1) Uma empresa de telefonia foi processada por cobrar serviços não solicitados por consumidores. O juiz de primeira instância julgou parcialmente procedente o pedido e condenou a empresa ao ressarcimento em dobro dos valores cobrados indevidamente.
2) A empresa recorreu da sentença. O relator manteve a condenação ao ressarcimento em dobro, mas reformou parte da tutela inibitória por verificar bis in idem.
3) O recurso foi conhecido em parte e parcialmente provido.
Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Decisão 2º grau sobre cobrança pela Brasil Telecom
1. Apelação Cível n. 2012.066884-7, da Capital
Relator: Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi
APELAÇÃO CÍVEL E AGRAVOS RETIDOS. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. EMPRESA DE TELEFONIA. DETERMINAÇÃO
DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES REFERENTES AOS
SERVIÇOS COBRADOS E NÃO SOLICITADOS PELOS
CONSUMIDORES. NULIDADE DA COBRANÇA.
INOCORRÊNCIA DE DECISÃO EXTRA PETITA.
JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. POSSIBILIDADE,
AINDA QUE APÓS A PROLAÇÃO DE DESPACHO
SANEADOR. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE.
PROVA PERICIAL DESNECESSÁRIA AO DESLINDE DA
CELEUMA. SOLICITAÇÃO PRÉVIA DOS SERVIÇOS
INDEMONSTRADA. GRAVAÇÕES ORIUNDAS DE CALL
CENTERS NÃO COLIGIDAS EM SUA TOTALIDADE. ÔNUS
DA DEMANDADA, A TEOR DO ART. 333, II, DO CPC.
PROVA EMINENTEMENTE DOCUMENTAL. EQUÍVOCO
JUSTIFICÁVEL NÃO DEMONSTRADO. MÁ-FÉ
CARACTERIZADA. DEVER DE RESTITUIR EM DOBRO OS
VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS. APLICAÇÃO DO
ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. INTERFERÊNCIA
INDEVIDA DO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA DE
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA ANATEL. ALEGAÇÃO
RECHAÇADA. INEXISTÊNCIA DE DETERMINAÇÃO LEGAL
A LEGITIMAR A PUBLICAÇÃO DA DECISÃO NAS CONTAS
TELEFÔNICAS DOS USUÁRIOS E PUBLICAÇÃO EM
JORNAIS DE CIRCULAÇÃO ESTADUAL. INOVAÇÃO
RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO NO PONTO.
REFORMA DA SENTENÇA APENAS PARA SUPRIMIR UM
DOS TÓPICOS REFERENTES À TUTELA INIBITÓRIA, EIS
QUE VERIFICADO BIS IN IDEM. RECURSO DE APELAÇÃO
CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA,
PARCIALMENTE PROVIDO. AGRAVOS RETIDOS NÃO
CONHECIDOS, POR NÃO REITERADOS EM PRELIMINAR
DE APELAÇÃO E CONTRA-RAZÕES.
"Não configura cerceamento de defesa o julgamento
antecipado da lide após proferido o despacho saneador,
ainda que deferindo a produção de prova pericial, mormente
quando não demonstrado, inequivocamente, o prejuízo.
Precedentes" (STJ, AgRg no Resp 1359271 / MS, Relatora:
2. Min.ª Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 20/05/2014).
"Não há que se falar em boa-fé quando a concessionária
cobra por serviço não solicitado pelo usuário, de modo que é
devida a repetição do valor indevidamente cobrado em
dobro, conforme previsto no parágrafo único do art. 42 do
Código de Defesa do Consumidor (Ap.Cív. n. 2007.006869-4,
rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 22.5.2007) (Apelação Cível
n. 2012.090596-5, de Criciúma, rel. Des. Pedro Manoel
Abreu, j. 12-11-2013)" (Apelação Cível n. 2014.026366-7, de
Itajaí, Relator: Des. Subst. Stanley da Silva Braga, 3ª Câm.
Dir. Púb., j. 01/07/2014).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2012.066884-7, da comarca da Capital (1ª Vara da Fazenda Pública), em que é
apelante Brasil Telecom S/A e são apelados o Ministério Público do Estado de
Santa Catarina e outro:
A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime:
a) não conhecer dos agravos retidos, por não reiterados; b) conhecer em parte do
recurso de apelação e, na parte conhecida, dar-lhe parcial provimento. Custas
legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr.
Des. Cesar Abreu, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel
Abreu.
Florianópolis, 21 de outubro de 2014.
Paulo Ricardo Bruschi
RELATOR
Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi
3. RELATÓRIO
A empresa Brasil Telecom S/A, devidamente qualificada nos autos e
inconformada com a decisão proferida, interpôs Recurso de Apelação (fls.
2.017/2.043), objetivando a reforma da respeitável sentença prolatada pelo MM.
Juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, da comarca da Capital, na Ação Civil
Pública n. 023.05.025877-2, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa
Catarina, igualmente qualificado, a qual julgou parcialmente procedentes os
pedidos formulados na exordial e, por conseqüência:
a) declarou nulos os serviços prestados pela acionada sem que
houvesse prévia solicitação dos consumidores;
b) condenou a demandada ao ressarcimento em dobro pelos
serviços cobrados sem prévia solicitação do consumidor;
c) determinou que a ré se abstenha de prestar serviços ou fornecer
produtos sem autorização expressa do consumidor, salvo se gratuito e desde que
o consumidor tenha interesse na manutenção, bem como de cobrar pelos
referidos serviços ou produtos sem autorização expressa do consumidor, sob
pena de multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por cada descumprimento;
d) ordenou que a ré: d.1) suspenda todo serviço ou produto
fornecido sem autorização do consumidor, salvo se este tiver interesse em sua
manutenção em razão da gratuidade; d.2) registre e arquive as solicitações e
autorizações de serviços efetuadas pelos consumidores; d.3) comprove nos
autos o ressarcimento aos consumidores, identificando os beneficiados e
informando o valor total creditado na conta telefônica; d.4) informe nas contas de
todos os consumidores o resumo da sentença, no mês subseqüente ao trânsito
em julgado; d.5) publique resumos da sentença em jornais de grande circulação.
Por outro viso, apesar de condenar a ré ao pagamento das custas
processuais, deixou de atribuir-lhe o pagamento dos honorários advocatícios, vez
que a demanda restou ajuizada pelo Ministério Público.
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4. Na inicial (fls. 02/34), o demandante postulou, de início, a
antecipação dos efeitos da tutela para:
a) condenar a demandada a indenizar os prejuízos ocasionados aos
consumidores que tiveram serviços e produtos prestados sem solicitação prévia,
mediante a compensação dos respectivos valores cobrados indevidamente, em
dobro, a serem creditados nas suas faturas telefônicas;
b) impor obrigações de não fazer à acionada, consubstanciadas em:
b.1) não prestar serviços ou fornecer produtos sem autorização expressa do
consumidor, salvo se gratuito e desde que o consumidor tenha interesse em sua
manutenção; b.2) não cobrar pelos serviços ou produtos prestados sem a
autorização do consumidor;
c) impor obrigações de fazer à ré, consistentes em: c.1) suspender
todo serviço ou produto fornecido sem autorização expressa do consumidor,
salvo se este tiver interesse em sua manutenção em razão da gratuidade; c.2)
registrar e arquivar as solicitações e autorizações de serviços efetuadas pelos
consumidores; c.3) comprovar nos autos o ressarcimento aos consumidores,
identificando os beneficiários e informando o valor total creditado nas faturas
telefônicas; c.4) dar ampla publicidade à decisão liminar, por meio de informação
nas contas de todos os consumidores de um resumo da decisão judicial,
publicação do resumo da decisão judicial em jornais de circulação estadual e
remessa de cópia da decisão a todos os Procons do Estado.
d) cominar multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) por cada
consumidor que tiver a liminar desrespeitada, ou outro valor que se mostre
adequado ao cumprimento da decisão.
