Espetáculo celebra a arte que nasceu no meio das ruas
1. Além da estreia da temporada do grupo no Municipal,
diretor Ismael Ivo prevê atividades fora do teatro
Mineira Mimulus Cia.
apresenta trabalho
inspirado no surgimento
das músicas e danças
populares brasileiras
Balé da Cidade
fortalece conexões
com São Paulo
Adriana Del Ré
Quando era adolescente, Ismael
Ivolembraquepassavanafrente
do Teatro Municipal, no centro
deSãoPaulo,olhavapara aquele
edifício histórico e não imagina-
vaqueumdiapoderiaentrarne-
le. Negro, de família humilde e
morandonazonaleste,Ivofocou
naartedadançacomoinspiração
e depositou nela todas as suas
perspectivasdesonhar,deacredi-
tar.Atualmente,aos62anos,co-
reógrafo e bailarino consagrado,
com uma carreira internacional
consolidada nas últimas três dé-
cadas,IsmaelIvoéonovodiretor
do Balé da Cidade de São Paulo,
corpo de 34bailarinos do Teatro
Municipal–noexatolugaronde,
aliatrás,eleachouquenuncairia
conseguirpisar.Oconvitepartiu
do secretário da Cultura de São
Paulo,AndréSturm.
Nopalco,suagestãoseráinau-
gurada, assim como a tempora-
da 2017 da companhia, com o
programa Corpo Cidade, que es-
treianestasexta-feira,24,às20h,
reunindo duas coreografias: a
inédita Risco e a reapresentação
de Adastra. “Risco é o primeiro
movimento do braço, de iniciar
uma obra de arte. Para mim, a
dançaéumdocumentodonosso
tempo,danossacidade,dereno-
vação,dequestionamento,deco-
moculturaeartesãoacessíveis”,
conceitua Ismael Ivo, que rece-
beu o Estado no Municipal – e
dizisso com um leve sotaque de
quem morou muitos anos fora
do País e passou grande parte
desse tempo falando os outros
cincoidiomasqueaprendeu.
Enquanto conta sobre a com-
panhia e o trabalho que iniciou
comosbailarinos,seusolhosbri-
lhamesuasmãos gesticulamno
ar de forma quase cênica, entre
movimentos suaves e mais con-
tundentes. Ivo reforça, a cada
momento, a forte relação que o
BalédaCidade assumecomSão
Pauloapartirdeagora.ERiscojá
trava essa conexão com a cida-
de. A começar pela inspiração
que o espetáculo tem na arte do
grafite(leiamaissobreoespetácu-
lonoboxaolado).Ivocontaqueo
temasurgiujustamentedapolê-
micasobrepichaçãoegrafite,lo-
go depois que João Doria assu-
miu a prefeitura de São Paulo.
“Isso é um grande privilégio,
nuncaaartedografitefoitãoco-
mentadaabertamente.Éummo-
mento de ouro para os artistas
dografite.Nuncaeles foramtão
debatidos, valorizados”, acredi-
taIvo.“Estouvoltandoparaami-
nhacidade,estouvendoesentin-
dooqueéessacidadehoje,oque
é importante se discutir, se re-
ver, e eu vejo o Balé da Cidade
não só produzindo balés, que
têmumaimportâncianoseure-
pertórioatualoufuturo,masser
tambémumorganismoquedia-
logacomacidade.”
Segundoeleexplica,essarela-
ção não envolve apenas levar o
público para dentro do teatro,
por meio de ensaios abertos e
projetos especiais, mas tam-
bémlevaracompanhiaparaou-
trosespaços públicos,comobi-
bliotecas e teatros municipais.
“Porexemplo,osbailarinosvão
dar oficinas abertas em várias
bibliotecas:dedançacontempo-
rânea, clássica, moderna. Esta-
mos preparando várias oficinas
atendendoadolescentes,crian-
ças, genitores.”
Ao assumir a direção da com-
panhia,Ivodizqueseimpressio-
noucomoaltoníveldosbailari-
nos. E, desde o início, mudou a
rotina deles. “Todos os dias,
elesfazem ioga, meditação,e só
depoisobalé.Eudisseparaeles:
achoqueéummomentodedar-
mosaoportunidadedezerareaí
criar, descobrir coisas novas. O
Balé da Cidade, para mim, é um
laboratório vivo, em que não só
se pesquisa – porque a arte é
uma pesquisa constante –, mas
quedepoisapresentaumarefle-
xão,eissodeuparaacompanhia
um novo início”, observa ele.
“Os próprios bailarinos disse-
ram: sempre fomos encarados
como uma elite distante. E hoje
eu digo assim: não, vocês têm
que viver essa cidade, ver o que
está acontecendo. O bailarino
não se faz só entre quatro pare-
des,segurandonabarradebalé.
O artista traduz na sua arte o
que eleestá vivendo.”
