3. Para alguns livros é disponibilizado Material
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4. MARLLON SOUSA
CRIME ORGANIZADO
E INFILTRAÇÃO
POLICIAL
Parâmetros para a Validação da Prova Colhida no
Combate às Organizações Criminosas
SÃO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. – 2015
9953_CrimeOrganizado.indb 3 25/06/2015 16:08:41
8. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, XIII
Capítulo 1 • Crime organizado: uma realidade inegável, 1
1.1 Considerações prévias, 1
1.2 O parâmetro de crime organizado, 2
1.3 Crime organizado e ações praticadas por organizações paramilitares
e grupos terroristas: uma diferenciação essencial, 15
1.4 A atuação legislativa e jurisprudencial brasileira, rumo ao combate à
criminalidade organizada, 19
Capítulo 2 • Infiltração policial: contornos e definições necessárias, 31
2.1 A infiltração policial como técnica especial de investigação, 31
2.2 O agente infiltrado: a difícil missão de dar os devidos contornos ao
instituto, 37
2.3 Agente infiltrado versus agente provocador: por uma diferenciação
necessária, 44
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9. viii CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
Capítulo 3 • A atuação do agente infiltrado no direito comparado: uma
visita às convenções da ONU e ao ordenamento jurídico
dos EUA, 49
3.1 Por que o estudo do direito comparado?, 49
3.2 A definição (pela ONU) da infiltração policial como uma técnica
especial de investigação no combate à criminalidade organizada, 52
3.3 Breves considerações acerca da disciplina do agente infiltrado no
ordenamento jurídico norte-americano, 55
3.3.1 Linhas gerais sobre a distribuição de atribuições
investigatórias na persecução penal do sistema jurídico norte-
americano, 56
3.3.2 A infiltração policial sob a ótica do ordenamento jurídico
americano, 59
3.3.3 A prova colhida pelo undercover agent e a doutrina da entrapment
defense, 71
Capítulo 4 • Limites de atuação do agente infiltrado em organizações
criminosas no ordenamento jurídico pátrio, 77
4.1 O modelo de infiltração policial brasileiro, 77
4.1.1 Os permissivos legais para a infiltração policial, 81
4.1.2 Legitimidade para requerer a infiltração policial e a decretação
de ofício, 91
4.1.3 Legitimidade para execução da infiltração policial: a escolha do
agente a executar a medida, 93
4.1.4 O controle interno da infiltração policial, 96
4.2 O critério da imposição de limites à infiltração policial por parte do
magistrado e o contraditório diferido, 97
4.3 A possível contaminação da prova colhida pelo agente infiltrado e o
induzimento à prática do crime, 100
9953_CrimeOrganizado.indb 8 25/06/2015 16:08:42
10. Sumário ix
4.3.1 Breves apontamentos acerca das teorias de invalidação e
convalidação da prova, 100
4.3.2 A validade da prova colhida na infiltração policial, 105
4.3.3 O comportamento do agente infiltrado na obtenção da prova, 107
4.4 O princípio da proporcionalidade e a infiltração policial, 111
4.4.1 O princípio da proporcionalidade e sua aplicação na
persecução criminal, 112
4.4.2 O princípio da proporcionalidade e a atuação do agente
infiltrado, 120
4.5 Inexigibilidade de conduta diversa ou causa de exclusão de
punibilidade? A interpretação do art. 13, parágrafo único, da Lei no
12.850/2013, 122
4.6 Direitos do agente infiltrado em organizações criminosas, 124
Capítulo 5 • Por um modelo constitucionalmente compatível de
infiltração policial em organizações criminosas, 127
CONCLUSÕES, 135
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 141
REFERÊNCIAS, 143
9953_CrimeOrganizado.indb 9 25/06/2015 16:08:42
12. Agradeço à minha família pelo amor e apoio incondicionais
no decorrer de minha vida. Aos grandes amigos Luciano Feres e
Ciro Arapiraca pelas valiosas críticas durante a elaboração deste
trabalho. Presto ainda minha homenagem ao Professor Felipe
Martins, cujos conselhos e aulas durante a jornada que precedeu
a elaboração deste trabalho me fizeram enxergar o Direito Pro-
cessual Penal com outros olhos. Além disso, eu não poderia me
esquecer de prestar minhas homenagens à Sabrina, que com seu
carinho e paciência entendeu muito bem os percalços da vida de
um magistrado e eterno estudante do Direito.