Por fim, realizou os seguintes pedidos:
a) a confirmação da antecipação dos efeitos da tutela;
b) a inversão do ônus da prova;
c) a condenação da ré ao pagamento de R$ 1.000.000,00 (um
milhão de reais) a título de danos morais difusos, a ser destinado ao Fundo de
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5. Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina;
d) sucessivamente, na hipótese do pedido de indenização por danos
materiais não ser deferido na forma pleiteada, pugnou pela condenação genérica
da demandada em indenizar todos os prejuízos ocasionados aos consumidores,
com reversão do produto da indenização para o Fundo de Reconstituição dos
Bens Lesados do Estado de Santa Catarina.
Justificou os pedidos fundamentando-os no argumento de que, no
mês de novembro de 2004, foram remetidas ao Parquet informações oriundas do
Procon de Criciúma, as quais versariam sobre reclamações contra a empresa
requerida, concernentes à cobrança de serviços não solicitados ou não
autorizados pelos consumidores, sendo que, segundo suas assertivas, tais fatos
restaram igualmente constatados em outras cidades do Estado, como Joinville,
Balneário Camboriú, Timbó, Concórdia e Palhoça.
Reverberou, em seqüência, que, como subterfúgio às punições
aplicadas pelos órgãos de defesa do consumidor, a ré alegaria não ser
necessária a comprovação da solicitação dos serviços, transferindo tal ônus ao
consumidor, sob a assertiva de que o serviço foi solicitado ou autorizado,
dificultando o respectivo cancelamento.
Alfim, teceu comentários acerca do ato ilícito cometido pela
acionada e do dano moral difuso, buscando evidenciar os postulados
consumeristas e os dispositivos legais pertinentes, razões pelas quais trouxe à
baila excertos doutrinários e jurisprudenciais a alicerçar suas aduções.
No decisum de fls. 36/39, a antecipação dos efeitos da tutela restou
deferida, ressaltando o Magistrado de Primeira Instância que "os valores
cobrados sem prévia solicitação do serviço, ou sem a respectiva prova, o que
traduz única realidade, devem ser restituídos na própria fatura telefônica, no
prazo de seis meses a contar da citação, sob pena de multa de cem vezes o
valor de cada débito retido indevidamente, atualizado monetariamente".
Interpostos embargos declaratórios pelo acionante (fls. 41/42), estes
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6. foram acolhidos na decisão de fl. 43, para consignar que a restituição seria feita
em dobro.
Regularmente citada, veio a ré aos autos e apresentou resposta na
forma de contestação (fls. 67/72). Em síntese, asseverou que todas as
solicitações para serviços "extraordinários" são realizadas pelo telefone,
mediante conversas gravadas, salientando que, "com a anuência do consumidor,
é tomada sua autorização para o faturamento dos serviços solicitados. Tudo fica
gravado nos registros eletrônicos da Brasil Telecom, não em papel. O contrário,
aliás, seria completamente inviável. São literalmente milhões de consumidores. A
burocracia para tomar-lhes a assinatura no papel, eventualmente reconhecer
firma em cartório, num serviço prestado em massa para milhões de usuários, é
operacionalmente impossível".
Esclareceu, ademais, que na instrução processual apresentaria os
registros contendo as gravações, reforçando a necessidade de produção das
provas necessárias para o deslinde do feito, salientando que elas demonstrarão
que, "ao contrário do que alega o autor da ação, os serviços extraordinários
prestados e cobrados pela ré são objeto de autorização prévia e expressa,
mediante as já mencionadas gravações".
Noutra senda, rechaçou a deliberação do Juízo a quo acerca da
produção dos efeitos da medida liminar em todo o território nacional e, por
derradeiro, de forma sucessiva, enfatizou que, na hipótese de determinação da
restituição dos valores pagos indevidamente pelos consumidores, que seja
procedida de forma simples.
Juntou documentos (fls. 73/98).
Na réplica (fls. 99/103), o acionante rebateu as assertivas da
demandada e repisou os argumentos da exordial.
Juntou documentos (fls. 104/120).
Interposto agravo de instrumento pela requerida contra a decisão
liminar (fls.125/137), a decisão foi mantida por este Sodalício no julgado de n.
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7. 2005.030425-7.
Às fls. 165/170, a Associação de Proteção e Defesa dos
Consumidores do Vale do Rio Tijucas, Costa Esmeralda e Itajaí-Mirim pugnou
pelo ingresso na lide na qualidade de assistente do autor, o que foi deferido no
decisum de fl. 183.
Às fls. 145/161 e 192/782, o Parquet encartou documentos,
objetivando comprovar o descumprimento da decisão liminar por parte da
acionada.
Na decisão de fl. 784, a multa restou majorada para R$ 100.000,00
(cem mil reais) para cada descumprimento da liminar, independentemente do
valor da cobrança.
Interposto agravo de instrumento pela acionada (fls. 791/809), a
decisão foi revista pelo Magistrado de Primeira Instância na decisão de fls.
814/815, o qual saneou o processo e, em seqüência, deferiu a produção de prova
pericial.
Às fls. 810/813, a ré apresentou um CD contendo gravações de
consumidores com operadores de telemarketing da Brasil Telecom S/A.
Às fls. 819/896, o acionante colacionou novos documentos.
Sobrevieram agravos retidos interpostos pela demandada (fls.
908/921) e pela assistente (fls. 925/933).
Às fls. 934/1.289, 1.299/1.369, 1.372/1.375, 1.379/1.389,
1.393/1.396, 1.415/1.630, 1.634/1.665, 1.671/1.988 e 1.991/1.996, o demandante
coligiu novos documentos.
Julgando antecipadamente a lide (fls. 1.998/2.012), o Magistrado a
quo acolheu parcialmente os pedidos formulados na vestibular, nos termos do
relatado supra.
Considerou o insigne sentenciante, ab initio, que seria
desnecessária a elaboração de prova pericial, sob fundamento de que a
contestação não apresentaria qualquer documento apto a guarnecer as
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8. assertivas da demandada, ônus que lhe competia para a elaboração do almejado
laudo técnico.
Neste viés, salientou que, "no momento em que a instituição ré veio
aos autos contestar os fatos ministrados pelo autor, argumentando que todos os
serviços por ela prestados foram provenientes de prévia requisição ou
autorização do consumidor – mediante contrato oral, por via telefônica –
competia a ela comprovar tais afirmações com a demonstração e colação dos
documentos que reputavam a veracidade dos fatos por ela argumentados, sob
pena de preclusão".
Adiante, obtemperou que, pelas provas amealhadas nos autos – as
quais registram reclamações de centenas de clientes –, restou constatado que a
acionada disponibiliza serviços aos seus clientes sem a prévia autorização,
inclusive com realização de cobranças pela sua prestação, não demonstrando
em momento algum a prévia solicitação dos consumidores.
