O documento descreve uma ação civil pública movida pelo Ministério Público contra uma empresa de telefonia para garantir a restituição de valores de ICMS cobrados indevidamente dos consumidores após decisão judicial que declarou a não incidência do imposto. A empresa recorreu da sentença condenatória e o Ministério Público se manifesta contrariamente ao recurso, alegando que a ação não trata de matéria tributária, mas sim de defesa dos direitos do consumidor.
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1. EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
COLENDA 1ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DO ESTADO DE SANTA CATARINA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR RELATOR PAULO
HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA
Apelação Cível n. 0018268-44.2010.8.24.0023
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA,
por sua Procuradora de Justiça signatária, vem, respeitosamente, por ocasião
do julgamento da Apelação Civil em epígrafe, apresentar MEMORIAIS, nos
seguintes termos:
Trata-se de Apelação Cível interposta pela Brasil Telecom S/A,
atualmente denominada OI S/A, pretendendo a reforma da decisão proferida nos
autos da Ação Civil Pública n. 0018268-44.2010.8.24.0023, aforada pelo
Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face da apelante.
A Ação Civil Pública foi proposta, em março de 2010, em razão,
em suma, dos seguintes fatos: 1) A Brasil Telecom S/A, em 1998, havia ajuizado
a Ação Declaratória n. 023.98.052120-6 (n. SAJ 0052120-79.1998.8.24.0023)
em face do Estado de Santa Catarina, para discutir a incidência de ICMS sobre
serviços denominados de valor adicionado (acesso, adesão, ativação e
habilitação), propondo, paralelamente, a Ação Cautelar n. 023.98.046682-5 (n.
SAJ 0046682-72.1998.8.24.0000) para depositar os valores controversos; 2)
após longa tramitação dos autos da ação declaratória, o pedido inicial foi julgado
procedente, com decisão transitada em julgado em novembro de 2009,
declarando-se a não incidência de ICMS sobre os serviços de valor adicionado;
3) a Brasil Telecom, então, pretendia sacar o montante depositado; 4) ocorre
que, por meio do Inquérito Civil n. 06.2010.000577-2, instaurado pela 29ª PJ da
Capital, verificou-se que os valores referentes ao ICMS sempre foram cobrados
dos consumidores em suas faturas telefônicas; 5) portanto, o beneficiário da
2. decisão de não incidência de ICMS era o consumidor, contribuinte de fato do
referido imposto, e não a empresa de telefonia; 6) além disso, constatou-se que,
mesmo após o trânsito em julgado da decisão da Ação Declaratória, a Brasil
Telecom manteve a cobrança indevida dos valores correspondentes ao ICMS
nas faturas telefônicas, continuando a depositá-los judicialmente; 7) diante disso,
nos autos da Ação Cautelar, o Ministério Público requereu a suspensão do
alvará de levantamento dos depósitos judiciais pela Brasil Telecom S/A, o que
restou deferido pelo juízo competente, enquanto que, paralelamente, se ajuizou
a presente ação coletiva.
Diante disso, sendo o ICMS um imposto indireto, cujo valor era
cobrado do usuário do serviço de telefonia, o Ministério Público requereu, por
meio da Ação Civil Pública, a vinculação dos valores depositados nos autos da
Ação Declaratória e da Ação Cautelar à Ação Civil Pública, com a suspensão do
levantamento do montante pela empresa, assim como a condenação da ora
apelante nas seguintes obrigações: 1) suspensão de cobrança de ICMS sobre
os serviços denominados de "valor adicionado", em todo o Estado de Santa
Catarina; 2) a restituição aos consumidores, em dobro, dos valores de ICMS
sobre serviços de "valor adicionado" cobrados indevidamente após o trânsito em
julgado da decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucional a
cobrança; 3) a restituição aos consumidores dos valores depositados em juízo
antes do trânsito em julgado da decisão (p. 01/23).
Em decisão de antecipação de efeitos da tutela, sustou-se o
levantamento dos valores retidos judicialmente, assim como determinou que
cessassem as novas cobranças (p. 126/127).
A sustação foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa
Catarina (AI n. 2010.033522-7, p. 1929/1938 dos autos).
