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UNIDADE 3 AMOR DE PERDIÇÃO, de CAMILO CASTELO BRANCO
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UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS
OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS
OS TEMAS D’OS MAIAS
	 •	 	Os	principais	temas	d’Os Maias	associam-se	à	ideologia	e	às	preocupações	
nucleares	do	Realismo	e	do	Naturalismo,	que	são	as	principais	referências	artís-
ticas	do	romance.
a) 	O	amor	é	um	dos	temas	centrais	d’Os Maias.	Trata-se	da	força	motriz	que	
desencadeia	e	faz	avançar	a	intriga	principal	—	a	relação	sentimental	entre	
Carlos	e	Maria	Eduarda	—,	mas	também	do	ingrediente	que	precipita	as	
personagens	para	um	desfecho	desditoso,	infeliz:	o	fim	de	um	amor	verda-
deiro	e	de	um	projeto	de	vida	a	dois,	mas	também	a	morte	de	Afonso.
	 A	ligação	amorosa	entre	as	duas	personagens	centrais	termina	quando	se	
descobre	que	são	irmão	e	irmã	e,	portanto,	que	vivem	em	situação	de	
incesto	(outro	tema	da	obra),	ainda	que	involuntário	e	inconsciente.	Carlos	
sobrevive,	profundamente	desiludido,	à	frustração	sentimental.	De	alguma	
maneira,	a	possibilidade	de	realização	pessoal	no	amor	e	de	uma	existência	
feliz	naufraga	com	a	separação	dos	dois	irmãos.
b) 	Tema	profundamente	realista,	o	adultério	assume,	assim,	uma	expressivi-
dade	considerável	neste	romance.	A	infidelidade	amorosa	está	presente	em	
linhas	narrativas	secundárias	do	romance,	condicionando	a	vida	de	certas	
personagens.	N’Os Maias	estuda-se	literariamente	este	fenómeno	social,	
revelando	como	ele	se	associa	à	futilidade	e	à	esterilidade	do	modo	de	vida	
e	da	mentalidade	das	classes	burguesa	e	aristocrática	bem	como	à	educa-
ção	que	os	seus	membros	receberam.
	 Em	primeiro	lugar,	é	o	amor	o	responsável	pelos	sobressaltos	da	vida	de	
Pedro	da	Maia:	a	saída,	em	rutura,	do	lar	paterno,	a	paixão	inflamada	por	
Maria	Monforte	e	o	seu	suicídio.	Aqui	emerge	outro	tópico	relevante	da	nar-
rativa:	o	adultério,	que	é	praticado	por	figuras	femininas	como	a	condessa	
de	Gouvarinho,	Raquel	Cohen	e,	como	vimos,	Maria	Monforte.
c) 	A	educação	é	outro	tema	da	obra.	Desde	logo	porque	condiciona	o	trajeto	de	
vida	de	várias	personagens	do	romance,	como	Carlos,	Pedro	da	Maia	e	Euse-
biozinho,	mas	também,	pela	análise	que	o	processo	narrativo	se	encarrega	de	
fazer,	Maria	Monforte	e	Dâmaso,	entre	outras.	Ao	longo	da	narrativa,	equa-
ciona-se	o	problema	de	apurar	qual	o	melhor	modelo	a	seguir	para	educar	um	
jovem	português	do	século	XIX.	(A educação	era	um	tópico	de	reflexão	dos	
pensadores	da	Geração	de	70,	que	acreditavam	que	ela	podia	ser	a	pedra	
filosofal	que	resgataria	o	povo		português	do	seu	atraso	e	da	sua	decadência.)
Dois	modelos	de	educação	são	colocados	em	confronto:	o	modelo tradicio-
nal português,	orientado	pelos	valores	da	fé	católica,	baseado	no	estudo	
teórico	e	livresco	e	na	aprendizagem	do	latim;	e	o	modelo britânico,	apolo-
gista	do	exercício	físico,	do	contacto	com	a	natureza,	de	uma	formação	
moral	sólida	e	humanista	e	do	estudo	das	línguas	vivas.
	 O	modelo	de	educação	português	produz	indivíduos	de	carácter	fraco,	de	
condição	débil	e	sem	uma	orientação	prática	para	a	vida;	exemplos	disso	
são	Pedro	da	Maia	e	Eusebiozinho.	Carlos	é	educado	segundo	o	modelo	
britânico	mas	falha	na	vida,	ainda	que	não	por	causa	deste	tipo	de	educa-
ção:	são	as	circunstâncias	da	sua	existência	e	os	condicionalismos	do	
	Portugal	em	que	vive	que	o	tornarão	um	«vencido	da	vida».	(Desta	forma,	
o		diletantismo	—	de	Carlos,	de	Ega	e	da	classe	dirigente	—	acaba	por	
	constituir	outra	questão	relevante	da	obra.)
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Conteúdos literários
d) 	Do	que	foi	dito	se	depreende	que	a	decadência	é	outro	tema	d’Os Maias
(para	alguns	estudiosos	da	obra,	o	tema	é	a	própria	ideia	de	Portugal	no	
contexto	do	século	XIX).	Isto	porque	o	romance	procede	a	uma	análise	dos	
aspetos	e	das	causas	da	decadência	nacional.
	 A	análise	social	empreendida	identifica	o	problema	em	vários	domínios	da	
sociedade,	como	a	degradação	dos	costumes	e	da	moral	(por	exemplo,	a	
falta	de	carácter	dos	portugueses),	a	incompetência	e	a	indiferença	da	
classe	dirigente	(com	políticos	como	Gouvarinho,	banqueiros	como	Cohen),	
a	falta	de	civismo	da	sociedade	burguesa	(recorde-se	o	episódio	das	corridas	
de	cavalos),	o	provincianismo,	a	futilidade,	a	falta	de	cultura	(lembre-se	o	
Sarau	no	Teatro	da	Trindade),	etc.
	 A	decadência	é	política,	social,	económica,	cultural	e	moral.	E	as	personagens	
do	romance	traduzem	a	descrença	numa	regeneração	da	pátria	e	das	menta-
lidades,	facto	que	é	ilustrado	na	conversa	galhofeira	do	jantar	no	Hotel	Central.
e) 	Outro	tema	d’Os Maias,	que	se	associa	ao	da	decadência,	é	a	família,	tópico	
que	será	analisado	na	secção	«O	título	e	o	subtítulo»	desta	sistematização.	
Leia-se	esta	mesma	secção	para	compreender	de	que	forma	o	próprio	
Romantismo,	enquanto	mentalidade	dominante,	é	tematizado	nesta	obra	
(cf.	também	Reis,	2000:	40-42).
f) 	Por	outro	lado,	a	própria	literatura	e	as	ideias	artísticas	realistas/naturalistas	
(mas	também	as	românticas)	constituem	questões	temáticas	que	são	abor-
dadas	por	personagens	do	romance	e	problematizadas	por	Eça	de	Queirós	
na	composição	d’Os Maias,	pela	forma	como	mostra	a	falência	do	Roman-
tismo	(sobretudo	na	personagem	de	Alencar)	ou	como	questiona	a	ideologia	
do	Naturalismo	(demonstrando	que	a	hereditariedade	e	a	educação	não	são	
fatores	que	garantam	a	realização	pessoal,	o	carácter	forte	e	a	prosperidade	
de	um	indivíduo).
	 •	 	Podemos	incluir	neste	elenco	outros	temas	(ou	subtemas)	da	obra,	que	ocupa-
rão	uma	posição	secundária	ou	subordinada	em	relação	aos	temas	principais:	
o	progresso,	o	jornalismo,	o	donjuanismo	ou	o	tédio.
A REPRESENTAÇÃO DE ESPAÇOS SOCIAIS E A CRÍTICA DE COSTUMES
	 •	 	A	ação	d’Os Maias	decorre,	em	grande	parte,	em	vários	lugares	de	Lisboa	e	dos	
seus	arredores,	como	em	Sintra;	no	entanto,	na	infância	e	na	juventude	
de	Carlos	da	Maia,	o	leitor	vai	encontrar	a	personagem	e	o	seu	avô	na	quinta	de	
família	de	Santa Olávia	e	em	Coimbra.
	 •	 	Esses	lugares,	que	constituem	o	espaço físico	do	enredo	do	romance,	são	olha-
dos	de	outra	forma	quando	criam	ambientes	povoados	com	personagens	
da	narrativa	—	várias	delas	personagens-tipo	—	e	proporcionam	momentos	de	
caracterização	de	grupos	sociais,	de	figuras	individuais	e,	sobretudo,	de	crítica	
de	costumes.	A	estes	cenários	que	convidam	à	análise	de	comportamentos	
e	de	personagens	dá-se	o	nome	de	espaço social.
	 •	 	Lisboa	é	o	grande	palco	onde	se	desenrola	o	enredo	d’Os Maias	porque	é	na	
capital	portuguesa	que	se	movimenta	a	sociedade	nacional,	que	é	estudada	e	
criticada	no	romance.	É	nos	episódios	que	têm	lugar	em	vários	espaços	lisboe-
tas	e	dos	arredores	da	cidade	que	assistimos	ao	vícios	e	à	decadência	da	socie-
dade	burguesa	da	segunda	metade	do	século	XIX.	Subtilmente,	estabelecem-se	
contrastes	entre	Lisboa	e	outras	capitais	europeias	—	sobretudo	Paris	e	Londres	
—	para	melhor	dar	a	conhecer	os	vícios	cívicos	e	civilizacionais	do	nosso	país.
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UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS
49
George	Leonard	Lewis,	
Palácio da Pena	(1883).
	 •	 	Entre	vários	espaços	da	capital	onde	a	ação	do	romance	se	desenrola,	
	destaca-se	o	Ramalhete,	a	casa	dos	Maias	em	Lisboa,	que	alberga	a	família	ao	
longo	de	várias	gerações	e	que,	por	isso,	assiste	aos	seus	reveses	e	aos	momen-
tos	trágicos.	É	ela	que	corresponde	à	noção	de	lar	da	família	na	capital.	Por	
outro	lado,	a	quinta	de	Santa Olávia,	propriedade	dos	Maias	no	Douro,	repre-
senta	as	origens	rurais	da	família,	o	que	lhe	confere	uma	ligação	ao	campo,	à	
natureza	e	ao	que	há	de	mais	genuinamente	português	e	não	foi	corrompido	
pela	cidade.	Funciona	também	como	um	santuário	onde	Carlos	cresce	e	o	avô	
Afonso	se	refugia.
	 •	 	Já	a	Toca,	vivenda	dos	Olivais	com	um	nome	simbólico	e	que	serve	de	ninho	ao	
amor	de	Carlos	e	Maria	Eduarda,	é	um	lugar	afastado	e	resguardado	do	epicen-
tro	da	vida	social	de	Lisboa	e,	até	certa	altura,	dos	rumores	e	da	maledicência.	
Por	fim,	a	Vila Balzac	é	a	casa	que	acolhe	os	amores	de	Ega	e	de	Raquel	
Cohen.	Ambas	as	casas	estão	marcadas	pelo	signo	dos	sentimentos	impuros:	
a	primeira,	porque	está	associada	ao	adultério,	e	a	segunda,	ao	incesto.
	 •	 	Por	seu	lado,	Coimbra,	onde	Carlos	estuda,	é	a	cidade	que	forma	a	futura	classe	
dirigente	do	reino.	Aí	chegam	as	ideias	filosóficas	e	científicas	de	filósofos	e	
cientistas	da	Europa,	como	Hegel,	Proudhon,	Comte,	Darwin,	etc.	Mas,	na	vida	
boémia	estudantil	coimbrã,	encontramos	já	o	embrião	da	vida	diletante	e	estéril	
que	minará	personagens	centrais	do	romance	como	Carlos	da	Maia	e	Ega.
	 •	 	Já	Sintra	é	a	vila	pitoresca	aonde	Carlos	se	
desloca,	no	Capítulo	VIII,	na	esperança	de	
encontrar	Maria	Eduarda.	Pela	sua	beleza	
natural	e	pela	proximidade	de	Lisboa,	este	
local	afigura-se	como	um	cenário	que	con-
vida,	com	algum	recato,	aos	amores…	tanto	
aos	puros	como	aos	impuros.
	 •	 	No	Hotel Central,	onde	jantam	Carlos,	Ega	e	
outras	personagens	da	narrativa	(Capítulo	VI),	
o	leitor	assiste	a	uma	discussão	literária	(que	
encena	a	polémica	entre	o	Ultrarromantismo	
e	o	Realismo/Naturalismo)	e	às	reflexões	tro-
cistas	sobre	a	situação	política	e	económica	
de	Portugal.	Nesta	confraternização	entre	
personagens	com	formação	e	com	relevo	na	
vida	nacional	(Cohen	é	um	banqueiro	e	um	
homem	influente;	Alencar,	o	tipo	do	poeta	
ultrarromântico),	não	só	observamos	a	indife-
rença	e	a	insensibilidade	perante	a	decadên-
cia	do	País	como	a	incapacidade	de	alguns	
membros	da	elite	lisboeta	se	comportarem	
com	civismo	e	dignidade.
	 •	 	No	episódio	das	corridas	de	cavalos	(capítulo	X),	
que	decorre	no	hipódromo,	é	denunciado	o	
culto	da	aparência	da	sociedade	burguesa	e	a	
sua	aspiração	de	se	mostrar	requintada	e	cos-
mopolita,	imitando	a	realidade	das	corridas	
inglesas.	No	entanto,	o	evento	revela-se	monótono	e	entediante,	e	os	comporta-
mentos,	artificiais.	Mais	ainda,	o	ambiente	apenas	anima	quando	o	provincia-
nismo	lusitano	vem	à	superfície	numa	cena	de	discussão	e	pugilato	que	põe	a	
nu	a	genuína	falta	de	civismo	do	português.
