Este documento descreve uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra o Município de Balneário Camboriú por permitir o acesso às praias para atividades físicas, contrariando decretos estaduais que proíbem aglomerações em praias durante a pandemia de COVID-19. O MP alega que a flexibilização municipal vai contra medidas científicas de distanciamento social e aumenta riscos à saúde pública.
Protocolo Pisc Protocolo de Rede Intersetorial de Atenção à Pessoa Idosa em S...
Acp decreto municipal [08.2020.00036407 1] [somente leitura]
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JUÍZO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE BALNEÁRIO
CAMBORIÚ/SC
URGENTE – COVID-19
SIG nº: 08.2020.00036407-1
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por
seu Promotor de Justiça signatário, no uso de suas atribuições institucionais e legais,
com fundamento nos artigos 127 e 129, III, da Constituição da República Federativa do
Brasil; no art. 25, IV, "a", da Lei n. 8.625/93; no art. 90, I e VI, "a", "c" e "e", da Lei
Complementar Estadual n. 738/2019; no art. 1º, I e VI da Lei n. 7.347/85, vem,
respeitosamente, perante Vossa Excelência, promover a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA DE
URGÊNCIA em face de
MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ, pessoa jurídica de direito
público interno, inscrita no CNPJ sob o n. 83.102.285/0001-07, com sede na Rua
Dinamarca, 320, Praça Papa João Paulo I, Balneário Camboriú/SC, devidamente
representado pelo Prefeito Municipal, Fabrício Oliveira, que recebe citações e
intimações no endereço acima, pelos fatos e fundamentos que seguem:
1. Da competência
Embora a presente ação civil pública verse sobre o acesso e
aglomeração da população nas Praias de Balneário Camboriú, é necessário destacar
que diz respeito às normas sanitárias referentes à COVID-19 de modo que, tal qual o
Estado que regulou e restringiu a aglomeração de pessoas nos decretos estaduais a
seguir delineados, sem anuência da União, cabe ao Ministério Público e ao Poder
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Judiciário estaduais, sobre tais normas e confrontos, se debruçar.
Com efeito, está se discutindo o ato do Prefeito Municipal no exercício
das suas atribuições sanitárias e, não propriamente, o uso de bem da União a qual,
nesse aspecto, não tem interesse nem tampouco interviu na edição dos decretos
estaduais que buscam prevenir a propagação da Pandemia da COVID-19, dentre os
quais aqueles que restringem a aglomeração em praias. (Decretos Estaduais n.
535/2020 e 554/2020).
2. Dos Fatos e do Direito
Chegou ao conhecimento desta Promotoria de Justiça a notícia de que,
no Município Balneário Camboriú, fora editado o Decreto Municipal Nº 9.876, de 16 de
abril de 2020, pelo Prefeito Municipal Sr. Fabrício José Satiro de Oliveira, no seguinte
sentido:
Art. 1º Fica autorizado o acesso às praias do Município de
Balneário Camboriú, somente para a prática esportiva de surf, e
demais exercícios individuais como caminhada e corrida com uso
de máscara desde que respeitando o distanciamento social.
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Ocorre que a edição do decreto municipal é mais ampla, permitindo
uma flexibilização indevida das normas de isolamento social determinadas pelo
Governo do Estado de Santa Catarina no exercício da sua competência concorrente,
diante da expansão dos casos de infecção por coronavírus (Covid-19).
Não se tem conhecimento que em algum lugar do Estado de Santa
Catarina ou do país, principalmente em cidades densamente povoadas, urbanas,
alguma praia esteja aberta para atividade de caminhadas e exercícios, permitindo a
evidente permanência de pessoas em tal local e, como se verá a seguir, com a
realidade deste município, que é ainda mais peculiar e potencialmente mais danosa.
Nesse viés, cumpre frisar que há consenso na comunidade científica,
bem como nas práticas adotadas ao redor do globo para a contenção e a amortização
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do ritmo de espalhamento da COVID-19, que as medidas mais eficazes para o alcance
de tais finalidades são aquelas voltadas a garantir o chamado distanciamento social
necessário a retardar a transmissão.