Em sentença, julgou-se procedente o pedido do Ministério
Público, condenando-se a ré ao pagamento em favor dos consumidores das
quantias objeto da ação tributária 023.98.046682-5 (n. SAJ 0046682-
72.1998.8.24.0000) e que se encontravam depositadas naqueles autos, assim
como ao pagamento em dobro dos valores exigidos após o trânsito em julgado
3. da decisão do STF (p. 1347/1360).
Irresignada com a sentença proferida, a Brasil Telecom S/A – Oi
S/A interpôs recurso de apelação (p. 1415/1470).
Em suas razões recursais, primeiramente, o apelante requereu o
conhecimento do agravo retido previamente interposto e reiterou os
fundamentos atinentes ao 1) não cabimento da ação civil pública para a
discussão de matéria tributária; 2) à ilegitimidade ativa do Ministério Público; 3) à
prescrição da pretensão do Ministério Público e 4) à nulidade da parte da
sentença que transferiu para os consumidores a titularidade dos valores
depositados, sob o fundamento de que esta incorreu em julgamento extra e ultra
petita.
Quanto ao mérito, a recorrente suscitou: a impossibilidade dos
consumidores assumirem a titularidade do direito reconhecido em processo do
qual não foram partes, tendo a sentença revogado o direito da apelante ao
levantamento dos valores depositados e violado, por conseguinte, a coisa
julgada; e a ausência de abusividade no valor das tarifas, uma vez que a
permanência do destaque do ICMS na nota fiscal se deu por razões estruturais,
não configurando efetiva cobrança do tributo.
Requereu, ao final, a reforma da sentença, para que fosse
julgado improcedente a pretensão do Ministério Público e, caso mantido o
reconhecimento de cobrança indevida, o afastamento da condenação de
restituição em dobro, porquanto não comprovada sua má-fé. Sucessivamente,
postulou a limitação da condenação à adição de crédito na fatura telefônica,
permitindo-se, assim, que a apelante levantasse os valores depositados na ação
em que foi vencedora.
Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público às p.
1478/1518, nas quais se requereu o conhecimento e desprovimento da
apelação.
Remetidos os autos ao Tribunal de Justiça, deu-se vista à
Procuradoria de Justiça, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento
do agravo retido e da apelação (p. 1524/1542).
4. Às p. 1661/1668, a apelante apresentou petição informando fato
novo relevante relativo à Ação de Recuperação Judicial da empresa, autos n.
0203711-65.2016.8.19.0001, em trâmite na 7ª Vara Empresarial da Comarca do
Rio de Janeiro, na qual o Magistrado competente oficiou ao Juízo da Ação Civil
Pública em questão, informando que não havia impedimento ao levantamento
pela empresa do montante depositado nos autos da Ação Cautelar nº 0046682-
72.1998.8.24.0023 (n. antigo 023.98.046682-5). Assim, requereu a liberação do
montante aprisionado.
Acompanhado a petição, juntou-se cópia do ofício expedido pelo
Juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, em que informava
seu posicionamento (p. 1671):
[...] o posicionamento adotado por esse MM. Juízo recuperacional é no
sentido de que todos os créditos, detidos contra as recuperandas e que
decorram de fatos geradores anteriores a 20.6.2016, sujeitam-se à
recuperação judicial, razão pela qual eventual crédito reconhecido em
favor dos consumidores nos autos da Ação Civil Pública nº 0018268-
44.2010.8.24.0023 sujeita-se à presente recuperação judicial e, após a
sua definitiva liquidação e habilitação, deverá ser pago na forma do
Plano de Recuperação Judicial, sob pena de violação da par conditio
creditorum [...] e os créditos sujeitos ao processo de recuperação
judicial, mas ainda não definitivamente constituídos ou liquidados,
como aqueles objeto da Ação Civil Pública nº 0018268-
44.2010.8.24.0023, não necessitam de qualquer garantia, uma vez que
serão pagos na forma do Planos de Recuperação Judicial, sob as
penas da Lei nº 11.101/2005, razão pela qual os Depósitos Judiciais
realizados pela Oi na Ação Cautelar Tributária não necessitam ser
mantidos em Juízo para garantia dos créditos objeto da Ação Civil
Pública, podendo ser liberados para levantamento em favor da Oi.
