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k 
Recife I 30 de julho de 2014 I quarta-feira 
“ 
k Mimo divulga as 
atrações. Mautner 
toca em Olinda k 8 
Divulgação 
k Fernando 
Duarte expõe 
no Maison do 
Bomfim k 8 
Editores: 
Marcelo Pereira marcelop@jc.com.br 
Olívia Mindêlo olivia@jc.com.br 
Fale conosco: (81) 3413.6180 
Twitter: @cadernoc 
www.jconline.com.br/cultura 
Mateus Araújo 
Eugênia Bezerra 
Abelardo Germano da Hora está 
no menino que sorri na praça; 
na mãe que chora pelo filho 
doente. Está na curva robusta da mu-lher 
que requebra pela praia; nas cores 
vibrantes do Carnaval. Abelardo da Ho-ra 
é o Recife que se esconde e se mostra 
num cimento bem mais digno e bonito 
do que este sob o qual se resolveu er-guer 
uma cidade cujas grandezas estão 
em altos prédios e viadutos. Abelardo re-descobriu 
a nossa grande beleza na for-ma 
humana e expressionista de uma ar-te 
feita com amor, comunismo e paixão. 
Um dos criadores do Movimento de 
Cultura Popular (MCP), mestre de 
grandes nomes das nossas artes plásti-cas, 
como José Cláudio, Francisco 
Brennand, Maria Carmem e Gilvan Sa-mico, 
Abelardo da Hora comemora 
amanhã 90 anos de idade. Lúcido e ati-vo 
na vida e na arte, o artista é homena-geado 
por reportagens especiais que o 
JC publica hoje e amanhã. Uma manei-ra 
de celebrar este que é um dos maio-res 
nomes das artes brasileiras. 
A semana de aniversário do artista co-meçou 
com trabalho e homenagens – 
que devem continuar com a realização 
de outros projetos em 2014. Junto com 
o ator e diretor teatral Carlos Varella (in 
memoriam), Abelardo é homenageado 
no Congresso Internacional Sesc e 
UFPE de Arte-Educação, que este ano 
segue o tema Ecos de Resistências na 
América Latina. Ele foi convidado para 
ministrar, na segunda-feira passada, a 
palestra Artes no MCP. 
Hoje, como parte do mesmo evento, 
ocorre a abertura da exposição Abelar-do 
da Hora – Da indignação à esperan-ça, 
às 18h, no Centro de Artes e Comu-nicação 
da Universidade Federal de 
Pernambuco (CAC/UFPE). Amanhã, 
é inaugurada a escultura O artilheiro, 
na Arena Pernambuco. Também será 
lançado o novo material promocional 
do Recife Convention & Visitors Bu-reau, 
ilustrado com gravuras e fotos 
que divulgarão o Estado e sua obra pe-lo 
Brasil e pelo mundo. 
k Continua nas páginas 4 e 5 
ccaaddeerrnnoo CC 
O artista 
de todas as horas 
Das dores, alegrias e 
belezas, Abelardo da 
Hora é um artista múltiplo 
com olhar singular sobre 
o Recife. Para celebrar 
seus 90 anos, o Caderno 
C publica dois dias de 
reportagens 
Hélia Scheppa/JC Imagem 
Márcio Fonseca/Divulgação 
Renato Spencer/JC Imagem 
O Brasil ainda tem muita 
coisa para resolver. A maior 
miséria é a falta de 
educação. Isso é uma 
tristeza. É a pior miséria 
que o País tem. A maior 
doença.” Abelardo da Hora, 
escultor, pintor, professor e 
desenhista
4 jornal do commercio Recife I 30 de julho de 2014 I quarta-feira A arte como 
uma missão de vida 
FESTA Abelardo da Hora, que uniu produção 
estética e política numa só profissão de fé, celebra 
amanhã 90 anos de uma vida intensamente criativa 
k Continuação da página 1 
Mateus Araújo 
mateus@jc.com.br 
Afachada da casa 307 da Rua 
do Sossego, no Centro do Re-cife, 
pintada de um amarelo 
ameno, esconde um cenário desco-munal 
que existe além da porta de 
madeira. É trancado em um templo 
de arte e amor que um dos homens 
mais apaixonados pela vida (e por tu-do 
que ela lhe proporciona) resiste a 
um tempo em que, segundo ele mes-mo, 
“políticos já não fazem mais polí-tica”. 
Sobrevive fazendo das suas es-culturas, 
pinturas e gravuras “uma 
linguagem-brado e como gesto de 
trincheira”, como definiu perspicaz-mente 
o crítico José Geraldo Vieira, 
em junho de 1967, em artigo do jor-nal 
Folha de S. Paulo. 
Abelardo da Hora, amanhã um no-nagenário, 
é um menino eterno, de 
sorriso amplo e sonhos infinitos. Nas 
terras da Usina Tiúma, em São Lou-renço 
da Mata, onde seu pai trabalha-va 
como homem de confiança do pro-prietário, 
foi descobrindo a beleza da 
natureza e se encantando com o ver-de 
e a amplitude do horizonte. 
No Recife, para onde se mudou em 
1932, viu a felicidade dos meninos po-bres 
que brincavam nas ruas do bair-ro 
da Iputinga serem a extensão da-quilo 
que ele tinha como liberdade, e 
guarda até hoje como exemplo claro 
e concreto da alegria. Aquela felicida-de 
que João Guimarães Rosa já disse 
se achar em horinhas de descuido. 
No corredor estreito desta casa de 
fachada miúda, mas longilínea, onde 
Abelardo esculpe sua família – a da 
arte e a da vida – empilham-se escul-turas 
e quadros que revelam o olhar 
dele sobre os seres humanos, a misé-ria, 
a cólera e os contentamentos de 
um povo pernambucano, também re-flexo 
amplo de um Brasil desconfor-me. 
Homem engajado artística e poli-ticamente, 
está sempre antenado ao 
que acontece fora da sua residência-ateliê. 
Lê três jornais locais e um na-cional 
todos os dias. 
Filho de uma família de sete filhos 
(Abelardo é o segundo e um deles é 
o cantor Claudionor Germano), o es-cultor, 
pintor, gravador e desenhista 
Abelardo começou a moldar suas pri-meiras 
obras nas aulas da Escola de 
Belas Artes do Recife, antes de in-gressar 
no curso de direito da Facul-dade 
de Olinda. Foi amparado e apa-drinhado 
pelo industrial Ricardo 
Brennand – ex-chefe do seu pai, Ca-zuza 
– que Abelardo deu seus primei-ros 
grandes voos nas artes plásticas. 
No ateliê, dentro das monumentais 
terras da rica família, o jovem de 17 
anos foi trabalhando suas obras na 
cerâmica. 
Neste momento, Abelardo deu au-las 
a Francisco Brennand (“ele desis-tiu 
do curso de Direito para estudar 
arte comigo”), e acabou se apaixonan-do 
pela bonita Conchita Brennand. E 
foi por causa dela que deixou a casa 
– após fazer uma obra, A torre dos 
meus sonhos, em que abraçado com 
as pernas de uma moça havia um ho-mem 
cujo rosto era dele mesmo. 
“Seu Ricardo ficou em silêncio. Vi 
que passei dos limites e resolvi ir em-bora 
no dia seguinte, mas mantive-mos 
nossa amizade”, lembra. 