Por conseguinte, ponderou ser abusiva a prestação e cobrança dos
aludidos serviços, motivo pelo qual entendeu pela necessidade de restituição em
dobro dos valores, em consonância com a disposição encetada no art. 42 do
Código de Defesa do Consumidor, argumentando que "a única hipótese que
isentaria a concessionária ré da devolução em dobro seria o engano justificável,
o que não se verificou no caso em comento, pois segundo a sua defesa, o
serviço foi efetivamente solicitado pelos consumidores".
Outrossim, com base nas mesmas ilações, aplicou à demandada as
obrigações de fazer e não fazer supratranscritas, porém, quanto aos danos
morais difusos, salientou não ser compatível ao dano moral a idéia de
transindividualidade, ou seja, indeterminabilidade do sujeito passivo e da
indivisibilidade da ofensa e da reparação.
Por fim, quanto à eficácia da coisa julgada, destacou que esta será
restrita ao território do Estado onde proferida a decisão.
Irresignada com a prestação jurisdicional efetuada, a demandada
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9. tempestivamente apresentou recurso a este Colegiado. Em sua apelação (fls.
2.017/2.043), argüiu, preliminarmente: a) a nulidade do feito por ter sido prolatada
sentença extra petita, ao argumento de que não haveria qualquer pretensão do
autor para que fosse declarada a nulidade dos serviços prestados; b)
cerceamento de defesa, sob fundamento de que a produção da prova técnica,
além de ser necessária para comprovação das alegações da recorrente, restou
deferida quando da prolação do despacho saneador, sendo defeso ao Magistrado
revogar tal deliberação sem oportunizar à recorrente o exercício do contraditório.
Referente ao mérito, reeditou, de início, as considerações tecidas na
contestação, enfatizando que, além de todas as solicitações terem sido
previamente realizadas pelos consumidores por telefone, "não há qualquer
obrigação legal que determine aos fornecedores a realização de contrato formal
com seus consumidores".
Asseverou, ainda, que a devolução em dobro somente seria
possível se evidenciada a má-fé da recorrente, o que em nenhum momento
restou demonstrado, além de ter havido dupla condenação pelo mesmo fato no
que pertine às obrigações de não fazer.
Por fim, reforçou que, a partir dos ditames da Lei n. 9.427/97, a
regulamentação dos serviços de telecomunicações seria de competência
exclusiva da ANATEL e, neste sentido, destacou que, "ao penalizar a apelante
sob a alegação de que haveria cobrado indevidamente serviços não solicitados
por seus usuários, o Magistrado a quo invadiu seara alheia na qual não deve
tomar parte, uma vez que os critérios para a contratação dos serviços de
telefonia já foram devidamente definidos pela ANATEL".
No mais, colacionou excertos jurisprudenciais que acredita
conferirem embasamento à tese defendida, pugnando pela reforma da sentença
prolatada, com a conseqüente inversão do ônus sucumbencial.
Contra-arrazoado o recurso (fls. 2.048/2.068), o recorrido enalteceu
os fundamentos da sentença e rechaçou pontualmente as disposições da
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10. apelação.
Contados e preparados tempestivamente, ascenderam os autos a
esta Corte.
A digna Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do
eminente Procurador Durval da Silva Amorim (fls. 2.073/2.083), manifestou-se
pelo conhecimento e desprovimento do reclamo.
Recebo os autos conclusos.
Este o relatório.
VOTO
Reqüesta a acionada, em sede de apelação, a reforma da sentença
que acolheu parcialmente os pedidos formulados na vestibular, conforme
consignado na primeira parte do relatório deste aresto.
Antes de adentrar ao cerne da celeuma retratada nos autos,
consigne-se que, embora a demandada Brasil Telecom S/A e a assistente
Associação de Proteção e Defesa dos Consumidores do Vale do Rio Tijucas,
Costa Esmeralda e Itajaí-Mirim tenham interposto agravos retidos da decisão de
fls. 814/815, não houve expresso requerimento de sua apreciação em sede de
apelação e contra-razões, motivo pelo qual não se conhece dos recursos de fls.
908/921 e 925/933, nos moldes do artigo 523, § 1º, do Código de Processo Civil.
Ultrapassada tal quaestio, em prelúdio às considerações tecidas no
recurso de apelação interposto pela demandada, convém trazer a lume a lição de
Paulo Hamilton Siqueira Jr. acerca da ação civil pública:
A ação civil pública é o instrumento processual adequado de proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos. A tutela é coletiva. “Tida como fator de mobilização social, a ação civil
pública é a via adequada para impedir a ocorrência ou reprimir danos aos bens
coletivamente tutelados”. Tem por objeto os danos causados ao meio ambiente,
ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico e a qualquer outro interesse difuso e coletivo.
Para Roberto Senise Lisboa, “a ação civil pública tem por escopo a defesa
dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos em geral,
objetivando a desconstituição do ato lesivo e a condenação dos responsáveis à
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11. reparação do interesse lesado, preferencialmente com o cumprimento
específico da condenação”.
A ação civil pública tem fundamento na Constituição Federal, na medida
em que o perfil adotado pelo Estado preocupou-se sensivelmente com a tutela
coletiva. O art. 129, III, da Constituição Federal dispõe que “são funções
institucionais do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos”. O § 1º do mesmo artigo estabelece a
legitimidade concorrente da ação civil pública, ao dispor que “a legitimidade do
Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de
terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na
lei”.
“A Constituição da República Federativa do Brasil, confirmando a sua
preocupação com a tutela dos direitos de massa, deu dignidade constitucional à
denominada ação civil pública, e esse instrumento processual passou a ser
também um verdadeiro remédio constitucional de tutela dos interesses e direitos
massificados”.
A ação civil pública é um instituto de direito processual constitucional que
tem por finalidade a tutela dos direitos massificados, interesses difusos,
coletivos ou individuais homogêneos. A tutela da ação civil pública possui um
viés constitucional. “Com efeito, tendo a ação civil pública dignidade
constitucional (art. 129, III) e por ela visar a tutelar quase sempre um interesse
ou direito de índole constitucional — tanto que está dentro do que a doutrina
denomina direito processual constitucional —, conclui-se que a ação civil pública
é um dos instrumentos constitucionais colocados à disposição do Ministério
Público e de outros legitimados coletivos arrolados pela lei (art. 5º da Lei n.
7.347/85 e art. 82 da Lei n. 8.078/90), para a tutela jurisdicional de quaisquer
direitos ou interesses difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais
homogêneos”.
As ações coletivas têm por finalidade dotar o processo de maior eficácia.
“A ação civil pública tem grande relevância para o aperfeiçoamento da
prestação jurisdicional, diante de sua vocação inata de proteger um número
grande de pessoas mediante um único processo. Ela simultaneamente contribui
para a eliminação da litigiosidade contida e para o desafogamento da máquina
judiciária, mediante a eliminação de inúmeros processos individuais. É ainda um
meio de dar efetividade ao princípio da igualdade entre as pessoas, na medida
em que evita a loteria judiciária gerada pela diversidade de entendimentos
jurisprudenciais sobre a mesma matéria” (in Direito Processual Constitucional,
6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012).