Diante disso, o eminente Desembargador Relator da presente
Apelação Cível, entendendo que o crédito em favor dos consumidores,
decorrente do objeto da Ação Civil Pública, era preexistente ao pedido de
recuperação judicial, deferiu, em favor da apelante, o pedido de liberação dos
valores depositados em subconta vinculada à ação cautelar (p. 1681/1690).
No entanto, logo na sequência, suspendeu a decisão anterior
referente ao deferimento do pedido de levantamento dos valores, uma vez que
não se havia dado oportunidade ao autor da ação coletiva de se manifestar (p.
1720/1722).
O Ministério Público, por meio da 29ª Promotoria de Justiça da
5. Comarca da Capital, então, apresentou manifestação às p. 2434/2443,
requerendo o indeferimento do pedido de levantamento dos valores depositados
nas subcontas vinculadas à Ação Cautelar n. 0046682-72.1998.8.24.0000, com
a reconsideração da decisão suspensa de p. 1681/1690 (autos digitais).
É o relato necessário.
Por todo o conjunto probatório levantado, não há razão o
apelante, devendo ser mantida na integralidade a sentença recorrida, assim
como impedido o levantamento dos valores depositados nas subcontas
vinculadas à Ação Cautelar n. 0046682-72.1998.8.24.0000.
Isso porque:
1) Quanto à alegação de não cabimento de Ação Civil
Pública para discussão de matéria tributária.
Conforme amplamente demonstrado nos autos, a presente
demanda não possui natureza tributária.
A questão tributária foi devidamente apreciada e julgada nos
autos da Ação Declaratória n. 0052120-79.1998.8.24.0023, proposta pela Brasil
Telecom (OI S/A) contra o Estado de Santa Catarina, cuja sentença já transitou
em julgado.
Na presente ação, requer-se tão somente a restituição de
valores indevidamente pagos pelos consumidores, diante da relação de
consumo existente entre os usuários dos serviços de telefonia e a ora
recorrente.
Ou seja, a pretensão do Ministério Público visa resguardar, em
verdade, o direito do consumidor. Tanto é que o pedido foi fundado estritamente
no direito consumerista.
Ressalta-se que os consumidores defendidos não fazem parte
da relação tributária, ainda que contribuintes de fato do imposto.
Nesse viés, o fato de o consumidor ser enquadrado como
beneficiário do importe decorrente do recolhimento indevido do tributo, bem
6. como de a ação efetivamente tratar de tópicos inerentes à natureza indireta do
ICMS, não conduz à subsunção da demanda ao óbice legal, vez que tais pontos
são incidentais à defesa do direito do consumidor.
2) Quanto ao argumento de ilegitimidade ativa do Ministério
Público para atuação na defesa de direitos individuais disponíveis.
É pacífica na jurisprudência e doutrina, além de prevista no
Código de Defesa do Consumidor, a legitimidade do Ministério Público na defesa
coletiva de direitos individuais homogêneos, como nos presentes autos, ainda
que disponíveis, uma vez que restaram evidentes o interesse coletivo e a
relevância social do caso.
Os pedidos de suspensão da cobrança de ICMS sobre serviços
de valor adicionado e de condenação pelos prejuízos causados atingirão um
grupo determinado de consumidores, tratando-se de direito que pode claramente
ser defendido de forma coletiva, ante a nítida origem comum que abarca a
pretensão.
Ademais, o pleito relativo à indenização e à consequente
devolução dos valores devidos não afasta a natureza transindividual do direito
tutelado na demanda, uma vez que se postulou uma indenização genérica,
cabendo à posterior liquidação individual a aferição quanto ao efetivo prejuízo
causado a cada consumidor.
A relevância social da presente ação é, da mesma forma,
evidente, porquanto não apenas cuida de interesses situados na esfera do
direito do consumidor, como também trata de dano de elevada monta e capaz de
reverberar em diversos indivíduos, o que indubitavelmente legitima a atuação do
Ministério Público.
3) Quanto à suposta prescrição da pretensão do autor.
Neste ponto, requer o apelante o reconhecimento da prescrição
da pretensão do Ministério Público, alegando que o direito à restituição de
7. tributos pode ser reivindicado judicialmente no lapso temporal de cinco anos,
cujo marco inicial é a data do pagamento indevido.
