Arcangelo Zorzi Neto, conhecido como Maneco, é um livreiro de Caxias do Sul apaixonado por livros e cultura. Ele se orgulha de suas origens colonas e usa a literatura e o rádio para preservar a cultura italiana. Sua livraria e o programa de rádio Cancioníssima, que está no ar há 25 anos, promovem a alegria e as tradições dos imigrantes.
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Historietas do Maneco: um colono cultural
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Historietas do Maneco
Um colono cultural que não tem vergonha de suas origens
IVAN SGARABOTTO
ivan.sgarabotto@hotmail.com
A
IVAN SGARABOTTO
vida de Arcangelo Zorzi a gostar de música e futebol.
Neto, o Maneco, pode ser “Lembro quando a São Francisco
“saboreada” nas diversas AM foi inaugurada e da progra-
páginas de livros da cultura ca- mação musical, ela entrava no
xiense, cultura que se entrelaça ar das 5 da tarde às 8 da noi-
com o envolvimento de uma pes- te.” No futebol, a sua maior re-
soa simples, alegre e realizada ferência foi há rádio Guaíba AM.
com a vida. Livreiro há 40 anos, “A emissora tinha um dos maiores
Maneco se orgulha de ser colo- piques do esporte brasileiro com o
no e não nega as suas origens. narrador Pedro Carneiro Pereira”.
Natural de Nova Pádua, tam- O livreiro conseguiu vencer as
bém ator e radialista, nasceu no dificuldades e a discriminação na
ano de 1956, morou e traba-lhou infância por ser colono e pobre.
na colônia até os 13 anos, quan- “Eu falava pouco português, sofria
do veio para Caxias fazer a sua bastante, tinha uma muda de rou-
vida. O primeiro emprego, aos pa. Eu não tinha que ser diferente
14 anos de idade, foi na Livra- daquilo que eu era. Por que temos
ria Sulina. “A paixão de ter vergonha daquilo
pelos livros sem dúvi- que nós somos?” Apai-
da continua até hoje.” “Por que xonado pela cultura, ele
Filho de José Zorzi construiu a Livraria do
e Anna Simionato, o li- temos de ter Maneco, em uma parce-
vreiro teve sete irmãos
e sete irmãs. O apelido
vergonha ria com o amigo Luiz Car-
los Webber, em 1980.
Maneco surgiu quan- daquilo que A faculdade foi de-
do nasceu, pois o pai cisiva para a criação
sempre colocava apeli- nós somos?” do grupo de teatro Mi-
Maneco apresenta o programa Cancioníssima, que está há 25 anos no ar
dos em todos os filhos. seri Coloni, nos anos
A cultura está li- 80. Líder estudantil, ele nha 30 minutos, e hoje com duas as páginas de livros para o digital.
gada à vida de Arcangelo des- normalmente lidava com os presi- horas de duração é transmitido “Em breve vamos ter livros digitais
de os tempos da infância. Os dentes do DCE, José Ivo Sartori, sempre aos domingos, das 10h (e-books) nas escolas e essas no-
irmãos traziam livros nas fé- João Bortolluz e Pedro Parenti. ao meio-dia. “No dia 4 de de- vas gerações serão totalmente di-
rias do seminário para ele ler. “Eu sempre conversava com Pa- zembro passado, completou 25 gitais”, mas para Maneco, o livro
“Nós podíamos ampliar mais renti em dialeto italiano e um dia anos ininterruptamente no ar”. impresso jamais vai morrer. “Ler
horizontes vendo livros dife- na livraria ele me perguntou. Por O radialista e ator de teatro no papel impresso é muito mais
rentes e ilustrados”, relembra. que não fundamos um grupo de teve a primeira experiência nos prazeroso, pois pode se lambuzar
teatro em dialeto vêneto?” A pro- cinemas ao participar de O Qua- com as palavras, além de ter a
posta entusiasmou Maneco e trilho (1994), e interpretar Sicho- emoção e a sensação do autor.”
FÁBIO AZAMBUJA
logo começaram a formar o gru- pa. “Nós estávamos produzindo e Arcangelo Zorzi Neto é uma
po, que permanece há 30 anos. apresentando no palco uma peça simplicidade única, ensina o ser
O programa italiano Cancio- teatral e o Fábio Barreto (diretor) humano a não ter vergonha de suas
níssima, da rádio São Francisco, assistiu ao espetáculo e convidou próprias origens. E, por que ter?
que mistura ‘alegria, descontra- grande parte do elenco para par-
ção, prazer, músicas e piadas’ ticipar. Tem certas cenas no filme
fez parte de um projeto cultural que são exatamente como eram
quando foi fundado o Miseri Colo- apresentadas no palco.” conta. PAPO DE GRINGO :
ni. O convite da criação do Can- O filme Oriundi (1999), com An-
cioníssima foi feito na gráfica São thony Quinn e Nossa Senhora de
Caravaggio (2007), de Fábio Bar- UMA COMIDA
Miguel. Segundo Maneco, ele Massa
estava falando em italiano com reto, foram outras obras cinema-
Bálico (gerente da gráfica), quan- tográficas de que ele participou.
“Recentemente estive no docu- UMA BEBIDA
do surgiu a ideia. “Maneco, por- Vinho
que você não faz um programa mentário do nosso município, da
em italiano no rádio?” “Eu? Mas nossa cidade e da nossa gente,
que foi maravilhoso; Caxias do Sul: UM FILME
tu tá louco?” retrucou o livreiro. Irmão Sol, irmã Lua, de Franco
Maneco não quis tomar a res- Tradição e Inovação de um Povo.
Maneco foi homenageado, Zeffirelli
ponsabilidade da criação do pro-
grama sozinho e levou a ideia no ano passado, na 25ª Feira do
Livro de Caxias. “Nunca fui pa- UM LIVRO
para os integrantes do grupo que O homem sem qualidades,
aceitaram. “Como nós somos do trono de feira nenhuma e tive
uma satisfação muito grande. de Robert Musil
teatro, a gente tinha que impro-
Maneco conta que não es- visar e iniciamos o programa no Eu estava passando por um pro-
cesso bastante difícil de saúde.” UM TIME
quece que o rádio chegou improviso mesmo. A única coisa Juventude
muito tarde à colônia, mas foi planejada foram as músicas.” O A nova geração utiliza muito
nesse período que começou Cancioníssima inicialmente ti- a multimídia, que pode substituir