Muito obrigado!
AGRADECIMENTOS
9953_CrimeOrganizado.indb 11 25/06/2015 16:08:42
14. INTRODUÇÃO
Os diretores das agências de governo muitas vezes subestimam a in-
teligência de seus adversários. Os homens que ocupam altos postos na
Colômbia não são estúpidos. Na verdade, eles têm, muitas vezes, ope-
rações de contraespionagem que procuram sinais de vigilância dos fede-
rais (MAZUR, 2010, p. 45).
A vida em sociedade requer que o homem adeque-se a determinadas regras de
comportamento a fim de que se estabeleça, se não uma convivência harmônica no seio
social, ao menos um ambiente de tolerabilidade para com os demais componentes de
uma comunidade pertencente a um determinado território, naquilo que se conceituou
chamar de Estado, segundo Raul Machado Horta (1995).
O Estado, como uma sociedade delimitada no tempo e no espaço, apresenta-se
como uma conglomeração de pessoas que optaram por se organizar política e juridi-
camente, através de um emaranhado de normas (dentre as quais se incluem as regras
e os princípios, segundo a doutrina pós-positivista)1
, cujo corpo forma o ordenamento
jurídico estatal.
Dentro do ordenamento jurídico, os diversos ramos do direito são estabelecidos a
partir do tipo de relação jurídica a ser regulada.2
1 Para Hugo Garcez Duarte, o Pós-positivismo Jurídico propõe, em verdade, solução para o legado dei-
xado pelo Positivismo Jurídico, que não resolveu o problema da determinação do Direito no caso concreto,
bem como o que envolve o poder discricionário do julgador. Esta teoria pretenderia a promoção do reencon-
tro da ética com o Direito, por meio de um conjunto de ideias difusas, inovando sua aplicação sem substi-
tuí-la, combatendo, entretanto, o poder discricionário pregado por autores como o normativista Kelsen e
também por Hart, sem, contudo, voltar ao legalismo mecanicista da Escola da Exegese do século XIX, bem
como fazer uso dos metafísicos preceitos da escola jusnaturalista. Extraído do artigo Pós-positivismo: o
que se pretende afinal? Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=re-
vista_artigos_leitura&artigo_id=10050>. Acesso em: 21 jan. 2014.
2 Frise-se que este autor tem plena consciência da existência de outros meios que podem explicar a ex-
pansão da criminalidade internacional, bem como é sabedor da existência de diversas teorias, muitas delas
de cunho sociológico, acerca de que criação de tipos penais e novas técnicas de investigação cuidam-se de
9953_CrimeOrganizado.indb 13 25/06/2015 16:08:42
15. xiv CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
Neste campo de regulação, segundo a natureza jurídica do bem a ser tutelado,
cabe ao Direito Penal a salvaguarda, em caráter fragmentário ou subsidiário, dos bens
jurídicos considerados mais importantes ao ordenamento jurídico.
Assim, pode-se dizer que quando os demais entroncamentos da Ciência Jurídica
não se mostram suficientes à proteção das posições de vantagem asseguradas ao indi-
víduo e à coletividade – os direitos e as garantias, sobre os quais está erigida a ordem
constitucional – entra em cena o Direito Penal.
Portanto, pode-se afirmar que o Direito Penal é a forma clássica pela qual o Es-
tado exerce o poder de punir, a partir da aplicação de uma pena justa e adequada ao
responsável por uma conduta tida como criminosa, nos termos da legislação posta no
território de um Estado.
Contudo, o poder de punir somente pode ser materializado após o encerramento
de um processo, no qual se assegure ao acusado todos os direitos atinentes à sua
condição de sujeito passivo de uma ação penal, surgindo aqui o importante papel do
Direito Processual Penal.
Nesse ponto, pode-se afirmar que, considerando a autonomia do Direito Proces-
sual Penal, este ramo do direito é dotado de dupla acepção: (a) no sentido de que é a
condição essencial para o exercício do poder estatal de punir (com a consequente apli-
cação de pena ao declarado culpado por um delito); (b) como meio institucionalizado
posto à disposição do réu, para que exerça seus direitos e suas garantias fundamentais.