Mas a vida lhe foi generosa no cam-po 
dos afetos. Em abril de 1948, quan-do 
fazia sua primeira exposição de es-cultura, 
Abelardo da Hora conheceu 
Alexandre Severo/JC Imagem 
seu grande amor, Margarida Lucena. 
Além da beleza, era dona de um dom 
invejável à maioria dos apaixonados: 
lidava com os ciúmes de maneira 
tranquila. Passava quase cega diante 
das inúmeras obras femininas que o 
artista adora fazer. “Ela achava linda 
a minha maneira de esculpir as mu-lheres”. 
De uma paixão meteórica – “da 
exposição, saímos caminhando pe-lo 
Bairro do Recife; quando cheguei 
em casa com Margarida, minha 
mãe foi logo dizendo ‘meu filho, es-ta 
sim era que você devia namorar e 
casar’” – nasceu o casamento. Abe-lardo 
deixou a antiga noiva e, seis 
meses depois, já morava com Mar-garida, 
com quem teve sete filhos e 
de quem ficou viúvo há quatro 
anos. O amor, entretanto, continua 
presente em todos os cantos, além 
de ter sido imortalizado no busto 
feito por ele para a amada. 
q Mais na web 
www.jconline.com.br/cultura 
caderno C 
AMOR À PRIMEIRA VISTA 
Margarida e o escultor se 
conheceram numa exposição em 
1948. Seis meses depois, eles 
estavam casados. Ele recriou a 
face da esposa em concreto polido 
Veja galeria de fotos no JC Online: 
www.jc.com.br/cultura
Recife I 30 de julho de 2014 I quarta-feira jornal do commercio 5 
caderno C 
Por trás deste senhor doce, guardado hoje den-tro 
de sua casa, entre suas obras, há um artista 
politicamente combativo e fortemente defen-sor 
do povo, que despertou para o comunismo no Rio 
de Janeiro, em 1946. Quando saiu do Recife, logo após 
deixar a casa dos Brennand, Abelardo da Hora partiu 
para a então Capital Federal e lá criou a escultura A fa-mília, 
peça que entraria no acervo do Salão de Belas Ar-tes 
carioca, não fosse a decisão do presidente Eurico 
Gaspar Dutra por suspendê-lo, naquele mesmo ano. 
Não teve evento, mas nascia ali, da revolta pela inúme-ras 
pressões de um governo e pela monstruosa desi-gualdade 
que gritava pelo Brasil, um homem disposto 
a lutar através da arte e das armas – rompeu com o Par-tido 
Comunista Brasileiro quando este se recusou a fa-zer 
uma revolução bélica depois do golpe de 1964. 
Na escultura, na qual mãe e filhos agonizam na misé-ria 
e um braço erguido representa o desejo de mudan-ça, 
Abelardo fez-se umas das vozes da geração que que-ria 
ver liberta a nação. Desejo que trouxe para o Esta-do 
natal e o fez erguer, com outros artistas, as bases do 
Movimento de Cultura Popular (MCP): ação política, 
cultural e educacional, de inserção do “povo” na socie-dade, 
no período de 13 de maio de 1960 a 31 de março 
de 1964, dentro do governo municipal de Miguel Ar-raes. 
Com o sonho de transformar o Recife numa gran-de 
galeria de arte, Abelardo da Hora passou a dar aulas 
gratuitas de pintura, desenho e escultura no Recife. Ao 
mesmo tempo, foi usando seu trabalho para denunciar 
as misérias que o Brasil vivia. A seguir, confira depoi-mentos 
de Abelardo sobre cultura e política. 
AS BASES 
“Fiz uma grande exposição na escola de engenharia. 
Artes plásticas, desenho, pintura, gravura, escultura. 
Levei o Coral Bach, dirigido por Geraldo Menutti, e 
uma esquete de Luiz Mendonça. No meio das autorida-des, 
estava Miguel Arraes, secretário da Fazenda, do 
prefeito Pelópidas Silveira. Naquele tempo, eu já esta-va 
querendo fazer uma casa das artes, com artes plásti-cas, 
música e teatro.” 
MCP 
“Numa reunião, em abril de 1960, Arraes passou a pa-lavra 
para mim. Eu li a estrutura do trabalho que vinha 
dirigindo desde 1950. Quando eu terminei de falar, Ar-raes 
passou a palavra ao professor Germano Coelho, 
que disse que o projeto lembrava um movimento fran-cês, 
visto por ele em Paris. Segundo ele, lá, se você que-ria 
desenhar e pintar, ia para artes plásticas; se queria 
cantar ou tocar, ia para música, etc. Esse movimento 
era conhecido como Povo e Cultura. Então, Arraes ba-teu 
com a aquela mãozona de matuto na mesa e disse: 
‘Aqui a gente vai chamar de Movimento de Cultura Po-pular’. 
Aí todo mundo ficou de pé e bateu palma. E fi-cou 
criado o MCP. Depois disso, fui nomeado Diretor 
de Sítio e Jardim da prefeitura, para colocar em prática 
meu projeto, que propus no governo de Pelópidas da Sil-veira, 
de transformar o Sítio Trindade em um Parque 
de Cultura. Restaurei o local, fiz um teatro e transfor-mei 
o sítio na sede do MCP. Eu fiz parte do conselho de 
direção, junto com Geraldo Menutti e Luiz Mendonça. 
Representávamos a parte de cultura do Movimento de 
Cultura Popular; e o grupo católico, que cuidava da edu-cação, 
era liderado por Paulo Freire. Nesta mesma épo-ca, 
fiz 22 desenhos sobre a situação de miséria da cida-de. 
Era Meninos do Recife. Sobre a fome e a pobreza que 
esse meninos viviam.” 
VIVA O POVO 
“Quando você pega um trabalho, seja desenho, seja 
escultura, e manifesta nele a situação de vida da popu-lação, 
você está educando politicamente. É um protes-to 
que você faz. Quando eu faço essa exaltação da cria-tividade 
popular, fazendo por exemplo Danças brasi-leiras 
de Carnaval, mostrando a maravilha da criativi-dade 
popular, transformando em desenho algo que é 
passageiro como o Carnaval e deixando gravado em 
desenhos, ou alguns quadros, como eu fiz a série é Ho-ra 
de brincar, tudo isto é uma maneira de mostrar co-mo 
foi a vida, é uma maneira de 
educar sobre a atividade de brin-quedo. 
É uma aula.” 
GOLPE MILITAR 
“O Golpe Militar, quando veio, 
levou tudo. Entraram no Sítio 
Trindade com um tanque, pega-ram 
metade das cartilhas e do ál-bum 
Meninos do Recife, levaram 
para a Praça da Independência e 
tocaram fogo. Eu senti a revolta e 
repulsa de tudo que o golpe fez. 
Foi um golpe estúpido. Eram ban-didos 
envolvidos dentro do Exér-cito, 
da Marinha e da Aeronáutica 
que promoveram isso, servindo 
aos americanos. Inclusive tinha 
frota americana aqui. Esse governo imperialista dos 
americanos vem infelicitando o mundo até hoje. Esse 
Obama que tá aí é o melhorzinho de todos eles, mas 
ainda não é flor que se cheire.” 
SETENTA PRISÕES 
“Eu fui preso 70 vezes. Somente lutando pelas inter-dições 
das armas nucleares, fui preso umas 30 vezes. 
