1. E
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cão,
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COLEÇÃO GEOGRAFIA
COLEÇÃO GEOGRAFIA
OLIVER DOLFUS
OLIVER DOLFUS
A Análise
A Análise Geográfica
Geográfica
O Espaço Geográfico
O Espaço Geográfico
PlERRE MOMBEIG
PlERRE MOMBEIG
O Brasil
O Brasil
N
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S m i t h
m i t h
Desen
Desenvolvime
volvimento D
nto Desigual
esigual
Yi-Fu Tu
Yi-Fu TuAN
AN
Topofilia
Topofilia
Espaço e Lugar - P
Espaço e Lugar - P erspecti
erspectiva da
va da
Experiência
Experiência
M
M i c h e l B e c u e r
i c h e l B e c u e ry
y
A
A Exploração dos Oceanos
Exploração dos Oceanos
Josê A. F. Diniz
Josê A. F. Diniz
Geografia da Agricultura
Geografia da Agricultura
P
P i e
i er r
r r e
e G
G e o r g e
e o r g e
Geografia Agrícola do Mundo
Geografia Agrícola do Mundo
A
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Geografia Ativ
a Ativa
a
Geografia da População
Geografia da População
Geografia Econômica
Geografia Econômica
Geografia Industrial do Mundo
Geografia Industrial do Mundo
Geografia Rural
Geografia Rural
Geografia Urbana
Geografia Urbana
Os Métodos da Geografia
Os Métodos da Geografia
Panorama do Mundo Atual
Panorama do Mundo Atual
Populações Ativas
Populações Ativas
I n
I nA E l i a s d e C a
A E l i a s d e C a s t r o
s t r o
O Mito da Necessidade
O Mito da Necessidade
C.
C. M c E v e d y
M c E v e d y
Atlas
Atlas Histórico-G
Histórico-Geográfico
eográfico Universal
Universal
Y
Y v
v e s
e s L a c o s t e
L a c o s t e
Geografia do Subdesenvolvimento
Geografia do Subdesenvolvimento
Os Países
Os Países Subdesenvolvidos
Subdesenvolvidos
R.J.
R.J. JOHNSTON
JOHNSTON
Geografia e
Geografia e Geógrafos
Geógrafos
J.
J. O . A y o d e
O . A y o d e
Introd
Introdução
ução d
d Climato
Climatologia
logia dos Tr
dos Trópicos
ópicos
D a v i d C l a r k
D a v i d C l a r k
Introd
Introd ução
ução à G
à Geografia
eografia Urbana
Urbana
K.J.
K.J. G r e g o r y
G r e g o r y
A
A Natu
Natu reza
reza da
da Geografia
Geografia Física
Física
C l a u d e M a n g a z o l
C l a u d e M a n g a z o l
Lógica do
Lógica do Espaço
Espaço Indu
Industrial
strial
A.
A. C h
C h r i s t o f o l e t t i
r i s t o f o l e t t i e o u t r o s
e o u t r o s
Perspectiva da Geografia
Perspectiva da Geografia
J a c q u e s V
J a c q u e s V e r r i ê r
e r r i ê re
e
As
As Políticas da População
Políticas da População
D
D a v i d
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Proce
Processos Interativos Homem
ssos Interativos Homem -Meio
-Meio
Amb
Ambient
iente
e
D. K. F
D. K. Fordes
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Uma Visão Crítica da Geografia do
Uma Visão Crítica da Geografia do
Subdesenvolvimento
Subdesenvolvimento
L u c i a H e l e n a O
L u c i a H e l e n a O . G e r a r d i e B a r b a r a -
. G e r a r d i e B a r b a r a -
C h r i s t i n e
C h r i s t i n e N.
N. Silva
Silva
Quantificação em Geografia
Quantificação em Geografia
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e
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C
C l a u d i o A .
l a u d i o A . G . E g l e r
G . E g l e r
Brasil
Brasil
Uma Nova Potência Regional
Uma Nova Potência Regional
na Economia-Mundo
na Economia-Mundo
39 EDIÇÃO
39 EDIÇÃO
g
g g
g
B E R T R A N D
B E R T R A N D B R A S I
B R A S I L
L
3. A questão nacional, redefinida, passa hoje no plano interno
pela questão social e a construção da nação; e a autonomia, no
plano externo, passa pela questão tecnológica e da dívida. A
inflação e a dívida externa constituem os desafios que o Brasil
enfrentará nas próximas décadas e cuja solução dependerá
também da trajetória dos Estados Unidos na economia-mundo.
168
5_______________
O L e g a d o d a M o d e r n i z a ç ã o C o n s e r v a d o r a e a
R e e s t r u t u r a ç ã o d o T e r r i t ó r i o
O Brasilingressou na modernidade pela via autoritária, e o
projeto geopolítico do Brasil-Potência, elaborado e gerido pe
las Forças Armadas, deixou marcas profundas sobre a socieda
de e o espaço nacionais. A economia brasileira alcançou a
posição de oitavo PIBdo mundo, seu parque industrial atingiu
elevado grau de complexidade e diversificação, a agricultura
apresentou indicadores flagrantes de tecnificação e dinamis
mo, e uma extensa rede de serviços interligou a quase-totalida-
de do território nacional.
No entanto, a maioria da.população brasileira não partici-
pqu^iretamente^das .benesses do crescimento económico. Õ
Brasil.inaugurava.a modernidade da pobreza. Não a pobreza
primitiva, mas aquela iluminada pela pequena janela das telas
dos aparelhos de televisão, que se espalhavam nas centenas de
milhares de casas, casebres e favelas. Conectando ricos, reme
diados e pobres no mundo ilusório e utópico das novelas e dos
noticiários programados, a ideologia eletrônica da televisão
169
4. cumpriu no Brasilum papel único no mundo, en quanto instru
mento de política social e formação de opinião durante o pe
ríodo autoritário e mesmo depois dele.
Amodernidade funde-se com a pobreza em um tecido com
plexo. Como explicar a habilidade de milhares de mecânicos
existentes ao longo de uma vasta rede rodoviária, capazes de
manter uma frota diversificada de veículos, sem que jamais
tenham freqüentado uma escola e, em grande número, sequer
saibamlereescrever? Nãosetratado “arcaico”edo“moderno”
separados por uma nítida linha divisória, dos “dois brasis”, ou
da Belíndia, uma Bélgica com uma índia. É mais do que isto,
é uma estrutura híbrida, ambivalente, instável, porém muito
dinâmica. Este é o legado da modernização conservadora, que
será analisado neste capítulo ao nível social, econômico e es
pacial. L-0 Lpc ^ o
A modernidade da pobreza
A modernização conservadora gerou uma pobreza específi
ca, associada à modernidade. A problemática social da semipe-
riferia se manifesta em um grande descompasso entre expan
são das redes de serviços e de equipamentos coletivose o pre
cário estado social da nação. O regime autoritário tentou fazer
uma massificação das políticas sociais, degradando com isso
a qualidade dos serviços. O problema gerencial, operacional e
administrativo das políticas sociais “foi o espaço esquecido do
aparelho estatal” (Lessa, 1990).
No entanto, a malha “programada” gerou efeitos imprevis
tos —externalidades do modelo —significando profundas mu
danças estruturais, como foi o caso da “revolução demográfi
ca” e da fragmentação social. Além disso, a dinâmica social
escapa à regulação estatal; à estrutura oficialmente regulada con
170
trapôs-se uma sociedade subterrânea, “paralela”, “não oficial”,
que criou suas próprias regras e suas formas específicas de
resistência.
A explosão demográfica que não houve
O declínio da natalidade constitui-se talvez na transforma
ção mais importante para o país neste fim de século e tem
implicaçõesaindanãoconhecidas.Odesconhecimentodanova
realidade decorre do caráter inédito das tendências recentes,
do fechamento das informações em círculo restrito de especi
alistas e da campanha internacional contra a ameaça da “explo
são demográfica” (Martine, 1989).