Quanto à função de garantia do Direito Processual Penal, são cristalinas as pa-
lavras de Aury Lopes Jr. ao dizer que o processo penal contemporâneo somente se
legitima na medida em que se democratizar e for devidamente constituído a partir da
Constituição (LOPES JR., 2012, p. 70).
O trecho acima, quanto à finalidade do processo penal, guarda, ainda, perfeita
sintonia com o pensamento de Felipe Martins Pinto, quando este autor relata que:
A condição de Estado Democrático de Direito deflagra decorrências diretas
e incisivas para o exercício do Poder Jurisdicional, primordialmente na esfera
criminal, estabelecendo, os signos através dos quais se estabelecerá a linguagem
para a construção da verdade no processo, signos esses que preconizam a partici-
pação equânime das partes em contraditório na construção do provimento e o re-
conhecimento de limites bem definidos para a intervenção no direito das pessoas
(PINTO, 2012, p. 158).
Ademais, no mesmo sentido, cita-se o discurso de Winfried Hassemer:
meras políticas criminais de uma sociedade que não enfrenta adequadamente as raízes do crime. Porém, tais
aspectos fogem do objeto do presente estudo, optando-se por delimitar e restringir o âmbito de pesquisa.
9953_CrimeOrganizado.indb 14 25/06/2015 16:08:42
16. Introdução xv
El derecho penal conforme al estado de derecho y el derecho procesal penal
constituyen hoy no solamente un medio de persecución o de cruda “lucha” contra
el delito; constituyen también un medio para garantizar de la mejor forma posi-
ble el aseguramiento de los derechos fundamentales de aquellos que intervienen
en un conflicto penal (HASSEMER, 2003, p. 20).
Por outro lado, não obstante sua função de instrumento para aplicação do jus
puniendi, com a restauração da ordem social abalada pelo crime, percebe-se que, nos
tempos atuais, algumas práticas delituosas demonstram que o Direito Processual Pe-
nal, tal como estruturado pelo Código de Processo Penal, não é mais adequado a
propiciar uma investigação apta a angariar provas de algumas condutas desviantes,
marcadas pelo alto grau de sofisticação das ações perpetradas, cujos autores valem-se
das benesses trazidas pela globalização e pelo incremento tecnológico.
Isso porque aquilo que se chama de crime organizado moderno não pode e não
consegue mais ser combatido com meios seculares de investigação, cuja única saída
à persecução penal tradicional é a adaptação, ainda que tardia, ao desenvolvimento
tecnológico da sociedade contemporânea global.
Ora, a reunião de diversas pessoas para o cometimento de crimes, antes vista
como mera quadrilha ou bando, contemporaneamente passou a ser conhecida, em
situações específicas, como a atuação das organizações ou grupos criminosos, sendo
a repressão à sua atuação necessária não só em âmbito nacional como na comunidade
internacional, não podendo o Direito Processual Penal fechar os olhos para as novas
formas de arranjo dos autores de delitos.
A esse respeito, soa importante a afirmação de Beatriz Rizzo Castanheira ao
relatar que:
Organizações criminosas e procedimentos criminais especialmente contra elas
criados são a clara afirmação do Direito penal simbólico, preventivo e promo-
cional. Um Direito penal que volta a confundir direito e moral, ilícito e imoral,
a fim de promover mudanças sociais necessárias à nova ordem mundial (CAS-
TANHEIRA, 1998, p. 883).
Justamente em razão dessa nova roupagem da criminalidade contemporânea, os
tipos penais então existentes nos mais diversos ordenamentos jurídicos e os meios
tradicionais de obtenção de prova não são mais aptos à solução das mais variadas
formas de lesão aos direitos do indivíduo, sem esquecer inúmeros prejuízos causados
à coletividade.
Neste cenário desfavorável, no qual a macrocriminalidade ultrapassa as fronteiras
dos diversos países do globo, a atuação ajustada das nações soberanas rumo ao com-
bate efetivo do crime organizado é essencial, cujos esforços deveriam convergir senão
9953_CrimeOrganizado.indb 15 25/06/2015 16:08:42
17. xvi CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
para uma unificação de tratamento, ao menos para se estabelecerem standards gerais
de enfrentamento da questão, através dos tratados internacionais, para, posterior-
mente, fazer a correspondente adequação na legislação interna de cada nação.