A abertura das praias desse município, que basicamente se
concentram naquela adjacente a Avenida Atlântica, com tradicional e intensa
movimentação de pessoas, vai na contramão de tudo que vem sendo aplicado no
mundo e já experimentado com custos a vida alheia e, sobretudo, ao próprio direito,
que permite aos municípios apenas aplicar normas mais restritivas nesse sentido.
Isso porque o Estado de Santa Catarina, reconhecendo a situação de
emergência presente em todo o território catarinense e diante da expansão dos casos
de infecção por transmissão comunitária, em consonância com a Lei n. 13.979/20, que
dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública
decorrente do coronavírus, publicou as medidas preventivas compulsórias
consubstanciadas nos Decretos Estaduais n. 509/2020, 515/2020, 521/2020, 525/2020,
535/2020 e 554/2020, que estabeleceram as medidas específicas para o controle da
pandemia em Santa Catarina.
Este último Decreto Estadual, publicado em 11 de abril de 2020, é
explícito no seguinte sentido:
Art. 1º O art. 7º do Decreto nº 525, de 23 de março de 2020, passa
a vigorar com a seguinte redação:
[...]
II - até 31 de maio de 2020:
a) os eventos e as reuniões de qualquer natureza, de caráter
público ou privado, incluídas excursões, cursos presenciais,
missas e cultos religiosos;
b) a concentração e a permanência de pessoas em espaços
públicos de uso coletivo, como parques, praças e praias [...]
Já o art. 7 do Decreto Estadual n. 525/2020 prescreve o seguinte:
Art. 7º Ficam suspensas, em todo o território catarinense, sob
regime de quarentena, nos termos do inciso II do art. 2º da Lei
federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020:[...]
b) a concentração e a permanência de pessoas em espaços
públicos de uso coletivo, como parques, praças e praias;
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Embora não se concorde com a flexibilização do próprio Estado de
Santa Catarina, não há como permitir que o Município de Balneário Camboriú o faça
ainda mais acentuadamente, com riscos à saúde pública e sem qualquer embasamento
científico, em detrimento da interpretação constitucional do assunto (COVID-19),
recentemente objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal que assentou o seguinte
nos autos da ADPF 672:
[...] CONCEDO PARCIALMENTE A MEDIDA CAUTELAR na arguição
de descumprimento de preceito fundamental, ad referendum do
Plenário desta SUPREMA CORTE, com base no art. 21, V, do RISTF,
para DETERMINAR a efetiva observância dos artigos 23, II e IX; 24,
XII; 30, II e 198, todos da Constituição Federal na aplicação da Lei
13.979/20 e dispositivos conexos, RECONHENDO E
ASSEGURANDO O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA CONCORRENTE
DOS GOVERNOS ESTADUAIS E DISTRITAL E SUPLEMENTAR DOS
GOVERNOS MUNICIPAIS, cada qual no exercício de suas
atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a
adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente
permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de
distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de
atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e
à circulação de pessoas, entre outras; INDEPENDENTEMENTE DE
SUPERVENIENCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO CONTRÁRIO,
sem prejuízo da COMPETÊNCIA GERAL DA UNIÃO para estabelecer
medidas restritivas em todo o território nacional, caso entenda
necessário. Obviamente, a validade formal e material de cada ato
normativo específico estadual, distrital ou municipal poderá ser
analisada individualmente. Intimem-se e publique-se."