A transição demográfica no Brasil —passagem de altos para
baixos níveis denatalidade emortalidade —se distingue da tran
sição clássica dos países europeus por duas características
básicas. Aprimeira é avelocidade da transição brasileira quan
do comparada aos padrões tradicionais. O Brasil,como outros
países periféricos, está completando, em algumas décadas,
transformações que demoraram de um a dois séculos para se
concretizarem na Europa. E tal velocidade está associada à
redução violenta e surpreendente nos níveis de fecundidade,
com conseqüência para o crescimento vegetativo da popula
ção. O nível mais elevado do crescimento vegetativo brasileiro
ocorreu nas décadas de 1950 e 1960 (2,9% ao ano) devido à
queda do nível demortalidade associada àindustrialização. Mas
desde o final dos anos 60, a natalidade começou a declinar, e
o censo de 1980 revelou que a fecundidade caíra de forma
drástica e generalizada em todo o país, tanto nas cidades como
nasáreasrurais(Fig.5.1).Essatendênciaseconfirmounadécada
de 80; entre 1980 e 1984, o número médio de filhos de uma
brasileira teria de 4,35 para 3,53, um declínio de 19%. Este
171
5. declínio foi ainda mais espetacular no Nordeste. Em conse
qüência, o ritmo de crescimento demográfico caiu para 2,5%
na década de 70, estimando-se que atualmente esteja em torno
de 1,8% (Martine, 1989).
/ - ' / / / / / / / /
1 8 4 0 1860 1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020
• TAXA DE NATALIDADE TAXA DE MORTALIDADE
Figura 5.1 Transição demográfica no Brasil —1840-2020.
(Fonte: Martine, 1989)
A segunda característica é que a transição não se associa
diretamente à melhoria nas condições materiais de parcelas cada
vez maiores da população. O declínio das taxas de natalidade
não foi fruto de uma política deliberada do governo, mas a
modernização acelerada está na raiz de sua explicação. Trata-
se de impactos indiretos imprevistos de uma série de políticas
e gastos governamentais para a modernização da infra-estrutu
rabásicaedosserviçospúblicos(Faria,1988;Hirschman, 1986).
172
Particularmente, as políticas detelecomunicações, saúde, trans
portes e educação aceleraram a difusão de valores, do conhe
cimento e de novas práticas e atitudes culturais que estimula
ram o controle da natalidade e, ao mesmo tempo, os métodos
de controle tomaram-se mais acessíveis. Em pesquisa recente,
observou-se que 73% das mulheres casadas na faixa de 15 a44
anos já haviam utilizado a pílula anticoncepcional, sendo que
93% destas haviam comprado o produto diretamente nas far
mácias, sem nenhum preparo prévio ou acompanhamento
médico(Martine,1989).Emsuma,apopulaçãobrasileiraentrou
na era da pílula sem sair da era da miséria.
A disjunção entre indicadores econômicos e sociais sugere
que o comportamento demográfico e social não está mais rigi
damente ligado às oscilações da economia, não tendendo a se
reverter por quedas temporárias de renda. Significa que, até o
final do século, o Brasil apresentará padrões de fecundidade e
de crescimento populacional próximos aos dos países desen
volvidos nos dias atuais.
O estado social da nação -
Mais da metade da população brasileira é pobre. Apobreza
da nação se manifesta sobretudo nas altas taxas de analfabetis
mo, nas baixas rendas e nas precárias condições devida. Quase
um terço da população com mais de cinco anos é analfabeta,
e está concentrada principalmente no Nordeste. Embora o
número de escolas tenha aumentado, o ensino básico faliu: hoje
a criança brasileira permanece, em média, apenas duas horas
e meia por dia na escola, e as taxas de analfabetismo são desi
guais por sexo e por regiões. (Tabela 5.1)
173
6. Tabela 5.1
Taxas médias de aljabetismo no Brasil por região e sexo -
I . , 1970-1988 (% ),
c[ v M
N or te 1 N or des te Su de ste Su l Centro-
Oeste Brasil2
Homens
1970 54,9 38,8 74,1 72,1 58,7 62,0
1980 61,2 45,9 80,8 81,4 68,2 69,3
1988 79,8 54,0 84,4 84,5 77,2 75,1
Mulheres
1970 53,7 39,6 69,0 68,1 55,1 58,6
1980 60,9 49,4 77,6 78,7 67,6 68,2
1988 80,6 59,4 8 2,9 83,2 77,8 75,8
Total
1970 54.3 39,2 71,6 70,1 57,0 60,3
1980 61,1 47,7 79,2 80,1 67,9 68,8
1988 80,2 56,7 83,6 83,8 77,5 75,4
1 Dados de 1988, exclusive população rural.
2 Dados de 1988, exclusive população rural da região Norte.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1970 e 1980.
IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), 19Ç8.
A pobreza está relacionada à baixa remuneração do trabalho
não qualificado em oposição à alta remuneração de serviços
técnicosegerenciais,eadistribuiçãodesigualdarenda aumen
tou. (Tabela 5.2)
Apesar da redução das desigualdades regionais —devido
aos ganhos reais registrados no Nordeste e no Centro-Oeste —
a concentração da renda cresceu. Cerca de 60% da população
economicamente ativa que recebe algum rendimento (52,4
milhões de indivíduos dos quais 35 milhões de homens) não
ultrapassam a casa de dois salários mínimos, o que demarca a
linha de pobreza, atingindo o máximo no Nordeste e o mínimo
174
T a b e l a 5.2
Distribuição da renda no Brasil - 1970-89
% 1970 1980 1986 1989
Inferior 10- 1,2 1,1 1,0 0,6
50- 19,4 12,6 12,5 10,4
10+ 46,7 50,9 48,8 53,2
Superior i+ 14,7 16,6 15,2 17,3
I D IJ L, L c n b U i u r a i u g w i i r a w v v . . 1 0 Q , , Q n Q
IBGE, Pesquisa Nacional po r Amostragem Domiciliar (PNAD), 1986, iy»y .
no Sudeste. Um terço dos brasileiros que trabalham recebe até
um salário mínimo (Tabelas 5.3a e 5.3b).
T a b e l a 5.3a
Desigualdades de renda por sexo - 1981-19891
(renda média mensal em dólares)
Sexo 1981 19 83 1985 1987 1989
TÕtãl 155,72 137,75 163 01 178,26 209,27
Homens 250,48 219,83 258,59 277,61 327,64
Mulheres 64 ,77 58,48 71,52 83,85 97,44
1 Exclusive populaç ão rural da região Norte.
Fonte: IBGE, 1990b.
175
7. Tabela 5.3b
Desigualdades regionais de renda - 1989
(renda média mensal em dólares)
Brasil1 Norte2 Nordeste Sudeste Sul Centro-
Oeste
Total
Homens
Mulheres
209,27
327,64
97,94
217,02
335,74
108,86
107,10
169,46
48,97
265,28
413,25
126,83
212,44
333,27
95,12
235,34
368,86
106,39
1 Exclusive população rural da região Norte.
2 Exclusive população rural.
Fonte: IBGE, 1990b.
Além disso, os trabalhadores carecem de amparo legal.
Embora legalmente se exija dos empregadores que assinem a
carteira de trabalho de seus empregados, somente um pouco
mais da metade dos trabalhadores tem carteira de trabalho
assinada, carteira que garante o acesso ao seguro-desemprego,
tribunais dotrabalho ebenefíciospúblicos.Estamaciçaevasão
do registro legal é uma das mais impressionantes violações da
lei no país. Em todos esses aspectos, a pior situação ocorre no
Nordeste e entre as mulheres. Precárias condições de vida das
famílias e mortalidade infantil são corolários dessas situações.
O acesso desigual e inadequado aos serviços públicos reduz a
renda real. Um dos piores problemas que afetam a saúde é a
: ausênciaderededeesgotos,situaçãoqueéparticularmentegrave
no Nordeste (Tabela 5.4). Na década de 80, com a crise fiscal
do Estado, os serviços sociais se deterioraram ao extremo, assim
como a escola pública. Aviolência se intensificou nas ruas, bair
ros e domicílios, e o sistema de transporte coletivo, irregular e
apinhado, tritura a existência cotidianado trabalhador, que gasta
grandepartedos seusdiasemlongasviagensdaresidênciapara
I o trabalho.