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50
Conteúdos literários
	 •	 	No	jantar	em	casa dos condes de Gouvarinho	(Capítulo	XII),	é	a	classe	dirigente	
da	nação	—	representada	pelo	conde	de	Gouvarinho,	político	proeminente,	e	
por	Sousa	Neto,	alto	funcionário	da	Instrução	Pública	—	que	revela	a	sua	falta	
de	cultura	bem	como	a	mediocridade	das	suas	ideias	e	das	propostas	que	tem	
para	o	País.	Tal	facto	é	notório	quando	estas	personagens	abordam	tópicos	
relacionados	com	a	educação	(das	mulheres),	a	filosofia	e	a	literatura.
	 •	 	Por	outro	lado,	os	vícios	do	jornalismo	e	a	aspiração	da	burguesia	são	tratados	
nos	episódios	que	decorrem	nas	redações dos jornais A Corneta do Diabo	e	
A Tarde	(Capítulo	XV).
	 •	 	No	sarau	artístico	no	Teatro da Trindade	(Capítulo	XVI)	critica-se	a	futilidade	da	
sociedade	burguesa.	A	cultura	das	classes	privilegiadas	é	pobre	e	falta-lhes	
o	gosto	e	a	sensibilidade	pela	arte	mais	exigente.
OS ESPAÇOS E O SEU VALOR SIMBÓLICO E EMOTIVO
1. O jardim do Ramalhete
•	 Antes	de	Afonso	e	Carlos	decidirem	habitar	o	Ramalhete,	este	espaço	«possuía	
apenas,	ao	fundo	de	um	terraço	de	tijolo,	um	pobre	quintal	inculto,	abando-
nado	às	ervas	bravas,	com	um	cipreste,	um	cedro,	uma	cascatazinha	seca,	um	
tanque	entulhado,	e	uma	estátua	de	mármore	([…]	Vénus	Citereia)	enegre-
cendo	a	um	canto	na	lenta	humidade	das	ramagens	silvestres.»	(Capítulo	I).
•	 Depois	de	avô	e	neto	se	terem	instalado	neste	espaço,	o	jardim	é	descrito	da	
seguinte	forma:	«tinha	o	ar	simpático,	com	os	seus	girassóis	perfilados	ao	pé	
dos	degraus	do	terraço,	o	cipreste	e	o	cedro	envelhecendo	juntos	como	amigos	
tristes	e	a	Vénus	Citereia	parecendo	agora,	no	seu	tom	claro	de	estátua	de	par-
que,	ter	chegado	de	Versalhes,	do	fundo	do	grande	século…	e	desde	que	a	
água	abundava,	a	cascatazinha	era	deliciosa,	dentro	do	nicho	de	conchas,	com	
os	seus	pedregulhos	arranjados	em	despenhadeiro	bucólico,	melancolizando	
aquele	fundo	de	quintal	soalheiro	com	um	pranto	de	náiade	doméstica	esfiado	
gota	a	gota	na	bacia	de	mármore.»	(Capítulo	I).
	 •	 	Finalmente,	quando	Ega	e	Carlos	visitam	o	Ramalhete,	dez	anos	depois,	depa-
ram	com	este	cenário:	«Em	baixo	o	jardim,	bem	areado,	limpo	e	frio	na	sua	
nudez	de	inverno,	tinha	a	melancolia	de	um	retiro	esquecido,	que	já	ninguém	
ama:	uma	ferrugem	verde,	de	humidade,	cobria	os	grossos	membros	da	Vénus	
Citereia;	o	cipreste	e	o	cedro	envelheciam	juntos,	como	dois	amigos	num	ermo;	
e	mais	lento	corria	o	prantozinho	da	cascata,	esfiado	saudosamente	gota	a	gota,	
na	bacia	de	mármore.»	(Capítulo	XVIII).	
	 •	 	Dado	que	Maria	Monforte	surge	aos	olhos	de	Pedro	como	uma	deusa,	é	possí-
vel	associá-la	à	estátua	de	Vénus	Citereia	na	sua	primeira	fase.	É	como	se	a	
presença	desta	figura	feminina	fosse	sugerida	obscuramente	no	quintal	do	
Ramalhete,	simbolizando	a	possibilidade	de	uma	nova	tragédia.
	 •	 	Com	a	vinda	de	Afonso	e	de	Carlos	para	Lisboa,	a	estátua	renova-se,	passando	a	
simbolizar	uma	nova	deusa	que	surge	em	Lisboa:	Maria	Eduarda.	De	notar,	no	
entanto,	que,	apesar	da	nota	de	alegria	proporcionada	pela	referência	ao	renasci-
mento	da	estátua	e	à	«cascatazinha	deliciosa»,	a	verdade	é	que	o	ambiente	de	
melancolia	se	mantém	parcialmente,	sendo	sugerido	pela	comparação	do	cipreste	
e	do	cedro	a	dois	«amigos	tristes»	e	pela	alusão	ao	«pranto	de	náiade	doméstica».	
É	possível,	pois,	considerar	que	se	aponta	desta	forma	para	a	presença	de	um	
destino	funesto,	cuja	ameaça,	mesmo	em	momentos	felizes,	parece	estar	latente.
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UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS
51
	 •	 	Quando	pratica	o	incesto,	Carlos	começa	a	sentir	alterações	na	forma	
como	via	o	corpo	de	Maria	Eduarda:	fora	aquele	corpo	dela,	adorado	
sempre	como	um	mármore	ideal,	que	de	repente	lhe	aparecera,	como	
era	na	realidade,	forte	de	mais,	musculoso,	de	grossos	membros	de	
amazona	bárbara,	com	todas	as	suas	belezas	copiosas	do	animal	de	
prazer.»	(Capítulo XVII).	Esta	imagem	pode	ser	associada	à	que	a	
estátua	tem	no	momento	em	que	Carlos	regressa	ao	casarão	após	o	
seu	abandono:	«uma	ferrugem	verde,	de	humidade,	cobria	os	grossos	
membros	da	Vénus	Citereia»	(Capítulo XVIII).
2. O interior do Ramalhete no epílogo
•	 No	epílogo	(isto	é,	no	Capítulo	XVIII),	Carlos	e	Ega	visitam	o	Rama-
lhete,	espaço	a	propósito	do	qual	o	primeiro	afirma:	«—	É	curioso!	
Só	vivi	dois	anos	nesta	casa	e	é	nela	que	me	parece	estar	metida	
a	minha	vida	inteira!»	O	seu	amigo	refere	que	tal	se	fica	ao	dever	ao	
facto	de	ter	sido	naquele	espaço	que	Carlos	viveu	«aquilo	que	dá	
sabor	e	relevo	à	vida	—	a	paixão.»	Com	efeito,	o		protagonista	tem	
uma	intensa	relação	emotiva	com	este	espaço	não	só	pelo	facto	de	
ele	estar	associado	à	vivência	do	seu	amor	com	Maria	Eduarda,	mas	
também	pelas	recordações	que	lhe	proporciona	do	seu	avô,	Afonso	
da	Maia.
	 •	 	Nesta	medida,	a	redução	do	Ramalhete	à	condição	de	um	depósito	de	recorda-
ções	do	passado	torna-se	muito	pungente,	sendo	possível	interpretar	a	destrui-
ção	que	neste	espaço	se	operou	como	um	símbolo	da	efemeridade	da	vida:	«De	
repente,	deu	com	o	pé	numa	caixa	de	chapéu	sem	tampa,	atulhada	de	coisas	
velhas	—	um	véu,	luvas	desirmanadas,	uma	meia	de	seda,	fitas,	flores	artifi-
ciais.	Eram	objetos	de	Maria,	achados	nalgum	canto	da	Toca,	para	ali	atirados	
no	momento	de	esvaziar	a	casa!	E,	coisa	lamentável,	entre	estes	restos	dela,	
misturados	como	na	promiscuidade	de	um	lixo,	aparecia	uma	chinela	de	veludo	
bordada	a	matiz,	uma	velha	chinela	de	Afonso	da	Maia!»	(Capítulo XVIII).
	 •	 	A	morte	é	também	simbolicamente	representada	neste	passo	pelos	panos	
	brancos	que	cobrem	os	móveis	do	escritório	de	Afonso	da	Maia	—	e	que	são	
designados	como	«sudários	brancos»	(Capítulo XVIII).
3. A Toca
	 •	 	O	nome	«Toca»	aponta	para	um	espaço	de	proteção,	imune	às	perturbações	do	
exterior.	O	próprio	Carlos	sugere	que	se	lhe	ponha	«Uma	divisa	de	bicho	egoísta	
na	sua	felicidade	e	no	seu	buraco:	Não	me	mexam!»	(Capítulo	XIII).	Com	efeito,	
os	elementos	perturbadores	da	relação	(o	artigo	difamatório	da	Corneta do Diabo
e	o	encontro	de	Guimarães	com	Maria	Eduarda	e	subsequentes	revelações)	pro-
vêm	de	Lisboa	ou	decorrem	após	Maria	Eduarda	regressar	à	Rua	de	S.	Francisco.	
No	entanto,	podemos	ainda	considerar	que	esta	designação	pode	referir-se	sim-
bolicamente	uma	relação	de	carácter	animalesco,	porque	incestuosa.	
	 •	 	O	facto	de	Carlos	introduzir	«a	chave	devagar	e	com	inútil	cautela	na	fechadura	
daquela	morada»,	o	que	«foi	[…]	um	prazer»	(Capítulo	XIII),	pode	ser	entendido	
como	um	símbolo	da	relação	sexual	entre	os	dois	amantes.
	 •	 	Quanto	ao	quarto	de	Maria	Eduarda,	está	carregado	de	símbolos	que	se	assu-
mem	como	presságios	do	desfecho	trágico	desta	relação	amorosa.	Em	primeiro	
lugar,	temos	a	referência	ao	facto	de	a	alcova	se	assemelhar	ao	«interior	de	um	
tabernáculo	profanado,	convertido	em	retiro	lascivo	de	serralho»	(Capítulo	XIII).	
Vénus	Citereia	(Bertel	Thorvaldsen,	
Vénus com uma maçã,	1813-1816).
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52
Conteúdos literários
Tal	como	este	lugar	sagrado,	também	a	relação	de	Carlos	e	de	Maria	Eduarda	
acabará	por	perder	a	sua	dimensão	sublime	e	converter-se,	após	a	descoberta	
do	seu	grau	de	parentesco,	numa	ligação	meramente	sensual.	O	carácter	ilícito	
deste	amor	(não	pela	sua	dimensão	adúltera,	mas	pelo	facto	de	os	amantes	
serem	irmãos)	é	sugerido	pela	referência	aos	«amores	de	Marte	e	de	Vénus»	
(Capítulo	XIII),	bem	como	a	Lucrécia	Bórgia	—	figura	histórica	conhecida	pela	
luxúria	e	pelas	relações	incestuosas.	A	alusão	a	Romeu	funciona	também	como	
um	indício	de	uma	relação	amorosa	que	culminará	de	forma	trágica.	Final-
mente,	também	a	referência	a	S.	João	Batista	aponta	para	a	denúncia	de	uma	
relação	considerada,	na	época,	incestuosa	(dado	que	Herodes	casara	com	a	sua	
cunhada	—	grau	de	parentesco	equivalente,	nesta	fase,	ao	de	irmã	—	e	deseja	
a	enteada,	Salomé).	Os	indícios	de	catástrofe	são	também	reiterados	pelo	olhar	
agoirento	de	uma	coruja	embalsamada.	Finalmente,	a	insistência	nas	cores	
amarela	e	dourada	pode	ser	entendida	como	uma	referência	à	vitalidade	e	ao	
carácter	ardente	do	seu	amor,	mas	também	à	perversão	que	marca	esta	relação	
amorosa,	dado	que	a	cor	amarela	pode	também	ter	esta	conotação	negativa.
	 •	 	Na	Toca,	é	posto	em	destaque	um	armário	«“divino”	do	Craft,	obra	de	talha	do	
tempo	da	Liga	Hanseática,	luxuoso	e	sombrio»	e	que	«tinha	uma	majestade	
arquitetural:	na	base	quatro	guerreiros,	armados	como	Marte,	flanqueavam	as	
portas,	mostrando	cada	um	em	baixo-relevo	o	assalto	de	uma	cidade	ou	as	
tendas	de	um	acampamento;	a	peça	superior	era	guardada	aos	quatro	cantos	
pelos	quatro	evangelistas,	João,	Marcos,	Lucas	e	Mateus,	imagens	rígidas,	
envolvidas	nessas	roupagens	violentas	que	um	vento	de	profecia	parece	agitar:	
depois,	na	cornija,	erguia-se	um	troféu	agrícola	com	molhos	de	espigas,	foices,	
cachos	de	uvas	e	rabiças	de	arados;	e,	à	sombra	destas	coisas	de	labor	e	far-
tura,	dois	faunos,	recostados	em	simetria,	indiferentes	aos	heróis	e	aos	santos,	
tocavam,	num	desafio	bucólico,	a	frauta	de	quatro	tubos.»	(Capítulo	XIII).	
É	possível	considerar	os	dois	faunos	como	Carlos	e	Maria	Eduarda,	na	medida	
em	que	os	amantes,	tal	como	as	figuras	míticas,	se	entregam	exclusivamente	à	
sensualidade,	indiferentes	a	valores	fundamentais	representados	pelas	restan-
tes	figuras:	o	heroísmo,	a	religião	e	o	trabalho.
	 •	 	De	notar	que	no	epílogo,	quando	Carlos	regressa	ao	Ramalhete,	verifica	que	
houvera	«um	desastre	na	cornija,	nos	dois	faunos	que	entre	troféus	agrícolas	
tocavam	ao	desafio.	Um	partira	o	seu	pé	de	cabra,	outro	perdera	a	sua	frauta	
bucólica…»	(Capítulo	XVIII).