Assim, em um contexto sedento por respostas, após diversas rodadas de discussão
na Organização das Nações Unidas (ONU), na tentativa de se criar instrumentos há-
beis ao combate à criminalidade organizada, foram definidos alguns conceitos quanto
ao fenômeno do crime organizado, bem como estabelecidas medidas para serem utili-
zadas durante a instrução processual penal, denominadas pela Convenção de Palermo
como técnicas especiais de investigação.
As técnicas especiais foram concebidas como meios idôneos e modernos, aptos a
instrumentalizar o Estado para desmantelar o crime organizado (parâmetros a serem se-
guidos internamente pelos signatários da Convenção de Palermo, organizada pela ONU).
Dentre as técnicas especiais de investigação está a chamada infiltração policial em
organizações criminosas, método previsto em nosso ordenamento desde o ano de 1995,
com a edição da Lei no
9.034/1995, com a alteração dada pela Lei no
10.217/2001, mas
que ganhou corpo somente no ano de 2013, com a publicação da Lei no
12.850/2013,
dando maiores contornos ao instituto.
Aqui reside o objeto do presente estudo, pois, não obstante a existência de um
novo diploma legal (cunhado para se tentar delimitar a infiltração policial em organi-
zações criminosas), ainda pairam dúvidas sobre a legitimidade de utilização da recen-
te lei, segundo nosso modelo constitucional de colheita e valoração da prova.
Os questionamentos vão desde objeções ao conceito de crime organizado e de
agente infiltrado até os limites da prova colhida e seu cotejo com a garantia do devido
processo legal – o contraditório, ampla defesa, proporcionalidade e demais preceitos
que edificaram o Direito Processual Penal à luz de um ordenamento jurídico regido
pelas normas constitucionais democráticas do Estado brasileiro.
Portanto, a pergunta central que este estudo buscou responder é se é possível,
segundo o sistema constitucionalmente democrático de instrução processual penal,
formalmente vigente no Brasil, se admitir a infiltração policial em organizações crimi-
nosas como técnica especial de investigação apta a angariar provas para uma instrução
processual pautada pelo respeito ao devido processo legal e às demais garantias postas
em favor do cidadão como instrumento limitador dos abusos estatais, sob a bandeira
do combate à criminalidade.
Feitas tais considerações, este trabalho tem como escopo um estudo científico do
instituto da infiltração policial em organizações criminosas, buscando trazer à baila:
(1) o crime organizado como realidade fenomênica; (2) o esclarecimento do que se
deve entender por infiltração policial, com a delimitação da figura do agente infiltra-
do, buscando distingui-lo de figuras assemelhadas; (3) uma abordagem panorâmica
da experiência do direito norte-americano no combate ao crime organizado com a
9953_CrimeOrganizado.indb 16 25/06/2015 16:08:42
18. Introdução xvii
utilização da infiltração policial; (4) o exame da legislação pátria, regulamentadora da
infiltração policial em organizações criminosas, na tentativa de se estabelecerem os
parâmetros jurídico-constitucionais para a admissibilidade da prova colhida durante a
autuação do agente encoberto numa operação de infiltração; (5) ao final, um modelo
alternativo de infiltração policial ao legal vigente, segundo a realidade de persecução
penal existente no país, sem esquecer a necessidade de respeito à nossa ordem cons-
titucional democrática estatuída pela Carta de 1988.
Para tanto, buscou-se a utilização das metodologias interdisciplinar e comparada
do Direito Processual Penal, examinando-se os institutos que orbitam ao redor da
atuação do agente infiltrado.
Além disso, como parte da metodologia de trabalho e pela proximidade com o
tema estudado, foi explorado como é tratada, pelo ordenamento jurídico norte-ame-
ricano, a questão da prova numa infiltração policial e sua validade para o processo
penal, justificando-se a opção por este marco comparativo, pelo fato de aquela nação
possuir extensa tradição do uso da infiltração policial, seja para o combate do crime
comum ou organizado, como se verá em momento oportuno.
Dito isso, ao final, espera-se que se tenha atingido o objetivo de examinar, com o
cuidado que o tema requer, a infiltração policial no crime organizado, bem como que
se tenha contribuído para a melhor compreensão do assunto que, apesar de grande
relevância, mostra-se pouco explorado pela doutrina e jurisprudência pátrias.3
3 Quanto à abordagem jurisprudencial, as bases de pesquisa utilizadas foram os bancos de dados do
Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e Conselho da Justiça Federal.