í } Áf •
17ê
Tabela 5 .4
Abastecim ento de água e esgoto por regiões (%) -
1970-1986
Abastecimento de água Esgoto
Região 1970 1980 1986 1970 1980 1986
Brasil 32,8 54,9 69,9 26,6 43,2 51,1
Norte .19,2^ 39,2 '81,9 -, 8,8 20,4 51,8
Nordeste
Sudeste
12,4^
51,6
31.6
72.6
47,4
84,íb
8,0
43,9
1-8,2
63,5
28,2
71,3
Sul 25,3 52,0 65,4 20,1 40,3 55,1
Centro-
Oeste 19,9 41,7 58,8 15,0 21,8 29,6
1 Exclusive população rural da região Norte.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1970 e 1980.
IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), 1986.
Ocampobrasileironão écomparávelàsáreasruraisdaÁfrica,
Ásia, nem mesmo com grande parte da América Latina. A
pobreza relacionada ao campo brasileiro está fortemente liga
da aos centros urbanos. A maior parte da população de mise
ráveis ocorre em áreas “urbanas”,isto é, núcleos urbanos com
menos de 20.000 habitantes, onde a população depende tanto
de empregos sazonais e temporários_na agricultura como de
empregos nas cidades?-® j •
Informações sobre salários, renda, acesso às amenidades,
proteção trabalhista e alfabetismo. evidenciam que a pobreza
está concentrada no campo, no Nordeste e entre as mulheres.
Em contrapartida, as estatísticas sobre as condições sociais pou
co dizem sobre as estratégias de sobrevivência criadas pela
população para complementar a renda familiar e resistir à
pobreza absoluta. Indícios dessa estratégia parecem ser o de
clínio da fecundidade e a crescente mobilidade do trabalho.
177
8. A mobilidade do trabalho
A concentração do capital e o crescimento econômico não
repousaram apenas na repressão salarial, mas também na ex
traordinária intensificaçãoda mobilidadehistóricadostrabalha
dores. O processo migratório resultou não só na ampliação da
margemdepobreza, masna emergênciadenovasfraçõessociais
que compõem o universo da sociedade capitalista. Simultane
amente, intensificaram-se a rotatividade do emprego e a “poli-
valência”,isto é, o exercício de múltiplas tarefas ou múltiplos
empregos por um mesmo indivíduo.
Esta mobilidade espacial e social foi induzida pela moderni
zaçãodasfirmas,por políticastrabalhistasexplícitas,bemcomo
políticas não explícitas, tendo dois condicionantes principais.
De um lado, a atração exercida pelos espaços dinâmicos, com
novas oportunidades de emprego e/ou de acesso à,terra,sobre
tudo no Sudeste, nas metrópoles e, secundariamente, na fron
teira (Centro-Oeste e Amazônia) (Fig. 5.2). De outro lado, a
modernização da agricultura que liberou a mão-de-obra rural
em todo o país, retirando do Nordeste a quase exclusividade
que possuía como fornecedor de migrantes. A mecanização
subsidiada pelo governo, cujo melhor exemplo é o cultivo da
soja, transformou o Estado do Paraná, de uma “fronteira móvel
cafeeira”no maior exportador de mão-de-obra em apenas uma
década (1970/80). A concentração da propriedade da terra
decorrente de sua valorização e do acesso diferenciado ao cré
dito resultou na expropriação violenta de pequenos produto
res (posseiros, parceiros, pequenos proprietários, etc.).
Em conseqüência, a mobilidade passou a se dar na escala
nacional e se fragmentou a estrutura de classes sociais. A
mobilidade está em grande parte associada à formação de um
novo mercado de trabalho com especificidades regionais. For
mou-se um proletariado diversificado, cujo primeiro tipo é o
proletariado móvel rural-urbano. Nas áreas onde o mercado de
178
t
ti >
s
!
Figura 5.2 Fluxos migratórios no Brasil —1970-1980.
(Fonte: Ablas e Fava, 1984)
179
PoticipoçaoR elativa
CD Imigrantes
Emigrantes
Intensidadedosfluxo s
200 O 400 800 1200
UI i I i 1 i I
Milhares de habitantes
9. trabalho é melhor organizado, como São Paulo, assalariados
ruraispermanentesforamtransformados emtrabalhadorestem
porários quevivemnas cidades evão trabalhar diariamente no
campo, “osbóias-frias”.Em áreas menos capitalizadas, o cam
pesinato tradicional seadaptou, transformando-se emsemipro-
letários e semicamponeses, vendendo o seu trabalho alternati
vamente para o mercado urbano ou rural dependendo da esta
ção, e residindo em áreas urbanas. Esse processo significou
maior instabilidade e exploração do trabalho, pois permite
manter baixos os salários, induz à ampliação da jornada de
trabalho e “libera” os patrões das obrigações trabalhistas.
Umsegundotipo deproletariadocorrespondeaosemprega
dos no setor urbano formal e informal das grandes cidades e
que responde em grande parte por seu crescimento. Ressalta,
de um lado, a formação de um operariado de melhor qualifi
cação associado à expansão da indústria metal-mecânica em
SãoPaulo.Deoutrolado,umafantásticamassadeempregadores
e empregados constituindo uma “economia paralela” que foge
da regulação oficial. Ainda pouco estudada, essa massa inclui
atividades muito diversificadas, que vão desde o pequeno ven
dedor ambulante até as pequenas indústrias.
A expansão e diversificação da classe média associada ao
Crescimento dos setores secundário e terciário e do aparelho
do Estado constituem um dos fatos mais marcantes da trans
formação da sociedade brasileira nos anos 60 e 70. Sua situa
ção é instável, na medida em que tem uma propensão consu-
mista superior aos meios de que dispõe para satisfazê-la e é
sobre quem recai o pesado fardo dos impostos da “economia
oficial”.
O novo significado da urbanização
Uma urbanização com ritmo acelerado, cujas taxas são das
mais elevadas no mundo, constitui a maior força por trás da
modernização autoritária, atuando como um instrume nto e um
produto das políticas governamentais, dos seus efeitos não
previstos e dos ajustes espontâneos da sociedade. Isto porque
a urbanização é o nexo da articulação do Brasil à economia-
mundo como semiperiferia. Os núcleos urbanos são a sede das
novas instituições e da circulação de bens, capital e informa
ções e são também o lugar onde a força de trabalho, expulsa
pela modernização agrícola, reside, circula e é ressocializada,
ingressando na modernidade da pobreza.
As transformações estruturais da economia e da sociedade
que caracterizam a semiperiferia assumem forma concreta e
expressão máxima na formação de uma cidade mundial, São
Paulo, que se toma um dos centros de controle e acumulação de
capitalemescalaplanetária.SãoPaulopassaaterpodernão apenas
comomaisimportantenúcleoprodutivodopaís,mas sobretudo
comoveículodearticulaçãofinanceira,de informação,deP&D,
de indústrias de ponta com a economia-mundo. Preenche, as
sim, duplo papel: estabelece o nexo com a economia-mundo e
exerce ocomando da integração econômico-financeira-tecnológi-
ca do território nacional como cabeça de sua rede urbana.
Urbanização acelerada
O Brasil se transformou em um país urbano, em poucas
décadas, comprimindo no tempo um processo que alhures se
fez muito mais lentamente. As áreas urbanas passaram a con
centrar 80 milhões de indivíduos. Ao contrário dos países la-
10. tino-americanos como os do Cone Sul, que têm urbanização
mais estabilizada, o Brasil manifesta um processo extremamente
dinâmico devido, em grande parte, ao próprio crescimento
urbano —que não se reduz à mera “inchação” das cidades —à
mobilidade dapopulação eàfronteiramóvel.
T a b e l a 5 .5
Taxa de urbanização no Brasil - 1950-1989
Ano População
Total
População Urbana
Absoluta %
1950 51.944.397 18.782.891 36,2
1960 70.197.370 31.533.681 44,9
1970 93.139.037 52.084.984 55,9
1980 119.002.706* 80.436.409 67,6
1989 144.293.110 107.239.796 74,3
* Não está incluída a população rural da região Norte.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos, 1950, 1960,1970 e 1980.
IBGE, 1990b.
