Aula sobre deficiência de ferro e anemia por deficiência de ferro, com ênfase no metabolismo do ferro no organismo, causas, avaliação clínica e laboratorial e tratamento - sais de ferro, ferro lipossomal, ferro injetável
Terapia Celular: Legislação, Evidências e Aplicabilidades
Deficiência de ferro na mulher
1. Deficiência de ferro na mulher
Patricia de Rossi
Mestre em Medicina (Ginecologia e Obstetrícia) - FMUSP
Professora de Medicina da Universidade de Santo Amaro (UNISA)
Médica ginecologista e preceptora da Residência de Ginecologia e Obstetrícia
no Conjunto Hospitalar do Mandaqui
2. Declaração de Conflito de Interesse
De acordo com a Norma 1595/2000 do Conselho Federal de Medicina e a
Resolução RDC 96/2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
declaro que sou consultora científica e conferencista para as empresas
Myralis e Zambon.
Não houve nenhuma interferência no conteúdo desta apresentação.
3. Ferro: essencial para a vida
• Transporte de oxigênio nas hemácias
• Síntese de energia celular nas mitocôndrias
• Síntese de DNA
• Vários outros sistemas enzimáticos
4. Deficiência de ferro: dimensão do problema
• Carência nutricional mais prevalente no mundo e principal causa de anemia
• Consequências
- Dificuldade de concentração
- Fadiga, apatia e irritabilidade
- Redução da capacidade física
- Pior rendimento no trabalho e na vida diária
- Suscetibilidade a infecções
• As populações mais vulneráveis são as mulheres em idade reprodutiva,
gestantes, crianças e adolescentes
5. Deficiência de ferro em mulheres em idade fértil
• Menstruação abundante ou prolongada
• Ingestão insuficiente de ferro
• Cirurgia bariátrica
• Gravidez
A anemia por deficiência de ferro afeta 29,4% das mulheres brasileiras em
idade fértil (PNAD, 2006)
Anemia ferropriva em ~30%
das mulheres
6. A prevalência de deficiência de ferro é pelo menos
2x maior do que a de anemia
ANEMIA
DEFICIÊNCIA DE FERRO
7. Sinais e sintomas da deficiência de ferro
• Síndrome anêmica: palidez, fadiga, taquicardia, taquipneia, palpitações
aos esforços, sonolência excessiva
• Alterações cutâneas e mucosas: unhas quebradiças, queda de cabelo,
atrofia das papilas gustativas, estomatite angular
• Outros sintomas: desejo por alimentos ou substâncias não nutritivas
como gelo, terra, papel (pica)
9. No organismo, o ferro está presente combinado nas formas
participando de reações químicas recebendo ou doando elétrons e
gerando radicais livres, com potencial para lesões celulares
• Não há sistema de eliminação do ferro do organismo
• Controle rigoroso quanto à absorção e liberação dos estoques para a
circulação
Metabolismo do ferro
Ferrosa Férrica
11. O metabolismo do ferro no organismo é um sistema fechado
Transferrina
12. A maior parte do ferro do organismo é reciclada
A principal fonte de ferro é o reaproveitamento do ferro de hemácias ‘velhas’ que
são destruídas pelos macrófagos no baço
13. O ferro é absorvido no duodeno, onde as microvilosidades
aumentam a superfície de absorção dos nutrientes
14. Fontes de ferro alimentar
• Ferro heme
▪ Origem animal (carne, frango, peixe)
▪ Molécula de ferro (Fe+2) ligada ao grupo heme
• Ferro inorgânico (não-heme)
▪ Origem vegetal
▪ Moléculas na forma ferrosa (Fe+2) ou
férrica (Fe+3)
• As vias de absorção são diferentes para cada forma
15. O ferro heme e o ferro não heme são absorvidos nas células
do intestino por mecanismos distintos
• Ferro heme: transporte direto pela membrana (proteína transportadora de heme
– HCP-1)
• Ferro não heme (inorgânico):
▪ Precisa estar na forma (Fe+2) para
ser absorvido – depende de fatores
facilitadores ou da ferrorredutase
▪ Absorção pelo canal iônico transportador
de íons divalentes (DMT-1)
▪ Outros íons competem pelo canal
(cálcio, zinco, cobre, manganês)
16. Fatores que interferem na absorção do ferro inorgânico
• Fatores facilitadores (estimulam a conversão de Fe+3 a Fe+2)
▪ Ácido ascórbico (vitamina C) – frutas cítricas
▪ Ácido clorídrico – ambiente ácido
▪ Açúcares e aminoácidos
• Fatores inibidores (dificultam a conversão para Fe+2 ou fazem complexos
insolúveis com o ferro)
▪ Fitatos (cereais integrais, legumes)
▪ Fibras vegetais não celulose (farinha de aveia, farinha de trigo integral)
▪ Oxalatos, taninos, polifenóis (café, chá preto, chá verde, chocolate)