Ocorre que, conforme já destacado, a demanda está
consubstanciada na tutela dos direitos do consumidor, versando sobre a
cobrança indevida de valores no âmbito da prestação do serviço telefônico.
Assim, não há que se aplicar o prazo relativo à repetição de indébito tributário.
Considerando que o Código de Defesa do Consumidor não
detém previsão específica para a prescrição atinente à devolução de valores
pagos de modo indevido, deve-se recorrer ao Código Civil. Nesse passo,
verifica-se que o prazo prescricional aplicável à presente hipótese é dez anos
(art. 205 do CC).
Como acertadamente ficou consignado na sentença, a contagem
do prescrição extintiva teve início na data do trânsito em julgado da ação
tributária anteriormente ajuizada (27/11/2009), porquanto apenas a partir do
reconhecimento da não incidência do ICMS sobre os serviços de valor
adicionado é que emergiu a possibilidade de se pleitear a devolução das
quantias cobradas indevidamente.
Desse modo, visto que a presente ação civil pública foi ajuizada
em 29/03/2010, não se verifica o transcurso do lapso prescricional.
4) Quanto à preliminar de nulidade da parte da sentença que
transferiu para os consumidores a titularidade dos valores depositados.
A apelante requereu a anulação da parte da sentença que
determinou que os valores depositados em juízo na ação cautelar tributária
fossem transferidos aos consumidores, alegando que fora determinada a
restituição de valores em dinheiro, enquanto que, na peça inicial, o pedido
correspondeu à adição de créditos nas faturas telefônicas.
No entanto, veja-se que não há menção expressa no dispositivo
da sentença ora combatida de que a devolução deva ser efetivada
necessariamente em dinheiro, restringindo-se o julgador singular a determinar a
8. restituição das quantias objeto da prévia ação tributária aos consumidores, a
partir da atualização dos numerários retidos nas contas bancárias. O modo
como isso se dará será decidido na fase de execução.
Dessa forma, não se verifica contrariedade ou excesso da
decisão em relação ao pedido inicial, havendo plena sintonia no que tange à
pretensão em si e à causa de pedir.
5) Quanto ao argumento de impossibilidade dos
consumidores assumirem a titularidade do direito reconhecido em
processo do qual não foram partes.
A Brasil Telecom S/A, em 1998, ajuizou ação declaratória em
face do Estado de Santa Catarina, para discutir a incidência de ICMS sobre
serviços denominados de valor adicionado (acesso, adesão, ativação e
habilitação), propondo, paralelamente, ação cautelar para depositar os valores
controversos. Após longa tramitação, o pedido inicial foi julgado procedente, com
decisão transitada em julgado em novembro de 2009, declarando-se a não
incidência de ICMS sobre os serviços de valor adicionado.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 574706 em
Repercussão Geral, pacificou a tese de que o ICMS é valor que não pertence a
empresa, pelo contrário, tramita apenas contabilmente em regime de detenção,
tanto que ausente qualquer reflexo jurídico-tributário do montante do imposto no
PIS e COFINS, bem como no próprio imposto de renda, por expressa dicção do
artigo 12, §4º do Decreto-lei n. 1.598/77.
Trata-se, na essência, de recurso que pertence ao Estado e
entregue pelo consumidor, mediante o mecanismo da repercussão direta do
ônus, sem qualquer oneração à empresa, até porque, excluído o caráter
tributário da questão, a remuneração das concessionárias e permissionárias de
serviço público deve se dar unicamente nas tarifas fixadas, jamais em qualquer
outro valor.
Na dogmática do Código Tribunal Nacional, surgem, portanto,
duas figuras: o contribuinte de fato – o consumidor –; e o contribuinte de direito –
9. a concessionária. O primeiro é quem de fato desembolsa o valor pago a título de
ICMS, enquanto que o segundo somente repassa a quantia paga ao Estado.
Isso quer dizer que, independentemente de haver sido a
concessionária de serviço público a responsável pelo ajuizamento da ação, são
os consumidores os proprietários do montante depositado em juízo, sendo quem
devem ser devidamente ressarcidos, eis que efetivamente arcaram com o
pagamento relativo ao imposto posteriormente concebido como inexigível.