Entre 1950-80, dobrou o número total de cidades, mas o
crescimento mais significativo ocorreu nas cidades médias e
grandes. As cidades de mais de 100.000 habitantes passaram
de 11 para 95, representando em 1980, 48,7% da população
urbana do país. Dois movimentos complementares caracteri
zam a urbanização: a acentuação da concentração e a tendência
à dispersão espacial (Davidovich e Friedrich, 1988). (Fig. 5.3)
Em termos de concentração, as regiões metropolitanas au
mentaram suaparticipaçãorelativa,nosanos70,de25,5%para
29,0% do total da população urbana. A indústria teve papel
central no crescimento das metrópoles e das aglomerações
urbanas imediatamente abaixo deste nível. Somente as regiões
metropolitanas de São Paulo eRiodejaneiro —
com 12 milhões
e 9milhões de habitantes, respectivamente —juntas respondi-
Figura5.3 Urbanizaçãobrasileirapormesorregião-1970-1980.
(Fonte: Egler, 1989) ' j~ T'/ 7
. ) p> j'-. >
* n
11. am, em 1980, por 75,4% do pessoal ocupado e quase 65% do
valor da transformação na industrial em todo o país.
Estas metrópoles são secundadas,.tanto ao nível do cresci
mento demográfico, como de situação de renda, por dois tipos
de cidades: a) as que correspondem à desconcentração indus
trial de São Paulo ou à implantação da fronteira científico-tec-
nológica, e tiveram crescimento demográfico superior ao da
própria região metropolitana paulista, como é o caso de Cam
pinas e São José dos Campos; b) regiões metropolitanas com
indústrias oupólosindustriais avançados,comoBeloHorizon
te (metalurgia e material de transporte), Salvador (petroquími
ca), Curitiba e Porto Alegre (indústrias diversificadas).
A tendência à dispersão urbana, tanto em termos populacio
nais, como de renda, se fazpor três modalidades, movidas por
fatores que não se ligam diretamente à indústria, geralmente
correspondendo a posições de contato entre áreas de economi
as diversas. A primeira modalidade é a extçnsão contínua de
centros urbanos a partir da cidade mundial; trata-se de cidades
ricas que balizam regiões de agricultura diversificada e regiões
basicamente pecuaristas por onde avança a agricultura moder
na da soja e da cana-de-açúcar.
A segunda é a formação de uma ampla frente urbana de
interiorizaçãocorrespondente àsgrandescapitaisestaduais dos
Estadosdocentro-norte,quejbalizainaurbanizaçãonointerior
como pontos de contato e intermediação entre as bordas da
cidade mundial e áreas de avanço da fronteira. Papel central na
presença de grandes populações e de rendas relativamente
elevadas deve-seao Estado. O expoente máximo dessa situação
é Brasília, a capital da geopolítica, que registrou a maior pro
porção no país da PEAurbana nas mais altas classes de renda.
A terceira modalidade da dispersão é característica da fron
teira. Inclui centros regionais e locais que constituem a base
logísticadasfrentesdeexpansãoagropecuáriaseminerais;inclui
também o crescimento explosivo de pequenos núcleos disper
sos vinculados à abertura da floresta ou a garimpos, que se
-Wi A/ (
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o
Ir ^ 9
184 '0
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constituem em locais de reprodução da força detrabalho móvel,
razão pela qual muitos são também efêmeros, deslocando-se
com o deslocamento das frentes (Becker, 1984).
Pobreza urbana
A urbanização foi sustentada em grande parte por uma es
magadoramaioriademão-de-obrabarata epobre(Santos,1979).
E ainda assim, o trabalho urbano significa ascensão, pois a
proporção de trabalhadores na faixa inferior a um salário
mínimo foi de cerca de 25% no Brasil urbano, bem inferior à
percentagem de 38% do país como um todo.
Apesar da multiplicidade de tempos e espaços, persiste, ao
nível regional, a polaridade riqueza/pobreza entre o Nordeste
e SãoPaulo. No Nordeste, além da pobreza rural, a urbanização
com industrialização induzida não resultou na elevação da renda
dos trabalhadores, mesmo nas grandes concentrações metro
politanas. Existe um padrão nordestino de urbanização: as
cidades apresentam prevalência de baixa renda, em que mais
de 50% da PEAurbana recebem até um salário mínimo.
Aonível intra-regional e intra-urbano —a disparidade se re
produz. Aregião metropolitana de São Paulo é muito mais rica
do que a do Rio dejaneiro, e a pobreza está contida dentro das
grandes metrópoles. Na região metropolitana de São Paulo, a
proporção de trabalhadores ganhando até um salário mínimo
é 9,2%; na do Rio dejaneiro é superior a 14,0%, e na de Belo
Horizonte alcança quase 21%.
Crescimento econômico com pobreza crescente, movimen
tos espontâneos na economia informal e estruturas econômi
cas formais se complementam para sustentar o crescimento
metropolitano. A pobreza, por um lado, constitui um entrave
à maior expansão das grandes empresas; mas, por outro, per-
185
12. mite a proliferação de fabricação menos capitalizadas e criado
ras de emprego. O mercado unifica a economia urbana e, quan
to maior a cidade, maior a possibilidade de multiplicação de
atividades informais. Explica-se, assim, a expansão do empre
go —ainda que rotativo e mal remunerado —na indústria me
tropolitana,aocontráriodo queocorrenaseconomias centrais.
No caso brasileiro, a periferia cresce com a indústria e a migra
ção da população de baixa renda. O lugar da riqueza torna-se
literalmente o lugar da pobreza (Santos, 1989).
As metrópoles tornaram-se também o lugar da crise urbana,
das carências sociais de vários tipos manifestando em movi
mentos de “posseiros”, de “invasões dos sem-teto” eloteamen-
tos clandestinos. Elas têm os problemas de gestão complexa
comumàsgrandesaglomeraçõesurbanasqueserepartementre
distintas administrações locais,bem como os problemas espe
cíficosdas cidadesde economiasperiféricas,resultando emele
vado potencial de conflitos reivindicatórios de direito à ci
dadania.
As grandes aglomerações urbanas tornaram-se o palco prin
cipal da luta pela redemocratização da sociedade e pela preser
vação do parque industrial nacional. Amais vivaexpressão deste
processo foi a eleição de Luiza Erundina, mulher, migrante
nordestina e ativista do Partido dos Trabalhadores, para a
Prefeitura da cidade mundial brasileira em 1989.
Complexos e redes: a armadura do território
Entre 1967 e 1982 uma crescente transnacionalização da
estrutura produtiva e um elevado endividamento externo se
verificaram no país. O Estado autoritário, de modo distinto dos
demais países vizinhos do Cone Sul, procurou sustentar níveis
elevados de investimento, não apenas expandindo a rede de
186
infra-estrutura, como também avançando à frente do setor pri
vado em segmentos industriais considerados estratégicos para
a consolidação do projeto geopolítico.
Complexos industriais
Com o resultadodesta política, em 1979, o setor industrial
respondia por_38%^clo PIB, e a participação dos manufatura
dos, que segundo o critério do Banco Mundial corresponde ao
segmento mais dinâmico da indústria, atingia 28% do PIB. A
estrutura industrial brasileira sofreuuma transformação subs
tancial nas últimas duas décadas (Tabela 5.6). Esta mudança
é explicada, em grande parte, por variações nas participações
de apenas quatro ramos industriais: metalurgia e produtos quí
micos, que aumentaram sua participação, e têxteis e alimentos
que reduziram sua participação (Penalver, et al, 1983:9).
Tabela 5.6
Taxas de crescimento das categorias industriais no Brasil
- 1966-1980 (índices percentuais anuais)
Indústrias 1966/67 1968/73, 1974/80
Bens de consumo 4,8 11,9 5,0
a) duráveis 13,4 23,6 7,7
transportes 13,1 24,0 3,3
elétricos 13,9 22,6 15,5
b) não-duráveis 3,6 9,4 4,5
Bens de capital 4,5 18,1 -7,1
'Bens intermediários 6,8 13,9 6,8
1^onte: Penalver, M. ct a!., 1983
fv. C i a T 10 ^
187
n Çi Pv C - y u i ' t u ffv
13. Em 1962, a metalurgia e os produtos químicos respondiam
por 20,5% do total da produção industrial, enquanto têxteis e
produtos alimentares atingiam34,3%. Em1980,asituação havia
se invertido, com os dois primeiros ramos dinâmicos respon
dendo por 33,8% e estes últimos por 21,1% do valor da pro
dução manufatureira. A situação se manteve essencialmente a
mesma para os demais ramos, exceto aindústria mecânica, cuja
participação cresceu regularmente de 2,9% em 1962 para 7,8%
em 1976, declinando ligeiramente para 6,4% em 1980.