	 •	 	Finalmente,	destaca-se	ainda,	como	«génio	tutelar»	(Capítulo	XIII)	da	Toca,	
«um	ídolo	japonês	de	bronze,	um	deus	bestial,	nu,	pelado,	obeso,	de	papeira,	
faceto	e	banhado	de	riso,	com	o	ventre	ovante,	distendido	na	indigestão	de	todo	
um	universo	—	e	as	duas	perninhas	bambas,	moles	e	flácidas	como	peles	mor-
tas	de	um	feto.»	(Capítulo	XIII).	Esta	figura	de	contornos	grotescos	pode	ser	
considerada	como	um	símbolo	da	dimensão	monstruosa	do	próprio	incesto	que	
será	cometido	naquele	local.
4. Os espaços de Lisboa percorridos no passeio final de Carlos e Ega
	 •	 	Carlos	e	Ega	começam	por	percorrer	o	Loreto,	espaço	em	que	a	estátua	de	
Camões	representa	simbolicamente	a	época	áurea	dos	Descobrimentos,	que	
contrasta	com	a	estagnação,	inércia	e	decadência	que	marcam	a	sociedade	do	
século	XIX	(daí	a	caracterização	da	estátua	de	Camões	como	«triste»).
	 •	 	A	decadência	da	sociedade	está	associada	à	degenerescência	da	própria	
população	portuguesa,	que	é	descrita	como	«feiéssima,	encardida,	molenga,	
reles,	amarelada,	acabrunhada»	(Capítulo	XVIII).
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UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS
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	 •	 	De	seguida,	os	dois	amigos	chegam	à	Avenida da Liberdade,	espaço	que	repre-
senta	simbolicamente	um	Portugal	pretensamente	moderno	e	cosmopolita.
	 •	 	No	entanto,	podemos	verificar	que	as	tentativas	de	modernização	do	espaço	
urbano	se	resumem	a	uma	zona	muito	limitada,	terminando	de	forma	abrupta	
no	fim	da	Avenida,	não	passando,	portanto,	de	um	«curto	rompante	de	luxo	
barato»	(Capítulo	XVIII).
	 •	 	Neste	espaço	se	confirma	também	a	degenerescência	dos	portugueses	—	
neste	caso,	especificamente,	através	da	descrição	da	juventude.	Com	efeito,	
esta	«mocidade	pálida»	(Capítulo	XVIII)	—	cuja	falta	de	vitalidade	é,	provavel-
mente,	uma	consequência	da	educação	tradicional	portuguesa	—	limita-se	a	
passear	pela	Avenida	da	Liberdade	sem	propósito	aparente.	Assim	—	ao	con-
trário	da	geração	de	Carlos	e	de	Ega	—,	nem	sequer	tem	qualquer	ideia	de	
transformação	do	país,	tendo	apenas	o	objetivo	de	ostentar	um	luxo	artificial	
com	o	qual	não	se	sente	confortável.	O	absurdo	desta	situação	é	agravado	pelas	
botas	que	estes	jovens	calçam:	na	sua	ânsia	de	parecerem	muito	civilizados,	os	
portugueses	copiaram	o	modelo	do	estrangeiro,	mas	levaram-no	ao	excesso,	
acabando	por	cair	no	ridículo.	De	acordo	com	Ega,	este	é	o	processo	seguido	
por	toda	a	sociedade	portuguesa	da	época	que,	no	seu	provincianismo,	julga	
que	este	é	o	caminho	para	a	modernização.
	 •	 	Finalmente,	Carlos	aponta	para	os	«velhos	outeiros	da	Graça	e	da	Penha»,	que	
representam	simbolicamente	a	hipótese	de	orientação	para	aquilo	que	é	genui-
namente	português.	No	entanto,	como	Ega	refere,	esta	solução	também	não	é	
satisfatória,	uma	vez	que	implicaria	o	regresso	ao	um	passado	decrépito,	asso-
ciado	ao	domínio	do	clero	e	da	nobreza.
A DESCRIÇÃO DO REAL E O PAPEL DAS SENSAÇÕES
	 •	 	Eça	de	Queirós	revela-se	exímio	a	compor	descrições,	tanto	de	espaços	sociais	
urbanos	como	de	cenários	campestres.	No	romance	Os Maias,	o	narrador	des-
creve	a	realidade	social	do	seu	tempo	em	vários	lugares	de	Lisboa	e	arredores:	
a	casa	dos	Gouvarinho,	o	Hotel	Central,	o	teatro	da	Trindade,	o	hipódromo,	etc.	
Por	outro	lado,	demora-se	também	na	caracterização	de	ambientes	naturais,	
como	Sintra	ou	a	Quinta	de	Santa	Olávia.
João	Christino,	Lisboa, Avenida da Liberdade	(litografia	publicada	na	Mala da Europa,	n.o
	488,	1905).
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Conteúdos literários
	 •	 	As	descrições	de	lugares,	personagens	e	comportamentos	concretizam-se	
em	anotações	que	resultam	sobretudo	de	observações	do	narrador.	Tal	significa	
que	o	registo	descritivo	assenta	em	perceções visuais	desses	elementos;	
ou	seja,	nesta	obra	de	ficção,	simula-se	que	o	narrador	caracteriza	os	espaços	
e	as	figuras	que,	pretensamente,	estaria	a	observar.	
	 •	 	Encontramos	um	exemplo	de	descrição	pautada	pela	perceção	visual	no	
seguinte	passo	do	sarau	da	Trindade:	«De	ambos	os	lados	se	cerravam	filas	de	
cabeças,	embebidas,	enlevadas,	atulhando	os	bancos	de	palhinha	até	junto	ao	
tablado,	onde	dominavam	os	chapéus	de	senhoras	picados	por	manchas	claras	
de	plumas	ou	flores.»	
	 •	 	Esta	caracterização	dos	espaços,	em	que	domina	a	técnica	da	verosimilhança,	
procura	representar	os	lugares	«como	eles	são».	Ela	serve	os	princípios	artísti-
cos	e	os	objetivos	do	Realismo,	pois,	ao	representar	o	mundo	social,	analisa-o	
também	socialmente.	
	 •	 	Outra	técnica	descritiva	importante	usada	por	Eça	é	a	técnica impressionista.	
Como	sucede	na	pintura	do	Impressionismo,	neste	tipo	de	descrição	de	lugares,	
figuras	e	elementos	dá-se	maior	relevo	à	luz	e	às	manchas	de	cor	de	um	
	conjunto	(uma	paisagem,	um	pôr	do	Sol)	do	que	à	forma	exata	ou	aos	contor-
nos	desses	elementos.	Veja-se	como	a	cor	e	os	reflexos	de	luz	sobressaem	
na	representação	da	multidão	e	de	outros	elementos	no	episódio	das	corridas	
de	cavalos.
	 •	 	Há,	no	entanto,	momentos	d’Os Maias	em	que	as	descrições	se	destacam	por	
referências	ou	sugestões	a	sensações olfativas, auditivas	e	táteis.	As	sensa-
ções	olfativas	estão	frequentemente	associadas	a	cenários	naturais	e	decorrem	
das	fragrâncias	exaladas	pela	vegetação:	«as	chaminés	[…]	ornavam-se	de	
braçadas	de	flores,	como	um	altar	doméstico;	era	ainda	aí,	nesse	aroma	e	nessa	
frescura,	que	ele	gozava	melhor	o	seu	cachimbo»	(Capítulo	I).
	 •	 	Relativamente	a	perceções	sensoriais	auditivas	e	táteis,	também	elas	podem	
ser	sugeridas	na	caracterização	de	cenários	campestres,	como	os	de	Sintra	
(Capítulo	VII).	Encontramos	exemplos	de	tais	caracterizações	quando	Carlos	e	
Cruges	estão	a	chegar	a	Sintra:	«envolvia-os	pouco	a	pouco	a	lenta	e	embala-
dora	sussurração	das	ramagens	e	o	difuso	e	vago	murmúrio	das	águas	corren-
tes»	(auditivo);	e	«o	ar	subtil	e	aveludado»	(tátil).	Desta	forma	se	dá	conta	de	
como	o	cenário	envolvia	plenamente	e	fascinava	as	duas	personagens.
	 •	 	Em	algumas	descrições	irrompe	a	sinestesia,	ou	seja,	expressões	em	que	se	
cruzam	ou	se	fundem	diferentes	perceções	sensoriais:	«transparentes	novos	
dum	escarlate estridente»	(visual	e	sonoro);	«luz	macia»	(visual	e	tátil).
REPRESENTAÇÕES DO SENTIMENTO E DA PAIXÃO
1. Diversificação da intriga amorosa
	 •	 	N’Os Maias,	a	diversificação	da	intriga	amorosa	é	conseguida	através	da	refe-
rência	a	diferentes	tipos	de	relação	—	entre	os	quais	se	destacam	as	ligações	
Pedro	da	Maia/Maria	Monforte,	Ega/Raquel	Cohen	e	Carlos	da	Maia/Maria	
Eduarda.
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UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS
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Pedro da Maia/Maria Monforte
	 •	 	Pedro,	personagem	marcadamente	naturalista,	é	vítima	da	hereditariedade,	da	
educação	e	do	meio	em	que	viveu.	Com	efeito,	além	de	ser	«pequenino	e	ner-
voso»	(Capítulo	I)	como	a	sua	mãe,	acaba	por	se	tornar	um	ser	apático,	passivo	
e	nervoso,	em	consequência	da	educação	tradicional	portuguesa.
	 •	 	A	paixão	obsessiva	que	nutre	pela	mãe	—	e	que	o	leva	a	roçar	a	loucura	
aquando	da	sua	morte	—	acaba,	na	idade	adulta,	por	ser	transferida	para	Maria
Monforte,	figura	feminina	bela,	fútil,	caprichosa	e	manipuladora.
	 •	 	Influenciado	pelo	Romantismo,	Pedro	revolta-se	contra	o	pai,	que	não	aprova	o	
casamento	com	a	filha	de	um	antigo	traficante	de	escravos,	e	casa	com	Maria.
	 •	 	No	entanto,	a	leviandade	de	Maria	Monforte	leva-a	a	fugir	com	Tancredo.
	 •	 	A	fragilidade	psicológica	de	Pedro	torna-o	incapaz	de	sobreviver	à	fuga	da	
mulher,	suicidando-se.
Ega/Raquel Cohen
	 •	 	A	paixão	da	vida	de	Ega	acaba	por	ser	o	romance	adúltero	com	Raquel Cohen,	
mulher	do	banqueiro	Cohen.
	 •	 	O	carácter	ilícito	desta	relação,	bem	como	o	facto	de	os	amantes	se	encontra-
rem	na	Vila	Balzac,	espaço	cuja	decoração	—	em	tons	de	vermelho	e	tendo	
como	ponto	fulcral	o	leito	—	é	propícia	à	sensualidade,	mostra	que,	tal	como	
sucedera	com	Pedro	e	Maria	Monforte,	também	a	paixão	entre	Ega	e	Raquel	
Cohen	é	influenciada	pelos	ideais	do	amor	romântico.
	 •	 	Esta	relação	termina	no	momento	em	que	Cohen,	descobrindo	o	adultério,	
expulsa	Ega.	No	entanto,	este	episódio	—	que	poderia	ter	contornos	trágicos	
—	acaba	por	ser	investido	de	um	tom	grotesco,	uma	vez	que,	porque	tudo	
sucedeu	num	baile	de	máscaras,	Cohen	se	encontrava	vestido	de	beduíno	e	
Ega,	de	Mefistófeles.	Além	disso,	Raquel	é	espancada	pelo	marido,	mas	acaba	
por	se	reconciliar	com	ele.
	 •	 	Deste	modo,	o	único	elemento	sublime	que	acaba	por	restar	desta	relação	
amorosa	são	as	recordações	de	Ega,	que	este	evoca	junto	de	Carlos	e	Craft,	
mas	cujo	dramatismo	é,	mais	uma	vez,	diluído	pelo	facto	de	aquele	se	encon-
trar	profundamente	ébrio.
Carlos/Maria Eduarda
	 •	 	Após	uma	relação	fugaz	com	a	condessa	de	Gouvarinho	—	que	nutre	por	ele	
uma	intensa	paixão	não	correspondida	—,	Carlos	acaba	por	encontrar	o	grande	
amor	da	sua	vida	em	Maria Eduarda.
	 •	 	Todas	as	relações	anteriormente	referidas	(Pedro/Maria	Monforte,	Ega/Raquel	
Cohen	e	Carlos/condessa	de	Gouvarinho)	contribuem	para	exaltar	o	carácter	
sublime	desta	última	relação	amorosa.
	 •	 	Com	efeito,	no	amor	de	Carlos	e	de	Maria	Eduarda,	não	temos	uma	relação	
marcada	pela	manipulação	(como	sucedera	com	Pedro	e	Maria	Monforte)	nem	
pela	superficialidade	(como	acontecia	nos	casos	de	Ega	e	Raquel	Cohen	e	de	
Carlos	e	da	condessa	de	Gouvarinho).	A	paixão	entre	os	protagonistas	decorre	
de	uma	sintonia	de	personalidades	—	já	que	ambos	são	inteligentes,	cultos	e	
requintados	—	que	os	eleva	acima	da	sociedade	mesquinha	em	que	vivem	e	
lhes	permite	superarem	todas	as	contrariedades	—	até	que	um	destino	impie-
doso	se	abate	definitivamente	sobre	eles.
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Conteúdos literários
	 •	 	Não	deixa	de	ser	curioso	o	facto	de	Carlos,	aquando	da	descoberta	do	seu	grau	
de	parentesco	com	Maria	Eduarda,	considerar	que	tanto	ele	como	a	sua	amada	
eram	seres	profundamente	racionais	que	conseguiriam	facilmente	sufocar	os	
seus	sentimentos	agora	que	sabiam	ser	irmãos.	O	desdém	que	mostra	pela	
mentalidade	romântica	rapidamente	se	desfaz	no	momento	em	que	se	revela	
incapaz	de	contar	a	verdade	a	Maria	Eduarda,	acabando	por	ceder	à	tentação	
e	cometendo	incesto	voluntariamente.