Mas também briguei pelo monopólio estatal do petró-leo. 
É por isso que a Petrobras está aí montada, é por is-so 
que os donos do petróleo do mundo saíram daqui e 
a Petrobrás está enriquecendo o País. O Brasil não é 
mais aquele de 20, 30 anos atrás. É completamente di-ferente. 
E Luiz Inácio Lula da Silva é melhor presiden-te 
que já passou por aqui. Por que foi operário, dirigen-te 
de sindicato e para mim é doutor honoris causa em 
política, porque dirigir um sindicato e mandar uma ci-dade 
com São Paulo parar – e para –, precisa ter muita 
liderança. Ele é um líder político espetacular. O País es-tá 
conhecido e respeitado no mundo, atualmente, por 
causa de Lula. Sou comunista, fui da diretoria estadual 
do Partido Comunista e digo, com toda satisfação, que 
ele foi o maior presidente que o País teve desde que 
me entendo por gente.” 
MISÉRIA 
“O Brasil ainda tem muita coisa para se resolver. A 
maior miséria é a falta de educação. Você vê que fábri-cas 
maravilhosas estão sendo implantadas aqui, mas fi-cam 
sem puder funcionar direito, por falta de mão de 
obra. Ninguém tem curso técnico suficiente para to-mar 
conta de várias áreas em fábricas que estão che-gando. 
Isso é uma tristeza. A falta de educação é a 
pior miséria que o País tem. A maior doença. E a falta 
de saúde se resolve também com educação. Um povo 
bem educado deixa de fazer uma porção de doidice 
que gera doença.” 
Fotos: Hélia Scheppa/JC Imagem 
www.jconline.com.br/cultura 
Atuação política o levou 
70 vezes para a detenção 
vida 
Reprodução/Michele Souza/JC Imagem
4 jornal do commercio Recife I 31 de julho de 2014 I quinta-feira Arte que se confunde 
com o Recife 
Eugênia Bezerra 
ebezerra@jc.com.br 
ORecife verte caudaloso na 
obra de Abelardo da Hora. 
Cenas e personagens que po-dem 
ser vistos na cidade também po-dem 
ser encontrados nas obras do ar-tista 
que, ainda na época da Escola de 
Belas Artes de Pernambuco, fez o con-vite: 
“Vamos desenhar e pintar lá fo-ra!”. 
Desde muito jovem, o homem 
que celebra hoje seu aniversário de 
90 anos tem eternizado o que vê à sua 
volta em esculturas, desenhos, gravu-ras, 
painéis, peças em cerâmica e tape-çaria. 
Da mesma maneira, a obra de 
Abelardo Germano da Hora, filho de 
camponeses e nascido no Engenho 
Tiúma, de São Lourenço da Mata, faz 
parte da paisagem da capital pernam-bucana, 
é presença marcante em mui-tos 
espaços públicos da cidade. Quan-tas 
crianças já brincaram entre as figu-ras 
d’Os Cantadores no Parque 13 de 
Maio, por exemplo?. 
Além disto, outra face do trabalho 
de Abelardo da Hora também deixou 
marcas no cenário cultural da cidade. 
Entre outras contribuições, ele se en-volveu 
na política, participou do Movi-mento 
de Cultura Popular (MCP) e 
foi preso várias vezes durante o regi-me 
militar; fez obras que chamam a 
atenção para a fome e injustiças so-ciais; 
fundou, com Hélio Feijó 
(1913-1991), a Sociedade de Arte Mo-derna 
do Recife (SAMR) e foi profes-sor 
de vários artistas. 
Tudo isto está bem vivo para quem 
atravessa a porta branca da casa e 
ateliê de Abelardo, na Boa Vista. 
Berço de novos trabalhos, o lu-gar 
guarda peças que for-mam 
uma espécie 
de mosaico. Cada 
uma representa ca-pítulos 
destas vidas 
em permanente movi-mento 
– a do artista e a da 
cidade. Elas dividem espaço 
pelos corredores, paredes e 
sobre os móveis. Estão perto 
de seus protótipos, livros e ob-jetos. 
Com voz calma e um discur-so 
firme e claro, como a me-mória 
de seu dono, Abelardo 
conta cada história com aten-ção. 
Revela detalhes das criações, a 
técnica utilizada, um ângulo que res-salta 
a beleza da escultura e a trajetó-ria 
de uma obra, como a gravura em 
gesso Enterro do camponês (1953). Ela 
fez parte de uma mostra do Clube da 
Gravura de Porto Alegre e, naquele 
ano, viajou pelo mundo. 
Anos mais tarde, em 2011, outra 
mostra itinerante entraria na trajetó-ria 
de Abelardo, celebrando seus 60 
anos de criação artística. Amor e soli-dariedade 
foi a Brasília, Rio, São Pau-lo, 
João Pessoa e chegou ao Recife na 
inauguração do Parque Dona Lindu. 
Sua primeira exposição data de 1948. 
“O amor eu dedico às mulheres, 
porque sem a mulher não existiria na-da. 
E a solidariedade eu dedico ao po-vo. 
Ora exaltando a criatividade popu-lar, 
como nas Danças brasileiras de 
Carnaval (1962), ora lutando de bra-ços 
dados com o povo contra as injus-tiças 
sociais. Mostrando as injustiças 
sociais, como na série Meninos do Re-cife 
(1962) para retratar onde vivem 
as crianças do Recife, completamente 
desassistidas, abandonadas, em palafi-tas 
dentro da maré, na lama”, resgata 
o artista ao falar sobre os termos que 
batizaram a retrospectiva. 
Da exposição, faziam parte algu-mas 
esculturas de mulheres sensuais, 
representantes de uma das faces mais 
conhecidas do trabalho do artista. 
Com materiais como cimento polido, 
bronze e gesso grafitado, ele criou vá-rios 
destes seres voluptuosos de per-nas 
longas. Figuras que parecem ter 
seus cabelos agitados pelo vento ou re-pousam 
lânguidas na rede. Esta arte 
sensual também se traduz em casais 
abraçados ou aos beijos, a exemplo de 
Relevo para o amor de Abelardo e Mar-garida 
(1998) e Amor (2005), ambas 
em cimento polido, ou de Cópula 
(1949) e Beijo (1958), criadas em bron-ze 
e com formas mais arredondadas. 
A expressão das injustiças sociais é 
igualmente forte e reconhecida na tra-jetória 
de Abelardo. Dela fazem parte 
obras como a escultura em bronze A 
fome e o brado (1947). Outras linhas 
definem estes corpos. Mais retas, tra-çam 
rostos marcados pela fome, pela 
dor. Seres expressivos, eles parecem 
falar. Não há como permanecer indife-rente 
ao grito da Mãe com filho doente 
(1979), feita em cimento com banho 
de ácido – mesmo material de Hiroshi-ma 
(1956), Estela para mulheres e 
crianças abandonadas (1978) e Desam-parados 
(1981), para citar apenas algu-mas 
deste grupo. 
Da mesma maneira, é impossível 
não pensar nas inúmeras crianças 
que vivem, hoje, em condições seme-lhantes 
(ou iguais) à dos retratados 
por Abelardo na série de desenhos a 
bico de pena de 1962. O conhecido ál-bum 
Meninos do Recife, no qual tam-bém 
há um poema escrito pelo artis-ta, 
representa estes seres humanos 
dormindo na rua, em moradias precá-rias, 
catando comida na lama em 
meio a urubus. 