Os efeitos desta dinâmica, aliados ao próprio movimento
interno da economia, vão se refletir de modo contraditório sobre
a distribuição territorial da indústria no Brasil. De um lado,
reforçam-se as tendências concentradoras do padrão espacial
fundado na concorrência oligopólica. De outro, observa-se a
dispersão do investimento em localizações privilegiadas,como
portos, distritos industriais incentivados e a Zona Franca de
Manaus. (Fig. 5.4)
É importante ressaltar que este movimento tem pouco a ver
com a emergência d2uma indústria regional que se configuras
secomouma estruturaprodutivarelativamenteautônoma.Pelo
contrário, o deslocamento espacial do investimento industrial,
que se acentua nos anos 70, foi um processo complementar e
articulado à acumulação no núcleo industrial consolidado. O
desenho da nova divisão territorial do trabalho no Brasil assu
me os contornos ditados pela própria estrutura industrial, com
a conformação de complexos fortemente integrados, como é o
exemplo do químico e do metal-mecânico.
A divisão em complexos industriais é a mais adequada para
analisar a nova divisão territorial do trabalho resultante da
inserção do Brasil como semiperiferia na economia-mundo
(Tabela5.7).Primeiro,porquerompe comasegmentaçãoentre
indústria,agriculturaeserviçosdeapoioàprodução,permitin
do compreender, por exemplo, o Complexo Agroindustrial
(CAI), como a forma contemporânea de expansão do capitalis
mo no campo brasileiro. Segundo, porque a estrutura em com-
188
CRESCIMENTO
1 9 7 0 / 80
ES3 1 -
T il s - io •/•
£23 io •/•
PRODUÇÃO INDUSTRIAL
Figura 5A Produção industrial e força de trabalho por
mesorregião -1970-1980. (Fonte: Egler, 1989)
189
14. plexo industrial permite verificar a separação territorial entre
as atividades de gestão e P & D das atividades produtivas ro
tineiras. Assim, enquanto se centralizavam os escritórios de
gerência e os centros de pesquisa e desenvolvimento, verifica-
va-se a dispersão de fábricas por diversos pontos do território,
dependendo da qualificação necessária da força de trabalho.
Tabela 5.7
Perfil de eficiência dos complexos industriais -1984
(evolução dos índices de produtividade)
Complexos
Setores Tamanho
Ascendente Descendente Indefinido Relativo
Químico 5,1 31,7 63,2 75,9
Metal-mecânico 69,9 22,8 7,3 32,1
Agroindustrial 44,8 39,0 16,2 22,0
Têxtil e calçado 91,5 8,5 — 11,2
Papel e impressão 43,3 34,4 22,1 4,5
Construção — 60,6 39,4 4,3
TOTAIS 45,8 29,2 25,0 100,0
Nota: Setor asce nde nte: pro dutivida de crescente de 1975 a 1984.
Setor descendente: produtividade decrescente de 1975 a 1984.
Setor indefinido: produtividade decrescente só depois da crise de 1982.
Fonte: Araújo, J. T. eta l, 1989.
A configuração espacial do complexo químico no Brasil é
ilustrativa deste processo. Originalmente concentrado no eixo
entre São Paulo e Rio, onde estão estabelecidas as grandes cor
porações multinacionais, algumas delas bastante antigas no
mercado brasileiro - como é o caso da Bayer ou da Rhodia es
tabelecidas no primeiro quartel deste século —ele se expandiu
190
e diversificouvigorosamente através de investimentos maciços,
principalmente de empresas estatais. Atuando na montagem
dasindústriasbásicasdo complexo,principalmentena petroquí
mica, o Estado comandou o processo de descentralização do
setor com a implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari,
na Bahia, e posteriormente o de Triunfo, no Rio Grande do Sul.
No entanto, a distribuição espacial do complexo mostra que
as indústrias de química fina, intensivas em tecnologia, conti
nuam concentradas nas vizinhanças da cidade mundial, onde
dispõem de mão-de-obra treinada e quadros técnicos qualifica
dos indispensáveis para a produção de substâncias químicas
derigorosaespecificação.Domesmomodo,oscentrosdegestão
do complexo químico, sejam de empresas estatais ou privadas,
estão centralizados no eixo Rio—
São Paulo, mesmo aquelas cri
adas para operar no Pólo de Camaçari, como é o caso da Nor
deste Química S.A. (NORQUISA), cujo escritório central se si
tua no centro financeiro do Rio de Janeiro.
De modo semelhante, o complexo metal-mecânico expan
diu sua área de atuação não apenas no entorno da cidade
mundial, mas, também, através da ação do Estado, em novas
localizações. O eixo automobilístico do complexo continuou
basicamente concentrado em São Paulo, exceto pela implanta
ção da FIATnas vizinhanças de Belo Horizonte. Entretanto, novas
plantas industriais, tanto montadoras deveículos, como deauto
peças, iniciaram sua operação nas bordas da cidade mundial,
principalmente no Vale do Paraíba Paulista e no Sul de Minas
Gerais, onde havia mão-de-obra treinada e com baixo nível de
sindicalização.
Especial destaque deve ser dado ao eixo eletroeletrônico, pois
sua configuração espacial foibastante influenciada pela implan
tação da Zona Franca de Manaus em 1967 que, devido às faci
lidades de importação de peças e componentes, reorientou a
montagem de aparelhos eletrônicos de consumo, como televi
sões, rádios e aparelhos de som para o interior da Amazônia.
A Zona Franca não deve ser confundida com um a Zona de Pro-
191
15. cessamento de Exportações, pois a maior parcela de sua pro
dução destina-se ao mercado interno. No entanto, apesar de
todas as vantagens fiscais oferecidas, o preço interno dos pro
dutos oriundos de Manaus é quatro vezes maior do que os
praticados no mercado internacional (AraujoJ.T. etal, 1989),
e os incentivos, que deveriam con tribuir para o avanço no
desenvolvimento do setor, são integralmente transferidos para
o exterior através da importação de componentes eletrônicos
efetuados por filiais de grandes corporações multinacionais.
A desarticulação entre as montadoras de produtos eletrôni
cos e a indústria de componentes, principalmente de semi
condutores de larga integração, têm sido um entrave para o
desenvolvimento da microeletrônica no Brasil. Isto afeta tanto
a indústria de informática, como a bélica, que são considera
dos setores estratégicos pelas Forças Armadas. A eletrônica
embarcada, que incluidesde equipamentos computadorizados
para automóveis até aviões, constitui um,dos segmentos mais
atrasados do complexo, justamente devido à dificuldade de
estabelecer os laços entre a indústria mecânica nacional e a
microeletrônica estabelecida no exterior.
O terceiro complexo em importância no Brasil é o agroin
dustrial; sua conformação representa diretamente os resulta
dos da política agrícola da modernização conservadora. O de
senvolvimento dosistemadecréditoxural, os subsídios diretos
à tecnificação e os incentivos à exportação foram os instru men
tos básicos para promover a expansão da grande empresa no
campo brasileiro (Tabela 5.8). Este processo converteu a agri
cultura em condição necessária da acumulação na indústria,
articulando diretamente o complexo agroindustrial em forma
ção, ao químico e ao metal-mecânico.
Asmudanças estruturais não se resumem aos aspectos eco
nômicos e tecnológicos, mas abarcam também a estrutura social.
Novas relações seestabeleceram entre trabalhadores rurais, com
ou sem terra, e com as corporações que ampliam sua área de
atuação (Muller, 1982). Formas anteriores de produção foram
192
reinventadas sob o controle do capital agroindustrial, como é
o caso do colonato, típico das regiões cafeeiras do início do
século, que assumem novas dimensões justamente onde os
tratos culturais são intensivos em mão-de-obra, como na cultu
ra da vinha ou na criação de pequenos animais, assim como na
generalização do trabalho temporário e sazonal, caso dosbóias-
frias que habitam a periferia de pequenas e médias cidades.