O assunto em questão foi judicializado em Xaxim, Brusque e Joinville,
sendo que neste último o Tribunal de Justiça de Santa Catarina emanou a seguinte
decisão nos autos n. 5008310-66.2020.8.24.0000:
Inadmissível, no caso, é que os municípios adotem medidas mais
brandas que o ente estadual, indo na contramão da preservação da
saúde pública e proteção à vida das pessoas. O contexto exige uma
atuação coordenada entre Estado e Municípios, mesmo porque não
se pode considerar que o deferimento da medida pretendida em
primeiro grau restrinja-se à questão de mero interesse local,
porquanto, vindo a ocorrer uma superlotação dos leitos
hospitalares existentes em Joinville, certamente haverá o
remanejamento de pacientes para unidades hospitalares de outros
municípios do Estado e, a depender da situação futura, colocando
em colapso todo o sistema de saúde estadual, cujas consequências
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serão gravíssimas e, quiçá, incontornáveis. Merece prestar
atenção, ainda, que o próprio município de Joinville não se insurgiu
contra as medidas adotadas pelo Estado. E isto porque o momento,
a bem da verdade, pede prudência, muita cautela, e não o contrário.
Portanto, no exercício da competência suplementar sanitária, nos
termos do art. 30, II, da Constituição Federal, caberia ao Município de Balneário
Camboriú, apenas e tão somente, ajustar os decretos estaduais ao interesse local de
forma mais restrita e não os contrariar como fora feito.
Cabe registrar que mais do que uma opinião pessoal do mandatário ou
de quem quer que seja, é necessário resguardar a coerência e aplicabilidade das
normas de direito que ainda vigem na República Federativa do Brasil, impedindo,
portanto, regras de quarentena mais permissivas que aquelas já determinadas pelo
Estado de Santa Catarina que, a toda evidência, no caso em concreto, visa impedir a
aglomeração e permanência desnecessária - não essencial - em praias e logradouros
públicos.
Especificamente quanto a este ponto, não há como deixar de se
destacar que a principal Praia desta cidade efetivamente é a Praia Central, adjacente a
Avenida Atlântica, donde nos seus quase 7 quilometros de extensão turistas,
moradores e visitantes, desde crianças até idosos, passeiam pela orla praticando
atividade física e caminhando rente ao mar, não só no verão como também no inverno,
conforme a matéria jornalística publicada em junho:
https://www.nsctotal.com.br/noticias/em-pleno-inverno-praias-do-litoral-ficam-movimentadas-neste-fim-de-
semana
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Nessa cidade extremamente adensada é evidente que a "não
aglomeração e permanência de pessoas" e o "respeito ao distanciamento social"
destacado no Decreto Municipal n. 9876/20 soa de forma esdrúxula quando se sabe,
por exemplo, que em qualquer dia de sol, ou mesmo sem vento, inúmeras pessoas
descem à praia para aproveitar justamente aquilo que fez este município crescer
turística e economicamente.
E mais, se em outras praias da Macrorregião da Foz do Rio Itajaí Açu e
até da grande Florianópolis não está permitida a concentração de pessoas para a
prática do surf, caminhadas ou exercícios físicos nos termos do Decreto Estadual, como
impedir que mais e mais turistas e visitantes venham até Balneário Camboriú curtir o
"furo no isolamento social" para tais práticas desportivas?
O distanciamento social é verdadeiramente utópico pois, em qualquer
caso, a aglomeração é absolutamente inevitável, e começa desde os elevadores e
áreas sociais dos inúmeros prédios desta cidade até as ruas para chegar na praia com
seu calçadão, tradicional ponto de encontro de inúmeros grupos, e, finalmente pela orla
que, nem sempre, conta com a maré baixa.
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Se já está difícil "segurar" os habitantes desta cidade nas suas
residências, inclusive idosos bastante teimosos, no atual panorama estabelecido no
Estado de Santa Catarina, que dirá se permitido o acesso e permanência na praia para
"a caminhada e corrida com uso de máscara desde que respeitando o distanciamento
social."
Algumas pessoas, muitas vezes contando com o bom senso dos seus
governantes, apenas esperam um "aval" para que possam sair deste isolamento que
ocorre em escala mundial, menosprezando os efeitos e o perigo da Pandemia. O
Decreto ora questionado passa exatamente essa mensagem "oficial" de "falsa
liberdade" e não leva a outra situação que não a de risco à saúde pública local.