▪ Cálcio (leite e derivados, verduras folhosas verde-escuras)
17. Somente uma parte do ferro dietético é absorvido
• Ferro heme: 15-30%
• Ferro não heme: 5-10%
▪ Ingestão de 40mg de ferro inorgânico = absorção máxima 4mg
• A absorção do ferro é controlada de forma a aumentar quando há
deficiência
18. Depois de absorvido pela célula, o ferro pode ficar estocado localmente
como ferritina ou ir para a circulação, ligado à transferrina
Ferritina
Transferrina
22. Causas de deficiência de ferro
Nutricional – aporte insuficiente
Redução da absorção
Perda excessiva
Aumento da demanda
23. Deficiência de ferro nutricional (aporte insuficiente)
• Dietas pobres em ferro
• Dietas restritivas
24. Deficiência de ferro por redução da absorção
• Redução da área de absorção: cirurgias bariátricas disabsortivas
▪ Derivação em Y-de-Roux
▪ Derivação biliopancreática
• Interação com alimentos inibidores de absorção
• Síndromes de má-absorção
▪ Doenças inflamatórias intestinais
▪ Doença celíaca
• Infecção por H. pylori
• Gastrite atrófica
• Inibidores da bomba de prótons
26. Deficiência de ferro por aumento da demanda
• Infância (principalmente até os 2 anos de vida)
• Adolescência / estirão de crescimento
• Doação de sangue
• Gravidez
• Pós-parto
28. Estágios da deficiência de ferro x marcadores
Depleção de estoques
de ferro
Eritropoiese
deficiente em ferro
Anemia por
deficiência de ferro
Ausência de ferro na medula óssea
Ferritina sérica
Saturação de transferrina
Hipocromia ( HCM)
Microcitose ( VCM)
Anisocitose ( RDW)
Hemoglobina
29. Exames laboratoriais para diagnóstico da deficiência de
ferro: o que cada um indica?
● Hemograma (Hemoglobina) → Anemia
● Ferritina sérica → Depósitos de ferro
● Saturação de transferrina (TSAT) → Ferro disponível para eritropoiese
● Proteína C reativa (PCR) → Estado inflamatório
▪ Nos estados inflamatórios, a anemia por deficiência de ferro é funcional
(também denominada anemia de doença crônica)
▪ O valor de corte de ferritina (proteína de fase inflamatória) é mais alto
30. Características laboratoriais dos estágios de DFe
Variável Depleção dos estoques
de Fe
Eritropoiese deficiente
em Fe
Anemia por deficiência
de Fe
Descrição estoques Fe sem
alteração na eritropoiese
oferta de Fe para
eritropoiese
conteúdo de Fe e da
síntese de hemácias
Ferritina sérica (ng/mL) < 30* < 30* < 30*
Ferro sérico (mcg/dL) Normal (> 50) < 50 < 50
Saturação de
transferrina – TSAT (%)
Normal (> 20) < 20 < 20
Microcitose,
hipocromia, anisocitose
Não Sim Sim
Hb (g/dL) Normal Normal < 12 (mulheres)
< 11 (gestantes)
* Nos estados inflamatórios (PCR >5 mcg/dL), considerar estoque reduzido se ferritina < 100 ng/mL
31. Características laboratoriais dos estágios de DFe
Variável Depleção dos estoques
de Fe
Eritropoiese deficiente
em Fe
Anemia por deficiência
de Fe
Comentários estoques Fe sem
alteração na eritropoiese
oferta de Fe para
eritropoiese
conteúdo de Fe e da
síntese de hemácias
Ferritina sérica (ng/mL) < 30 < 30 < 30
Ferro sérico (mcg/dL) Normal (> 50) < 50 < 50
Saturação de
transferrina (%)
Normal (> 20) < 20 < 20
Microcitose,
hipocromia, anisocitose
Não Sim Sim
Hb (g/dL) Normal Normal < 12 (mulheres)
< 11 (gestantes)
* Nos estados inflamatórios (PCR >5 mcg/dL), considerar estoque reduzido se ferritina < 100 ng/mL
32. Características laboratoriais dos estágios de DFe
Variável Depleção dos estoques
de Fe
Eritropoiese deficiente
em Fe
Anemia por deficiência
de Fe
Comentários estoques Fe sem
alteração na eritropoiese
oferta de Fe para
eritropoiese
conteúdo de Fe e da
síntese de hemácias
Ferritina sérica (ng/mL) < 30 < 30 < 30
Ferro sérico (mcg/dL) Normal (> 50) < 50 < 50
Saturação de
transferrina (%)
Normal (> 20) < 20 < 20
Microcitose,
hipocromia, anisocitose
Não Sim Sim
Hb (g/dL) Normal Normal < 12 (mulheres)
< 11 (gestantes)
* Nos estados inflamatórios (PCR >5 mcg/dL), considerar estoque reduzido se ferritina < 100 ng/mL
33. Características laboratoriais dos estágios de DFe
Variável Depleção dos estoques
de Fe
Eritropoiese deficiente
em Fe
Anemia por deficiência
de Fe
Comentários estoques Fe sem
alteração na eritropoiese
oferta de Fe para
eritropoiese
conteúdo de Fe e da
síntese de hemácias
Ferritina sérica (ng/mL) < 30 < 30 < 30
Ferro sérico (mcg/dL) Normal (> 50) < 50 < 50
Saturação de
transferrina (%)
Normal (> 20) < 20 < 20
Microcitose,
hipocromia, anisocitose