Um dos desenhos foi escolhi-do 
por Josué de Castro pa-ra 
ilustrar a edição fran-cesa 
do clássico Geogra-fia 
da fome. Além da 
sensibilidade no te-ma, 
destaca-se tam-bém 
a maneira como 
o artista dá um aspec-to 
quase tridimensio-nal 
às figuras e paisa-gens. 
O lado festivo da 
obra de Abelardo pode 
ser exemplificado por 
séries como Danças 
Brasileiras de Carna-val 
(1962) ou É hora 
de Brincar (2004). So-bre 
este conjunto mais 
recente, resumiu anos atrás o curador 
Renato Magalhães: “São estas mes-mas 
crianças brincando ao ar livre, co-mo 
ele gostaria que fosse”. 
“Fiz menino empinando papagaio, 
jogando pião, crianças pulando corda, 
meninas brincando com a boneca, 
uma menina fazendo bola de sabão. 
Estes são aguadas coloridas, eu vou fa-zer 
depois um álbum e quero escrever 
também um poema de abertura”, pla-neja 
Abelardo. 
Em Danças Brasileiras de Carnaval 
(1962), o artista apresenta passistas, 
músicos, um casal de mestre-sala e 
porta-bandeira, o maracatu e outras 
expressões culturais. Os detalhes das 
roupas e as formas desenhadas pelos 
corpos que dançam são bem usados 
nas composições. 
A festa faz parte das lembranças de 
juventude de Abelardo, cuja família 
mudou-se para a Usina São João da 
Várzea em 1928. Depois, o artista fez 
seu curso primário em uma escola na 
Iputinga. “Aquela Avenida Caxangá 
todinha era o nosso reino, meu e do 
meu irmão Luciano. Nós brincáva-mos 
juntos. Eu fui com meu irmão e 
minha irmã muitas vezes a matinês 
do Bobos em Folia. Porque minha ir-mã 
gostava, já era uma mocinha, e mi-nha 
mãe disse: ‘você só vai se for 
acompanhada por seus irmãos’. Aí 
nós íamos com ela, mas a gente deixa-va 
ela solta na buraqueira e caía no pa-ço”, 
lembra com um sorriso. 
“ 
www.jconline.com.br/cultura 
caderno C 
TRAÇADO URBANO 
Espalhadas pela cidade, 
esculturas de Abelardo 
formam um patrimônio 
O amor eu dedico às mulheres, 
porque sem a mulher não 
existiria nada. E a solidariedade 
eu dedico ao povo. Ora 
exaltando a criatividade 
popular, ora lutando de braços 
dados com o povo contra as 
injustiças sociais.” 
Abelardo da Hora
Recife I 31 de julho de 2014 I quinta-feira jornal do commercio 5 
MEMÓRIAS DO ATELIÊ COLETIVO Bernardo Dimenstein, Abelardo da Hora, Gilvan Samico, Guita Charifker e Zé Cláudio, em 2002 
Concepção gráfica: Eduardo Mafra, Jade Jofilsan e Maryna Moraes/Editoria de artes JC 
Uma vida de 
militância e 
ensinamentos 
Depois da infância neste mundo “de camponeses e 
trabalhadores”, como o próprio Abelardo da Hora defi-ne, 
e do período de estudos no Grupo Escolar Fernan-des 
Vieira, na Iputinga, chegava a hora de continuar a 
formação. Ao falar sobre o passado, o pernambucano 
lembra de uma preocupação da mãe dele, Severina Ma-ria 
Germano da Hora, em relação ao futuro dos filhos: 
“Fiz meu curso técnico porque a minha mãe dizia: ‘Eu 
quero que vocês façam o colégio industrial, porque 
vocês já saem com uma profissão. Depois, no curso su-perior, 
vocês fazem o que quiserem’. Nós escolhemos 
artes decorativas, eu e meu irmão Luciano”. 
A partir desta experiência no Colégio Industrial Pro-fessor 
Agamenon Magalhães, o ensino da arte conti-nuaria 
ligado a momentos importantes na vida de Abe-lardo, 
seja no papel de aprendiz ou no de repassar 
seus conhecimentos. O artista também concluiu o ba-charelado 
na Faculdade de Direito de Olinda, mas não 
chegou a exercer esta profissão. 
“Tinha um dia da semana em que o professor dava li-berdade 
para o aluno fazer qualquer coisa da sua ima-ginação 
e, como na minha casa iam muito repentistas, 
porque a minha mãe gostava demais e meu tio tam-bém, 
comecei a fazer a estatueta de dois repentistas. 
Meu professor de pintura, Álvaro Amorim, parou e dis-se: 
‘Seu professor de escultura já viu a sua peça?’. Eu 
disse: ‘Ainda não’”. 
Álvaro chamou o colega para compartilhar o que 
via, elogiou o aluno e prometeu que levaria Abelardo 
para a Escola de Belas Artes do Recife, quando ele ter-minasse 
o curso no Colégio Industrial. Foi o que acon-teceu. 
Em 1939, o jovem passou a frequentar a escola 
da qual Álvaro foi um dos fundadores. A instituição 
funcionava na Rua Benfica, na Madalena. Além de ter 
aulas, Abelardo entrou no diretório estudantil da esco-la, 
do qual foi eleito presidente em 1940. 
Foi nesta época que ele pensou: “Vamos acabar com 
esse negócio de ficar desenhando só dentro da escola”. 
A ideia acabou colocando-o no caminho do pai daque-le 
que seria um de seus aprendizes, Francisco Bren-nand, 
outro pernambucano que trilhou um caminho 
próprio e muito fértil nas artes visuais, além de criar 
obras que também são icônicas na paisagem do Recife 
– duas coincidências entre os velhos amigos. 
Em uma destas saídas, o industrial Ricardo Bren-nand 
viu Abelardo desenhar o retrato de uma colega 
em meio ao grupo de jovens na beira do açude. Convi-dou 
o rapaz, filho de um dos seus ex-funcionários, Jo-sé 
Germano da Hora, a trabalhar com cerâmica artísti-ca 
e morar na casa da família. Três anos mais novo que 
Abelardo, Francisco contaria ao pai algum tempo de-pois 
o caminho que escolheu. “Ele me chamou e disse: 
‘Abelardo, você tirou o advogado da família’. Eu res-pondi: 
‘De maneira nenhuma, ele é que tem vocação’. 
‘Você acha?’. ‘Demais’... ‘Então tome conta dele’, ele fa-lou”, 
recorda Abelardo. 
Outro encontro artístico se tornava realidade anos 
mais tarde. Depois da exposição de estreia, na Associa-ção 
dos Empregados do Comércio do Recife, e da cria-ção 
da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR), 
lá estava Abelardo participando da fundação do Ate-lier 
Coletivo da SAMR, em 1952. “Pensei em fazer um 
curso de iniciação às artes, conseguimos uma sala no 
Liceu de Artes e Ofícios e eu comecei a dar aulas gra-tuitas 
de artes plásticas”, continua o artista. 