9953_CrimeOrganizado.indb 17 25/06/2015 16:08:42
20. O crime organizado é um fenômeno que não pode ser ignorado, nem
superdimensionado, mas apresenta uma realidade de fato, a ser ade-
quadamente observada e enfrentada (BALTAZAR JUNIOR, 2010, p. 246).
1.1 Considerações prévias
Consoante ao já referido na Introdução, a meta principal do presente
livro é trazer os resultados aferidos a partir do exame quanto à possível
utilização da infiltração policial em organizações criminosas no Brasil, bem
como quais são os parâmetros jurídico-constitucionais para a validade da
prova coletada pelo agente encoberto, sob a égide de um processo penal
pautado pelo respeito aos direitos fundamentais do cidadão, componente de
um Estado Democrático de Direito.
Para tanto, parte-se do pressuposto de que a criminalidade organizada
seja um dado concreto na sociedade contemporânea; considerando, ainda,
que a atuação do agente infiltrado somente poderá ocorrer em crimes prati-
cados sob a roupagem do crime organizado.
Isso porque a interpretação sistemática da Lei no
12.850/2013 não deixa
alternativa, pois sua ementa diz cuidar-se de diploma legal definidor do que
se deva compreender por organizações criminosas no ordenamento jurídico
pátrio, bem como estabelece os meios postos à disposição do Estado no de-
correr da persecução penal de delitos praticados por grupos que preencham
a conformação estabelecida.
Desta forma, sendo a infiltração policial uma norma estabelecida em se-
ção específica da Lei no
12.850/2013, sem esquecer, também, o fato de tra-
tar-se de medida de caráter claramente mais invasiva que outros meios de
CRIME ORGANIZADO: UMA REALIDADE INEGÁVEL
1
9953_CrimeOrganizado.indb 1 25/06/2015 16:08:42
21. 2 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
obtenção de prova, previstos no CPP e em legislações esparsas, sua interpre-
tação deve ser restritiva, não podendo estendê-la a outros casos nos quais o
crime organizado não esteja caracterizado.
Portanto, quaisquer outras perguntas que pudessem surgir quanto à in-
tenção do legislador em restringir o campo de atuação do agente infiltrado
exclusivamente às organizações criminosas fogem ao objeto deste trabalho,
anotando-se aqui apenas que esta questão não passou despercebida no decor-
rer dos estudos que nortearam as pesquisas predecessoras à sua elaboração.
Por outro lado, embora se entenda perfeitamente esclarecida a escolha do
legislador pátrio pela limitação da utilização da infiltração policial somente
quando se estiver combatendo o chamado crime organizado, ainda serão
objeto de reflexão pontos mais abertos do assunto ao se examinar o modelo
norte-americano de infiltração policial, cujos parâmetros de utilização mos-
tram-se relativamente mais largos que os previstos na Lei no
12.850/2013.
Dito isto, admitindo-se a criminalidade organizada como um aspecto da
realidade global, é preciso defini-la de forma clara; porém, como afirma Guaracy
Mingardi, sem cair no erro de teorizar demais sobre o risco de torná-lo árido e
por demais pesado para a utilização prática (MINGARDI, 1998, p. 27).4
Fundado, portanto, na premissa de existência do crime organizado, neste
capítulo serão trabalhadas as razões pelas quais se entende o crime organiza-
do como fenômeno presente no dia a dia da comunidade nacional e interna-
cional, que se utiliza da doutrina capitalista de busca incessante pelo lucro e
da reunião de esforços para consecução de maior sucesso, sendo a globaliza-
ção fator de especial contribuição para o desenvolvimento e a manifestação
de tais práticas delituosas modernas de atuação.
1.2 O parâmetro de crime organizado
Num primeiro momento, cumpre ressaltar que, nas duas últimas déca-
das do século XX e no início deste século, a globalização5
constituiu marco
4 Aqui o autor se refere ao conceito de crime organizado, em nada diferindo quanto à proposta de orga-
nização criminosa.
5 Sem embargo de outros conceitos, bem como de outros aspectos presentes no instituto abordado,
adota-se neste trabalho um conceito próprio de globalização, podendo ser definido como o fenômeno ca-
racterizado pelo expansionismo do Capitalismo, com a transnacionalidade quase instantânea das práticas
comerciais e consequente eliminação de diversas barreiras comerciais, físicas, de comunicações etc.