Contudo, importante que se diga que não estamos vivendo uma "vida
normal", mas estamos em meio a uma pandemia global, donde se requer o esforço de
todos para atenua-la o máximo possível.
Decisões irrefletidas, que busquem mais agradar a opinião pública ou
senso comum, sobretudo em tempos em que redes sociais influenciam o
comportamento e atos administrativos, podem custar vidas e acentuar o principal
problema da COVID-19 que é, justamente, a sobrecarga nos serviços de Saúde, os
quais, como sabe bem o Município de Balneário Camboriú e o próprio Juízo da Vara
da Fazenda, é objeto de intensa e complexa discussão jurídica em tempos normais de
prestação de serviços à saúde, que dirá agora com a COVID-19.
Por isso é imprescindível ter em vista, em toda essa análise, que já
há falta de leitos de UTI e isolamento em toda região da Foz do Rio Itajaí, que,
segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, é colocada
como uma das regiões de saúde do país com maior número de mortes por
habitantes (boletim anexo).
Não se concebe que o gestor municipal que possui o poder-dever de
assistir a população independentemente das outras esferas de governo, em detrimento
da Constituição Federal e da legislação vigente, estimule comportamentos prejudiciais
ao bem estar dos seus munícipes, tal qual com a edição do decreto ora combalido.
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É incrível que há poucos dias o Município de Balneário Camboriú
exercia a sua competência suplementar na "plenitude", criando barreiras e impedindo o
acesso de pessoas a esta cidade e, agora, quando poderia ser mais restritivo, não só
acompanhe o Estado em toda e qualquer flexibilização, como, pior, promova medidas
que podem ser ainda mais danosas à saúde pública.
As consequências, principalmente em uma cidade que se orgulha de
ser certificada como "amiga do idoso", são imensuráveis, tanto quanto no resguardo da
saúde como do próprio equilíbrio do SUS, parecendo-nos clarividente não só a
probabilidade do direito, que evidenciam o descumprimento de medidas de
observância compulsória por parte do demandado, quanto o perigo de dano à saúde
pública.
Nesse sentido, o Decreto Municipal n. 9876 publicado e divulgado na
noite do dia 16 de abril de 2020 necessita, no entendimento do Ministério Público, antes
de gerar danos potenciais à saúde pública local, ser devidamente suspenso.
3. Pedido
Diante do exposto, requer-se, sem oitiva prévia da parte demandada:
a)a) o recebimento desta Ação Civil Pública;
b)b) a título de antecipação dos efeitos da tutela, a imediata suspensão
do Decreto Municipal n. 9.876, de 16 de abril de 2020, editado em desacordo com a
Constituição Federal e com a legislação vigente, notificando-se o Município de
Balneário Camboriú da eventual decisão liminar para o seu imediato cumprimento,
sob pena de multa diária no valor não inferior a R$ 100.000,00 por dia de
descumprimento;
c)c) que valha a decisão antecipatória como mandado, garantidos os
meios de sua execução, e permitindo ao Ministério Público fazê-lo na hipótese de
deferimento da liminar, também por meio da notificação da Polícia Militar, Polícia Civil,
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Guarda Municipal, Conselho Municipal de Saúde e Vigilância Sanitária Municipal,
acerca da decisão liminar proferida, para que fiscalizem o cumprimento das normas
estaduais vigentes,
d)d) como medida acessória, seja dada ampla divulgação à decisão
antecipatória, para atendimento às finalidades pedagógica e dissuasória que a situação
de emergência de saúde pública exige;
e)e) a produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente
documental e testemunhal;
f)f) ao final, a integral procedência desta Ação Civil Pública, para
tornar definitivas as medidas pleiteadas em caráter antecipatório;
Dado o caráter inestimável dos valores, associados ao objeto da
presente Ação, para fins de alçada, atribui-se-lhe o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta
mil reais).
Balneário Camboriú, 17 de abril de 2020.
Alvaro Pereira Oliveira Melo
Promotor de Justiça