Quando o grupo alcançou cerca de 20 integrantes, 
foi preciso encontrar um novo local. Os artistas foram 
para a Rua da Soledade e depois para uma casa na Rua 
Velha. “Gilvan Samico, Wellington Virgolino, Wilton 
de Souza, Ionaldo Andrade, Bernardo, Adão Pinheiro, 
Guita Charifker, Maria de Jesus, Celina Lima Verde, 
os irmãos Genilson e Cremilson Soares, Campelo Ne-to, 
José Cláudio, essa gente toda. Eles se transforma-ram 
em grandes artistas”, comenta Abelardo. 
Nesta época do Atelier Coletivo, foram criadas 
obras de Abelardo da Hora que ainda apresentam a 
cultura e a história de Pernambuco em espaços públi-cos 
do Recife. É o caso, por exemplo, d’Os cantadores, 
no Parque 13 de Maio, e d’O sertanejo, na Praça Eucli-des 
da Cunha (Derby). Uma delas, a Torre Cinética e 
de Iluminação, deveria estar na Praça da Torre, onde 
foi construída em 1961. A peça, que se movimentava 
pela ação do vento, foi destruída. 
Mas a atuação de Abelardo da Hora permanece ain-da 
em obras de outros artistas. Reflexo de um projeto 
de lei sugerido por ele e aprovado na Câmara Munici-pal 
do Recife, que determina a colocação de obras de 
arte em construções com mais de mil metros quadra-dos. 
“Eu queria transformar o Recife em uma espécie 
de galeria de arte.” E conseguiu. (E.B.). 
caderno C 
www.jconline.com.br/cultura 
q Mais na web 
Assista ao vídeo e veja outras obras de Abelardo da 
Hora no www.jc.com.br/cultura e no blog Social1

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Abelardo da Hora - Especial do Jornal do Commercio em homenagem aos 90 anos.

  • 1. k Recife I 30 de julho de 2014 I quarta-feira “ k Mimo divulga as atrações. Mautner toca em Olinda k 8 Divulgação k Fernando Duarte expõe no Maison do Bomfim k 8 Editores: Marcelo Pereira marcelop@jc.com.br Olívia Mindêlo olivia@jc.com.br Fale conosco: (81) 3413.6180 Twitter: @cadernoc www.jconline.com.br/cultura Mateus Araújo Eugênia Bezerra Abelardo Germano da Hora está no menino que sorri na praça; na mãe que chora pelo filho doente. Está na curva robusta da mu-lher que requebra pela praia; nas cores vibrantes do Carnaval. Abelardo da Ho-ra é o Recife que se esconde e se mostra num cimento bem mais digno e bonito do que este sob o qual se resolveu er-guer uma cidade cujas grandezas estão em altos prédios e viadutos. Abelardo re-descobriu a nossa grande beleza na for-ma humana e expressionista de uma ar-te feita com amor, comunismo e paixão. Um dos criadores do Movimento de Cultura Popular (MCP), mestre de grandes nomes das nossas artes plásti-cas, como José Cláudio, Francisco Brennand, Maria Carmem e Gilvan Sa-mico, Abelardo da Hora comemora amanhã 90 anos de idade. Lúcido e ati-vo na vida e na arte, o artista é homena-geado por reportagens especiais que o JC publica hoje e amanhã. Uma manei-ra de celebrar este que é um dos maio-res nomes das artes brasileiras. A semana de aniversário do artista co-meçou com trabalho e homenagens – que devem continuar com a realização de outros projetos em 2014. Junto com o ator e diretor teatral Carlos Varella (in memoriam), Abelardo é homenageado no Congresso Internacional Sesc e UFPE de Arte-Educação, que este ano segue o tema Ecos de Resistências na América Latina. Ele foi convidado para ministrar, na segunda-feira passada, a palestra Artes no MCP. Hoje, como parte do mesmo evento, ocorre a abertura da exposição Abelar-do da Hora – Da indignação à esperan-ça, às 18h, no Centro de Artes e Comu-nicação da Universidade Federal de Pernambuco (CAC/UFPE). Amanhã, é inaugurada a escultura O artilheiro, na Arena Pernambuco. Também será lançado o novo material promocional do Recife Convention & Visitors Bu-reau, ilustrado com gravuras e fotos que divulgarão o Estado e sua obra pe-lo Brasil e pelo mundo. k Continua nas páginas 4 e 5 ccaaddeerrnnoo CC O artista de todas as horas Das dores, alegrias e belezas, Abelardo da Hora é um artista múltiplo com olhar singular sobre o Recife. Para celebrar seus 90 anos, o Caderno C publica dois dias de reportagens Hélia Scheppa/JC Imagem Márcio Fonseca/Divulgação Renato Spencer/JC Imagem O Brasil ainda tem muita coisa para resolver. A maior miséria é a falta de educação. Isso é uma tristeza. É a pior miséria que o País tem. A maior doença.” Abelardo da Hora, escultor, pintor, professor e desenhista
  • 2. 4 jornal do commercio Recife I 30 de julho de 2014 I quarta-feira A arte como uma missão de vida FESTA Abelardo da Hora, que uniu produção estética e política numa só profissão de fé, celebra amanhã 90 anos de uma vida intensamente criativa k Continuação da página 1 Mateus Araújo mateus@jc.com.br Afachada da casa 307 da Rua do Sossego, no Centro do Re-cife, pintada de um amarelo ameno, esconde um cenário desco-munal que existe além da porta de madeira. É trancado em um templo de arte e amor que um dos homens mais apaixonados pela vida (e por tu-do que ela lhe proporciona) resiste a um tempo em que, segundo ele mes-mo, “políticos já não fazem mais polí-tica”. Sobrevive fazendo das suas es-culturas, pinturas e gravuras “uma linguagem-brado e como gesto de trincheira”, como definiu perspicaz-mente o crítico José Geraldo Vieira, em junho de 1967, em artigo do jor-nal Folha de S. Paulo. Abelardo da Hora, amanhã um no-nagenário, é um menino eterno, de sorriso amplo e sonhos infinitos. Nas terras da Usina Tiúma, em São Lou-renço da Mata, onde seu pai trabalha-va como homem de confiança do pro-prietário, foi descobrindo a beleza da natureza e se encantando com o ver-de e a amplitude do horizonte. No Recife, para onde se mudou em 1932, viu a felicidade dos meninos po-bres que brincavam nas ruas do bair-ro da Iputinga serem a extensão da-quilo que ele tinha como liberdade, e guarda até hoje como exemplo claro e concreto da alegria. Aquela felicida-de que João Guimarães Rosa já disse se achar em horinhas de descuido. No corredor estreito desta casa de fachada miúda, mas longilínea, onde Abelardo esculpe sua família – a da arte e a da vida – empilham-se escul-turas e quadros que revelam o olhar dele sobre os seres humanos, a misé-ria, a cólera e os contentamentos de um povo pernambucano, também re-flexo amplo de um Brasil desconfor-me. Homem engajado artística e poli-ticamente, está sempre antenado ao que acontece fora da sua residência-ateliê. Lê três jornais locais e um na-cional todos os dias. Filho de uma família de sete filhos (Abelardo é o segundo e um deles é o cantor Claudionor Germano), o es-cultor, pintor, gravador e desenhista Abelardo começou a moldar suas pri-meiras obras nas aulas da Escola de Belas Artes do Recife, antes de in-gressar no curso de direito da Facul-dade de Olinda. Foi amparado e apa-drinhado pelo