9953_CrimeOrganizado.indb 2 25/06/2015 16:08:42
22. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 3
importante para uma completa transformação das relações sociais, com reflexos em
toda a sociedade internacional contemporânea.6
Nesse ponto, pode-se dizer que,
se a globalização é um fenômeno multicultural, irradiando seus efeitos em
todas as áreas do conhecimento humano, de uma forma ou de outra, não se
deve, inclusive, negar sua forte influência nas práticas do capitalismo.
Cumpre então trazer ao conhecimento as palavras de Armando Fernan-
déz Steinkopf ao afirmar que:
En los últimos tiempos los gobiernos de los Estados nación han tenido que
afrontar problemas creados globalmente – la deslocalización de las empresas, la
gran movilidad y el volumen de capital financiero, la migración clandestina o el
tráfico de drogas – con instrumentos y desde perspectivas locales, lo que resulta
imposible. La economía se liberó de la política y de los controles de lo público, el
mercado mundial desregulado funciona al margen de cualquier norma, el resul-
tado es la ausencia de ley en el espacio internacional. El flujo de capitales por los
circuitos del sistema impide conocer el color del dinero: hoy no es posible separar
el dinero que tiene origen en actividades lícitas de los que surgen del fraude y del
crimen, entre ellos no solo las rentas que producen los mercados clandestinos de
drogas, armas y trata de personas, sino también los que proceden de los delitos
fiscales y de la corrupción pública (STEINKOPF, 2013, p. 08).7
Assim, em relação ao Direito, afirma-se que também sofreu sérias in-
fluências da globalização, com a readequação de conceitos ultrapassados
pela evolução social, bem como a criação de institutos urgentes à tutela de
novas situações,8
ainda que de forma tardia, como mera regulamentação de
práticas sedimentadas no âmbito das relações entre os indivíduos.
6 Trecho adaptado do artigo deste autor, intitulado “A criminalidade organizada e as novas técnicas de
investigação”, publicada nos Anais da III Jornada de Direito Processual Penal da ESMAF. Coleção Jor-
nadas de Estudos Esmaf. Volume 16. Brasília: Esmaf, 2013. p. 225-230.
7 Tradução livre: Nos últimos tempos, os governos dos Estados-nação têm enfrentado problemas cria-
dos globalmente – a deslocalização de empresas, a alta mobilidade e volume de capital financeiro, a mi-
gração ilegal, o tráfico de drogas – com instrumentos de perspectivas locais. A economia se libertou dos
controles políticos e públicos, o mercado mundial funciona à parte de qualquer norma reguladora, tendo
como resultado a ausência de lei no cenário internacional. O fluxo de capital através dos circuitos do siste-
ma torna impossível saber a cor do dinheiro: hoje não é possível separar o dinheiro oriundo de atividades
lícitas daquele decorrente de fraude e de condutas criminosas, dentre os quais estão não só o rendimento
dos mercados ilícitos de drogas, armas e tráfico de seres humanos, mas também aqueles ativos provenien-
tes de crimes tributários e corrupção pública.
8 Trecho adaptado de artigo escrito por este autor, intitulado “A criminalidade organizada e as novas
técnicas de investigação”, publicada nos Anais da III Jornada de Direito Processual Penal da ESMAF.
Coleção Jornadas de Estudos Esmaf. Volume 16. Brasília: Esmaf, 2013. p. 225-230.
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23. 4 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
Já em relação ao Direito Processual Penal, a globalização e a revolução
tecnológica mostraram estar ultrapassados os métodos tradicionais de inves-
tigação, sendo indispensável o melhor aparelhamento das polícias judiciárias
para se incrementar a persecução penal de delitos cometidos de forma multi-
tudinária e com uma organização tida por sui generis, nunca antes vivenciada
pelo Direito.
De fato, passaram a chamar a atenção das comunidades nacionais e es-
trangeiras aspectos atinentes ao novo desenho de algumas práticas crimino-
sas, responsáveis por sérios danos a bens jurídicos valiosos, sem esquecer o
notável acúmulo de riquezas de origem ilícita que notabilizavam seus membros.