Feitas tais digressões doutrinárias, cumpre assinalar que, como
supedâneo à pretensão recursal, a insurgente evidenciou as seguintes teses,
cujo teor merecem destaque:
a) a prefacial de nulidade da sentença por ter sido extra petita, vez
que, na concepção da recorrente, não houve, na vestibular, pedido de declaração
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12. de nulidade dos serviços prestados;
b) a proemial de cerceamento de defesa, fundada na assertiva de
que a prova pericial seria necessária à comprovação dos fatos alegados na
contestação, além de ser inviável ao Magistrado revogar deliberação anterior que
determinou a produção da aludida prova;
c) que todos os serviços prestados foram devidamente solicitados
pelos consumidores, sendo perfeitamente possível a pactuação por meio
telefônico;
d) que não restou demonstrada a má-fé da recorrente a viabilizar a
restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente;
e) que houve dupla condenação da demandada quanto às sanções
estipuladas para o cumprimento das obrigações de não fazer;
f) que os critérios para contratação dos serviços de telefonia são de
competência exclusiva da ANATEL e, neste sentido, não poderia o Magistrado
penalizar a apelante;
g) que inexiste determinação legal que obrigue a acionada a
proceder a inclusão de resumo da decisão nas contas telefônicas dos usuários e
publicação da decisão em jornais de grande circulação.
Prima facie, no que concerne à preliminar de nulidade da sentença
por ser extra petita, dessome-se que tal assertiva é manifestamente insubsistente
e não tem o condão de macular a decisão proferida em Primeira Instância.
Tal fato se justifica porquanto, muito embora a declaração de
nulidade dos serviços prestados de fato não tenha sido expressamente elencada
no rol de pedidos da vestibular, em análise ao referido petitório, é possível se
inferir que a fundamentação tecida pelo digno representante do Parquet é no
sentido de que seja reconhecida expressamente a abusividade do
fornecimento de serviços não solicitados e sua respectiva cobrança, em
consonância com os preceitos insculpidos no Código de Defesa do Consumidor.
Por conseguinte, o indigitado diploma legal deixa assente, em seu
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13. art. 39, III e parágrafo único, as seguintes disposições:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras
práticas abusivas:
[...]
III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer
produto ou fornecer qualquer serviço;
[...]
Parágrafo único: Os serviços prestados e os produtos remetidos ou
entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se
às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento [destaquei].
Neste contexto, a despeito de não ser tecnicamente adequado o
reconhecimento de nulidade dos serviços, vislumbra-se que tal declaração não
tem efeito prático algum, porquanto tais serviços, ainda que prestados, não
poderão ser cobrados, conforme preceitua o dispositivo legal supracitado,
sendo que, inclusive, tal cobrança igualmente restou vedada nos itens
subseqüentes do dispositivo da sentença.
Aliás, o Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento pacificado
no sentido de que "não há falar em julgamento extra petita quando o órgão
julgador não afronta os limites objetivos da pretensão inicial ou recursal,
tampouco concede providência jurisdicional diversa da requerida, em respeito ao
princípio da congruência. Ademais, os pedidos formulados pelas partes devem
ser analisados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o
magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta em
exame, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido
expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância dos
brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e
iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito)" (Resp 1197476 / BA, Relator:
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 07/10/2014).
Assim, arreda-se a mencionada proemial.
Noutro norte, no que pertine à prefacial de nulidade da sentença por
cerceamento de defesa, impende destacar que, conquanto a recorrente tenha
assinalado a impossibilidade do Magistrado de Primeira Instância revogar a
decisão que determinou a produção da prova pericial (fls. 814/815) e julgar
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14. diretamente o feito – sob a alegação de que teria ocorrido preclusão pro judicato
–, vejo de forma distinta.
Isso porque, não configura cerceamento de defesa o julgamento
antecipado da lide após a prolação de despacho saneador, quando
indemonstrada a necessidade da produção da prova pericial ou oral. Aliás,
consoante os excertos jurisprudenciais infratranscritos, o Superior Tribunal de
Justiça, em casos análogos, já manifestou tal entendimento. Confira-se:
1) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO
ANTECIPADO DA LIDE APÓS DESPACHO SANEADOR. PROVA PERICIAL
DEFERIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-OCORRÊNCIA. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da
lide após proferido o despacho saneador, ainda que deferindo a produção
de prova pericial, mormente quando não demonstrado, inequivocamente, o
prejuízo. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Resp 1359271 /
MS, Relatora: Min.ª Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 20/05/2014 –
destaquei).
2) PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. REFORMA DO
DESPACHO SANEADOR QUE DEFERIU O PEDIDO DE PRODUÇÃO DE
PROVA PERICIAL. CONTROVÉRSIA ACERCA DA APLICAÇÃO DA TAXA
SELIC PARA FINS TRIBUTÁRIOS. MATÉRIA EMINENTEMENTE DE DIREITO.
JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. NECESSIDADE.
PRESCINDIBILIDADE DA PERÍCIA. PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E
CELERIDADE PROCESSUAIS.
1. O artigo 131, do CPC, consagra o princípio da persuasão racional,
habilitando o magistrado a valer-se do seu convencimento, à luz dos fatos,
provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que
entender aplicável ao caso concreto constantes dos autos. Nada obstante,
compete-lhe rejeitar diligências que delonguem desnecessariamente o
julgamento, a fim de garantir a observância do princípio da celeridade
processual.
2. In casu, a recorrente, em sede de ação consignatória, formulou pedido
de que lhe fosse autorizado o depósito de valores referentes a débito fiscal,
excluída a multa moratória, bem como a Taxa Selic, "uma vez que esta não se
presta para fins tributários".
3. Malgrado a controvérsia gravite em torno de questão eminentemente de
direito, o Juízo Singular deferiu o pedido de produção de prova pericial contábil,
limitando seu objeto ao esclarecimento de eventual acumulação da Taxa Selic
com juros e correção monetária.
4. Entrementes, o artigo 330, do Codex Processual, que trata do
julgamento antecipado da lide, dispõe que o juiz conhecerá diretamente do
pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de
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15. direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova
em audiência (inciso I).
5. Desta sorte, revela-se escorreito o fundamento da decisão
monocrática, que reformou a decisão interlocutória proferida pelo Juízo
Singular, no sentido da prescindibilidade da produção de prova pericial na
hipótese dos autos, uma vez ausente o "trinômio que justifica a sua feitura
(adequação, utilidade e necessidade), porque o conhecimento técnico do
perito nada acrescentará para solução da controvérsia, que é puramente
jurídica".
6. Deveras, é cediço nesta Corte que inocorre cerceamento de defesa
quando desnecessária a produção da prova pretendida (Resp 226064/CE,
Rel. Ministro Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado
em 24.06.2003, DJ 29.09.2003 ), impondo-se o julgamento antecipado da
lide em que se controverte apenas sobre matéria de direito, em obediência
aos princípios da economia e da celeridade processuais (Resp 324.098/RJ,
Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em
21.03.2002, DJ 29.04.2002; e Resp 337.785/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, julgado em 04.12.2001, DJ 25.03.2002).
7. Recurso especial desprovido (Resp 797184 / DF, Relator: Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, j. 25/03/2008 – destaquei).
3) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DESNECESSIDADE
DE DESPACHO SANEADOR E DE PRODUÇÃO DE PROVA. JULGAMENTO
ANTECIPADO DA LIDE. LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO.
ACERVO DOCUMENTAL SUFICIENTE. NÃO-OCORRÊNCIA DE
CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECEDENTES.
1. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento a recurso
especial.
2. O acórdão a quo, afastando a preliminar de nulidade da sentença por
ausência de audiência e de despacho saneador, julgou procedente ação de
indenização por danos morais, em face de que, durante aula de ciências na
Escola Estadual Vitória Mota Cruz, com a utilização de uma única agulha em
diversos alunos, o recorrido fora submetido a exame de tipagem sanguínea,
resultando na constatação da presença de vírus das Hepatites “B” e “C” entre
três dos alunos que serviram de “cobaias” no referido exame.