industrial Ricardo Brennand – ex-chefe do seu pai, Ca-zuza – que Abelardo deu seus primei-ros grandes voos nas artes plásticas. No ateliê, dentro das monumentais terras da rica família, o jovem de 17 anos foi trabalhando suas obras na cerâmica. Neste momento, Abelardo deu au-las a Francisco Brennand (“ele desis-tiu do curso de Direito para estudar arte comigo”), e acabou se apaixonan-do pela bonita Conchita Brennand. E foi por causa dela que deixou a casa – após fazer uma obra, A torre dos meus sonhos, em que abraçado com as pernas de uma moça havia um ho-mem cujo rosto era dele mesmo. “Seu Ricardo ficou em silêncio. Vi que passei dos limites e resolvi ir em-bora no dia seguinte, mas mantive-mos nossa amizade”, lembra. Mas a vida lhe foi generosa no cam-po dos afetos. Em abril de 1948, quan-do fazia sua primeira exposição de es-cultura, Abelardo da Hora conheceu Alexandre Severo/JC Imagem seu grande amor, Margarida Lucena. Além da beleza, era dona de um dom invejável à maioria dos apaixonados: lidava com os ciúmes de maneira tranquila. Passava quase cega diante das inúmeras obras femininas que o artista adora fazer. “Ela achava linda a minha maneira de esculpir as mu-lheres”. De uma paixão meteórica – “da exposição, saímos caminhando pe-lo Bairro do Recife; quando cheguei em casa com Margarida, minha mãe foi logo dizendo ‘meu filho, es-ta sim era que você devia namorar e casar’” – nasceu o casamento. Abe-lardo deixou a antiga noiva e, seis meses depois, já morava com Mar-garida, com quem teve sete filhos e de quem ficou viúvo há quatro anos. O amor, entretanto, continua presente em todos os cantos, além de ter sido imortalizado no busto feito por ele para a amada. q Mais na web www.jconline.com.br/cultura caderno C AMOR À PRIMEIRA VISTA Margarida e o escultor se conheceram numa exposição em 1948. Seis meses depois, eles estavam casados. Ele recriou a face da esposa em concreto polido Veja galeria de fotos no JC Online: www.jc.com.br/cultura
  • 3. Recife I 30 de julho de 2014 I quarta-feira jornal do commercio 5 caderno C Por trás deste senhor doce, guardado hoje den-tro de sua casa, entre suas obras, há um artista politicamente combativo e fortemente defen-sor do povo, que despertou para o comunismo no Rio de Janeiro, em 1946. Quando saiu do Recife, logo após deixar a casa dos Brennand, Abelardo da Hora partiu para a então Capital Federal e lá criou a escultura A fa-mília, peça que entraria no acervo do Salão de Belas Ar-tes carioca, não fosse a decisão do presidente Eurico Gaspar Dutra por suspendê-lo, naquele mesmo ano. Não teve evento, mas nascia ali, da revolta pela inúme-ras pressões de um governo e pela monstruosa desi-gualdade que gritava pelo Brasil, um homem disposto a lutar através da arte e das armas – rompeu com o Par-tido Comunista Brasileiro quando este se recusou a fa-zer uma revolução bélica depois do golpe de 1964. Na escultura, na qual mãe e filhos agonizam na misé-ria e um braço erguido representa o desejo de mudan-ça, Abelardo fez-se umas das vozes da geração que que-ria ver liberta a nação. Desejo que trouxe para o Esta-do natal e o fez erguer, com outros artistas, as bases do Movimento de Cultura Popular (MCP): ação política, cultural e educacional, de inserção do “povo” na socie-dade, no período de 13 de maio de 1960 a 31 de março de 1964, dentro do governo municipal de Miguel Ar-raes. Com o sonho de transformar o Recife numa gran-de galeria de arte, Abelardo da Hora passou a dar aulas gratuitas de pintura, desenho e escultura no Recife. Ao mesmo tempo, foi usando seu trabalho para denunciar as misérias que o Brasil vivia. A seguir, confira depoi-mentos de Abelardo sobre cultura e política. AS BASES “Fiz uma grande exposição na escola de engenharia. Artes plásticas, desenho, pintura, gravura, escultura. Levei o Coral Bach, dirigido por Geraldo Menutti, e uma esquete de Luiz Mendonça. No meio das autorida-des, estava Miguel Arraes, secretário da Fazenda, do prefeito Pelópidas Silveira. Naquele tempo, eu já esta-va querendo fazer uma casa das artes, com artes plásti-cas, música e teatro.” MCP “Numa reunião, em abril de 1960, Arraes passou a pa-lavra para mim. Eu li a estrutura do trabalho que vinha dirigindo desde 1950. Quando eu terminei de falar, Ar-raes passou a palavra ao professor Germano Coelho, que disse que o projeto lembrava um movimento fran-cês, visto por ele em Paris. Segundo ele, lá, se você que-ria desenhar e pintar, ia para artes plásticas; se queria cantar ou tocar, ia para música, etc. Esse movimento era conhecido como Povo e Cultura. Então, Arraes ba-teu com a aquela mãozona de matuto na mesa e disse: ‘Aqui a gente vai chamar de Movimento de Cultura Po-pular’. Aí todo mundo ficou de pé e bateu palma. E fi-cou criado o MCP. Depois disso, fui nomeado Diretor de Sítio e Jardim da prefeitura, para colocar em prática meu projeto, que propus no governo de Pelópidas da Sil-veira, de transformar o Sítio Trindade em um Parque de Cultura. Restaurei o local, fiz um teatro e transfor-mei o sítio na sede do MCP. Eu fiz parte do conselho de direção, junto com Geraldo Menutti e Luiz Mendonça. Representávamos a parte de cultura do Movimento de Cultura Popular; e o grupo católico, que cuidava da edu-cação, era liderado por Paulo Freire. Nesta mesma épo-ca, fiz 22 desenhos sobre a situação de miséria da cida-de. Era Meninos do Recife. Sobre a fome e a pobreza que esse meninos viviam.” VIVA O POVO “Quando você pega um trabalho, seja desenho, seja escultura, e manifesta nele a situação de vida da popu-lação, você está educando politicamente. É um protes-to que você faz. Quando eu faço essa exaltação da cria-tividade popular, fazendo por exemplo Danças brasi-leiras de Carnaval, mostrando a maravilha da criativi-dade popular, transformando em desenho algo que é passageiro como o Carnaval e deixando gravado em desenhos, ou alguns quadros, como eu fiz a série é Ho-ra de brincar, tudo isto é uma maneira de mostrar co-mo foi a vida, é uma maneira de educar sobre a atividade de brin-quedo. É uma aula.” GOLPE MILITAR “O Golpe Militar, quando veio, levou tudo. Entraram no Sítio Trindade com um tanque, pega-ram metade das cartilhas e do ál-bum Meninos do Recife, levaram para a Praça da Independência e tocaram fogo. Eu senti a revolta e repulsa de tudo que o golpe fez. Foi um golpe estúpido. Eram ban-didos envolvidos dentro do Exér-cito, da Marinha e da Aeronáutica que promoveram isso, servindo aos americanos. Inclusive tinha frota americana aqui. Esse governo imperialista dos americanos vem infelicitando o mundo até hoje. Esse Obama que tá aí é o melhorzinho de todos eles, mas ainda não é flor que se cheire.” SETENTA