1. %HermesFileInfo:C-8:20160715:
C8 Caderno 2 SEXTA-FEIRA, 15 DE JULHO DE 2016 O ESTADO DE S. PAULO
Juliana Ravelli
ESPECIAL PARA O ESTADO
No filme de Michael Cacoyan-
nis, de 1964, Alexis Zorba fala
para o inglês Basil que ele tem
tudo, menos uma coisa: loucu-
ra.“Umhomemprecisaserum
pouco louco, senão, nunca vai
ousar cortar as amarras e ser
livre”, diz o personagem, que
consagrouAnthonyQuinn.Ba-
sil(AlanBates),então,pedepa-
ra que o grego o ensine a dan-
çar. E que outro jeito de ser
maislivre doque esse? Apartir
desta sexta (15), o público bra-
sileiropoderáconferirumZor-
ba, O Grego diferente, inteira-
mente dançado, durante a tur-
nê do Ballet de Santiago pelo
País.Acompanhiachilenaédi-
rigidadesde2004pelabrasilei-
ra Marcia Haydée.
O grupo passará por São
Paulo (entre esta sexta e do-
mingo,17,noTeatroAlfa),Be-
lo Horizonte, Rio, Curitiba e
Porto Alegre. A última vez
que havia se apresentado no
Brasil foi em 2005, com a ver-
sãodeCarmen,criadaporMar-
cia.Os55bailarinosdacompa-
nhia participarão dos espetá-
culos, entre eles as brasileiras
Andreza Randisek (primeira-
bailarina estrela, posto mais
alto dentro do Ballet de San-
tiago), Michele Bittencourt e
Lara Gonçalves Costa, que in-
tegram o corpo de baile.
Lorca Massine – filho do bai-
larinoecoreógraforussoLeoni-
de Massine (1896-1979), uma
das lendas da dança – criou sua
versão de Zorba, O Grego em
1988. Inspirou-se no livro ho-
mônimo de Nikos Kazantzakis
(1883-1957) que, por sua vez,
deuorigemaofilme.Amúsicae
o libreto são de Mikis Theodo-
rakis,quetambémcompôsatri-
lha do longa-metragem. A obra
foi apresentada pela primeira
vez no Brasil em 1994, com o
Ballet da Ópera de Varsóvia.
Foi Marcia quem levou Lor-
ca Massine para recriar Zorba
paraoBalletdeSantiago,hácer-
ca de quatro anos. “É um gran-
de espetáculo. Temos o Rodri-
go Guzmán, quem vem do sul
do Chile, de Punta Arenas, que
hoje é considerado o Zorba do
mundo.TantoquequandoLor-
ca remontou a obra na Itália,
mandouchamaroRodrigo,por-
que disse que não tem outro
que possa fazer como ele. Ro-
drigo Guzmán é o Anthony
Quinndobalé”,contoua baila-
rina, por telefone, ao Estado.
“Essebalé,a música ea energia
dessesbailarinosnopalcoétão
forte que mexe com você. Uma
vezqueviveessemomento,vo-
cênãose esquecenuncamais.”
Experiência. Uma das maiores
personalidades da dança no
mundo,aniteroiensereinouab-
soluta no Stuttgart Ballet, na
Alemanha, a partir de 1961,
quando recebeu de John
Cranko (1927-1973) um contra-
todeprimeira-bailarina–elaha-
viafeitoaudiçãoparaocorpode
baile. Com a morte prematura
deCranko,Marciaassumiutam-
bém a direção da companhia,
sem parar de dançar.
Esteveaprimeiravezno Chi-
le nos anos 1980, quando foi
convidadaparaapresentarAMe-
gera Domada com Richard Cra-
gun(1944-2012),seumaiorpar-
ceiro.Nosanos1990,remontou
O Pássaro de Fogo para o Ballet
de Santiago. Na ocasião, surgiu
o convite para dirigir o grupo.
Entre1992e1995,liderouacom-
panhia chilena enquanto ainda
comandava o Stuttgart Ballet.
Em1996,deixouopostonaAle-
manha. Ficou dois anos afasta-
da dos palcos. Em 2004, voltou
para o Chile. Desde essa época,
permanecepelomenosseteme-
sesporanoemSantiago.Otem-
po que sobra passa em sua casa
na Alemanha e em viagens pelo
mundo para remontar seus ba-
lés.Noanopassado,criouOSo-
nho de Dom Quixote para a São
Paulo Companhia de Dança,
sua primeira obra para o Brasil.
Marciacontaque,naAmérica
doSul,precisoureaprenderadi-
rigir uma companhia. “Teve
uma grande diferença, mas não
porqueeranaEuropa,esimpor-
queeraemStuttgart.Portudoo
que aconteceu com John
Crankolá,osucessoqueacom-
panhiateve,amortedeleaos46
anos, eu tomando a direção. É
uma história muito forte. Teve
um fanatismo com o Ballet de
Stuttgart. Então, qualquer coi-
sa que eu pedia para a compa-
nhia, me davam. Nunca houve
problema. Digo que era a época
de ouro, porque conseguíamos
tudo”, diz. “No Chile, era outro
caminho. Ter mais paciência.
Não existia a mesma rapidez.
Tudo é diferente. Para dirigir
umacompanhia,vocêtemdeco-
nhecermuitobemamentalida-
de do país, da cidade onde está.
Cadateatrotemsuamaneirade
ser. Se eu agora tomar outra
companhia,nãovoufazeromes-
mo que fiz no Chile. Tenho de
reencontrarcomofazerfuncio-
nar de outra forma.”
Entre as principais conquis-
tas de Marcia à frente do Ballet
de Santiago está um repertório
com obras dos maiores coreó-
grafos do século 20, de quem a
brasileirafoimusa,comoMauri-
ce Béjart, John Neumeier, Ken-
neth MacMillan e Jirí Kylián.
“Tenho uma maneira de ser.
Não é que eu seja uma diretora,
sou uma bailarina que dirige
umacompanhia.Conheçomui-
tobemamentalidadedosbaila-
rinos. Sei o que querem, e eles
se sentem amparados por
mim”, explica. “Vejo a compa-
nhia como se fosse um jardim.
Se você tem muitas plantas,
temdesaberseumaplantapre-
cisa de sol ou de sombra. Uma
precisa de muita água, a outra
não. É a mesma coisa com os
bailarinos. Você tem de conhe-
cer cada um como pessoa.”
Exposição, livro e documentário
celebram os 80 anos da bailarina
Até agora, há três
projetos para comemorar
as oito décadas de uma
das maiores divas da
dança mundial
Dirigido por Marcia Haydée, Ballet de
Santiago apresenta em São Paulo
coreografia inspirada em romance grego
A dança
de Zorba
Livre. Rodrigo Guzmán,
considerado hoje o
grande Zorba do mundo
Marcia Haydée não para. Em
março,estevenaBélgicaparare-
montar sua versão de A Bela
Adormecida. No começo do
mês, foipara o Uruguaipara re-
criar sua Carmen. Em novem-
bro, o destino será a Coreia do
Sul, onde também fará A Bela
Adormecida.Marciaestáacostu-
mada com a correria, gosta de-
la.Ocontatocomnovosbailari-
nosainspiraealimentasuavita-
lidade. Em 18 de abril de 2017,
ela completará 80 anos.
Trêsprojetoscelebrarãoasoi-
to décadas daquela que é uma
das maiores divas da dança
mundial. Um documentário,
que será feito pela Indiana Pro-
duções, com roteiro de Julia de
AbreuedireçãodeDanielaKall-
mann;umlivro,pelaBarléuEdi-
ções; e uma exposição, com cu-
radoria de Gringo Cardia.
Produtora cultural e irmã de
Marcia, Monica Athayde Lo-
peséaidealizadoraeresponsá-
velpelasiniciativas,quesetor-
naram seu “projeto de vida”. E
quem melhor para fazer isso
do que alguém que não só ou-
viu, mas viveu muitas das his-
tórias com a artista?
Em 1980, Monica foi encon-
trar Marcia na Alemanha. O
queseriaumavisitadeseisme-
ses virou permanência de 17
anos. “Ela se tornou meu ído-
lo.Tudooquesoudevoaela.É
umamulherextraordinária. Vi
os grandes teatros do mundo
colocaremtapetevermelhopa-
raMarcia.Fiqueimuitoimpac-
tada.Sabiaque minhairmãera
um expoente da dança, mas
não tinha noção do quão res-
peitada e idolatrada ela era lá
fora”, conta Monica. “O mais
sensacional é que quanto mais
ela subia na vida, mais humil-
desetornava.Mexeumuitoco-
migo a maneira como ela lida
com o ser humano. Isso fez
com que eu fosse ficando com
ela.” Monica foi responsável
pelas turnês nacionais e inter-
nacionais do Stuttgart Ballet.
Em 1997, voltou para o Brasil.
Há cerca de cinco anos, a pro-
dutoraculturalpesquisaeorgani-
za arquivo sobre a irmã. “Come-
ceiapensarnosprojetosevique
játemumageraçãoquenãosabe
queméaMarcia”,diz.“Essamu-
lhervaifazer80anos.Elanãoano-
tanada.Nãotemagenda,sabeto-
das as datas de memória. É ine-
narrávelopoderdela.”
Gringo Cardia concorda que
é preciso resgatar e mostrar a
trajetóriadeMarcia.“Oquefal-
tanoBrasiléoreconhecimento
dahistóriadaspessoas.Eparaa
Marcia,comumtrabalhotãoim-
portante, é fundamental ter es-
sa homenagem.”
Agora, um dos maiores desa-
fios de Monica é driblar a crise
paraviabilizarosprojetos.Con-
ta que já conseguiu reduzir os
custos,principalmenteemrela-
ção a direitos autorais. Mas, as-
sim como ocorre com a irmã,
não se intimida com as dificul-
dades. “Para mim, os momen-
tos de crise são os mais criati-
vosdequalquerpaíse qualquer
ser humano. Estou muito ani-
mada.Alguémtemdefazeralgu-
ma coisa. E eu estou fazendo
com muita honra.” / J.R.
Ensaio.
Marcia
Haydée
e Joca
Antunes em
‘O Sonho
de Dom
Quixote’
l Milton Hatoum. Excepcionalmente, não publicamos hoje a coluna
Artes Cênicas
SERGIO CASTRO/ESTADÃO - 4/11/2015
BALLET DE SANTIAGO
Teatro Alfa. R. Bento Branco de
Andrade Filho, 722; 5693-4000.
Hoje (15), 21h30; sáb. (16), 16h e
20h; dom. (17), 20h. R$ 50/R$ 280.
PATRÍCIO MELO/DIVULGAÇÃO