3. Quanto à necessidade, ou não, da realização de despacho
saneador, o juiz tem o poder-dever de julgar a lide antecipadamente,
desprezando a realização de audiência para a produção de provas ao
constatar que o acervo documental é suficiente para nortear e instruir seu
entendimento. É do seu livre convencimento o deferimento de pedido para
a produção de quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento
da lide.
4. Nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, “a tutela
jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que
possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões
determinantes de decisão, como limites ao livre convencimento do juiz,
que deve formá-lo com base em qualquer dos meios de prova admitidos
em direito material, hipótese em que não há que se falar cerceamento de
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16. defesa pelo julgamento antecipado da lide” e que “o magistrado tem o
poder-dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização de
audiência para a produção de prova testemunhal, ao constatar que o
acervo documental acostado aos autos possui suficiente força probante
para nortear e instruir seu entendimento” (Resp nº 102303/PE, Rel. Min.
Vicente Leal, DJ de 17/05/99)
5. Precedentes no mesmo sentido: MS nº 7834/DF, Rel. Min. Félix Fischer;
Resp nº 330209/SP, Rel. Min. Ari Pargendler; Resp nº 66632/SP, Rel. Min.
Vicente Leal, AgReg no AG nº 111249/GO, Rel. Min. Sálvio De Figueiredo
Teixeira; Resp nº 39361/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca; Edcl nos Edcl
no Resp nº 4329/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira. Inexistência de cerceamento
de defesa diante da ausência de despacho saneador.
6. Agravo regimental não-provido (AgRg no Resp 810124 / RR, Relator:
Min. José Delgado, Primeira Turma, j. 20/06/2006 – destaquei).
Ademais, no caso em testilha, inobstante tenha a insurgente
alegado que tal deliberação lhe causou prejuízos – de modo que teria sido
"surpreendida" com o julgamento antecipado da lide, eis que impossibilitou a
produção de novas provas, como a juntada das degravações das ligações dos
consumidores –, tais aduções não convencem.
Isso se justifica uma vez que não havia qualquer óbice à
demandada de coligir as gravações dos consumidores que alegam ter sido
lesados – listados pelo Parquet às fls. 145/161, 192/782, 934/1.289, 1.299/1.369,
1.372/1.375, 1.379/1.389, 1.393/1.396, 1.415/1.630, 1.634/1.665, 1.671/1.988 e
1.991/1.996 –, antes mesmo do julgamento antecipado da lide, objetivando
demonstrar que de fato os serviços restaram solicitados.
Pelo contrário, haure-se da quaestio que a decisão que deferiu a
produção de prova pericial (fls. 814/815) é datada de 30/07/2007, enquanto o
julgamento da lide ocorreu somente em 14/05/2012, ou seja, quase 5 (cinco)
anos depois, não trazendo a demandada qualquer documento a corroborar suas
assertivas.
Ora, se a acionada restou negligente e não trouxe, na contestação
ou em momento posterior, os documentos aptos a guarnecer seus argumentos –
considerando os documentos coligidos pelo Ministério Público evidenciadores da
prática ilícita da acionada –, mesmo possuindo extenso tempo hábil para tanto
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17. (quase cinco anos), não pode agora alegar cerceio de defesa fundado no frágil
argumento de que teria sido "surpreendida" com a decisão de mérito, pelo
simples fato de que revogou o decisum que determinou a produção de prova
pericial.
A propósito, é pacífico o entendimento de que, "em regra, a
produção da prova documental tem momento próprio, concomitante com a
apresentação, pelas partes, da petição inicial e da resposta (art. 396 do CPC).
Eventualmente, para a comprovação de fato novo, pode-se apresentar
documentos ulteriormente (art. 397 do CPC). Aqui, seja em função de algum
incidente criado no curso do processo – que exige o encaminhamento da
discussão para temas não contemplados inicialmente no conteúdo da demanda
(como, por exemplo, o impedimento ou a suspeição do juízo, a reconvenção,
etc.) –, seja porque fato novo ocorreu quanto ao mérito da ação inicialmente
exposta, será necessário trazer documento novo, capaz de demonstrar ao
magistrado sua efetiva ocorrência, caso em que se admite a produção da prova
documental após o momento inicialmente adequado" (MARINONI, Luiz
Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 7 ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 2. p. 364).
Consigne-se, outrossim, que, embora a requerida tenha coligido
algumas gravações às fls. 810/813, estas demonstram tão somente que alguns
consumidores aleatórios foram questionados acerca dos serviços da empresa.
Ou seja, não demonstram que os consumidores evidenciados nos documentos
amealhados pelo acionante – ou aqueles que integram o inquérito civil que levou
à propositura da demanda, como mencionado pela própria ré às fls. 141/142 – de
fato solicitaram os referidos serviços.
Aliado a isso, é de bom alvitre se assentar, para não restar dúvidas,
que, apesar do demandante ter listado centenas de consumidores lesados, quiçá
milhares, revela-se plenamente possível a juntada de todas as gravações aos
autos, com a simples utilização de um HD externo ou pen drives de grande
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18. capacidade de armazenamento, mormente considerando que os arquivos
contendo as gravações são pequenos, conforme se pode inferir do CD encartado
à fl. 813.
Nesta perspectiva, exsurgindo correta a decisão proferida pelo culto
Togado de Primeira Instância ao julgar antecipadamente a lide, diante da
indemonstrada necessidade de produção de prova técnica (arts. 130 c/c art. 420,
parágrafo único, I, do CPC), afasta-se a prefacial de cerceamento de defesa.
Tocante ao mérito, urge se registre que, a despeito das
considerações expendidas pela insurgente acerca da prévia solicitação dos
consumidores referente aos serviços prestados, razão não lhe assiste.
Como esposado alhures, a demandada, apesar de evidenciar fato
impeditivo do direito do autor (prévia solicitação dos consumidores), não trouxe
qualquer documento apto a alicerçar suas alegações, sendo este seu ônus, a
teor do artigo 333, II, do Código de Processo Civil.
Por outro vértice, o acionante trouxe uma série de documentos
demonstrando inúmeras reclamações dos consumidores acerca da
cobrança por serviços não solicitados, cumprindo, assim, a disposição
constante no art. 333, I, do mencionado diploma legal.
Neste viés, depreende-se da iterativa jurisprudência desta Corte de
Justiça:
1) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO CONTRATUAL C/C
REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E
TUTELA ANTECIPADA. TELEFONIA. COBRANÇA DE SERVIÇOS NÃO
SOLICITADOS PELO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PROVA DA
CONTRATAÇÃO. ÔNUS DO FORNECEDOR. RESTITUIÇÃO DEVIDA. DANO
MORAL. EXISTÊNCIA DE PROVAS DE QUE A AUTORA TENHA SOFRIDO
INCÔMODOS DESARRAZOADOS PARA SOLUCIONAR O EQUÍVOCO. ATO
QUE GERA O DEVER DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO
EM PARTE.
Não há que se falar em boa-fé quando a concessionária cobra por serviço
não solicitado pelo usuário, de modo que é devida a repetição do valor
indevidamente cobrado em dobro, conforme previsto no parágrafo único do art.
42 do Código de Defesa do Consumidor (Ap.Cív. n. 2007.006869-4, rel. Des.
Luiz Cézar Medeiros, j. 22.5.2007) (Apelação Cível n. 2012.090596-5, de
Criciúma, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 12-11-2013).