	 •	 	Assim,	podemos	verificar	que	também	a	relação	amorosa	entre	Carlos	e	Maria	
Eduarda	é	influenciada	pelos	ideais	do	amor	romântico	—	de	forma	mais	dra-
mática	no	momento	do	incesto,	mas	também	pelo	facto	de	ambos	enfrentarem	
as	convenções	sociais	e	decidirem	ficar	juntos	(num	primeiro	momento,	numa	
suposta	relação	de	adultério,	num	segundo	momento,	numa	relação	de	aman-
tes,	que	se	torna	mais	controversa	pelo	passado	de	Maria	Eduarda).
	 •	 	De	facto,	esta	realidade	é	magistralmente	sintetizada	na	fala	de	Ega,	aquando	
da	sua	última	visita	ao	Ramalhete:	«Que	temos	nós	sido	desde	o	colégio,	desde	
o	exame	de	latim?	Românticos:	isto	é,	indivíduos	inferiores	que	se	governam	na	
vida	pelo	sentimento	e	não	pela	razão…»	(Capítulo	XVIII).
2. A intriga trágica
Peripécia/
Anagnórise
Revelação	da	relação	de	parentesco	entre	Carlos	e	Maria	
Eduarda	feita	por	Guimarães	a	Ega;	revelação	desta	relação	
de	parentesco	feita	por	Ega	a	Vilaça,	por	este	a	Carlos	
e	por	Carlos	a	Afonso.
Hybris/Clímax
Carlos	é	incapaz	de	resistir	à	paixão	que	sente	por	Maria	
Eduarda	e	comete	incesto	voluntariamente.
Catástrofe
Afonso	morre	e	Carlos	e	Maria	Eduarda	separam-se	para	
sempre.
CARACTERÍSTICAS TRÁGICAS DOS PROTAGONISTAS
	 •	 	Na	Poética,	Aristóteles	afirma	que	as	personagens	da	tragédia	deveriam	ter	uma	
condição	elevada.
	 •	 	É	isto,	de	facto,	o	que	sucede	n’Os Maias:	Afonso da Maia,	Carlos da Maia	e	
Maria Eduarda	são	personagens	de	condição	superior	não	apenas	pelo	seu	
estatuto	de	fidalgos,	mas	também	(e	sobretudo)	pela	nobreza	do	seu	carácter.	
Ainda	que	nenhuma	destas	figuras	seja	perfeita,	a	verdade	é	que	todas	têm	
traços	heroicos.
Afonso da Maia
	 •	 	Apesar	de	ter	alguns	traços	de	diletantismo	(que	o	levarão	a	esquecer	facil-
mente	a	dura	luta	travada	pelos	seus	companheiros	liberais	em	Portugal	
enquanto	vivia	uma	vida	luxuosa	em	Inglaterra	e	a	limitar-se	a	aconselhar	Carlos	
e	os	amigos	a	fazerem	algo	para	mudar	Portugal,	ao	invés	de	agir),	Afonso da
Maia	é	uma	personagem	admirável.
	 •	 	Com	efeito,	apesar	de	os	princípios	morais	o	terem	levado	a	desaprovar	o	casa-
mento	de	Pedro,	quando	este	regressa,	humilhado,	após	a	partida	de	Maria	
Monforte,	o	seu	amor	paternal	leva-o	a	reconciliar-se	com	o	filho	e	a	apoiá-lo,	
ao	invés	de	o	recriminar.
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UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS
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	 •	 	Além	disso,	a	sua	enorme	força	interior	é	demonstrada	pela	capacidade	de	
sobreviver	à	morte	do	filho	e	de	se	dedicar	com	entusiasmo	à	educação	do	neto.
	 •	 	Finalmente,	é	uma	personagem	profundamente	digna,	que	não	se	deixa	sedu-
zir	pelo	luxo	que	Carlos	tanto	aprecia,	vivendo	de	forma	simples	e	austera.	
À	virtude	da	sobriedade	acresce	o	facto	de	ser	inteligente,	culto	e	caridoso	—	
tanto	com	as	pessoas,	como	com	os	animais.
Carlos da Maia
	 •	 	Apesar	do	carácter	diletante,	que	prejudica	os	seus	estudos	universitários	e,	
após	o	regresso	a	Lisboa,	o	impede	de	concretizar	os	seus	projetos	no	campo	
da	Medicina,	Carlos	é	também	uma	personagem	na	qual	ressaltam	caracterís-
ticas	positivas.
	 •	 	Com	efeito,	ao	longo	da	intriga,	destaca-se	pela	sua	inteligência,	cultura	e	sen-
tido	de	humor,	assumindo	uma	atitude	crítica	e	irónica	em	relação	à	sociedade	
portuguesa.
Maria Eduarda
	 •	 	Apesar	de	as	circunstâncias	da	vida	a	terem	forçado	a	viver	com	Mac	Gren	
sem	se	casar	e,	posteriormente,	a	tornar-se	amante	de	Castro	Gomes,	Maria
Eduarda	nunca	perde	a	sua	dignidade.
	 •	 	À	semelhança	de	Carlos	e	de	Afonso	da	Maia,	é	inteligente	e	culta.	Além	disso,	
herda	de	Afonso	da	Maia	a	capacidade	de	se	compadecer	dos	mais	fracos.
Como	é	apanágio	da	tragédia,	a	nobreza	de	todas	estas	personagens	torna	mais	
pungente	a	catástrofe	que	se	abate	sobre	elas.	
LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
1. Os Maias enquanto romance
	 •	 	A	obra	Os Maias	deve	ser	classificada	literariamente	como	um	romance;	isto	
porque,	segundo	as	regras	deste	género literário,	se	trata	de	uma	narrativa	
longa	(mais	extensa	do	que	o	conto	e	a	novela)	em	que	existe	mais	do	que	uma	
linha	de	ação	—	embora,	por	regra,	domine	uma	principal	—	e	um	número	
considerável	de	personagens.	Por	esse	motivo,	multiplicam-se	os	espaços	em	
que	o	enredo	se	desenvolve	e	a	organização	temporal	torna-se	mais	complexa.
	 •	 	A	relação	amorosa	entre	Carlos	e	Maria	Eduarda	constitui	a	ação principal
d’Os Maias:	esta	linha	narrativa	funciona	como	motor	do	romance,	e	é	a	vida	
e	o	destino	destas	personagens	centrais	que	dinamizam	o	texto.	Por	outro	lado,	
encontramos	uma	linha	de	ação secundária:	o	casamento	de	Pedro	da	Maia	
e	Maria	Monforte.
	 •	 	Numa	narrativa	extensa,	de	enredo	complexo,	é	natural	que	o	número	de	per-
sonagens	que	sobe	à	cena	se	multiplique.	Além	das	figuras	centrais,	Carlos	
e	Maria	Eduarda,	que	são	complexas	(modeladas),	encontramos	n’Os Maias
personagens	que	participam	na	ação	central	(Afonso	da	Maia,	Ega,	Castro	
Gomes),	mas	também	outras	entidades	de	importância.	Assim,		personagens-tipo	
ou	caricaturas,	como	Palma	Cavalão,	Sousa	Neto,	o	Neves,	estão	sobretudo	ao	
serviço	da	crítica social	porque	neles	se	estudam	vícios	e	tiques	sociais.
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58
Conteúdos literários
	 •	 	Essa	crónica	de	costumes	que	anima	Os Maias	decorre	sobretudo	em	vários	
lugares	de	Lisboa	e	dos	seus	arredores.	Assim,	a	multiplicidade	de	espaços
físicos	lisboetas	—	como	o	Hotel	Central,	o	hipódromo,	o	teatro	da	Trindade	
—	constrói	uma	série	de	palcos	onde	podemos	analisar	os	comportamentos	de	
grupos	e	figuras	típicas	da	sociedade	burguesa	oitocentista:	espaço social.
	 •	 	Por	seu	lado,	a	organização temporal	da	narrativa	é	também	complexa	neste	
romance.	A	narrativa	inicia-se	em	1875,	quando	Carlos	da	Maia	se	prepara	
para	vir	viver	para	Lisboa;	mas	logo	assistimos	a	uma	retrospetiva	(analepse)	
que	leva	o	leitor	a	conhecer	a	vida	do	avô	e	do	pai	do	protagonista.	Por	outro	
lado,	o	romance	encerra	com	um	epílogo	que	tem	lugar	dez	anos	após	o	desfe-
cho	da	intriga	principal.
2. O título e o subtítulo
	 •	 	O	título	do	romance,	Os Maias,	é	uma	referência	direta	à	família	fidalga,	oriunda	
do	Norte	do	País,	que	ocupa	uma	posição	central	na	narrativa.	De	facto,	se	
Carlos	da	Maia	é	a	personagem	nuclear	da	ação	principal,	a	vida	do	seu	pai	e	
do	seu	avô	assumem	relevância	no	romance.	Aliás,	o	enredo	d’Os Maias
remonta	a	algumas	décadas	anteriores	ao	nascimento	do	protagonista.	A	perti-
nência	do	título	manifesta-se	também	no	facto	de	os	acontecimentos	da	intriga	
principal,	a	relação incestuosa	de	Carlos	e	Maria	Eduarda,	serem	uma	conse-
quência	dos	infortúnios	e	dos	desencontros	dos	membros	da	família	Maia.
	 •	 	Nesse	sentido,	a	obra	enquadra-se	na	classificação	de	«romance de família»,	
porque	faz	desfilar	nos	dois	capítulos	iniciais,	de	forma	resumida,	a	vida	de	
quatro	gerações	de	Maias,	representando	os	diferentes	períodos	do	século	XIX
português.	Numa	fugaz	presença	na	narrativa,	Caetano	da	Maia,	adepto	do	
Absolutismo,	manterá	uma	relação	tensa	(por	questões	ideológicas)	com	o	seu	
filho,	Afonso,	que	defende	as	ideias	do	Liberalismo.	Já	Pedro	da	Maia,	filho	de	
Afonso,	representa	a	segunda	geração	liberal	e	a	mentalidade	romântica.	
Por fim,	Carlos	da	Maia	aparece	como	um	contemporâneo	da	Regeneração	
(1851-1906).
	 •	 	Assim,	através	das	personagens	desta	família,	equacionam-se	questões	da	
época:	a	decadência,	o	progresso	material,	o	rotativismo	político,	etc.	Assim,	até	
certo	ponto,	a	família	Maia	representa	metonimicamente	Portugal	e	a	decadên-
cia	da	nação	ao	longo	do	século	XIX.
	 •	 	Se	o	título	aponta	para	a	história	de	uma	família,	o	subtítulo	—	Episódios da
vida romântica	—	abre	o	leque	de	possibilidades	da	narrativa	para	a	tornar	um	
estudo	da	sociedade	portuguesa	(sobretudo)	da	segunda	metade	do	século	XIX.	
Nessa	medida,	este	subtítulo	aponta	para	a	crónica de costumes,	que	atravessa	
o	romance	e	se	desenvolve	a	par	da	intriga	principal.	Nesse	estudo	da	socie-
dade	portuguesa	analisam-se	os	comportamentos,	os	hábitos,	as	práticas	de	
um	povo,	a	fim	de	denunciar	e	criticar	os	seus	vícios,	incongruências	e	falhas.
	 •	 	Uma	finalidade	maior	d’Os Maias,	enquanto	estudo social,	é	tentar	compreen-
der	as	«causas	da	decadência»	do	povo	português	no	século	XIX.	Aliás,	Eça	de	
Queirós	planeara	escrever	um	conjunto	de	doze	novelas	de	cariz	realista/natu-
ralista,	que	receberia	o	título	de	Cenas da vida portuguesa	ou	Crónicas da vida
sentimental,	mas	o	projeto	não	foi	concluído.	Esta	obra	multifacetada	comporia	
um	painel	de	retratos	do	Portugal	de	então	e	versaria	temas	como	o	alcoolismo,	
o	adultério,	o	jogo,	o	sacerdócio,	etc.
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UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS
59
João Abel Manta, As personagens de Eça (meados do século XX).
• Quanto ao método seguido na análise social, Eça concebe uma série de
episódios em que as características dos portugueses se manifestam. Nestes
episódios, desmascaram-se traços da identidade coletiva portuguesa, como o
parasitismo, o oportunismo, a inércia, a falta de cultura e outros vícios que, pelo
menos em parte, explicam a situação do Portugal da Regeneração.
• O subtítulo do romance sugere que no Portugal do fim do século XIX pulsa ainda
uma «vida romântica»; Ega decifra o sentido da expressão: «— E que somos
nós? […] Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo
sentimento, e não pela razão…». Românticos são Ega, Carlos e os restantes
membros da sociedade burguesa aqui retratada, porque as personagens
do romance, se, por um lado, extravasam paixão, emoção e espontaneidade
(os amores, legítimos ou adúlteros, as amizades e as inimizades virulentas,
a maledicência, a desorganização e a desordem), por outro, revelam-se parcas
em seriedade, organização, equilíbrio, trabalho, disciplina e empenho (razão).
Ou seja, faltam as qualidades necessárias para colocar o País na rota do desen-
volvimento, do civismo e da justiça social.
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60
Conteúdos literários
	 •	 	O	Portugal	de	Carlos	é	romântico	porque	herdou	as	ideias,	os	valores	e	as	cren-
ças	da	segunda	geração	liberal	e	romântica	e	neles	se	fossilizou.	Tipicamente	
romântica	é	também	a	mentalidade	pautada	pelo	tédio,	pela	ociosidade	e	pelo	
diletantismo,	que	minam	a	existência	das	personagens	desta	obra.