Juliana Ravelli
ESPECIAL PARA O ESTADO
A origem de músicas e danças
brasileiras no século 19 está na
rua, ainda hoje, palco essencial
para trocas de ideias e criações
de artistas populares. É dessa
históriaqueamineiraMimulus
Cia. de Dança tirou inspiração
para criar Do Lado Esquerdo de
Quem Sobe, que estará até hoje,
às 21h, no Sesc Pinheiros.
O coreógrafo Jomar Mesqui-
tadesenvolveuaobraem2006.
Naquele ano, foi apresentada
na Bienal da Dança de Lyon, na
França.Em2007,estevenaedi-
çãode75anosdoJacob’sPillow
Dance Festival, nos Estados
Unidos. Há algum tempo sem
dançarotrabalho,ogrupodeci-
diuremontá-lonoanopassado,
quando também passou por ci-
dades francesas.
Virtuosismo e romantismo
se unem para celebrar expres-
sões culturais que nasceram
após a abolição da escravatura,
quando negros tentavam se in-
serir em uma sociedade urbana
segregadora e agarrada a tradi-
çõeseuropeias.Édessamistura
quesurgemo choro,o samba,o
maxixe. “Apesar de ser inspira-
do nesse período, não é um es-
petáculodeépoca”,dizMesqui-
ta.“Digoqueéparatodososgos-
tos. Para quem gosta de samba,
de Brasil. Mas não é um Brasil
com cara para turistas. É um
Brasil contemporâneo.”
A trilha é quase toda instru-
mental, composta ou executa-
da por Yamandú Costa. Aexce-
ção é Rosa, de Pixinguinha, gra-
vada à capela por João Baptista
Mesquita, pai de Jomar. Em
2004, Yamandú havia lançado
com Paulo Moura o álbum El
Negro del Blanco, que revela a
miscigenação nas músicas po-
pularesdaAméricaLatina.“Es-
seCDédeumariquezamaravi-
lhosa.Pegamosmuitasmúsicas
dele, mas também outras com-
posições”, conta o coreógrafo.
Esse encontro entre as dife-
rentes culturas também apare-
ce nos figurinos e no cenário,
inspirado nas calçadas portu-
guesas.“Sãocompostasporpe-
draspretasebrancasque,coin-
cidência ou não, juntam o ne-
groeobranco.Elassurgemnes-
semesmoperíodoeestãoespa-
lhadas pelo País.”
E, se tudo acontece nas ruas,
umadelasestáespecialmenteli-
gada à obra. Na Rua Ituiutaba,
em Belo Horizonte, fica a esco-
ladedançadesalãocriadapelos
pais de Mesquita há 27 anos e
que deu origem à companhia
profissional em 2000.
“A gente está sempre com a
porta aberta. As pessoas que
passamnarua,àsvezes,param,
olhamoensaio.Algumasseani-
mam a entrar. É uma relação
muito próxima e que nos lem-
bra o que ocorria na época em
que o samba, o maxixe e o cho-
ro surgiram e eram tocados e
dançados nos passeios, sob os
alpendres, nos quintais, nas
portas das casas”, diz Mesqui-
ta. “O título vem desse nosso
lugar na cidade. Quando a gen-
te vai explicar onde a Mimulus
está, fala: ‘Você pega a Rua
Ituiutaba, continuação da Au-
gusto de Lima, e nós estamos
ali do lado esquerdo de quem
sobe. Outro significado mais
metafórico,poético,noladoes-
querdo de quem sobe o corpo
está o coração.”
Espetáculo celebra
a arte que nasceu
no meio das ruas
l Ismael Ivo faz mistério sobre
Risco. Não quer entregar tudo an-
tes da estreia desta sexta, 24. Vai
dando alguns detalhes, a conta-
gotas. Ele diz que levou os bailari-
nos para o espaço urbano. “Cada
um deles escolheu um ponto da
cidade onde tinha uma arte do gra-
fite e criou uma dança na improvi-
sação.” Isso será levado ao pal-
co, assim como suas observações
da cidade e as referências ao grafi-
teiro Jean-Michel Basquiat. O es-
petáculo começa com um bailari-
no parecido com Basquiat. Como
um morador de rua, ele entra no
palco e “descobre São Paulo e
descobre a arte”. /A.D.R.
Dança
AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO
BALÉ DA CIDADE
Teatro Municipal. Pça. Ramos de
Azevedo, s/n. Estreia hoje (24), 20h.
4ª, 16h; 5ª, 6ª e sáb., 20h; dom., 17h.
R$ 35 / R$ 100. Até 1°/4
Ismael Ivo. ‘O
artista traduz na
sua arte o que
está vivendo’
‘Risco’eareferência
aoartistaBasquiat
GUTO MUNIZ
DO LADO ESQUERDO
DE QUEM SOBE
Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme,
195. Tel.: 3095-9400. Hoje (24/3),
21h. R$ 12 / R$ 40
Culturas. Virtuosismo e romantismo se unem na coreografia
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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 24 DE MARÇO DE 2017 Caderno 2 C7