Nesse sentido, não apenas acertadamente se manifestou o juiz
sentenciante, como também o Tribunal de Justiça de Santa Catarina no acórdão
proferido no Agravo de Instrumento n. 2010.033522-7 (p. 1937), por meio do
qual se manteve o sobrestamento do levantamento dos valores depositados:
É certo que os consumidores (contribuintes de fato) efetivaram sim o
pagamento do tributo nas faturas respectivas, e não o mero depósito –
feito pela concessionária (contribuinte de direito). Do ponto de vista da
empresa, não há restituição (e é este, aliás, justamente o punctum
saliens da tese ministerial), mas, sob a ótica do consumidor, há.
Logo, concebendo a natureza indireta do tributo, os beneficiários
do montante pago a título de ICMS sobre os valores adicionados do serviço de
telefonia são, em verdade, os consumidores, submetidos à cobrança indevida,
de modo que seria totalmente incongruente a empresa levantar os valores
depositados, sob pena de apropriação indébita.
O Superior Tribunal de Justiça, já há muito, pacificou a questão
acerca da repetição de indébito dos tributos indiretos incidentes sobre serviços
sujeitos ao regime de concessão ou permissão, ao dispor que “diante do que
dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da
peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o
consumidor, esse último tem legitimidade para propor ação declaratória c/c
repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de
energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não
utilizada” (REsp nº 1.299.303).
Nesse ponto, a Corte Catarinense também já consagrou a plena
legitimidade do contribuinte de fato de pleitear a restituição do ICMS.
10. Sendo assim, resta claro que o dinheiro depositado em juízo
pertence aos consumidores que pagaram, durante anos, os valores indevidos a
título de ICMS, por meio de suas faturas eletrônicas.
6) Quanto à alegação de ausência de abusividade no valor
das tarifas e o pedido de afastamento da condenação de restituição em
dobro.
Consoante demonstrado nos autos, o perito contábil nomeado
pelo juízo atestou que a extinção da cobrança de ICMS sobre "habilitação" e
"PUC" nas faturas telefônicas apenas ocorreu em setembro de 2010 e outubro
de 2010, respectivamente (p. 1066/1083). No entanto, a decisão que declarou a
não incidência do ICMS transitou em julgado em novembro de 2009.
Não bastasse, extrai-se também da perícia técnica que, mesmo
após a intimação acerca da decisão liminar que determinou a sustação da
cobrança do tributo e da decisão que fixou multa em face do descumprimento, a
apelante manteve o recolhimento de vultoso montante dos consumidores sobre
os serviços denominados de valor adicionado.
Portanto, não apenas abusiva a cobrança feita pela apelante ao
consumidor, como comprovada a sua má-fé, de modo que certa a restituição em
dobro do valor cobrado após declarado inexigível o imposto.
7) Limitação da condenação à adição de crédito na fatura
telefônica, com permissão do levantamento de valores depositados.
Inicialmente, repete-se que a quantia depositada em juízo foi
desembolsada pelos consumidores e não pertence à apelante, consoante já
destacado nos itens anteriores e que será analisado novamente a seguir, sendo,
portanto, incabível o levantamento em seu favor.
De todo modo, a liberação dos valores depositados na seara da
ação tributária deve ser analisada na fase ulterior de liquidação e execução da
sentença, quando os supracitados recursos serão devidamente restituídos aos
11. consumidores, não subsistindo motivos para a imediata disponibilização, ainda
mais considerando a situação atual de recuperação judicial da apelante.
8) Quanto ao novo pedido de levantamento dos valores
depositados em razão do plano de recuperação judicial da empresa
instituído nos autos da Ação de Recuperação Judicial.
Em razão do processamento do Plano de Recuperação Judicial
da empresa apelante nos autos n. 0203711-65.2016.8.19.0001, em trâmite na 7ª
Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro e que teve início em 2016,
requereu a apelante o levantamento dos valores depositados em juízo nas
subcontas vinculadas às ações cautelar e declaratória tributária, para sujeição
do crédito à recuperação.