	 •	 	Decorrente	desta	ideia	está	a	segunda	explicação	para	a	mentalidade	romântica	
do	fim	de	século.	A	sociedade	romântica	é	a	sociedade	liberal,	dominada	pela	
burguesia	e	pelos	seus	valores:	materialismo,	mercantilismo,	elitismo,	(pseudo-)
requinte,	o	luxo,	a	monarquia.	São	estes	valores	decadentes,	liberais,	burgueses	
—	românticos!	—	que	ainda	conduzem	a	sociedade	portuguesa	e	o	grupo	diri-
gente,	condenando	o	País	ao	atraso	e	à	pobreza	(material	e	de		espírito).
3. Linguagem e estilo
	 •	 	Em	termos	de	registos de linguagem,	a	prosa	de	Eça	de	Queirós	revela-se	
admiravelmente	versátil	e	maleável.	Por	um	lado,	no	melhor	registo literário e
elevado,	atinge	rasgos	de	grande	beleza	com	a	construção	frásica	elegante	e	
cuidada,	as	imagens	plásticas	sugestivas	e	o	léxico	erudito.	Por	outro	lado,	
sobretudo	na	reprodução	das	falas	das	personagens,	recorre-se	aos	registos	
familiar	e	corrente	e,	ocasionalmente,	ao	calão	para	reproduzir	com	naturali-
dade	e	humor	os	tiques	de	linguagem	oral	do	português	do	fim	de	século.
	 •	 	Ainda	no	que	diz	respeito	à	«reprodução	do	discurso	no	discurso»,	o	discurso
direto	dos	diálogos	e	o	discurso indireto livre	(técnica	em	que	a	voz	de	uma	
personagem	e	do	narrador	se	sobrepõem)	revelam-se	estratégias	ao	gosto	da	
literatura	realista	na	medida	em	que	se	colocam	as	personagens	em	interação,	
de	forma	a	exporem-se	através	do	que	dizem	e	a	denunciarem	o	seu	carácter,	
incongruências	e	vícios,	num	processo	de	caracterização	indireta	em	que	a	
personagem	mostra	o	que	é	pelo	que	afirma	e	pela	forma	como	afirma:	Dâmaso	
é	boçal;	Cohen,	inculto;	Ega,	pedante;	Palma	«Cavalão»,	hipócrita,	etc.
	 •	 	Por	outro	lado,	os	recursos expressivos	conferem	originalidade	e	riqueza	à	
prosa	queirosiana.	A	ironia	é	um	recurso	expressivo	cultivado	por	Eça,	tanto	
porque	serve	a	crítica	social	como	porque	se	trata	de	uma	figura	de	estilo	que	
confere	leveza,	encanto	e	humor	à	narrativa.	Este	recurso	expressivo	revela-se	
adequado	para	denunciar	as	contradições,	as	incongruências	e	as	falhas	das	
personagens	e	dos	comportamentos	sociais.
	 •	 	A	hipálage	é	outro	recurso	expressivo	que	se	associa	à	prosa	romanesca	
de	Eça,	tendo	em	conta	a	elegância	e	a	expressividade	com	que	o	romancista	
a	usou.	A	hipálage,	recorde-se,	consiste	em	associar	uma	palavra	(normal-
mente	um	epíteto)	não	ao	termo	a	que	estaria	naturalmente	ligado	mas	a	um	
vocábulo	vizinho:	«Ega	espalhava	também	pelo	quarto	um	olhar	pensativo»	(era	
Ega	quem	estava	pensativo,	não	o	seu	olhar).
	 •	 	A	comparação	e	a	metáfora	são	recursos	expressivos	de	capital	importância	
na	caracterização	de	certas	personagens	e	da	vida	lisboeta.	Em	tom	irónico	ou	
trocista,	na	boca	de	algumas	personagens	a	comparação	e	a	metáfora	são	
formas	de	caracterização	insultuosa:	por	exemplo,	«a	besta	do	Cohen».	
Facilmente	a	ironia	se	associa	à	metáfora	na	caracterização	de	alguém,	neste	
caso,	o	conde	de	Gouvarinho,	acerca	de	quem	Ega	diz:	«—	Tem	todas	as	con-
dições	para	ser	ministro:	tem	voz	sonora,	leu	Maurício	Block,	está	encalacrado,	
e	é um asno!…».
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UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS
61
	 •	 	Noutros	casos,	a	comparação,	a	metáfora	e	as	imagens	tomam	parte	nas	des-
crições	artísticas	de	paisagens:	«Iam	ambos	caminhando	por	uma	das	alame-
das	laterais,	verde	e	fresca,	de	uma	paz religiosa, como um claustro feito de
folhagem.»	Ou	então,	traduzem,	de	forma	admirável,	os	estados	de	alma	
humana,	como	no	caso	da	metáfora:	«os	bigodes	esvoaçando	ao	vendaval	das	
paixões».	Para	caracterizar	o	vazio	existencial	de	Pedro	da	Maia,	diz-se	que,	
para	ele,	«dias	[são]	taciturnos,	longos	como	desertos».
	 •	 	No	seu	período	de	maturidade	literária,	Eça	de	Queirós	trabalhou	o	adjetivo	
e	o	advérbio	de	forma	artística	e	disciplinada,	de	modo	a	obter	uma	expressivi-
dade	admirável.	O	adjetivo	pode	ser	usado,	em	Eça,	de	forma	surpreendente,	
associando-se	a	elementos	a	que	não	se	ligava	semanticamente:	«sorriso	mole»,	
«chiar	lento	das	rodas».	Nesses	casos,	projeta	na	frase	a	subjetividade	e	o	juízo	
do	enunciador	(narrador	ou	personagem).	Os	casos	de	adjetivação	dupla	
revestem-se	de	particular	significado,	sobretudo	quando	os	adjetivos	contrastam	
entre	si,	associando	o	concreto	e	o	abstrato,	o	físico	e	o	psicológico,	etc.:	«maciço	
e	silencioso	palácio»,	«uns	sons	de	piano,	dolente	e	vago».	Alguns	dos	exem-
plos	revelam	que	o	adjetivo	pode	estar	ao	serviço	da	crítica.
	 •	 	Igual	função	pode	ser	desempenhada	pelo	advérbio,	sobretudo	quando	tem	
uma	presença	inesperada	e	surpreendente	na	frase:	«remexia	desoladamente
o	seu	café».	Aí	o	advérbio	corresponde,	como	o	adjetivo,	a	um	comentário	ou	a	
uma	constatação	do	enunciador;	noutras	situações,	desencadeia	um	efeito	
humorístico.	Significativos	são	os	casos	em	que	o	advérbio	contrasta	com	o	
significado	do	verbo,	como	em	«Dâmaso	sorria	também	lividamente».
	 •	 	O	verbo	é	outra	classe	de	palavras	trabalhada	criativamente,	produzindo	em	
vários	passos	combinações	sugestivas	e	plenas	de	significado:	«mordia	um	sor-
riso»,	«vamo-nos	gouvarinhar»,	«Ega	trovejou»,	etc.	Por	outro	lado,	tanto	o	pre-
térito	imperfeito	do	indicativo,	que	alude	a	ações	repetidas,	como	o	gerúndio	
conferem	dinamismo	às	descrições.	As	formas	verbais	do	imperfeito	e	gerúndio	
funcionam	também	normalmente	como	modos	de	dar	conta	do	valor	aspetual	
habitual	ou	durativo	da	ação:	«o	tédio	lento	ia	pesando	outra	vez.»
	 •	 	Ainda	no	domínio	do	vocabulário,	o	texto	d’Os Maias	surge	polvilhado	de	
estrangeirismos,	que	são	criteriosamente	usados.	Assim,	tanto	o	«anglicismo»	
(	vocábulo	de	origem	inglesa)	como	o	«galicismo»	ou	«francesismo»	traduzem	
	frequentemente	a	pretensão	das	personagens	em	exibir	um	requinte,	uma	
modernidade	e	um	cosmopolitismo,	que,	contudo,	acabam	por	ser	artificiais.	
Vemos	aqui	o	jogo	das	aparências	em	que	a	sociedade	burguesa	tanto	se	com-
praz.	Por	exemplo,	no	episódio	das	corridas	de	cavalos,	o	vocabulário	deste	
espetáculo	tão	pouco	nacional	é	requisitado	à	língua	inglesa:	«jockey»,	«sports-
man»,	«handicap»	ou	«dead-beat».	Não	raro,	o	estrangeirismo	é	usado	de	
forma	irónica,	como	o	famoso	«chique»,	de	Dâmaso,	que	denuncia	a	sua	sub-
missão	pacóvia	ao	francesismo,	o	qual	também	marca	presença	no	romance	
para	aludir	a	questões	de	moda	e	sociedade.
	 •	 	Por	último,	o	diminutivo	pode	assumir	vários	significados:	se	em	alguns	casos	
se	trata	de	uma	expressão	de	afeto	(«Carlinhos»,	«o	latinzinho»),	mais	interes-
sante	é	a	sua	utilização	irónica	para	depreciar	ou	ridicularizar	alguém:	«Dama-
sozinho,	flor,	fique	avisado	de	que,	de	ora	em	diante,	cada	vez	que	me	suceder	
uma	coisa	desagradável,	venho	aqui	e	parto-lhe	uma	costela	[…].»	O	diminutivo	
encarrega-se	de	participar	na	atitude	trocista	do	narrador	e	de	algumas	perso-
nagens	na	crítica	de	comportamentos	e	de	costumes.
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Os Maias

  • 1. UNIDADE 3 AMOR DE PERDIÇÃO, de CAMILO CASTELO BRANCO 4747 UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS OS TEMAS D’OS MAIAS • Os principais temas d’Os Maias associam-se à ideologia e às preocupações nucleares do Realismo e do Naturalismo, que são as principais referências artís- ticas do romance. a) O amor é um dos temas centrais d’Os Maias. Trata-se da força motriz que desencadeia e faz avançar a intriga principal — a relação sentimental entre Carlos e Maria Eduarda —, mas também do ingrediente que precipita as personagens para um desfecho desditoso, infeliz: o fim de um amor verda- deiro e de um projeto de vida a dois, mas também a morte de Afonso. A ligação amorosa entre as duas personagens centrais termina quando se descobre que são irmão e irmã e, portanto, que vivem em situação de incesto (outro tema da obra), ainda que involuntário e inconsciente. Carlos sobrevive, profundamente desiludido, à frustração sentimental. De alguma maneira, a possibilidade de realização pessoal no amor e de uma existência feliz naufraga com a separação dos dois irmãos. b) Tema profundamente realista, o adultério assume, assim, uma expressivi- dade considerável neste romance. A infidelidade amorosa está presente em linhas narrativas secundárias do romance, condicionando a vida de certas personagens. N’Os Maias estuda-se literariamente este fenómeno social, revelando como ele se associa à futilidade e à esterilidade do modo de vida e da mentalidade das classes burguesa e aristocrática bem como à educa- ção que os seus membros receberam. Em primeiro lugar, é o amor o responsável pelos sobressaltos da vida de Pedro da Maia: a saída, em rutura, do lar paterno, a paixão inflamada por Maria Monforte e o seu suicídio. Aqui emerge outro tópico relevante da nar- rativa: o adultério, que é praticado por figuras femininas como a condessa de Gouvarinho, Raquel Cohen e, como vimos, Maria Monforte. c) A educação é outro tema da obra. Desde logo porque condiciona o trajeto de vida de várias personagens do romance, como Carlos, Pedro da Maia e Euse- biozinho, mas também, pela análise que o processo narrativo se encarrega de fazer, Maria Monforte e Dâmaso, entre outras. Ao longo da narrativa, equa- ciona-se o problema de apurar qual o melhor modelo a seguir para educar um jovem português do século XIX. (A educação era um tópico de reflexão dos pensadores da Geração de 70, que acreditavam que ela podia ser a pedra filosofal que resgataria o povo português do seu atraso e da sua decadência.) Dois modelos de educação são colocados em confronto: o modelo tradicio- nal português, orientado pelos valores da fé católica, baseado no estudo teórico e livresco e na aprendizagem do latim; e o modelo britânico, apolo- gista do exercício físico, do contacto com a natureza, de uma formação moral sólida e humanista e do estudo das línguas vivas. O modelo de educação português produz indivíduos de carácter fraco, de condição débil e sem uma orientação prática para a vida; exemplos disso são Pedro da Maia e Eusebiozinho. Carlos é educado segundo o modelo britânico mas falha na vida, ainda que não por causa deste tipo de educa- ção: são as circunstâncias da sua existência e os condicionalismos do Portugal em que vive que o tornarão um «vencido da vida». (Desta forma, o diletantismo — de Carlos, de Ega e da classe dirigente — acaba por constituir outra questão relevante da obra.) 000998 024-071.indd 47 04/03/16 16:33
  • 2. 48 Conteúdos literários d) Do que foi dito se depreende que a decadência é outro tema d’Os Maias (para alguns estudiosos da obra, o tema é a própria ideia de Portugal no contexto do século XIX). Isto porque o romance procede a uma análise dos aspetos e das causas da decadência nacional. A análise social empreendida identifica o problema em vários domínios da sociedade, como a degradação dos costumes e da moral (por exemplo, a falta de carácter dos portugueses), a incompetência e a indiferença da classe dirigente (com políticos como Gouvarinho, banqueiros como Cohen), a falta de civismo da sociedade burguesa (recorde-se o episódio das corridas de cavalos), o provincianismo, a futilidade, a falta de cultura (lembre-se o Sarau no Teatro da Trindade), etc. A decadência é política, social, económica, cultural e moral. E as personagens do romance traduzem a descrença numa regeneração da pátria e das menta- lidades, facto que é ilustrado na conversa galhofeira do jantar no Hotel Central. e) Outro tema d’Os Maias, que se associa ao da decadência, é a família, tópico que será analisado na secção «O título e o subtítulo» desta sistematização. Leia-se esta mesma secção para compreender de que forma o próprio Romantismo, enquanto mentalidade dominante, é tematizado nesta obra (cf. também Reis, 2000: 40-42). f) Por outro lado, a própria literatura e as ideias artísticas realistas/naturalistas (mas também as românticas) constituem questões temáticas que são abor- dadas por personagens do romance e problematizadas por Eça de Queirós na composição d’Os Maias, pela forma como mostra a falência do Roman- tismo (sobretudo na personagem de Alencar) ou como questiona a ideologia do Naturalismo (demonstrando que a hereditariedade e a educação não são fatores que garantam a realização pessoal, o carácter forte e a prosperidade de um indivíduo). • Podemos incluir neste elenco outros temas (ou subtemas) da obra, que ocupa- rão uma posição secundária ou subordinada em relação aos temas principais: o progresso, o jornalismo, o donjuanismo ou o tédio. A REPRESENTAÇÃO DE ESPAÇOS SOCIAIS E A CRÍTICA DE COSTUMES • A ação d’Os Maias decorre, em grande parte, em vários lugares de Lisboa e dos seus arredores, como em Sintra; no entanto, na infância e na juventude de Carlos da Maia, o leitor vai encontrar a personagem e o seu avô na quinta de família de Santa Olávia e em Coimbra. • Esses lugares, que constituem o espaço físico do enredo do romance, são olha- dos de outra forma quando criam ambientes povoados com personagens da narrativa — várias delas personagens-tipo — e proporcionam momentos de caracterização de grupos sociais, de figuras individuais e, sobretudo, de crítica de costumes. A estes cenários que convidam à análise de comportamentos e de personagens dá-se o nome de espaço social. • Lisboa é o grande palco onde se desenrola o enredo d’Os Maias porque é na capital portuguesa que se movimenta a sociedade nacional, que é estudada e criticada no romance. É nos episódios que têm lugar em vários espaços lisboe- tas e dos arredores da cidade que assistimos ao vícios e à decadência da socie- dade burguesa da segunda metade do século XIX. Subtilmente, estabelecem-se contrastes entre Lisboa e outras capitais europeias — sobretudo Paris e Londres — para melhor dar a conhecer os vícios cívicos e civilizacionais do nosso país. 000998 024-071.indd 48 04/03/16 16:33