T a b e l a 5 .8
Empréstimos do sistema bancário nacional à agricultura
-1973-1980 (em bilhões de cruzeiros)
Período
Banco do Brasil Bancos Privados
Total Valor % Valor %
1973 36,6 22,9 62,4 13,7 37,6
1975 105,0 71,2 67,8 33,8 32,2
1977 212,0 154,5 72,9 57,4 27,1
1979 461,3 357,9 77,6 103,3 22,4
1980* 626,8 491,5 78,4 135,3 21,6
*Janeiro/julho.
Fonte: Banco Central do Brasil - Departam ento Econômico.
Aviaautoritáriabrasileiradetratar aquestãoagráriafoicapaz
de garantir a modernização da agricultura, através de sua cres
cente tecnificação, mantendo intocável agrande propriedade.
Asconseqüências desteprocesso foraminevitáveis,comalibe
ração maciça de grandes contingentes populacionais que se
dirigiram para as pequenas e grandes cidades, funcionando
como reserva de mão-de-obra, acentuando a histórica concen
tração da posse da terra (Tabelas 5.9a e5.9b). Na década de 70,
como efeito de medidas anteriores ligadas às áreas fiscal e fi
nanceira e de melhoria das condições de acessibilidade —atra
193
16. vés de grandes eixos viários que articulam as áreas de maior
desenvolvimento econômico do país com espaços pouco inte
grados à produção —a agricultura apresentou uma ampliação
extraordinária da superfície cultivada. Registrou-seum aumento
absoluto de 70.708.955 hectares na área dos estabelecimentos,
o mais elevado desde 1940, como resposta aos fortes incenti
vos governamentais à ocupação da mata amazônica e do cer
rado, consubstanciados em programas especiais, criados em
1975, para o desenvolvimento do Brasil Norte e Central (Mes
quita, O. e Silva, S.T. 1988).
Tabela 5.9a
Percentagem do total de área pertencente às 5%
maiores propriedades rurais no Brasil —1960-1980
1960 1970 1980
Brasil 67,9 67,0 69,3
Norte 90,1 64,5 68,6
Nordeste 65,3 66,7 68,3
Sudeste 55,2 53,0 53,9
Sul 56,6 56,3 57,9
Centro-Oeste 64,6 67,4 65,3
Fonte: Hoffmann, 1982.
Mesmo no Nordeste, onde a persistência dos domínios agro-
mercantis se faz marcante até os dias atuais, a modernização
está presente nos grandes projetos de irrigação ena revitaliza
ção da agricultura canavieira, que recebeu subsídios vultosos
para a produção de álcool combustível. As novas formas de
adaptação tornaram as oligarquias regionais dependentes de
financiamentos e de bens e insumos agrícolas, do mesmo modo
194
que os agricultores do Sudeste ou Sul. Aquestão é que isto foi
conseguido através de tratamento privilegiado por parte do
aparelho do Estado, que garantiu não apenas linhas de crédito
especiais, como mercados cativos para a produção regional.
Tabela 5.9b
Posse da terra no Brasil - 1985
(em percentagem de estabelecimentos rurais)
menos de 100 ha 100 a 1.000 ha mais de 1.000 ha
n9 área n9 área n9 área
Brasil 90,0 21,2 8,9 35,1 0,1 43,7
Norte 83,0 22,0 15,9 30,2 1,1 47,8
Nordeste 94,3 28,6 5,1 39,3 0,6 32,1
Sudeste 75,8 25,6 23,4 46,7 0,8 27,7
Sul 94,1 39,0 5,4 35,9 0,5 25,1
Centro-Oeste 62,4 4,8 30,7 25,9 6,9 69,3
Fonie: IBGE, Sinopse P reliminar do Ce nso Agrícola, 1985.
Considerada em seu conjunto, boa parte da modernização
conservadora na agricultura brasileira pode ser resumida na
introdução e difusão do cultivo de soja no Brasil. Em 1960, a área
colhida com essa oleaginosa era de 171 mil hectares, produzin
do 206 mil toneladas; vinte anos depois, o Brasil cultivava8.765
mil hectares, colhendo 15.159 mil toneladas. (Fig. 5.5)
Considerando o conjunto do setor soja —
grãos, farelo/torta
e óleo —passou ele a rivalizar com o café para ocupar o primei
ro lugar em valor, com 12% da pauta das exportações brasilei
ras em 1980 (Homem de Melo, 1983). A rápida expansão da
área cultivada, abrindo inclusive a fronteira ecológica dos cer
rados para a agricultura, seria impossívelsem os melhoramen
tosgenéticos,atecnificaçãomaciçadostratosculturaiseagrande
195
17. escala das plantas de beneficiamento. Asoja é um produto da
nova fase da agricultura brasileira, onde o complexo agroin
dustrial assume papel preponderante na moldagem do espaço
rural.
26000
2 1000
C
O
tu
0
1
ü 16000
<
ÜJ
Q
C
O
£ 1100
0
<
r
_j
2
6000
1000
Figura 5.5 Evolução da área cultivada com soja. (Fonte: IBGE,
produção agrícola municipal, vários anos)
As redes nacionais
A organização espacial das redes de circulação de mercado
rias, distribuição de energia elétrica e de telecomunicações
constitui um indicador, mesmo que superficial, dos efeitos do
processo de modernização sobre o território, na medida em
queforamtransformadas estruturasespaciaispretéritasecons-
196
truídas novas formas adequadas ao processo de produção e
gestão da empresa capitalista em sua fase avançada. Neste
sentido, as redes manifestam a territorialidade dos complexos
industriais. (Fig. 5.6)
Figura 5.6 Redes nacionais. (Fonte: Egler, 1989)
197
18. A rede de circulação de mercadorias, expressa na malha
rodoviária nacional, delimita, grosso modo, a área de mercado
integrada. Não se trata propriamente de uma estrutura monta
da a partir do setor manufatureiro, pois que reflete as heranças
do passado agrário-mercantil, quando assumia a forma de
“bacias de drenagem” destinadas a integrar as áreas produtivas
aos portos litorâneos, tal como a rede ferroviária. Sobre estas
“bacias” superimpõe-se o traçado dos grandes eixos nacionais,
que convergem para o centro manufatureiro no Centro-Sul do
país, como, por exemplo, a BR-116, antiga Rio—
Bahia, que se
constitui no primeiro grande eixo de interligação entre o Nor
deste e o núcleo industrial do Sudeste.
A rede de energia superimpõe-se à área industrial central,
mostrando a capacidade da atividade manufatureira de cons
truir sua base técnica territorial, que, no caso específico da rede
dedistribuiçãodeenergiaelétrica,foimontadanosúltimostrinta
anoscom maciçoinvestimentoestatal.Écorrenteconsideraras
fontes de energia como um fator-chave de localização industri
al. Entretanto, dado o caráter tardio da industrialização brasi
leira, que já nasceu buscando atingir economias de escala, e
considerando a mobilidade da energia elétrica, a constituição
do parque industrial ocorreu concomitantemente com a cons
trução da rede de distribuição de energia, o que resultou na
extraordinária concordância entre a localização de plantas
industriais e os circuitos da rede de energia elétrica.
O resultado espacial deste processo, pode ser percebido
quando se compara o sistema de geração e distribuição de
energia elétrica no Sudeste com seu congênere nordestino.
Enquanto na área industrial central observa-se o adensamento
dos circuitos, formando uma rede complexa, o sistema nordes
tino se apresenta com eixos isolados que atendem os principais
núcleos urbanos da região.
Finalmente, a rede nacional de telecomunicações, expressa
no sistema de microondas, mostra que os maiores aglomera
dos urbanos estão interligados no que diz respeito à circulação
198
rápida de informações a longa distância. A construção desta
rede, iniciada durante os anos sessenta e intensificada durante
a década de setenta, mostra os efeitos da centralização dos
processos decisórios na cidade mundial eatende, principalmen
te, às demandãsTiõ^sêtõrfmànceiro, que depende de ligações
rápidas e confiáveis a longa distância para operar competitiva-
mente.