Ocorre que não há cabimento algum em se discutir a liberação
dos valores depositados e relativos à presente ação coletiva e à indicada ação
cautelar na Ação de Recuperação Judicial.
Como bem já salientou o Superior Tribunal de Justiça, no voto
do saudoso Exmo. Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, no Agravo Regimental
interposto na Medida Cautelar nº 17.966/SC (2011/0086339-7), a revogação da
decisão que suspendeu o levantamento dos valores ora tratados somente pode
ocorrer nos processos em que se discute o destino do depósito judicial:
É preciso salientar que existem dois processos distintos onde se
discute o destino de um mesmo depósito judicial: há, no momento, o
recurso especial do Estado de Santa Catarina ao qual se atribuiu o
efeito suspensivo que está sendo questionado pela Brasil Telecom S/A
na presente medida cautelar, recurso esse oriundo de agravo de
instrumento em ação cautelar conexa a ação declaratória de
inexistência de relação jurídico-tributária. E há uma ação civil pública
ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra a
mesma Brasil Telecom S/A, onde também foi deferida liminar,
confirmada pelo Tribunal de Justiça, sustando o levantamento do valor
depositado, que, segundo se alega, pertenceriam aos consumidores.
As duas liminares têm o mesmo efeito prático – inibir o levantamento
imediato do depósito pela agravante – mas foram concedidas em
ações totalmente distintas. Por isso, não assiste razão à alegação de
que a decisão do TJ/SC em uma delas tem prevalência sobre a outra.
Enquanto vigorar qualquer um dos dois provimentos judiciais, sua
observância se impõe, cumprindo registrar que a revogação ou
modificação dessas medidas depende de decisão específica no
12. respectivo processo. (grifo nosso). (STJ, AgRg na Medida Cautelar nº
17.966-SC, 2011/0086339-7, Ministro Relator Teori Albino Zavascki,
Dje: 26/09/2011)
O levantamento da quantia depositada em juízo deve ser
discutido nos presentes autos. Portanto, inviável a liberação de valores
acautelados somente porque nesse sentido entendeu possível aquele Juízo.
Aliás, é de saltar os olhos a tentativa da ora apelante de, por
meio da indicada Ação de Recuperação Judicial, apropriar-se indevidamente de
montante que não lhe pertence e que não constitui qualquer crédito sujeito à
recuperação judicial, conforme se verá adiante, induzindo em erro o Juízo da 7ª
Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.
Nesse contexto, considerando que a sentença proferida nesta
ação - que confirmou a sustação do levantamento - ainda mantém todos os seus
efeitos, não há como tratar do deferimento do pedido de levantamento por outra
via, se não por meio do recurso adequado, a apelação, que ora se julga.
Logo, incabível o requerimento atípico feito pela empresa nos
presentes autos às p. 1661/1668.
Esclarecida essa questão, conforme já amplamente
demonstrado nos autos da ação civil pública, os valores que se encontram em
depósito judicial correspondem à verba tributária suportada pelos consumidores
dos serviços da empresa, os contribuintes de fato do imposto, de modo que a
titularidade da verba nunca foi da apelante.
Nesse sentido, é entendimento pacífico do Supremo Tribunal
Federal (RE n. 574706 com Repercussão Geral) e do Superior Tribunal de
Justiça (REsp n. 1.299.303), assim como do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina (AI n. 2010.033522-7).
Repete-se: o dinheiro depositado judicialmente nunca pertenceu
à empresa de telefonia, que somente recebia do consumidor o valor do imposto
referente ao ICMS e, em vez de repassá-lo ao Estado de Santa Catarina,
depositava-o em subcontas judiciais.
Sendo assim, as quantias que se encontram em depósito não se
13. confundem com eventual crédito alcançado por meio da ação coletiva, mas de
montante, reitera-se, que já pertencia aos usuários dos serviços de telefonia
anteriormente e independentemente de propositura de qualquer ação civil
pública.
Tanto é assim que o pedido principal da ação, julgado
procedente, consistia na restituição e a distribuição dos valores já depositados
aos proprietários de fato daquele dinheiro, isto é, os consumidores, e não na
condenação, por exemplo, de pagamento de quantia certa (que eventualmente
poderia gerar um crédito).