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19. "O martírio e o descaso sofridos pelo consumidor, ao ser impingido, mês a
mês, ao pagamento de faturas manifestamente irregulares, sem vislumbrar êxito
nas reclamações realizadas à operadora e sob a ameaça constante de
interrupção dos serviços e de negativação dos seus dados, certamente
ultrapassam a esfera da normalidade e da razoabilidade, dando azo ao pleito
compensatório" (Apelação Cível n. 2012.012796-3, da Capital - Continente, rel.
Des. Carlos Adilson Silva, j. 17-12-2013) (Apelação Cível n. 2014.026366-7, de
Itajaí, Relator: Des. Subst. Stanley da Silva Braga, 3ª Câm. Dir. Púb., j.
01/07/2014 – destaquei).
2) APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TELEFONIA. COBRANÇA
INDEVIDA. SERVIÇOS NÃO SOLICITADOS. AUSÊNCIA DE PROVA DA
CONTRATAÇÃO. ÔNUS DO FORNECEDOR, CONSOANTE ART. 6º, VIII, DO
CDC, E ART. 333, II, DO CPC. COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DO
INDÉBITO. EXEGESE DO ART. 42 DO CDC. DANO MORAL PLEITEADO.
SITUAÇÃO QUE CARACTERIZA MERO ABORRECIMENTO. ABALO MORAL
NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO (Apelação Cível n. 2012.053012-2, de Lages, Relator: Des. José
Volpato de Souza, 4ª Câm. Dir. Púb., j. 23/08/2012 – destaquei).
3) CIVIL - AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C
INDENIZAÇÃO - BRASIL TELECOM S/A - COBRANÇA INDEVIDA - SERVIÇOS
NÃO SOLICITADOS -
1 A responsabilidade civil das prestadoras de serviço é de natureza
objetiva. A cobrança indevida, por serviços não solicitados pelo usuário, é causa
efetiva de declaração de inexistência de débito.
"A relação jurídica havida entre a empresa de telefonia e o usuário
submete-se às regras do Código de Defesa do Consumidor e, sendo
assim, o onus probandi acerca da contratação de serviços incumbe ao
fornecedor" (AC n. 2010.023822-2, Des. Sérgio Baasch Luz).
2 A repetição do indébito e a condenação à restituição em dobro
pressupõe a prova da cobrança indevida e do pagamento correlato (Apelação
Cível n. 2011.040409-9, de Blumenau, Relator: Des. Luiz César Medeiros, 3ª
Câm. Dir. Púb., j. 03/04/2012).
Ressalte-se, aliás, que, na hipótese vertente, não se está aplicando
a inversão do ônus da prova – a teor do art. 6º, VIII, do CDC –, porquanto se trata
de norma ope judicis, que necessita de deliberação do Juízo na fase saneadora
do processo ou na decisão liminar, o que inocorreu no caso em apreço.
Nesta tessitura, restando demonstrados os danos causados aos
consumidores pela cobrança indevida de serviços não solicitados, por evidente,
plenamente configurada a responsabilidade objetiva da fornecedora de serviços,
em conformidade com a disposição encetada no artigo 14 do Código de Defesa
do Consumidor.
Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi
20. Por sucedâneo, imperiosa a condenação da acionada à restituição
em dobro dos valores que foram indevidamente cobrados, nos termos do art. 42,
parágrafo único, da indigitada Lei, vez que indemonstrado o engano justificável
na prestação de serviços e, portanto, caracterizada a má-fé da concessionária de
serviço público, conforme já deliberou o Tribunal da Cidadania em caso
semelhante:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. SERVIÇO DE TELEFONIA. COBRANÇA
INDEVIDA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO
CDC. ENGANO JUSTIFICÁVEL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. JUROS DE MORA.
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA. DIES A QUO. CITAÇÃO VÁLIDA. CORREÇÃO
MONETÁRIA. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não
caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. Em memoriais, a agravante insiste na tese de que a incidência do art.
42, parágrafo único, do CDC depende da configuração da má-fé do fornecedor.
3. O STJ firmou a orientação de que tanto a má-fé como a culpa
(imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição do fornecedor
do produto na restituição em dobro.
4. Descaracterizado o erro justificável, devem ser restituídos em
dobro os valores pagos indevidamente.
5. É entendimento do STJ que, no caso das obrigações ilíquidas, os juros
de mora incidem a partir da citação válida; e a correção monetária, desde
quando devido o débito.
6. Agravo Regimental não provido (AgRg no Ag 1344906 / MS, Relator:
Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 17/02/2011 – destaquei).
Na mesma senda, esta Corte de Justiça possui entendimento
pacificado:
1) AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C
REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
EMPRESA DE TELEFONIA. COBRANÇA INDEVIDA. SERVIÇOS NÃO
CONTRATADOS E NÃO UTILIZADOS. INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE
INADIMPLENTES. ABALO MORAL CONFIGURADO. MINORAÇÃO DO
QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO NA SENTENÇA. DEVOLUÇÃO EM
DOBRO DO MONTANTE INDEVIDAMENTE PAGO PELA AUTORA. EXEGESE
DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO (Apelação Cível n. 2014.028249-2, de Videira, Relator: Des. Cesar
Abreu, 3ª Câm. Dir. Púb., 27/05/2014 – destaquei).
2) ADMINISTRATIVO - SERVIÇO CONCEDIDO - TELEFONIA -
REPETIÇÃO DE INDÉBITO - COBRANÇA DE SERVIÇOS NÃO
CONTRATADOS PELA CONSUMIDORA - ÔNUS DA PROVA - DÍVIDA
Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi
21. QUESTIONADA ADMINISTRATIVAMENTE PELA CONSUMIDORA -
OPERADORA QUE NÃO COMPROVOU A REGULARIDADE NA COBRANÇA -
COBRANÇAS INDEVIDAS - DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO MONTANTE
INDEVIDAMENTE PAGO PELA CONSUMIDORA - PRESSUPOSTOS
AUTORIZADORES - DÉBITOS INEXISTENTES.
Se a consumidora alega a inexistência de débito, por se tratar de prova de
fato negativo, compete ao fornecedor dos serviços o ônus de provar a licitude da
cobrança.
A repetição de indébito prevista no art. 42 do Código de Defesa do
Consumidor, com a devolução em dobro da quantia indevidamente paga,
demanda a concorrência de dois requisitos: a) que o consumidor pague
dívida inexistente; b) que ela seja cobrada pelo fornecedor com má-fé
(abuso), ou seja, que não tenha havido engano justificável (Apelação Cível
n. 2013.047699-3, de Blumenau, Relator: Des. Jaime Ramos, 4ª Câm. Dir. Púb.,
j. 08/05/2014 – destaquei).
3) Ação declaratória de inexistência de relação jurídica e de débito
cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais. Telefonia.
Cobrança por serviços não solicitados. Repetição do indébito. Devolução em
dobro da quantia paga. Possibilidade. Exegese do art. 42, parágrafo único, do
Código de Defesa do Consumidor. Inscrição em cadastro de proteção ao
crédito. Dano moral caracterizado. Pessoa jurídica. Indenização devida.
Redução do valor indenizatório. Impossibilidade na espécie. Adequação do
termo inicial dos juros moratórios. Aplicação da súmula n. 54 do Superior
Tribunal de Justiça. Recurso desprovido.
É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas, enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer
produto, ou fornecer qualquer serviço (art. 39, III, Código de Defesa do
Consumidor).