  • 3. UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS 49 George Leonard Lewis, Palácio da Pena (1883). • Entre vários espaços da capital onde a ação do romance se desenrola, destaca-se o Ramalhete, a casa dos Maias em Lisboa, que alberga a família ao longo de várias gerações e que, por isso, assiste aos seus reveses e aos momen- tos trágicos. É ela que corresponde à noção de lar da família na capital. Por outro lado, a quinta de Santa Olávia, propriedade dos Maias no Douro, repre- senta as origens rurais da família, o que lhe confere uma ligação ao campo, à natureza e ao que há de mais genuinamente português e não foi corrompido pela cidade. Funciona também como um santuário onde Carlos cresce e o avô Afonso se refugia. • Já a Toca, vivenda dos Olivais com um nome simbólico e que serve de ninho ao amor de Carlos e Maria Eduarda, é um lugar afastado e resguardado do epicen- tro da vida social de Lisboa e, até certa altura, dos rumores e da maledicência. Por fim, a Vila Balzac é a casa que acolhe os amores de Ega e de Raquel Cohen. Ambas as casas estão marcadas pelo signo dos sentimentos impuros: a primeira, porque está associada ao adultério, e a segunda, ao incesto. • Por seu lado, Coimbra, onde Carlos estuda, é a cidade que forma a futura classe dirigente do reino. Aí chegam as ideias filosóficas e científicas de filósofos e cientistas da Europa, como Hegel, Proudhon, Comte, Darwin, etc. Mas, na vida boémia estudantil coimbrã, encontramos já o embrião da vida diletante e estéril que minará personagens centrais do romance como Carlos da Maia e Ega. • Já Sintra é a vila pitoresca aonde Carlos se desloca, no Capítulo VIII, na esperança de encontrar Maria Eduarda. Pela sua beleza natural e pela proximidade de Lisboa, este local afigura-se como um cenário que con- vida, com algum recato, aos amores… tanto aos puros como aos impuros. • No Hotel Central, onde jantam Carlos, Ega e outras personagens da narrativa (Capítulo VI), o leitor assiste a uma discussão literária (que encena a polémica entre o Ultrarromantismo e o Realismo/Naturalismo) e às reflexões tro- cistas sobre a situação política e económica de Portugal. Nesta confraternização entre personagens com formação e com relevo na vida nacional (Cohen é um banqueiro e um homem influente; Alencar, o tipo do poeta ultrarromântico), não só observamos a indife- rença e a insensibilidade perante a decadên- cia do País como a incapacidade de alguns membros da elite lisboeta se comportarem com civismo e dignidade. • No episódio das corridas de cavalos (capítulo X), que decorre no hipódromo, é denunciado o culto da aparência da sociedade burguesa e a sua aspiração de se mostrar requintada e cos- mopolita, imitando a realidade das corridas inglesas. No entanto, o evento revela-se monótono e entediante, e os comporta- mentos, artificiais. Mais ainda, o ambiente apenas anima quando o provincia- nismo lusitano vem à superfície numa cena de discussão e pugilato que põe a nu a genuína falta de civismo do português. 000998 024-071.indd 49 04/03/16 16:33
  • 4. 50 Conteúdos literários • No jantar em casa dos condes de Gouvarinho (Capítulo XII), é a classe dirigente da nação — representada pelo conde de Gouvarinho, político proeminente, e por Sousa Neto, alto funcionário da Instrução Pública — que revela a sua falta de cultura bem como a mediocridade das suas ideias e das propostas que tem para o País. Tal facto é notório quando estas personagens abordam tópicos relacionados com a educação (das mulheres), a filosofia e a literatura. • Por outro lado, os vícios do jornalismo e a aspiração da burguesia são tratados nos episódios que decorrem nas redações dos jornais A Corneta do Diabo e A Tarde (Capítulo XV). • No sarau artístico no Teatro da Trindade (Capítulo XVI) critica-se a futilidade da sociedade burguesa. A cultura das classes privilegiadas é pobre e falta-lhes o gosto e a sensibilidade pela arte mais exigente. OS ESPAÇOS E O SEU VALOR SIMBÓLICO E EMOTIVO 1. O jardim do Ramalhete • Antes de Afonso e Carlos decidirem habitar o Ramalhete, este espaço «possuía apenas, ao fundo de um terraço de tijolo, um pobre quintal inculto, abando- nado às ervas bravas, com um cipreste, um cedro, uma cascatazinha seca, um tanque entulhado, e uma estátua de mármore ([…] Vénus Citereia) enegre- cendo a um canto na lenta humidade das ramagens silvestres.» (Capítulo I). • Depois de avô e neto se terem instalado neste espaço, o jardim é descrito da seguinte forma: «tinha o ar simpático, com os seus girassóis perfilados ao pé dos degraus do terraço, o cipreste e o cedro envelhecendo juntos como amigos tristes e a Vénus Citereia parecendo agora, no seu tom claro de estátua de par- que, ter chegado de Versalhes, do fundo do grande século… e desde que a água abundava, a cascatazinha era deliciosa, dentro do nicho de conchas, com os seus pedregulhos arranjados em despenhadeiro bucólico, melancolizando aquele fundo de quintal soalheiro com um pranto de náiade doméstica esfiado gota a gota na bacia de mármore.» (Capítulo I). • Finalmente, quando Ega e Carlos visitam o Ramalhete, dez anos depois, depa- ram com este cenário: «Em baixo o jardim, bem areado, limpo e frio na sua nudez de inverno, tinha a melancolia de um retiro esquecido, que já ninguém ama: uma ferrugem verde, de humidade, cobria os grossos membros da Vénus Citereia; o cipreste e o cedro envelheciam juntos, como dois amigos num ermo; e mais lento corria o prantozinho da cascata, esfiado saudosamente gota a gota, na bacia de mármore.» (Capítulo XVIII). • Dado que Maria Monforte surge aos olhos de Pedro como uma deusa, é possí- vel associá-la à estátua de Vénus Citereia na sua primeira fase. É como se a presença desta figura feminina fosse sugerida obscuramente no quintal do Ramalhete, simbolizando a possibilidade de uma nova tragédia. • Com a vinda de Afonso e de Carlos para Lisboa, a estátua renova-se, passando a simbolizar uma nova deusa que surge em Lisboa: Maria Eduarda. De notar, no entanto, que, apesar da nota de alegria proporcionada pela referência ao renasci- mento da estátua e à «cascatazinha deliciosa», a verdade é que o ambiente de melancolia se mantém parcialmente, sendo sugerido pela comparação do cipreste e do cedro a dois «amigos tristes» e pela alusão ao «pranto de náiade doméstica». É possível, pois, considerar que se aponta desta forma para a presença de um destino funesto, cuja ameaça, mesmo em momentos felizes, parece estar latente. 000998 024-071.indd 50 04/03/16 16:33
  • 5. UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS 51 • Quando pratica o incesto, Carlos começa a sentir alterações na forma como via o corpo de Maria Eduarda: fora aquele corpo dela, adorado sempre como um mármore ideal, que de repente lhe aparecera, como era na realidade, forte de mais, musculoso, de grossos membros de amazona bárbara, com todas as suas belezas copiosas do animal de prazer.» (Capítulo XVII). Esta imagem pode ser associada à que a estátua tem no momento em que Carlos regressa ao casarão após o seu abandono: «uma ferrugem verde, de humidade, cobria os grossos membros da Vénus Citereia» (Capítulo XVIII). 2. O interior do Ramalhete no epílogo • No epílogo (isto é, no Capítulo XVIII), Carlos e Ega visitam o Rama- lhete, espaço a propósito do qual o primeiro afirma: «— É curioso! Só vivi dois anos nesta casa e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!» O seu amigo refere que tal se fica ao dever ao facto de ter sido naquele espaço que Carlos viveu «aquilo que dá sabor e relevo à vida — a paixão.» Com efeito, o protagonista tem uma intensa relação emotiva com este espaço não só pelo facto de ele estar associado à vivência do seu amor com Maria Eduarda, mas também pelas recordações que lhe proporciona do seu avô, Afonso da Maia. • Nesta medida, a redução do Ramalhete à condição de um depósito de recorda- ções do passado torna-se muito pungente, sendo possível interpretar a destrui- ção que neste espaço se operou como um símbolo da efemeridade da vida: «De repente, deu com o pé numa caixa de chapéu sem tampa, atulhada de coisas velhas — um véu, luvas desirmanadas, uma meia de seda, fitas, flores artifi- ciais. Eram objetos de Maria, achados nalgum canto da Toca, para ali atirados no momento de esvaziar a casa! E, coisa lamentável, entre estes restos dela, misturados como na promiscuidade de um lixo, aparecia uma chinela de veludo bordada a matiz, uma velha chinela de Afonso da Maia!» (Capítulo XVIII). • A morte é também simbolicamente representada neste passo pelos panos brancos que cobrem os móveis do escritório de Afonso da Maia — e que são designados como «sudários brancos» (Capítulo XVIII). 3. A Toca • O nome «Toca» aponta para um espaço de proteção, imune às perturbações do exterior. O próprio Carlos sugere que se lhe ponha «Uma divisa de bicho egoísta na sua felicidade e no seu buraco: Não me mexam!» (Capítulo XIII). Com efeito, os elementos perturbadores da relação (o artigo difamatório da Corneta do Diabo e o encontro de Guimarães com Maria Eduarda e subsequentes revelações) pro- vêm de Lisboa ou decorrem após Maria Eduarda regressar à Rua de S. Francisco. No entanto, podemos ainda considerar que esta designação pode referir-se sim- bolicamente uma relação de carácter animalesco, porque incestuosa. • O facto de Carlos introduzir «a chave devagar e com inútil cautela na fechadura daquela morada», o que «foi […] um prazer» (Capítulo XIII), pode ser entendido como um símbolo da relação sexual entre os dois amantes. • Quanto ao quarto de Maria Eduarda, está carregado de símbolos que se assu- mem como presságios do desfecho trágico desta relação amorosa. Em primeiro lugar, temos a referência ao facto de a alcova se assemelhar ao «interior de um tabernáculo profanado, convertido em retiro lascivo de serralho» (Capítulo XIII). Vénus Citereia (Bertel Thorvaldsen, Vénus com uma maçã, 1813-1816). 000998 024-071.indd 51 07/03/16 17:38
  • 6. 52 Conteúdos literários Tal como este lugar sagrado, também a relação de Carlos e de Maria Eduarda acabará por perder a sua dimensão sublime e converter-se, após a descoberta do seu grau de parentesco, numa ligação meramente sensual. O carácter ilícito deste amor (não pela sua dimensão adúltera, mas pelo facto de os amantes serem irmãos) é sugerido pela referência aos «amores de Marte e de Vénus» (Capítulo XIII), bem como a Lucrécia Bórgia — figura histórica conhecida pela luxúria e pelas relações incestuosas. A alusão a Romeu funciona também como um indício de uma relação amorosa que culminará de forma trágica. Final- mente, também a referência a S. João Batista aponta para a denúncia de uma relação considerada, na época, incestuosa (dado que Herodes casara com a sua cunhada — grau de parentesco equivalente, nesta fase, ao de irmã — e deseja a enteada, Salomé). Os indícios de catástrofe são também reiterados pelo olhar agoirento de uma coruja embalsamada. Finalmente, a insistência nas cores amarela e dourada pode ser entendida como uma referência à vitalidade e ao carácter ardente do seu amor, mas também à perversão que marca esta relação amorosa, dado que a cor amarela pode também ter esta conotação negativa. • Na Toca, é posto em destaque um armário «“divino” do Craft, obra de talha do tempo da Liga Hanseática, luxuoso e sombrio» e que «tinha uma majestade arquitetural: na base quatro guerreiros, armados como Marte, flanqueavam as portas, mostrando cada um em baixo-relevo o assalto de uma cidade ou as tendas de um acampamento; a peça superior era guardada aos quatro cantos pelos quatro evangelistas, João, Marcos, Lucas e Mateus, imagens rígidas, envolvidas nessas roupagens violentas que um vento de profecia parece agitar: depois, na cornija, erguia-se um troféu agrícola com molhos de espigas, foices, cachos de uvas e rabiças de arados; e, à sombra destas coisas de labor e far- tura, dois faunos, recostados em simetria, indiferentes aos heróis e aos santos, tocavam, num desafio bucólico, a frauta de quatro tubos.» (Capítulo XIII). É possível considerar os dois faunos como Carlos e Maria Eduarda, na medida em que os amantes, tal como as figuras míticas, se entregam exclusivamente à sensualidade, indiferentes a valores fundamentais representados pelas restan- tes figuras: o heroísmo, a religião e o trabalho. • De notar que no epílogo, quando Carlos regressa ao Ramalhete, verifica que houvera «um desastre na cornija, nos dois faunos que entre troféus agrícolas tocavam ao desafio. Um partira o seu pé de cabra, outro perdera a sua frauta bucólica…» (Capítulo XVIII). • Finalmente, destaca-se ainda, como «génio tutelar» (Capítulo XIII) da Toca, «um ídolo japonês de bronze, um deus bestial, nu, pelado, obeso, de papeira, faceto e banhado de riso, com o ventre ovante, distendido na indigestão de todo um universo — e as duas perninhas bambas, moles e flácidas como peles mor- tas de um feto.» (Capítulo XIII). Esta figura de contornos grotescos pode ser considerada como um símbolo da dimensão monstruosa do próprio incesto que será cometido naquele local. 4. Os espaços de Lisboa percorridos no passeio final de Carlos e Ega • Carlos e Ega começam por percorrer o Loreto, espaço em que a estátua de Camões representa simbolicamente a época áurea dos Descobrimentos, que contrasta com a estagnação, inércia e decadência que marcam a sociedade do século XIX (daí a caracterização da estátua de Camões como «triste»). • A decadência da sociedade está associada à degenerescência da própria população portuguesa, que é descrita como «feiéssima, encardida, molenga, reles, amarelada, acabrunhada» (Capítulo XVIII). 000998 024-071.indd 52 04/03/16 16:33
  • 7. UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS 53 • De seguida, os dois amigos chegam à Avenida da Liberdade, espaço que repre- senta simbolicamente um Portugal pretensamente moderno e cosmopolita. • No entanto, podemos verificar que as tentativas de modernização do espaço urbano se resumem a uma zona muito limitada, terminando de forma abrupta no fim da Avenida, não passando, portanto, de um «curto rompante de luxo barato» (Capítulo XVIII). • Neste espaço se confirma também a degenerescência dos portugueses — neste caso, especificamente, através da descrição da juventude. Com efeito, esta «mocidade pálida» (Capítulo XVIII) — cuja falta de vitalidade é, provavel- mente, uma consequência da educação tradicional portuguesa — limita-se a passear pela Avenida da Liberdade sem propósito aparente. Assim — ao con- trário da geração de Carlos e de Ega —, nem sequer tem qualquer ideia de transformação do país, tendo apenas o objetivo de ostentar um luxo artificial com o qual não se sente confortável. O absurdo desta situação é agravado pelas botas que estes jovens calçam: na sua ânsia de parecerem muito civilizados, os portugueses copiaram o modelo do estrangeiro, mas levaram-no ao excesso, acabando por cair no ridículo. De acordo com Ega, este é o processo seguido por toda a sociedade portuguesa da época que, no seu provincianismo, julga que este é o caminho para a modernização. • Finalmente, Carlos aponta para os «velhos outeiros da Graça e da Penha», que representam simbolicamente a hipótese de orientação para aquilo que é genui- namente português. No entanto, como Ega refere, esta solução também não é satisfatória, uma vez que implicaria o regresso ao um passado decrépito, asso- ciado ao domínio do clero e da nobreza. A DESCRIÇÃO DO REAL E O PAPEL DAS SENSAÇÕES • Eça de Queirós revela-se exímio a compor descrições, tanto de espaços sociais urbanos como de cenários campestres. No romance Os Maias, o narrador des- creve a realidade social do seu tempo em vários lugares de Lisboa e arredores: a casa dos Gouvarinho, o Hotel Central, o teatro da Trindade, o hipódromo, etc. Por outro lado, demora-se também na caracterização de ambientes naturais, como Sintra ou a Quinta de Santa Olávia. João Christino, Lisboa, Avenida da Liberdade (litografia publicada na Mala da Europa, n.o 488, 1905). 000998 024-071.indd 53 04/03/16 16:33
  • 8. 54 Conteúdos literários • As descrições de lugares, personagens e comportamentos concretizam-se em anotações que resultam sobretudo de observações do narrador. Tal significa que o registo descritivo assenta em perceções visuais desses elementos; ou seja, nesta obra de ficção, simula-se que o narrador caracteriza os espaços e as figuras que, pretensamente, estaria a observar. • Encontramos um exemplo de descrição pautada pela perceção visual no seguinte passo do sarau da Trindade: «De ambos os lados se cerravam filas de cabeças, embebidas, enlevadas, atulhando os bancos de palhinha até junto ao tablado, onde dominavam os chapéus de senhoras picados por manchas claras de plumas ou flores.» • Esta caracterização dos espaços, em que domina a técnica da verosimilhança, procura representar os lugares «como eles são». Ela serve os princípios artísti- cos e os objetivos do Realismo, pois, ao representar o mundo social, analisa-o também socialmente. • Outra técnica descritiva importante usada por Eça é a técnica impressionista. Como sucede na pintura do Impressionismo, neste tipo de descrição de lugares, figuras e elementos dá-se maior relevo à luz e às manchas de cor de um conjunto (uma paisagem, um pôr do Sol) do que à forma exata ou aos contor- nos desses elementos. Veja-se como a cor e os reflexos de luz sobressaem na representação da multidão e de outros elementos no episódio das corridas de cavalos. • Há, no entanto, momentos d’Os Maias em que as descrições se destacam por referências ou sugestões a sensações olfativas, auditivas e táteis. As sensa- ções olfativas estão frequentemente associadas a cenários naturais e decorrem das fragrâncias exaladas pela vegetação: «as chaminés […] ornavam-se de braçadas de flores, como um altar doméstico; era ainda aí, nesse aroma e nessa frescura, que ele gozava melhor o seu cachimbo» (Capítulo I). • Relativamente a perceções sensoriais auditivas e táteis, também elas podem ser sugeridas na caracterização de cenários campestres, como os de Sintra (Capítulo VII). Encontramos exemplos de tais caracterizações quando Carlos e Cruges estão a chegar a Sintra: «envolvia-os pouco a pouco a lenta e embala- dora sussurração das ramagens e o difuso e vago murmúrio das águas corren- tes» (auditivo); e «o ar subtil e aveludado» (tátil). Desta forma se dá conta de como o cenário envolvia plenamente e fascinava as duas personagens. • Em algumas descrições irrompe a sinestesia, ou seja, expressões em que se cruzam ou se fundem diferentes perceções sensoriais: «transparentes novos dum escarlate estridente» (visual e sonoro); «luz macia» (visual e tátil). REPRESENTAÇÕES DO SENTIMENTO E DA PAIXÃO 1. Diversificação da intriga amorosa • N’Os Maias, a diversificação da intriga amorosa é conseguida através da refe- rência a diferentes tipos de relação — entre os quais se destacam as ligações Pedro da Maia/Maria Monforte, Ega/Raquel Cohen e Carlos da Maia/Maria Eduarda. 000998 024-071.indd 54 04/03/16 16:33
  • 9. UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS 55 Pedro da Maia/Maria Monforte • Pedro, personagem marcadamente naturalista, é vítima da hereditariedade, da educação e do meio em que viveu. Com efeito, além de ser «pequenino e ner- voso» (Capítulo I) como a sua mãe, acaba por se tornar um ser apático, passivo e nervoso, em consequência da educação tradicional portuguesa. • A paixão obsessiva que nutre pela mãe — e que o leva a roçar a loucura aquando da sua morte — acaba, na idade adulta, por ser transferida para Maria Monforte, figura feminina bela, fútil, caprichosa e manipuladora. • Influenciado pelo Romantismo, Pedro revolta-se contra o pai, que não aprova o casamento com a filha de um antigo traficante de escravos, e casa com Maria. • No entanto, a leviandade de Maria Monforte leva-a a fugir com Tancredo. • A fragilidade psicológica de Pedro torna-o incapaz de sobreviver à fuga da mulher, suicidando-se. Ega/Raquel Cohen • A paixão da vida de Ega acaba por ser o romance adúltero com Raquel Cohen, mulher do banqueiro Cohen. • O carácter ilícito desta relação, bem como o facto de os amantes se encontra- rem na Vila Balzac, espaço cuja decoração — em tons de vermelho e tendo como ponto fulcral o leito — é propícia à sensualidade, mostra que, tal como sucedera com Pedro e Maria Monforte, também a paixão entre Ega e Raquel Cohen é influenciada pelos ideais do amor romântico. • Esta relação termina no momento em que Cohen, descobrindo o adultério, expulsa Ega. No entanto, este episódio — que poderia ter contornos trágicos — acaba por ser investido de um tom grotesco, uma vez que, porque tudo sucedeu num baile de máscaras, Cohen se encontrava vestido de beduíno e Ega, de Mefistófeles. Além disso, Raquel é espancada pelo marido, mas acaba por se reconciliar com ele. • Deste modo, o único elemento sublime que acaba por restar desta relação amorosa são as recordações de Ega, que este evoca junto de Carlos e Craft, mas cujo dramatismo é, mais uma vez, diluído pelo facto de aquele se encon- trar profundamente ébrio. Carlos/Maria Eduarda • Após uma relação fugaz com a condessa de Gouvarinho — que nutre por ele uma intensa paixão não correspondida —, Carlos acaba por encontrar o grande amor da sua vida em Maria Eduarda. • Todas as relações anteriormente referidas (Pedro/Maria Monforte, Ega/Raquel Cohen e Carlos/condessa de Gouvarinho) contribuem para exaltar o carácter sublime desta última relação amorosa. • Com efeito, no amor de Carlos e de Maria Eduarda, não temos uma relação marcada pela manipulação (como sucedera com Pedro e Maria Monforte) nem pela superficialidade (como acontecia nos casos de Ega e Raquel Cohen e de Carlos e da condessa de Gouvarinho). A paixão entre os protagonistas decorre de uma sintonia de personalidades — já que ambos são inteligentes, cultos e requintados — que os eleva acima da sociedade mesquinha em que vivem e lhes permite superarem todas as contrariedades — até que um destino impie- doso se abate definitivamente sobre eles. 000998 024-071.indd 55 04/03/16 16:33
  • 10. 56 Conteúdos literários • Não deixa de ser curioso o facto de Carlos, aquando da descoberta do seu grau de parentesco com Maria Eduarda, considerar que tanto ele como a sua amada eram seres profundamente racionais que conseguiriam facilmente sufocar os seus sentimentos agora que sabiam ser irmãos. O desdém que mostra pela mentalidade romântica rapidamente se desfaz no momento em que se revela incapaz de contar a verdade a Maria Eduarda, acabando por ceder à tentação e cometendo incesto voluntariamente. • Assim, podemos verificar que também a relação amorosa entre Carlos e Maria Eduarda é influenciada pelos ideais do amor romântico — de forma mais dra- mática no momento do incesto, mas também pelo facto de ambos enfrentarem as convenções sociais e decidirem ficar juntos (num primeiro momento, numa suposta relação de adultério, num segundo momento, numa relação de aman- tes, que se torna mais controversa pelo passado de Maria Eduarda). • De facto, esta realidade é magistralmente sintetizada na fala de Ega, aquando da sua última visita ao Ramalhete: «Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão…» (Capítulo XVIII). 2. A intriga trágica Peripécia/ Anagnórise Revelação da relação de parentesco entre Carlos e Maria Eduarda feita por Guimarães a Ega; revelação desta relação de parentesco feita por Ega a Vilaça, por este a Carlos e por Carlos a Afonso. Hybris/Clímax Carlos é incapaz de resistir à paixão que sente por Maria Eduarda e comete incesto voluntariamente. Catástrofe Afonso morre e Carlos e Maria Eduarda separam-se para sempre. CARACTERÍSTICAS TRÁGICAS DOS PROTAGONISTAS • Na Poética, Aristóteles afirma que as personagens da tragédia deveriam ter uma condição elevada. • É isto, de facto, o que sucede n’Os Maias: Afonso da Maia, Carlos da Maia e Maria Eduarda são personagens de condição superior não apenas pelo seu estatuto de fidalgos, mas também (e sobretudo) pela nobreza do seu carácter. Ainda que nenhuma destas figuras seja perfeita, a verdade é que todas têm traços heroicos. Afonso da Maia • Apesar de ter alguns traços de diletantismo (que o levarão a esquecer facil- mente a dura luta travada pelos seus companheiros liberais em Portugal enquanto vivia uma vida luxuosa em Inglaterra e a limitar-se a aconselhar Carlos e os amigos a fazerem algo para mudar Portugal, ao invés de agir), Afonso da Maia é uma personagem admirável. • Com efeito, apesar de os princípios morais o terem levado a desaprovar o casa- mento de Pedro, quando este regressa, humilhado, após a partida de Maria Monforte, o seu amor paternal leva-o a reconciliar-se com o filho e a apoiá-lo, ao invés de o recriminar. 000998 024-071.indd 56 04/03/16 16:33