PRISÕES “Eu fui preso 70 vezes. Somente lutando pelas inter-dições das armas nucleares, fui preso umas 30 vezes. Mas também briguei pelo monopólio estatal do petró-leo. É por isso que a Petrobras está aí montada, é por is-so que os donos do petróleo do mundo saíram daqui e a Petrobrás está enriquecendo o País. O Brasil não é mais aquele de 20, 30 anos atrás. É completamente di-ferente. E Luiz Inácio Lula da Silva é melhor presiden-te que já passou por aqui. Por que foi operário, dirigen-te de sindicato e para mim é doutor honoris causa em política, porque dirigir um sindicato e mandar uma ci-dade com São Paulo parar – e para –, precisa ter muita liderança. Ele é um líder político espetacular. O País es-tá conhecido e respeitado no mundo, atualmente, por causa de Lula. Sou comunista, fui da diretoria estadual do Partido Comunista e digo, com toda satisfação, que ele foi o maior presidente que o País teve desde que me entendo por gente.” MISÉRIA “O Brasil ainda tem muita coisa para se resolver. A maior miséria é a falta de educação. Você vê que fábri-cas maravilhosas estão sendo implantadas aqui, mas fi-cam sem puder funcionar direito, por falta de mão de obra. Ninguém tem curso técnico suficiente para to-mar conta de várias áreas em fábricas que estão che-gando. Isso é uma tristeza. A falta de educação é a pior miséria que o País tem. A maior doença. E a falta de saúde se resolve também com educação. Um povo bem educado deixa de fazer uma porção de doidice que gera doença.” Fotos: Hélia Scheppa/JC Imagem www.jconline.com.br/cultura Atuação política o levou 70 vezes para a detenção vida Reprodução/Michele Souza/JC Imagem
  • 4. 4 jornal do commercio Recife I 31 de julho de 2014 I quinta-feira Arte que se confunde com o Recife Eugênia Bezerra ebezerra@jc.com.br ORecife verte caudaloso na obra de Abelardo da Hora. Cenas e personagens que po-dem ser vistos na cidade também po-dem ser encontrados nas obras do ar-tista que, ainda na época da Escola de Belas Artes de Pernambuco, fez o con-vite: “Vamos desenhar e pintar lá fo-ra!”. Desde muito jovem, o homem que celebra hoje seu aniversário de 90 anos tem eternizado o que vê à sua volta em esculturas, desenhos, gravu-ras, painéis, peças em cerâmica e tape-çaria. Da mesma maneira, a obra de Abelardo Germano da Hora, filho de camponeses e nascido no Engenho Tiúma, de São Lourenço da Mata, faz parte da paisagem da capital pernam-bucana, é presença marcante em mui-tos espaços públicos da cidade. Quan-tas crianças já brincaram entre as figu-ras d’Os Cantadores no Parque 13 de Maio, por exemplo?. Além disto, outra face do trabalho de Abelardo da Hora também deixou marcas no cenário cultural da cidade. Entre outras contribuições, ele se en-volveu na política, participou do Movi-mento de Cultura Popular (MCP) e foi preso várias vezes durante o regi-me militar; fez obras que chamam a atenção para a fome e injustiças so-ciais; fundou, com Hélio Feijó (1913-1991), a Sociedade de Arte Mo-derna do Recife (SAMR) e foi profes-sor de vários artistas. Tudo isto está bem vivo para quem atravessa a porta branca da casa e ateliê de Abelardo, na Boa Vista. Berço de novos trabalhos, o lu-gar guarda peças que for-mam uma espécie de mosaico. Cada uma representa ca-pítulos destas vidas em permanente movi-mento – a do artista e a da cidade. Elas dividem espaço pelos corredores, paredes e sobre os móveis. Estão perto de seus protótipos, livros e ob-jetos. Com voz calma e um discur-so firme e claro, como a me-mória de seu dono, Abelardo conta cada história com aten-ção. Revela detalhes das criações, a técnica utilizada, um ângulo que res-salta a beleza da escultura e a trajetó-ria de uma obra, como a gravura em gesso Enterro do camponês (1953). Ela fez parte de uma mostra do Clube da Gravura de Porto Alegre e, naquele ano, viajou pelo mundo. Anos mais tarde, em 2011, outra mostra itinerante entraria na trajetó-ria de Abelardo, celebrando seus 60 anos de criação artística. Amor e soli-dariedade foi a Brasília, Rio, São Pau-lo, João Pessoa e chegou ao Recife na inauguração do Parque Dona Lindu. Sua primeira exposição data de 1948. “O amor eu dedico às mulheres, porque sem a mulher não existiria na-da. E a solidariedade eu dedico ao po-vo. Ora exaltando a criatividade popu-lar, como nas Danças brasileiras de Carnaval (1962), ora lutando de bra-ços dados com o povo contra as injus-tiças sociais. Mostrando as injustiças sociais, como na série Meninos do Re-cife (1962) para retratar onde vivem as crianças do Recife, completamente desassistidas, abandonadas, em palafi-tas dentro da maré, na lama”, resgata o artista ao falar sobre os termos que batizaram a retrospectiva. Da exposição, faziam parte algu-mas esculturas de mulheres sensuais, representantes de uma das faces mais conhecidas do trabalho do artista. Com materiais como cimento polido, bronze e gesso grafitado, ele criou vá-rios destes seres voluptuosos de per-nas longas. Figuras que parecem ter seus cabelos agitados pelo vento ou re-pousam lânguidas na rede. Esta arte sensual também se traduz em casais abraçados ou aos beijos, a exemplo de Relevo para o amor de Abelardo e Mar-garida (1998) e Amor (2005), ambas em cimento polido, ou de Cópula (1949) e Beijo (1958), criadas em bron-ze e com formas mais arredondadas. A expressão das injustiças sociais é igualmente forte e reconhecida na tra-jetória de Abelardo. Dela fazem parte obras como a escultura em bronze A fome e o brado (1947). Outras linhas definem estes corpos. Mais retas, tra-çam rostos marcados pela fome, pela dor. Seres expressivos, eles parecem falar. Não há como permanecer indife-rente ao grito da Mãe com filho doente (1979), feita em cimento com banho de ácido – mesmo material de Hiroshi-ma (1956), Estela para mulheres e crianças abandonadas (1978) e Desam-parados (1981), para citar apenas algu-mas deste grupo. Da mesma maneira, é impossível não pensar nas inúmeras crianças que vivem, hoje, em condições seme-lhantes (ou iguais) à dos retratados por Abelardo na série de desenhos a bico de pena de 1962. O conhecido ál-bum Meninos do Recife, no qual tam-bém há um poema escrito pelo artis-ta, representa estes seres humanos dormindo na rua, em moradias precá-rias, catando comida na lama em meio a urubus. Um dos desenhos foi escolhi-do por Josué de Castro pa-ra ilustrar a edição fran-cesa do clássico Geogra-fia da fome. Além da sensibilidade no te-ma, destaca-se tam-bém a maneira como o artista dá um aspec-to quase tridimensio-nal às figuras e paisa-gens. O lado festivo da obra de Abelardo pode ser exemplificado por séries como Danças Brasileiras de Carna-val (1962) ou É hora de Brincar (2004). So-bre este conjunto