Não há que se falar em boa-fé quando a concessionária cobra por
serviço não solicitado pelo usuário, de modo que é devida a repetição do
valor indevidamente cobrado em dobro, conforme previsto no parágrafo
único do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor (Ap.Cív. n.
2007.006869-4, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 22.5.2007) (Apelação Cível n.
2012.090596-5, de Criciúma, Relator: Des. Pedro Manoel Abreu, 3ª Câm. Dir.
Púb., j. 12/11/2013 – destaquei).
4) APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. TELEFONIA. COBRANÇA
INDEVIDA. ATITUDE QUE TRANSCENDE O DISSABOR E TIPIFICA
MENOSCABO. DANO MORAL OCORRENTE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
APLICAÇÃO COMO CONSECTÁRIO LÓGICO DO RECONHECIMENTO DA
COBRANÇA INDEVIDA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PRESCRIÇÃO TRIENAL.
RECURSO DA EMPRESA/RÉ E RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE
PROVIDOS.
I. A cobrança indevida de serviços, aliada ao martírio infligido ao
consumidor para cancelá-los, tipifica ilícito gerador de dano moral indenizável,
cujo quantum deve assentar-se em critérios de razoabilidade e
proporcionalidade, subsumindo-se em valor que, a um só tempo, não sirva de
lucro à vítima, nem tampouco desfalque o patrimônio do lesante.
Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi
22. II. A repetição de indébito, aplicada como defluência do
reconhecimento de ter havido cobrança indevida, sem que se possa
cogitar de engano justificável por parte da empresa concessionária de
serviço público, é de ser feita em dobro, ex vi do art. 42, p. único, do
Código de Defesa do Consumidor, observado, porém, o prazo trienal de
prescrição, nos termos do art. 206, § 3º, inc. IV, do Código Civil, afinal "não se
tratando de dano causado por fato do serviço, mas de repetição de indébito pelo
pagamento por serviço que se alega não prestado, portanto, [de] inadimplência
contratual, [aplica-se o] art. 206, § 3º, IV" (TJSC, Apelação Cível n. 2008.
071265-9, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros) (Apelação Cível n. 2013.010954-2, de
Tijucas, Relator: Des. João Henrique Blasi, 2ª Câm. Dir. Púb., j. 09/04/2013 –
destaquei).
Aliás, no que tange a tal tópico, restou explanado com maestria pelo
digno Togado de Primeira Instância, cujo excerto peço venia para transcrever:
Não resta dúvida que a cobrança indevida de serviços não solicitados pelo
consumidor, gera o dever de restituição em dobro das quantias cobradas
indevidamente.
A repetição em dobro do indébito encontra amparo nos arts. 876 do
Código Civil e 42, parágrafo único, do Código de Consumo:
"Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado
a restituir; (...)"
"Art. 42. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem
direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em
excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de
engano justificável."
O direito à repetição do indébito decorre da teoria do enriquecimento sem
causa, que veda o enriquecimento indevido de uma parte, em detrimento de
outra.
Sobre o tema, leciona Arnaldo Rizzardo:
"De acordo com sentido jurídico, o pagamento indevido constitui um
pagamento sem causa que se faz a alguém, trazendo-lhe uma vantagem ou o
enriquecimento, empobrecendo ou prejudicando, em contrapartida, aquele que
paga. É o pagamento que se faz na suposição errônea de que se está devendo,
ou da inexistência de uma obrigação pendente de solução" (Contratos de
Crédito Bancário, 4ª ed., São Paulo, RT:1999, p. 64).
Ressalte-se que a única hipótese que isentaria a concessionária ré da
devolução em dobro seria o engano justificável, o que não se verificou no caso
em comento, pois segundo a sua defesa, o serviço foi efetivamente solicitado
pelos seus consumidores.
Situações como a presente poderiam ser facilmente evitadas pela Brasil
Telecom, bastando oferecer um sistema eficaz de atendimento ao consumidor.
Entretanto, enquanto a gigante empresa de telefonia insistir em desprestigiar
seus usuários, dificultando a comunicação direta e disponibilizando serviços
como bem lhe convém, sem a efetiva solicitação dos usuários, prática vedada
pelo Código de Defesa do Consumidor, outra solução não resta ao Judiciário
senão a de aplicar a lei em prol dos consumidores hipossuficientes e
Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi
23. prejudicados pelas ações da concessionária.
Assim, terão os consumidores prejudicados direito à restituição dos
valores cobrados indevidamente, de forma dobrada, segundo os parâmetros
consumeristas (CDC, art. 42, parágrafo único)(sic).
Nesta vereda, demonstrada a responsabilidade objetiva da
concessionária de serviços de telefonia pelos danos causados aos consumidores,
a obrigação de restituir em dobro os valores auferidos indevidamente é legal,
razão por que necessária a manutenção da sentença igualmente neste tocante.
Doutro vértice, com relação à tese de dupla penalidade em
decorrência das multas estabelecidas nos itens "c.1" e "c.2" do dispositivo da
sentença, são necessárias algumas ressalvas, eis que os referidos tópicos assim
dispõem:
c.1) prestar serviços ou fornecer produtos sem autorização expressa do
consumidor, salvo se gratuito e desde que o consumidor tenha interesse na
manutenção, sob pena de multa pecuniária no valor de R$ 1.000,00 (um mil
reais), por cada descumprimento; e,
c.2) cobrar pelos serviços ou produtos prestados sem autorização
expressa do consumidor, sob pena de multa pecuniária no valor de R$ 1.000,00
(um mil reais), por cada descumprimento.
Como se vê, neste ponto razão assiste à recorrente em sua
insurgência, porquanto é possível se depreender o ventilado bis in idem, de modo
que, uma vez prestado o serviço sem prévia autorização e mediante cobrança, a
requerida irá incidir em ambas as multas.
Desta forma, imperativa a reforma da sentença neste ponto, para
manter apenas a tutela inibitória estipulada no tópico c.2, vez que é a que
mais se coaduna com a disposição constante no artigo 39, parágrafo único, do
Código Consumerista.
Por outro viso, no que atine à alegação de que o Magistrado a quo
teria promovido usurpação de competência da ANATEL ao penalizar a recorrente
com base nos ditames do Código de Defesa do Consumidor, dessome-se que tal
assertiva é manifestamente insubsistente e não merece guarida, conforme
entendimento já assentado nesta egrégia Câmara, em caso recente envolvendo a
própria demandada:
Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi
24. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRETENDIDA REPARAÇÃO DA REDE DE
TELEFONES DE USO PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ. FALTA
SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR. INOCORRÊNCIA.
INTERFERÊNCIA INDEVIDA DO JUDICIÁRIO EM MATÉRIA DE
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA ANATEL. ALEGAÇÃO RECHAÇADA.
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES PRESERVADO. VIOLAÇÃO À
DIREITO DO CONSUMIDOR DEMONSTRADA. VISTORIA DE CONSTATAÇÃO
DO PROCON. EVIDENCIA NÃO DERRUÍDA. OBRIGAÇÃO DE FAZER.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA ACTION MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO (Apelação Cível n. 2014.025308-2, de Itajaí, Relator: Des. Cesar
Abreu, 3ª Câm. Dir. Púb., j. 27/05/2014).