A principal observação que deve ser feita quanto à rede de
telecomunicações é que, desde o momento de sua concepção,
já necessariamente é uma rede nacional. Em poucas palavras,
éamaterialidade espacialdaformamaisavançadadeoperação
capitalista, a empresa financeira multilocacional. É neste sen
tido que é possível compreender o rápido desenvolvimento do
sistema nacional de comunicações a longa distância que, em
duas décadas, interligou todo o território nacional, sem que a
grande maioria da população tenha acesso sequer a um apare
lho telefônico.
O espaço transfigurado
O caráter híbrido da semiperiferia se manifesta também ao
nível da estrutura espacial. A cidade mundial e a malha progra
mada tendem a superar as dimensões das regiões históricas, a
das regiões de política oficial, bem como a estrutura centro-
periferia. Mas a fluidez do espaço éincompleta, pelo menos por
três razões.
Primeiro, a proposta de modernização conservadora é em si
limitada, privilegiando grupos sociais, setores de atividades e
lugares selecionados. Segundo, é forte a inércia espacial exer
cida pelo padrão histórico concentrado do antigo arquipélago
econômico, escala em que os domínios exercem expressão
máxima e diferenciada. Terceiro, a dimensão continental do
199
19. país que permite expandir a mobilização de recursos e o povo
amento, mas favorece também a desigualdade.
Apolitização da estrutura espacial neste contexto foilevada
ao extremo, com o espaço tornando-se instrumento e condição
da modernização conservadora. A gestão estatal do território
foi eminentemente estratégica, envolvendo não apenas sua
administraçãoem termoseconômicos,mastambémasrelações
de poder. Entre 1955 e 1970, a política regional procurou se
identificar com a construção da nação. A macrorregião foi a
escala ótima de operação do tripé, tanto para promover a uni
ficaçãodomercadonacional,comopara acentralizaçãodopoder
governamental. Na década de 70, os grandes projetos geridos
pelas empresas estatais, emjoint-ventures ou isoladamente,
substituem a política regional através de novos ajustes com as
frações hegemônicas regionais.
A espacialidade da semiperiferia
Os modelos de análise disponíveis para apreender uma re
alidade complexa como a brasileira podem ser grupados em
duas vertentes básicas. O primeiro deles se fundamenta nas
estruturais duais, na concepção do tradicional que se opõe ao
moderno como um freio que dificulta o desenvolvimento eco
nômico e a difusão do progresso técnico. A superação da con
cepção dualista foi feita através do conceito de “heterogeneida
deestrutural”propostooriginariamenteporAnibalPinto(1965),
que refutava a aplicação mecânica de modelos fundados na
‘homogeneidade’das estruturas econômicas e sociais, típicos
das economias centrais, na América Latina. O mérito da con
cepção de Pinto estava em romper o ‘nó górdio’ imposto pelo
dualismo, permitindo compreender as sociedades latino-ame-
ricanas, não como estruturas imperfeitas ou disformes, mas,
200
pelo contrário, como aquelas que têm na heterogeneidade seu
traço constituinte fundamental.
A questão que fica a descoberto, entretanto, é a de como
compreender o movimento de uma sociedade heterogênea. Ou
seja,já que ela não “evolui”na direção da homogeneidade, qual
será o seu comportamento dinâmico? É nesse ponto que o
conceito de semiperiferia de Wallerstein assume importância.
Enquanto síntese contraditória, ela combina, em um mesmo
território e em um mesmo momento, espaços e tempos díspa
res cujo ajuste é conseguido a partir de instrum entos políticos,
onde o Estado assume papel central.
O Estado participou da introdução das rápidas mudanças
do mundo contemporâneo, sincronizando-as com a permanên
ciadeestruturasdiacrônicas,cujotempoédefinidoporrotinas
solidamente enraizadas que tendem a “atrasar” o relógio da
modernidade. Sao ritmos e cadências completamente distin
tos, com diferentes velocidades que convivem em um mesmo
período temporal, obrigando a uma complexa gestão dos rit
mos de mudança.
O espaço dos fluxos, conectado aos circuitos internacionais
de capitais, mercadorias e informações, tende a “descolar-se”
do espaço dos lugares, fundado na permanência de territoria-
lidades historicamente adquiridas, que constituem imensa
resistênciaa transformações.Asemiperiferiaéo locusde fortes
tensões que tendem a levar à fragmentação espacial, em várias
escalas, de mosaicos de modernidade em uma superfície irre
gular de miséria.
O Brasil é ímpar para exemplificar esta situação, contribu
indo inclusive para melhor precisar o próprio conceito de
semiperiferia. O statusde potência regional foi alcançado atra
vés de uma modernização conservadora, que produziu trans
formaçõessignificativas,semrompercom ordem socialhierar
quicamente organizada. A gestão autoritária do território foi
um instrumento essencial para produzir fronteiras, enquanto
indutoras de rupturas; garantir domínios, enquanto suportes
/ ___ j , r
20. do establishment e consolidar uma cidade mundial, enquanto
nexo com a economia-mundo.
Afronteira não se resume a uma vasta extensão de terras li
vres, a ser explorada por homens também —pretensamente —
livres, nem tampouco representa um determinado tipo de
periferia. Constitui um espaço econômico, social epolítico não
plenamente estruturado e potencialmente gerador de realida
des novas. A geopalítica do Estado brasileiro construiu, não
apenasuma, masmuitasfronteiras,que deveriamoferecerpers
pectivas de crescimento econômico, de solução de tensões
sociais e do pleno exercício do poder sobre o tempo e oespaço.
Os domínios são áreas consolidadas, com estruturas políti
cas relativamente estáveis, mantidas através de alianças com
interesses locais e regionais que participam do bloco do poder,
dando sustentação ao projeto de modernização conservadora.
Assim se perpetuaram formas quase monopolistas de propri
edade da terra e do capital, graças atoda sorte de instrumentos
políticos que garantem privilégios adquiridos, criando barrei
ras à entrada de novos concorrentes.
Fronteiras e domínios são articulados através de uma cidade
jnundial, que manifesta a nova forma de inserção do Brasil na
economia-mundo. A cidade mundial na semiperiferia é, ao
mesmo tempo e lugar, centro de gestão e acumulação de capital
em escala planetária e núcleo de comando de uma vasta rede
urbana que conecta a multiplicidade de espaços e tempos que
compõem o território nacional.
A emergência da cidade mundial é explicada, em parte, pelo
movimento de acumulação do capital multinacional na econo
mia-mundo. Entretanto, é da combinação deste movimento
global com a atuação do Estado que se configura, no Brasil, um
padrão dinâmico onde a concentração social e espacial da ri
queza é acompanhada pela dispersão seletiva do investimento
público e privado através da malha “programada”,imposta pelo
Estado,porém cujotraçadoatendeaosinteressesquecompõem
o tripé.
202
ÿoa Vist£* /j
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Teresin;
• PortoVelho
T^Macekf
/Aracaju
^SALVADOR
'Goiânia
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PORTO ALEGRE
A A CIDADE MUNDIAL
COMPLEXO URBANO INDUSTRIAL
CINTURÃO AGRO-INDUSTRIAL
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FRENTES DE MODERNIZAÇÃO
AAA A GRANDE FRONTEIRA
* M ETRO PO LES
• CAPITAIS ESTADUAIS
RIODEJANEIRO
SÃOPAULO
Figura 5.7 O espaço transfigurado.
A malha “programada” manteve domínios, expandiu fron
teiras e fortaleceu a cidade mundial, que na escala nacional
assumem expressão mais geral respectivamente na persistên
cia da questão regional no Nordeste, na configuração de uma
imenoa Fronteira e na conformação de um vasto complexo
urbano-industrial apartirdocentrodinâmicodoSudeste.Estes
movimentos expropriaram e excluíram significativos contin
gentes sociais, gerando conflitos que constituem matrizes de
novas territorialidades, que passam a expressar projetos alter
nativos da sociedade civil.
203
21. Reestruturação territorial
A estrutura centro-periferia foi transfigurada pela moderni
zação conservadora, redefinindo hierarquias e posições de
poder, reestruturando funções e unidades de produção, distri
buição e gestão. A consolidação da cidade mundial, de domí
nios, e a abertura de fronteiras são expressões desse processo.
Asnovasterritorialidadesqueemergemdoconflitoentreamalha
programada e o espaço vivido assumem feições específicas em
cada uma destas formações espaço tempo. (Fig. 5.7)
A cidade mundial e o complexo urbano-industrial
Anova forma de inserção do Brasil na economia-mundo teve
suamaiorexpressãonaformaçãodacidademundial —
SãoPaulo
—e de uma estrutura urbano-industrial intimamente articula
da, que emergiu da concentração e ampliação do núcleo eco
nômico durante os anos 60 e 70. Esta área é aparte do país mais
integrada à economia-mundo e a mais dinâmica, tanto em ter
mos de relações internas, como externas, promovendo a urba
nização acelerada do território e gerando focos de modernida
de. As mudanças na distribuição territorial da população ex
pressa esse processo, que é caracterizado pelo descompasso
entre o intenso crescimento urbano, mesmo em áreas de pre
domínio das atividades agrícolas, ea fraca mudança no aden
samento da população, só expressivaem tomo de São Paulo e
nas bordas da grande fronteira. (Fig. 5.8)
Osfluxosdeinformaçãoestãoamplamenteconcentrados em
São Paulo, sede da maioria dos bancos privados, correspon
dendo a 60% do sistema bancário nacional, incluindo 18 dos
23 bancos estrangeiros que operam no Brasil (Corrêa, 1989).
204
22. Figura 5.9 Expansão da área metropolitana de São Paulo
—1930-1980. (Fonte: Retrato do Brasil, 1984)
Os bancos são os principais clientes dos serviços da EMBRA-
TELque ligam o centro nevrálgico da Av. Paulista às restantes
cidades mundiais. Para São Paulo vai metade do fluxo de cha
madas da rede de telex nacional (Cardoso & Bovo, 1989). Con
tíguo à cidade mundial, consolidou-se um domínio dinâmico,
que absorveu grandes fatias do investimento estatal e das mul
tinacionais,configurando-secomoo locusprivilegiadodotripé
(Figs. 5.9 e 5.10). Aí se localiza a fronteira científico-tecnológi-
ca, oeixo de expansão metropolitano que conecta SãoPaulo ao
206
Figura5.10 Expansão industrial no Estado de São Paulo —
1975-
1986. (Fonte: Azzoni, 1989)
Rio deJaneiro e uma grande área industrial praticamente con
tígua que, partindo da cidade mundial, ultrapassa os limites do
Estado de São Paulo —incorporando porções dos Estados vi
zinhos de Minas Gerais e Rio de Janeiro —e projeta um vetor
em direção a Brasília, a capital da geopolítica (Vesentini, 1986)
(Fig. 5.11). Asua volta, uma constelação de metrópoles —for
mada por Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre -destaca-se
pelo dinamismo docrescimento da indústria, confgurando uma
207
23. hierarquia de funções e de poder vinculada às atividades pro
dutivas, de distribuição e de gestão.
Um vasto cinturão agroindustrial se espraia em todas as
direções, desde os campos meridionais até oscerrados centrais,
avançando em fronteiras ao longo dos principais eixos rodo
viários, dinamizando centros regionais, capitais estaduais e a
própria capital federal. Apartir daí, a modernidade se instala em
focosisolados,nasua maioriaresultantesdamalha programada.
Bolsões de pobreza e domínios conservadores permanecem
nas vizinhanças e mesmo dentro da própria cidade mundial e
nas demais metrópoles. Em contrapartida, aí emergem a opo
sição e as novas territorialidades mais significativas, que não
podem ser desligadas da nova forma de inserção na economia-
mundo. Éna borda ocidental da cidade mundial, no território
da indústria automobilística, que emergiu o “novo sindicalis
mo”, autônomo em relação ao Estado, com ligações com fede
rações sindicais internacionais. Novas formas de resistência à
modernizaçãoconservadoraforamgeradasedifundidas apartir
da cidade mundial e de seu entorno imediato. Movimentos
sociais, de base localizada, representam projet alternativos
da sociedade em busca de justiça social.
O domínio agromercantil com frentes de
modernidade
O domínio agromercantil expressa a persistência de níveis
dramáticos de pobreza rural e urbana e de modernas oligarqui
as. No caso do Nordeste, através do expediente histórico de
utilizar a fragilidade da economia regional às estiagens perió
dicas como instrumento de solicitar tratamento diferenciado,
construiu-se uma intrincada trama de subsídios e proteção
208
Figura 5.11 Brasília e cidades-satélites. (Fonte: adaptado do
IBGE/CNG, 1966)
209
24. i li;
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í: !íl;
estatal, que resiste às forças da concorrência intercapitalista.
Reside aí a “questão regional” nordestina.
A proposta de industrialização regional promovida pela
SUDENE facilitou a integração do domínio nordestino à cida
de mundial. Entretanto, foram os grandes projetos da década
de 70 que criaram fronteiras de modernidade, seja em focos
como é o casodo Pólo Petroquímico de Camaçari, nas vizinhan
ças de Salvador, seja em eixos como foi o caso dos grandes
projetos de irrigação ao longo do vale do São Francisco. O
Programa Nacional do Álcool —PROÁLCOOLlevou à moder
nizaçãodaagro-indústriacanavieiranordestina,emboradefor
ma distinta de sua congênere paulista, pois foiincapaz de com
pletar plenamente aintegração em complexo devido àsua grande
dependência defornecedoresextra-regionaisdeequipamentos
e insumos.
Com o PROÁLCOOL, a luta pela terra e pela regulamentação
dosdireitostrabalhistasassumiunovas formas.AherançadasLigas
Camponesas, movimento social de camponeses que eclodiu na
zonacanavieirano finaldadécadade50,foipotenciadaeunifica
da pelos conflitos resultantes da expansão das plantações, o
que transformou os sindicatos de canavieiros em instrumentos
de luta pelos direitos sociais e levou à conquista de territórios
através da resistência, geralmente apoiada pela IgrejaCatólica,
à expropriação promovida pela modernização da agricultura.
A fronteira energética e de recursos também atua diretamen
te sobre o domínio agromercantil. A exploração de gás natural
e petróleo,oj[Jshore realizada pela PETROBRÁS, levou à implan
tação de bases de apoio, terminais e instalações de beneficia-
mento em vários pontos do litoral, desde Campos, no Estado
do Rio dejaneiro, até Natal, no Rio Grande do Norte. Grandes
projetos foram implantados, na forma de complexos territori
ais,queincluemminas, plantações,unidades debeneficiamen-
to, dutos, ferrovias eterminais especializados,produzindo ferro
e metais ferrosos, bauxita e alumina, soda e barrilha, celulose
e papel, na maior parte destinados à exportação.
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Os impactos desses grandes projetos sobre o domínio agrá-
rio-mercantilsãorestritos.Deumlado forçamreacomodações
entre os grupos dominantes locais, que se beneficiam de modo
diferenciado do aporte de recursos; de outro, têm efeitos limi
tados sobre a estrutura produtiva e de renda, já que em sua
maioria operam com elevadaprodutividade ejntemalizam boa
parte de.sua demanda.porhens.e.serviços, o_que poucojesulta
i ^ termos de desenvolvimento regional. Há,no entanto, exter-
nalidades inerentes aos projetos. Uma delas é arápida difusão
de movimentos ecológicos, que gradativamente assumem di
mensão nacional a partir do final dos anos setenta, passando
a exercer pressões sobre as autoridades locais no sentido de
minorar a deterioração acelerada das condições ambientais.
L a ^ M f c' -
A grande fronteira
A Amazônia assume hoje a expressão básica das fronteiras.
Devido à ausência de organizações sociais preexistentes capa
zes de oferecer resistência, o governo federal assumiu direta
mente a iniciativa da modernização, implantando a malha
programada em tempo acelerado enuma escala gigantesca que
transformou partedasantigasregiõesCentro-OesteeNordeste
e toda a região Norte numa grande fronteira nacional.
Ovalorsimbólicodamalhaprogramada,entretanto,foimaior
do que o seu valor real para a ocupação da região. Programas
e projetos, ainda que nem sempre materializados, provocaram
um imediato aumento do valor da terra e dos conflitos sociais,
incompatíveis com as relativamente baixas taxas de investimen
to, ocupação e produção. Somente 24% da área total da região
estavam ocupados por unidades produtivas em 1980, repre
sentando 7% das terras cultivadas no país.
211