mais recente, resumiu anos atrás o curador Renato Magalhães: “São estas mes-mas crianças brincando ao ar livre, co-mo ele gostaria que fosse”. “Fiz menino empinando papagaio, jogando pião, crianças pulando corda, meninas brincando com a boneca, uma menina fazendo bola de sabão. Estes são aguadas coloridas, eu vou fa-zer depois um álbum e quero escrever também um poema de abertura”, pla-neja Abelardo. Em Danças Brasileiras de Carnaval (1962), o artista apresenta passistas, músicos, um casal de mestre-sala e porta-bandeira, o maracatu e outras expressões culturais. Os detalhes das roupas e as formas desenhadas pelos corpos que dançam são bem usados nas composições. A festa faz parte das lembranças de juventude de Abelardo, cuja família mudou-se para a Usina São João da Várzea em 1928. Depois, o artista fez seu curso primário em uma escola na Iputinga. “Aquela Avenida Caxangá todinha era o nosso reino, meu e do meu irmão Luciano. Nós brincáva-mos juntos. Eu fui com meu irmão e minha irmã muitas vezes a matinês do Bobos em Folia. Porque minha ir-mã gostava, já era uma mocinha, e mi-nha mãe disse: ‘você só vai se for acompanhada por seus irmãos’. Aí nós íamos com ela, mas a gente deixa-va ela solta na buraqueira e caía no pa-ço”, lembra com um sorriso. “ www.jconline.com.br/cultura caderno C TRAÇADO URBANO Espalhadas pela cidade, esculturas de Abelardo formam um patrimônio O amor eu dedico às mulheres, porque sem a mulher não existiria nada. E a solidariedade eu dedico ao povo. Ora exaltando a criatividade popular, ora lutando de braços dados com o povo contra as injustiças sociais.” Abelardo da Hora
  • 5. Recife I 31 de julho de 2014 I quinta-feira jornal do commercio 5 MEMÓRIAS DO ATELIÊ COLETIVO Bernardo Dimenstein, Abelardo da Hora, Gilvan Samico, Guita Charifker e Zé Cláudio, em 2002 Concepção gráfica: Eduardo Mafra, Jade Jofilsan e Maryna Moraes/Editoria de artes JC Uma vida de militância e ensinamentos Depois da infância neste mundo “de camponeses e trabalhadores”, como o próprio Abelardo da Hora defi-ne, e do período de estudos no Grupo Escolar Fernan-des Vieira, na Iputinga, chegava a hora de continuar a formação. Ao falar sobre o passado, o pernambucano lembra de uma preocupação da mãe dele, Severina Ma-ria Germano da Hora, em relação ao futuro dos filhos: “Fiz meu curso técnico porque a minha mãe dizia: ‘Eu quero que vocês façam o colégio industrial, porque vocês já saem com uma profissão. Depois, no curso su-perior, vocês fazem o que quiserem’. Nós escolhemos artes decorativas, eu e meu irmão Luciano”. A partir desta experiência no Colégio Industrial Pro-fessor Agamenon Magalhães, o ensino da arte conti-nuaria ligado a momentos importantes na vida de Abe-lardo, seja no papel de aprendiz ou no de repassar seus conhecimentos. O artista também concluiu o ba-charelado na Faculdade de Direito de Olinda, mas não chegou a exercer esta profissão. “Tinha um dia da semana em que o professor dava li-berdade para o aluno fazer qualquer coisa da sua ima-ginação e, como na minha casa iam muito repentistas, porque a minha mãe gostava demais e meu tio tam-bém, comecei a fazer a estatueta de dois repentistas. Meu professor de pintura, Álvaro Amorim, parou e dis-se: ‘Seu professor de escultura já viu a sua peça?’. Eu disse: ‘Ainda não’”. Álvaro chamou o colega para compartilhar o que via, elogiou o aluno e prometeu que levaria Abelardo para a Escola de Belas Artes do Recife, quando ele ter-minasse o curso no Colégio Industrial. Foi o que acon-teceu. Em 1939, o jovem passou a frequentar a escola da qual Álvaro foi um dos fundadores. A instituição funcionava na Rua Benfica, na Madalena. Além de ter aulas, Abelardo entrou no diretório estudantil da esco-la, do qual foi eleito presidente em 1940. Foi nesta época que ele pensou: “Vamos acabar com esse negócio de ficar desenhando só dentro da escola”. A ideia acabou colocando-o no caminho do pai daque-le que seria um de seus aprendizes, Francisco Bren-nand, outro pernambucano que trilhou um caminho próprio e muito fértil nas artes visuais, além de criar obras que também são icônicas na paisagem do Recife – duas coincidências entre os velhos amigos. Em uma destas saídas, o industrial Ricardo Bren-nand viu Abelardo desenhar o retrato de uma colega em meio ao grupo de jovens na beira do açude. Convi-dou o rapaz, filho de um dos seus ex-funcionários, Jo-sé Germano da Hora, a trabalhar com cerâmica artísti-ca e morar na casa da família. Três anos mais novo que Abelardo, Francisco contaria ao pai algum tempo de-pois o caminho que escolheu. “Ele me chamou e disse: ‘Abelardo, você tirou o advogado da família’. Eu res-pondi: ‘De maneira nenhuma, ele é que tem vocação’. ‘Você acha?’. ‘Demais’... ‘Então tome conta dele’, ele fa-lou”, recorda Abelardo. Outro encontro artístico se tornava realidade anos mais tarde. Depois da exposição de estreia, na Associa-ção dos Empregados do Comércio do Recife, e da cria-ção da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR), lá estava Abelardo participando da fundação do Ate-lier Coletivo da SAMR, em 1952. “Pensei em fazer um curso de iniciação às artes, conseguimos uma sala no Liceu de Artes e Ofícios e eu comecei a dar aulas gra-tuitas de artes plásticas”, continua o artista. Quando o grupo alcançou cerca de 20 integrantes, foi preciso encontrar um novo local. Os artistas foram para a Rua da Soledade e depois para uma casa na Rua Velha. “Gilvan Samico, Wellington Virgolino, Wilton de Souza, Ionaldo Andrade, Bernardo, Adão Pinheiro, Guita Charifker, Maria de Jesus, Celina Lima Verde, os irmãos Genilson e Cremilson Soares, Campelo Ne-to, José Cláudio, essa gente toda. Eles se transforma-ram em grandes artistas”, comenta Abelardo. Nesta época do Atelier Coletivo, foram criadas obras de Abelardo da Hora que ainda apresentam a cultura e a história de Pernambuco em espaços públi-cos do Recife. É o caso, por exemplo, d’Os cantadores, no Parque 13 de Maio, e d’O sertanejo, na Praça Eucli-des da Cunha (Derby). Uma delas, a Torre Cinética e de Iluminação, deveria estar na Praça da Torre, onde foi construída em 1961. A peça, que se movimentava pela ação do vento, foi destruída. Mas a atuação de Abelardo da Hora permanece ain-da em obras de outros artistas. Reflexo de um projeto de lei sugerido por ele e aprovado na Câmara Munici-pal do Recife, que determina a colocação de obras de arte em construções com mais de mil metros quadra-dos. “Eu queria transformar o Recife em uma espécie de galeria de arte.” E conseguiu. (E.B.). caderno C www.jconline.com.br/cultura q Mais na web Assista ao vídeo e veja outras obras de Abelardo da Hora no www.jc.com.br/cultura e no blog Social1