Aliás, destaco, como razão de decidir, parte do referido julgado, eis
que bem elucida a questão ora reiterada:
Por igual, sem muitas delongas, penso que não merece acolhida a
alegação de ofensa ao princípio da separação de poderes, uma vez que, por ser
da ANATEL a competência para regulamentar e fiscalizar os serviços de
telefonia, não poderia o Poder Judiciário determinar punição em decorrência de
mera "vistoria" por entidade não competente. Digo isto porque, nada obstante a
prerrogativa concedida aos Poderes Legislativo e Executivo de formular e
executar políticas públicas, o Estado está submetido, antes de qualquer questão
de ordem administrativa, a preceitos constitucionais cuja concretização visa a
garantir o mínimo respeito ao direito do cidadão, seja ele de ordem individual ou
coletiva.
A propósito, não se pode perder de vista que no sistema de freios e
contrapesos o Poder Judiciário, investido como guardião da ordem jurídica
constitucional, exerce fundamentalmente uma força política contra-majoritária,
notadamente quando suplicado face à insuficiência/inexistência de serviços
públicos essenciais. Portanto, é sim sua atribuição o controle judicial com o
propósito de afastar possíveis lesões a direitos individuais, coletivos e difusos
que eventualmente ocorram por parte do Estado.
Fixadas tais premissas, inarredável que a atuação do Poder Judiciário é,
no caso, legítima, porquanto as escolhas do Poder Público, no que tange às
políticas de proteção ao consumidor não são discricionárias, mas vinculadas à
observância de direitos constitucionalmente sacramentados, não merecendo
guarida as omissões administrativas fundadas no juízo de conveniência e
oportunidade. Logo, diante da omissão e ineficiência da Agência Reguladora em
fiscalizar os serviços prestados pelas concessionárias de telefonia, penso que
não só pode, como deve, o Poder Judiciário determinar as medidas judiciais que
garantam o cumprimento de obrigações relacionadas aos serviços prestados
aos consumidores, sem afronta ou invasão aos limites fixados pela Carta
Republicana, eis que se trata de matéria relativa ao direito do consumidor
constitucionalmente garantido. Bem se vê, que os serviços prestados pela
Apelante, cuja competência fiscalizatória, em tese, é privativa da ANATEL (Lei n.
9.472/97), nada mais é do que um direito que se insere na seara consumerista,
eis que visa resguardar e preservar o bom funcionamento dos aparelhos de
telefone público para os clientes/consumidores que se utilizam dos serviços
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25. prestados pela recorrente.
Por fim, no tocante às deduções lastradas acerca da inexistência de
determinação legal que obrigue a acionada a proceder a inclusão de resumo da
decisão nas contas telefônicas dos usuários e publicação da decisão em jornais
de circulação estadual, depreende-se que tais assertivas representam questões
que não foram submetidas pela ora recorrente ao crivo do Juízo a quo,
configurando verdadeira inovação recursal, vedada pelo art. 517 do Código de
Ritos.
Isso porque, em análise do processado, é possível se inferir que
não houve qualquer manifestação acerca de tais pontos na contestação, muito
embora tenha havido pedidos neste sentido na vestibular, conforme se pode
extrair dos itens 4.3.4.1 e 4.3.4.2 (fl. 32).
Neste andar, considerando que, quando devidamente oportunizada,
a demandada não atacou as matérias ora apontadas no reclamo, tais questões
não podem ser aqui conhecidas, sob pena de violar os princípios do duplo grau
de jurisdição e da eventualidade.
Acerca da regra da eventualidade, preleciona Fredie Didier Jr.:
A regra da eventualidade (Eventualmaxime) ou da concentração da defesa
na contestação significa que cabe ao réu formular toda sua defesa na
contestação. Toda defesa deve ser formulada de uma só vez como medida
de previsão ad eventum, sob pena de preclusão. O réu tem o ônus de
alegar tudo o quanto puder, pois, caso contrário, perderá a oportunidade
de fazê-lo (Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e
processo de conhecimento. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010, v. 1, p. 502 –
destaquei).
Na mesma trilha este Sodalício já deliberou em diversas
oportunidades:
1) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INIBITÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PEDIDO SUBSIDIÁRIO.
DISPONIBILIZAÇÃO DE NOTA DE ESCLARECIMENTO NA PRIMEIRA PÁGINA
DO SÍTIO DAS REQUERIDAS. INOVAÇÃO RECURSAL. EXEGESE DO ART.
517 DO CPC. NÃO CONHECIMENTO.
As matérias não submetidas ao crivo do juízo de primeiro grau de
jurisdição não podem ser conhecidas pelo juízo ad quem, porque
configura verdadeira inovação recursal, o que é vedado pelo princípio da
eventualidade (Apelação Cível n. 2011.061745-2 de Balneário Camboriú,
Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi
26. Relator: Des. João Batista Góes Ulysséa, 2ª Câm. Dir. Civ., j. 21/09/2012 –
destaquei).
2) RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO. RESPOSTA EM QUE O DEMANDADO
MANIFESTA EXPRESSA CONCORDÂNCIA COM OS PEDIDOS.
DISCORDÂNCIA DEDUZIDA POSTERIORMENTE. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EVENTUALIDADE OU
PRECLUSÃO. EXEGESE DOS ARTIGOS 300 E 302 DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Princípio da eventualidade. Por este princípio, o réu deve alegar, na
contestação, todas as defesas que tiver contra o pedido do autor, ainda
que sejam incompatíveis entre si, pois, na eventualidade de o juiz não
acolher uma delas, passa a examinar a outra. Caso o réu não alegue, na
contestação, tudo o que poderia, terá havido preclusão consumativa,
estando impedido de deduzir qualquer outra matéria de defesa depois da
contestação, salvo o disposto no CPC 303. A oportunidade, o evento
processual para que ele possa defender-se, é a contestação (Código de
Processo Civil Comentado e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p. 592) (Apelação Cível n. 2011.068316-9 da Capital, Relator:
Des. Jaime Luiz Vicari, 6ª Câm. Dir. Civ., j. 31/05/2012 – destaquei).
3) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO.
DPVAT. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. PREFACIAL RECHAÇADA.
ACIDENTE DE TRÂNSITO. DANOS PESSOAIS. INVALIDEZ PERMANENTE.
TEMÁTICA AVENTADA EM SEDE RECURSAL NÃO DELIBERADA EM
PRIMEIRO GRAU. IMPOSSIBILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
CONDENAÇÃO EX OFFICIO. RECURSO DESPROVIDO.
Qualquer seguradora que faça parte do consórcio de seguradoras
responsáveis pelo pagamento do seguro obrigatório DPVAT detém legitimidade
para figurar no polo passivo de ação que objetiva cobrar indenização securitária.
"Conforme o princípio da eventualidade, compete ao réu, na
contestação, alegar todas as defesas contra o pedido do autor, sob pena
de preclusão. In casu, matéria somente ventilada na apelação, não se
tratando de matéria de ordem pública, opera-se a preclusão" (STJ, AgRg no
Ag n. 588.571/RJ, rel. Min. Vasco Della Giustina, j. em 21-6-2011) (Apelação
Cível n. 2012.013249-0 de Timbó, Relator: Des. Fernando Carioni, 3ª Câm. Dir.
Civ., j. 12/04/2012 – destaquei).
Neste compasso, diante das ilações manifestadas neste aresto,
imperiosa a reforma da sentença tão somente para suprimir o item c.1 da parte
dispositiva, mantendo-se incólume o julgado quanto ao restante.
Ante o exposto, vota-se no sentido de: a) não conhecer dos agravos
retidos, por não reiterados; b) conhecer em parte do recurso de apelação e, na
parte conhecida, dar-lhe parcial provimento, apenas para modificar parcialmente
a sentença de Primeiro Grau, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
Gabinete Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi