analfabetos por muitos anos, submetidos à reprovação
ou retenção, sendo levados à baixa auto-estima e ao estigma dos alunos com problemas de
aprendizagem. (RIBEIRO, 1999, p.06).
Neste fragmento há a confirmação da ideia exposta acima, ao narrar sua trajetória
como educadora Lourdes relata sua experiência com vários métodos de alfabetização, mais
uma vez reafirmando a ideia de caminhada, como suas experiências com outros métodos não
foram eficazes como esperava, ela busca mais qualificação profissional e tem contato com o
método construtivista. Dá-se aí a ideia de evolução que adentrou na vida da protagonista
através de sua experiência e de muito estudo.
Outro ponto que deve ser destacado é que seguindo a linha do discurso moderno há a
desqualificação do método e do discurso anterior, ineficiente segundo ela, pois não atingia a
todos os estudantes. Mesmo sabendo que o método construtivista também não é totalmente
6
Lourdes Eustáquio Pinto Ribeiro é psicopedagoga, professora de didática, consultora na Área Educacional e
capacitadora de Recursos Humanos.
6. eficaz, esta é a principal justificativa utilizada durante o texto para convencer o leitor a mudar
de método de ensino.
A autora segue relatando os cursos de qualificação que fez e os cargos que ocupou
dentro da área da educação até ser convidada a trabalhar na 2ª Delegacia de Ensino de Belo
Horizonte, em 1993, quando alarmada com os laudos psicológicos de alguns alunos resolve
aplicar a metodologia construtivista em uma escola especial da região. Segundo a autora, com
isso ela pode perceber o nível de escrita de cada aluno e o quanto o desejo de aprender era
visível em cada um deles. Segundo ela, as questões metodológicas eram a causa da não
aprendizagem da grande maioria das crianças e foi trabalhando com os professores e
preparando-os dentro da caminhada construtivista que conseguiu reverter os baixos índices de
reprovação. Nas palavras de Lourdes:
A cada nova sessão, surpresas e mais surpresas. As professoras faziam
depoimentos fantásticos sobre suas descobertas e os avanços que estavam conseguindo
com os alunos. Em junho de 1993 já estávamos remanejando alunos para classes de níveis
mais avançados. E os alunos que me foram apresentados, no início do trabalho, como os
que não aprendiam, começaram a mostrar a todos que, com outra prática pedagógica, eles
aprendiam sim. (RIBEIRO, 1999, p.08).
A partir daí, esta professora passa a se dedicar à formação de professores dentro da
linha construtivista, convidando novos professores a se juntar a ela nesta caminhada, e encerra
seu texto com a seguinte citação: “Como qualquer caminhante, ainda espero ter caminhos
pela frente...”
Analisando o discurso construtivista de Lourdes pode-se perceber que este se encontra
de acordo com a ordem discursiva que ganhou grande reconhecimento no campo da educação
nas décadas de 80 e 90. Sommer (2005, p.01) ao analisar o conceito de ordem discursiva
explica que não falamos tudo o que queremos e que o poder funciona como um instrumento
de análise capaz de explicar a produção de saberes, “centrando-se na relação entre as práticas
discursivas e os poderes que a atravessam, demonstrando que existem diversos procedimentos
que controlam e regulam a produção dos discursos na sociedade”.
O discurso analisado neste artigo em muito se parece com os analisados por Sommer
(2005,2006) criando-se assim uma regularidade discursiva que subjetiva professores e
modifica as suas práticas escolares, a de seus alunos e de seus familiares, uma vez que, como
sugere o título da coleção “Para casa ou para a escola?” os pais, se bem orientados, poderão
auxiliar na jornada de alfabetização. Com isso cria-se uma representação do que é ser
7. alfabetizado, porque há a produção de significados através da linguagem, já que para os
Estudos Culturais “as coisas tem uma existência material, mas seus significados só existem a
partir do momento em que falamos delas” (SOMMER, 2005, p.02). Assim sendo, Lourdes, ao
narrar sua trajetória de educadora, cria em sua narrativa um efeito discursivo que valoriza o
método construtivista ao mesmo tempo que desconstrói os métodos anteriores. Segundo Díaz
(1999, p.21-22) o construtivista funciona “como um princípio de controle sobre a reprodução
do discurso, como uma gramática para a geração/regulação de textos e práticas de
reprodução”. Sommer (2005, p.08) completa dizendo que
[...] o discurso pedagógico construtivista funciona como pertencente aquele rol de
textos primeiros, discursos que estão na origem de certo números de atos de fala
que os retomam, os transformam ou falam deles, ou seja, os discursos que
indefinidamente, para além de sua formulação, são ditos, permanecem ditos e estão
ainda por dizer e os discursos escolares sobre alfabetização como comentários,
textos secundários, cuja função não é outra senão o de dizer enfim o que estava
articulado silenciosamente no texto primeiro.