Não Sim Sim
Hb (g/dL) Normal Normal < 12 (mulheres)
< 11 (gestantes)
* Nos estados inflamatórios (PCR >5 mcg/dL), considerar estoque reduzido se ferritina < 100 ng/mL
35. Tratamento da deficiência de ferro
• Identificação e correção da(s) causa(s)
• Suplementação de ferro
▪ Correção da anemia por deficiência de ferro
▪ Refazer os estoques
• Monitorar a resposta ao tratamento
36. Dificuldades no tratamento da deficiência de ferro
• Interferência de alimentos na absorção do ferro inorgânico
• Ocorrência frequente de efeitos adversos
• Efeitos gastrintestinais
▪ Pirose, dispepsia, gosto metálico
▪ Fezes pastosas e escuras, diarreia, constipação, dor abdominal
• Baixa aderência e abandono da terapia
37. Tipos de sais de ferro para uso oral
• Sulfato ferroso: 20% de Fe elementar
• Bisglicinato férrico (ferro quelato glicinato): 20% de Fe elementar
• Ferripolimaltose (hidróxido férrico + dextrina): 30% de Fe elementar
• Ferro carbonila: 33% de Fe elementar
• Formas queladas estão associadas a menor frequência de desconforto
gastrintestinal
• O ferro é absorvido pelo canal divalente
38. O ferro pode ser envolvido por um lipossoma para melhorar a
absorção
Lipossoma de dupla camada
Molécula de
fosfolípide
As moléculas de pirofosfato férrico ficam dissolvidas no interior do
lipossoma, protegidas do suco gástrico e sem interagir com os alimentos
39. O ferro lipossomal é absorvido pelas células M da mucosa
intestinal, alcançando diretamente a circulação linfática
40. As células M estão presentes em todo o intestino e são
especializadas em captar partículas por endocitose
• Como não depende de
transportadores
específicos, o ferro é
totalmente absorvido
• Não há interação com
alimentos
• Não há liberação de ferro
livre, reduzindo os sintomas
gastrintestinais
41. Doses recomendadas: anemia ferropênica
• Anemia por deficiência de ferro: 100-200 mg Fe elementar/dia
• Dependendo do sal utilizado (por ex., sulfato ferroso), é necessário
administrar antes das refeições para não ter redução da absorção pela
interação com alimentos
• Em casos de intolerância o ferro pode ser tomado com a refeição, mas a
absorção é reduzida em ~40%
• Alternativa: mudar a composição para melhor tolerabilidade
42. Doses recomendadas: DFe
• Deficiência de ferro: a dose não está bem estabelecida
▪ Suplementação de 20-60mg/dia por 3 meses
▪ Se o objetivo é repor estoques de ferro após tratamento de anemia,
recomenda-se manter o tratamento por mais 3-6 meses
• Em todos os casos, monitorar a resposta terapêutica
▪ Anemia: melhora dos sintomas em até 2 semanas e aumento significativo da
Hb em 3 semanas
▪ DFe: reavaliar parâmetros laboratoriais (normalização dos níveis de ferritina)
43. Quando usar ferro parenteral?
• Falha do tratamento oral
• Intolerância ou refratariedade à via oral
▪ Pós-gastrectomia ou cirurgia bariátrica
▪ Infecção por H. pylori, doença celíaca, gastrite atrófica, doença inflamatória intestinal
• Necessidade de recuperação rápida da anemia
▪ Anemia significativa durante a gestação (2º - 3º trimestres)
▪ Sangramento crônico não recuperável com tratamento oral (por ex., coagulopatias)
• Perdas muito rápidas
• Doença renal crônica em uso de eritropoetina
• Considerar nos casos de anemia com Hb ≤ 8-9g/dL ou Ht<25%
44. Apresentações de ferro parenteral
• Noripurum: sacarato de hidróxido férrico
• Ferinject: carboximaltose férrica
• Monofer: derisomaltose férrica
Cálculo da dose total de ferro:
Peso (Kg) x 2,3 x diferença de Hb (Hb alvo – Hb do paciente) + 500 a 1000
mg de ferro (para repor estoque, em torno de 15 mg/Kg)
Não administrar ferro oral com o ferro parenteral (não é absorvido)
45. Considerações finais
• O ferro é fundamental para o funcionamento adequado do organismo
• A absorção do ferro inorgânico (não heme) pode ser influenciada por elementos
facilitadores e inibidores da dieta
• A deficiência de ferro é frequente nas mulheres, com incidência de anemia em ~30%
durante a idade reprodutiva
• O diagnóstico dos estágios iniciais da deficiência de ferro, que já podem ser
sintomáticos, é feito com exames laboratoriais (ferritina, índice de saturação de
transferrina, hemograma)
• O tratamento da deficiência de ferro é feito com reposição de ferro; em casos
refratários à terapia oral, a reposição pode ser feita com ferro parenteral