Assim, não se verifica, no que tange aos valores já depositados,
uma relação de credor e devedor que justifique a inclusão dos consumidores no
quadro de credores da recuperação judicial da Oi S/A e, por consequência, que
autorize o levantamento dos valores acautelados. Há, na verdade, uma
verdadeira relação de titularidade do valor, pois esse foi suportado pelo
consumidor final, pago à empresa de telefonia que jamais o entregou aos cofres
públicos (porque indevido).
Nessa perspectiva, não é demais dizer que liberar os
montantes à empresa é chancelar judicialmente ato ilícito, pois ninguém
pode ter o direito de reter algo que não lhe pertence!
Aliás, cumpre aduzir que, no julgamento do RHC 163334/SC
pelo Plenário do STF, que se iniciou nesta quarta-feira, 11/12/2019, e que
discute se o não recolhimento de ICMS próprio regularmente declarado pelo
contribuinte pode ser enquadrado como crime contra ordem tributária, os votos
recentes dos nobres Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes
foram no sentido de que o valor do referido imposto cobrado em cada operação
comercial não integra o patrimônio do comerciante. De acordo com os votos, o
contribuinte é apenas o depositário desse ingresso de caixa, que, depois de
devidamente compensado, deve ser recolhido aos cofres públicos. A falta desse
recolhimento, segundo os Ministros, não é mero inadimplemento tributário, mas
apropriação indébita, incidindo no tipo penal do artigo 2º, inciso II, da Lei
8.137/1990.
14. Ora, se o não recolhimento do ICMS aos cofres públicos pelo
contribuinte de direito enseja o crime tributário, não há como se permitir que a
apelante se aproprie do dinheiro depositado em juízo cuja origem é justamente o
pagamento do referido imposto pelos consumidores.
Além disso, os elementos dos autos demonstram que, mesmo
após o trânsito em julgado da decisão, a apelante permaneceu cobrando os
valores dos consumidores finais e depositando-os judicialmente, planejando, de
má-fé, a majorar os valores finais que reteria para si em detrimento do
consumidor final, que de boa-fé pagou regularmente o tributo.
Nesse ponto, o Ministério Público requereu a restituição do valor
com a condenação da apelante à restituição em dobro, eis que clara cobrança
indevida, sendo o pedido concedido em sentença. No que se refere à parte "em
dobro", essa sim deveria ser paga pela empresa, de modo que, somente nessa
fração, poder-se-ia vislumbrar a formação de um crédito.
Portanto, no que toca ao montante já depositado, não sendo um
crédito sujeito ao processo de recuperação judicial, não há razões para liberação
das quantias em favor da empresa apelante, ao menos na fase de
conhecimento.
Na fase de execução, caso confirmada a sentença, será então
definida a forma de restituição dos valores cobrados indevidamente dos
consumidores, momento em que se discutirá o levantamento da quantia
depositada.
Não fosse todo o exposto, caso ainda assim se entenda pela
existência de um crédito sujeito ao plano de recuperação, resta completamente
inviável vislumbrar que ocorra a habilitação de crédito por milhares de
consumidores – dos quais muitos possivelmente apresentam vulnerabilidade
socioeconômica (visto o amplo universo de usuários de serviços de telefonia) –
no Juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro/RJ, onde tramita
a discutida ação.
Além disso, considerando as regras na ordem de créditos (art.
83 da Lei 11.101), é improvável que os consumidores lesados no presente caso
15. sejam beneficiados com qualquer pagamento.
Desse modo, o deferimento do pedido de levantamento dos
valores em favor da empresa ofenderia o princípio de acesso à justiça que rege
o microssistema processual coletivo, assim como os interesses e direitos dos
consumidores previstos no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º).
Por todo o exposto, requer-se a manutenção na integralidade da
sentença recorrida, com o não provimento da apelação, impedindo-se, ainda, o
levantamento dos valores depositados nas subcontas vinculadas à Ação
Cautelar n. 0046682-72.1998.8.24.0000 em favor da apelante.
Florianópolis, 12 de dezembro de 2019.
[assinado digitalmente]
ANALÚ LIBRELATO LONGO
Promotora de Justiça
[assinado digitalmente]
GLADYS AFONSO
Procuradora de Justiça