Certamente o discurso de Lourdes refere-se ao segundo tipo de discurso, pois não traz
nenhuma teorização a respeito do método que defende (embora o faça em outros textos que
compõem o volume1) só busca dissertar como o construtivismo foi fundamental na sua vida
de educadora. Comparando as entrevistas feitas por Sommer (2005, p. 09) com o texto aqui
analisado é possível perceber que o caráter supostamente polifônico da alfabetização, na
verdade evidencia que os discursos escolares obedecem a um controle e a um ordenamento
prévio estando dentro da ordem do discurso vigente em cada época.
Buscando desconstruir o discurso construtivista, Sommer (2005, p.06) cita Soares
(2003) que atribui ao construtivismo as razões da perda e especificidade da alfabetização na
educação brasileira, uma vez que métodos de alfabetização são incompatíveis com a
perspectiva construtivista que baseada no discurso de criança-em-desenvolvimento
transmitem uma visão enviesada de mundo que tem que se adaptar não apenas às
necessidades, mas também aos seus desejos e motivações.
Este novo discurso denominado de letramento, que vem de encontro aos vigentes
anteriormente, surge tendo por base uma nova forma de pensar a alfabetização. Este mais uma
vez tem sua gênese nos meios acadêmicos para só depois adentrar no espaço escolar.
Com esta análise não busco discutir sobre o melhor método de alfabetização, procuro
mostrar alguns caminhos utilizados pelo construtivismo para se estabelecer enquanto teoria
vigente e também mostrar como esta já está sendo desconstruída por alguns estudiosos da
8. área. Trindade (2004) observa que ao se apresentar certos estudos referentes ao
alfabetismo/letramento como sendo os discursos privilegiados pelos estudos acadêmicos,
precisa-se refletir sobre o porquê de tais estudos se destacarem dentre outros. A autora sugere
que coloquemos em suspeição as “verdades” sobre a produção acadêmica, no que se refere
aos estudos sobre alfabetização e alfabetismo/letramento. Pondera que, ao fazê-lo, novos
olhares devem ser lançados sobre os mesmos, porque embora a alfabetização, historicamente,
tenha precedido a escolarização no Ocidente, também passou a servi-la, passando a ser
controlada por ela em diferentes níveis e tipos. Para a autora, possivelmente o que
reconhecemos hoje como letramentos e alfabetismos sejam novas tentativas de controlar
práticas sociais de oralidade, leitura e escrita, novamente a serviço de sua escolarização e
pedagogização. Dessa forma, as práticas sociais de alfabetizações diversas, escolarizadas ao
final do século XIX, são ressignificadas ao final do século XX por meio de outras
denominações e pela valorização de novos gêneros textuais, que se mesclam entre si,
tornando-se híbridos, em uma pluralidade de práticas discursivas. Em suas palavras: “Devo
sublinhar, também, que tanto o alfabetismo ou letramento escolar, quanto o alfabetismo ou
letramento funcional são produtos culturais como as “teorias” e discursos que os produzem,
os analisam e representam.” (TRINDADE, 2004, p. 137).
Conclusão
Ao longo do trabalho procurei demonstrar uma suposta ordem discursiva que parece
controlar os enunciados gerados em torno dos discursos escolares sobre alfabetização. Ao
relacionar os enunciados da professora Lourdes com outros estudos que partiram da mesma
análise, porém em contextos diferentes (SOMMER, 2005; 2006), pude notar certas
regularidades enunciativas.
A autora do texto analisado se utiliza de dois artifícios para convencer seus leitores a
aderir ao construtivismo: seu grau de formação/cargos importantes que ocupou, demonstrando
o quanto é capacitada para falar do assunto, já que é uma especialista da área, e suas vivências
pessoais com outros métodos de ensino e com o construtivismo, demonstrando que não o
conhece só na teoria, mas também na prática. Esta é a “caminhada” proposta pela autora que
convida todos a segui-la.
9. Embora este trabalho não permita grandes generalização, penso que ele serve como
exemplo de como certos campos discursivos são elaborados tecendo uma teia que acaba por
subjetivar um grande número de profissionais da educação de acordo com as concepções
vigentes em cada época e a cada novo “modismo” teórico conceitual.
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