  • 11. UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS 57 • Além disso, a sua enorme força interior é demonstrada pela capacidade de sobreviver à morte do filho e de se dedicar com entusiasmo à educação do neto. • Finalmente, é uma personagem profundamente digna, que não se deixa sedu- zir pelo luxo que Carlos tanto aprecia, vivendo de forma simples e austera. À virtude da sobriedade acresce o facto de ser inteligente, culto e caridoso — tanto com as pessoas, como com os animais. Carlos da Maia • Apesar do carácter diletante, que prejudica os seus estudos universitários e, após o regresso a Lisboa, o impede de concretizar os seus projetos no campo da Medicina, Carlos é também uma personagem na qual ressaltam caracterís- ticas positivas. • Com efeito, ao longo da intriga, destaca-se pela sua inteligência, cultura e sen- tido de humor, assumindo uma atitude crítica e irónica em relação à sociedade portuguesa. Maria Eduarda • Apesar de as circunstâncias da vida a terem forçado a viver com Mac Gren sem se casar e, posteriormente, a tornar-se amante de Castro Gomes, Maria Eduarda nunca perde a sua dignidade. • À semelhança de Carlos e de Afonso da Maia, é inteligente e culta. Além disso, herda de Afonso da Maia a capacidade de se compadecer dos mais fracos. Como é apanágio da tragédia, a nobreza de todas estas personagens torna mais pungente a catástrofe que se abate sobre elas. LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA 1. Os Maias enquanto romance • A obra Os Maias deve ser classificada literariamente como um romance; isto porque, segundo as regras deste género literário, se trata de uma narrativa longa (mais extensa do que o conto e a novela) em que existe mais do que uma linha de ação — embora, por regra, domine uma principal — e um número considerável de personagens. Por esse motivo, multiplicam-se os espaços em que o enredo se desenvolve e a organização temporal torna-se mais complexa. • A relação amorosa entre Carlos e Maria Eduarda constitui a ação principal d’Os Maias: esta linha narrativa funciona como motor do romance, e é a vida e o destino destas personagens centrais que dinamizam o texto. Por outro lado, encontramos uma linha de ação secundária: o casamento de Pedro da Maia e Maria Monforte. • Numa narrativa extensa, de enredo complexo, é natural que o número de per- sonagens que sobe à cena se multiplique. Além das figuras centrais, Carlos e Maria Eduarda, que são complexas (modeladas), encontramos n’Os Maias personagens que participam na ação central (Afonso da Maia, Ega, Castro Gomes), mas também outras entidades de importância. Assim, personagens-tipo ou caricaturas, como Palma Cavalão, Sousa Neto, o Neves, estão sobretudo ao serviço da crítica social porque neles se estudam vícios e tiques sociais. 000998 024-071.indd 57 04/03/16 16:33
  • 12. 58 Conteúdos literários • Essa crónica de costumes que anima Os Maias decorre sobretudo em vários lugares de Lisboa e dos seus arredores. Assim, a multiplicidade de espaços físicos lisboetas — como o Hotel Central, o hipódromo, o teatro da Trindade — constrói uma série de palcos onde podemos analisar os comportamentos de grupos e figuras típicas da sociedade burguesa oitocentista: espaço social. • Por seu lado, a organização temporal da narrativa é também complexa neste romance. A narrativa inicia-se em 1875, quando Carlos da Maia se prepara para vir viver para Lisboa; mas logo assistimos a uma retrospetiva (analepse) que leva o leitor a conhecer a vida do avô e do pai do protagonista. Por outro lado, o romance encerra com um epílogo que tem lugar dez anos após o desfe- cho da intriga principal. 2. O título e o subtítulo • O título do romance, Os Maias, é uma referência direta à família fidalga, oriunda do Norte do País, que ocupa uma posição central na narrativa. De facto, se Carlos da Maia é a personagem nuclear da ação principal, a vida do seu pai e do seu avô assumem relevância no romance. Aliás, o enredo d’Os Maias remonta a algumas décadas anteriores ao nascimento do protagonista. A perti- nência do título manifesta-se também no facto de os acontecimentos da intriga principal, a relação incestuosa de Carlos e Maria Eduarda, serem uma conse- quência dos infortúnios e dos desencontros dos membros da família Maia. • Nesse sentido, a obra enquadra-se na classificação de «romance de família», porque faz desfilar nos dois capítulos iniciais, de forma resumida, a vida de quatro gerações de Maias, representando os diferentes períodos do século XIX português. Numa fugaz presença na narrativa, Caetano da Maia, adepto do Absolutismo, manterá uma relação tensa (por questões ideológicas) com o seu filho, Afonso, que defende as ideias do Liberalismo. Já Pedro da Maia, filho de Afonso, representa a segunda geração liberal e a mentalidade romântica. Por fim, Carlos da Maia aparece como um contemporâneo da Regeneração (1851-1906). • Assim, através das personagens desta família, equacionam-se questões da época: a decadência, o progresso material, o rotativismo político, etc. Assim, até certo ponto, a família Maia representa metonimicamente Portugal e a decadên- cia da nação ao longo do século XIX. • Se o título aponta para a história de uma família, o subtítulo — Episódios da vida romântica — abre o leque de possibilidades da narrativa para a tornar um estudo da sociedade portuguesa (sobretudo) da segunda metade do século XIX. Nessa medida, este subtítulo aponta para a crónica de costumes, que atravessa o romance e se desenvolve a par da intriga principal. Nesse estudo da socie- dade portuguesa analisam-se os comportamentos, os hábitos, as práticas de um povo, a fim de denunciar e criticar os seus vícios, incongruências e falhas. • Uma finalidade maior d’Os Maias, enquanto estudo social, é tentar compreen- der as «causas da decadência» do povo português no século XIX. Aliás, Eça de Queirós planeara escrever um conjunto de doze novelas de cariz realista/natu- ralista, que receberia o título de Cenas da vida portuguesa ou Crónicas da vida sentimental, mas o projeto não foi concluído. Esta obra multifacetada comporia um painel de retratos do Portugal de então e versaria temas como o alcoolismo, o adultério, o jogo, o sacerdócio, etc. 000998 024-071.indd 58 04/03/16 16:33
  • 13. UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS 59 João Abel Manta, As personagens de Eça (meados do século XX). • Quanto ao método seguido na análise social, Eça concebe uma série de episódios em que as características dos portugueses se manifestam. Nestes episódios, desmascaram-se traços da identidade coletiva portuguesa, como o parasitismo, o oportunismo, a inércia, a falta de cultura e outros vícios que, pelo menos em parte, explicam a situação do Portugal da Regeneração. • O subtítulo do romance sugere que no Portugal do fim do século XIX pulsa ainda uma «vida romântica»; Ega decifra o sentido da expressão: «— E que somos nós? […] Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão…». Românticos são Ega, Carlos e os restantes membros da sociedade burguesa aqui retratada, porque as personagens do romance, se, por um lado, extravasam paixão, emoção e espontaneidade (os amores, legítimos ou adúlteros, as amizades e as inimizades virulentas, a maledicência, a desorganização e a desordem), por outro, revelam-se parcas em seriedade, organização, equilíbrio, trabalho, disciplina e empenho (razão). Ou seja, faltam as qualidades necessárias para colocar o País na rota do desen- volvimento, do civismo e da justiça social. 000998 024-071.indd 59 07/03/16 17:39
  • 14. 60 Conteúdos literários • O Portugal de Carlos é romântico porque herdou as ideias, os valores e as cren- ças da segunda geração liberal e romântica e neles se fossilizou. Tipicamente romântica é também a mentalidade pautada pelo tédio, pela ociosidade e pelo diletantismo, que minam a existência das personagens desta obra. • Decorrente desta ideia está a segunda explicação para a mentalidade romântica do fim de século. A sociedade romântica é a sociedade liberal, dominada pela burguesia e pelos seus valores: materialismo, mercantilismo, elitismo, (pseudo-) requinte, o luxo, a monarquia. São estes valores decadentes, liberais, burgueses — românticos! — que ainda conduzem a sociedade portuguesa e o grupo diri- gente, condenando o País ao atraso e à pobreza (material e de espírito). 3. Linguagem e estilo • Em termos de registos de linguagem, a prosa de Eça de Queirós revela-se admiravelmente versátil e maleável. Por um lado, no melhor registo literário e elevado, atinge rasgos de grande beleza com a construção frásica elegante e cuidada, as imagens plásticas sugestivas e o léxico erudito. Por outro lado, sobretudo na reprodução das falas das personagens, recorre-se aos registos familiar e corrente e, ocasionalmente, ao calão para reproduzir com naturali- dade e humor os tiques de linguagem oral do português do fim de século. • Ainda no que diz respeito à «reprodução do discurso no discurso», o discurso direto dos diálogos e o discurso indireto livre (técnica em que a voz de uma personagem e do narrador se sobrepõem) revelam-se estratégias ao gosto da literatura realista na medida em que se colocam as personagens em interação, de forma a exporem-se através do que dizem e a denunciarem o seu carácter, incongruências e vícios, num processo de caracterização indireta em que a personagem mostra o que é pelo que afirma e pela forma como afirma: Dâmaso é boçal; Cohen, inculto; Ega, pedante; Palma «Cavalão», hipócrita, etc. • Por outro lado, os recursos expressivos conferem originalidade e riqueza à prosa queirosiana. A ironia é um recurso expressivo cultivado por Eça, tanto porque serve a crítica social como porque se trata de uma figura de estilo que confere leveza, encanto e humor à narrativa. Este recurso expressivo revela-se adequado para denunciar as contradições, as incongruências e as falhas das personagens e dos comportamentos sociais. • A hipálage é outro recurso expressivo que se associa à prosa romanesca de Eça, tendo em conta a elegância e a expressividade com que o romancista a usou. A hipálage, recorde-se, consiste em associar uma palavra (normal- mente um epíteto) não ao termo a que estaria naturalmente ligado mas a um vocábulo vizinho: «Ega espalhava também pelo quarto um olhar pensativo» (era Ega quem estava pensativo, não o seu olhar). • A comparação e a metáfora são recursos expressivos de capital importância na caracterização de certas personagens e da vida lisboeta. Em tom irónico ou trocista, na boca de algumas personagens a comparação e a metáfora são formas de caracterização insultuosa: por exemplo, «a besta do Cohen». Facilmente a ironia se associa à metáfora na caracterização de alguém, neste caso, o conde de Gouvarinho, acerca de quem Ega diz: «— Tem todas as con- dições para ser ministro: tem voz sonora, leu Maurício Block, está encalacrado, e é um asno!…». 000998 024-071.indd 60 04/03/16 16:33
  • 15. UNIDADE 4 OS MAIAS, de EÇA DE QUEIRÓS 61 • Noutros casos, a comparação, a metáfora e as imagens tomam parte nas des- crições artísticas de paisagens: «Iam ambos caminhando por uma das alame- das laterais, verde e fresca, de uma paz religiosa, como um claustro feito de folhagem.» Ou então, traduzem, de forma admirável, os estados de alma humana, como no caso da metáfora: «os bigodes esvoaçando ao vendaval das paixões». Para caracterizar o vazio existencial de Pedro da Maia, diz-se que, para ele, «dias [são] taciturnos, longos como desertos». • No seu período de maturidade literária, Eça de Queirós trabalhou o adjetivo e o advérbio de forma artística e disciplinada, de modo a obter uma expressivi- dade admirável. O adjetivo pode ser usado, em Eça, de forma surpreendente, associando-se a elementos a que não se ligava semanticamente: «sorriso mole», «chiar lento das rodas». Nesses casos, projeta na frase a subjetividade e o juízo do enunciador (narrador ou personagem). Os casos de adjetivação dupla revestem-se de particular significado, sobretudo quando os adjetivos contrastam entre si, associando o concreto e o abstrato, o físico e o psicológico, etc.: «maciço e silencioso palácio», «uns sons de piano, dolente e vago». Alguns dos exem- plos revelam que o adjetivo pode estar ao serviço da crítica. • Igual função pode ser desempenhada pelo advérbio, sobretudo quando tem uma presença inesperada e surpreendente na frase: «remexia desoladamente o seu café». Aí o advérbio corresponde, como o adjetivo, a um comentário ou a uma constatação do enunciador; noutras situações, desencadeia um efeito humorístico. Significativos são os casos em que o advérbio contrasta com o significado do verbo, como em «Dâmaso sorria também lividamente». • O verbo é outra classe de palavras trabalhada criativamente, produzindo em vários passos combinações sugestivas e plenas de significado: «mordia um sor- riso», «vamo-nos gouvarinhar», «Ega trovejou», etc. Por outro lado, tanto o pre- térito imperfeito do indicativo, que alude a ações repetidas, como o gerúndio conferem dinamismo às descrições. As formas verbais do imperfeito e gerúndio funcionam também normalmente como modos de dar conta do valor aspetual habitual ou durativo da ação: «o tédio lento ia pesando outra vez.» • Ainda no domínio do vocabulário, o texto d’Os Maias surge polvilhado de estrangeirismos, que são criteriosamente usados. Assim, tanto o «anglicismo» ( vocábulo de origem inglesa) como o «galicismo» ou «francesismo» traduzem frequentemente a pretensão das personagens em exibir um requinte, uma modernidade e um cosmopolitismo, que, contudo, acabam por ser artificiais. Vemos aqui o jogo das aparências em que a sociedade burguesa tanto se com- praz. Por exemplo, no episódio das corridas de cavalos, o vocabulário deste espetáculo tão pouco nacional é requisitado à língua inglesa: «jockey», «sports- man», «handicap» ou «dead-beat». Não raro, o estrangeirismo é usado de forma irónica, como o famoso «chique», de Dâmaso, que denuncia a sua sub- missão pacóvia ao francesismo, o qual também marca presença no romance para aludir a questões de moda e sociedade. • Por último, o diminutivo pode assumir vários significados: se em alguns casos se trata de uma expressão de afeto («Carlinhos», «o latinzinho»), mais interes- sante é a sua utilização irónica para depreciar ou ridicularizar alguém: «Dama- sozinho, flor, fique avisado de que, de ora em diante, cada vez que me suceder uma coisa desagradável, venho aqui e parto-lhe uma costela […].» O diminutivo encarrega-se de participar na atitude trocista do narrador e de algumas perso- nagens na crítica de comportamentos e de costumes. 000998 024-071.indd 61 04/03/16 16:33