Essa criminalidade, caracterizada pelo acentuado grau de organização,
segmentação de tarefas, sempre visando ao lucro através de comportamen-
tos desviantes, apresenta modos peculiares de agir, despertando os olhares
de um número cada vez maior de estudiosos do Direito, naquilo que passou
a ser visto como uma nova faceta do comportamento criminoso, identificada
aqui pelo fenômeno da macrocriminalidade.
É importante dizer que, ainda no ano de 1995, Raúl Cervini e Luiz Flávio
Gomes já asseveravam que:
Como realidade fenomenológica preocupante o crime organizado não é nada
novo. [...] Agora como prova cabal de que o crime organizado está na ordem do
dia, a Associação Internacional de Direito Penal, reunida em Paris (maio/95)
acaba de decidir o tema do XVI Congresso Internacional da AIDP que será “O
Crime Organizado: um desafio à sociedade moderna” (CERVINI; GOMES,
1995, p. 60-61).
Mais recentemente, José Paulo Baltazar Junior afirmou:
Não há como negar, porém, que a globalização econômica, a criação de zonas
de livre comércio e livre circulação de bens e pessoas, com a supressão ou dimi-
nuição dos controles fronteiriços e alfandegários, o liberalismo econômico e a
consequente desregulamentação de vários mercados, a queda da cortina de ferro,
o avanço tecnológico e a queda nos custos das telecomunicações e transportes,
a popularização da informática e da internet, as redes bancárias mundiais e as
diferenças de bem-estar entre países ricos e pobres criaram uma nova realidade
para a sociedade e, como parte dela, para as práticas delituosas organizadas
transnacionais, que encontraram nessa nova realidade social o caldo ideal para
sua expansão (BALTAZAR JUNIOR, 2010, p. 83).
9953_CrimeOrganizado.indb 4 25/06/2015 16:08:42
24. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 5
No mesmo sentido, cumpre trazer à baila a ideia sobre o tema, a partir
do discurso de Isabel Oneto:
Desde a Antiguidade que se conhecem formas de crime organizado – o seu
grau de complexidade foi aumentando de forma proporcional ao desenvolvimento
atingido pela estrutura societária em que se insere, impondo uma permanente
adaptação da política criminal (ONETO, 2005, p. 48).
Contudo, embora o crime organizado apresente-se como uma realida-
de latente no mundo contemporâneo, há vozes, na doutrina, defensoras do
ponto de vista quanto a não existência das organizações criminosas, cui-
dando-se tão somente de uma criação do Estado como forma de justificar a
adoção de um Direito Penal do Inimigo.9
Dentre os pensadores que se postam contrariamente à existência do cri-
me organizado, merecem maior relevo os defensores da chamada teoria do
mito, a qual, em síntese, prega que o assunto constitui uma mera faceta do
chamado Direito Penal do Inimigo, fruto de uma invencionice, principal-
mente americana, na incessante busca de proteção contra o inimigo oculto,
cujo real objetivo é derrubar a hegemonia daquela potência mundial.
Esta, por exemplo, é a posição de Juarez Cirino dos Santos que, em pa-
lestra proferida no 1o
Fórum Latino-Americano de Política Criminal,10
de-
fendeu ser o conceito americano de crime organizado, do ponto de vista da
realidade, um mito; do ponto de vista da ciência, uma categoria sem conteú-
do; e do ponto de vista prático, um rótulo desnecessário.
Na ocasião, argumentou o citado autor que:
9 Aqui, recorre-se ao artigo de Almério Vieira de Carvalho Júnior que, de forma clara e objetiva, aborda
a definição de Direito Penal do Inimigo, criado pelo penalista alemão Günther Jakobs. Em seu texto, narra
o autor que o criador da teoria defende a existência de dois tipos de Direito. Um é dirigido ao cidadão, que,
mesmo violando uma norma, recebe a oportunidade de “restabelecer” a vigência desta norma através de
uma pena – mas, ainda assim, mesmo sendo punido, é punido como um cidadão – mantendo, pelo Estado,
o seu status de pessoa e o papel de cidadão reconhecido pelo Direito. Afirma haver, porém, outro tipo de
Direito, o Direito Penal do Inimigo, que é reservado àqueles indivíduos que, pelo seu comportamento, ocu-
pação ou práticas, segundo Jakobs, “se tem afastado, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido,
do Direito, isto é, que não proporciona a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pes-
soa”, devendo ser tratados como inimigos. CARVALHO JÚNIOR, Almério Vieira de. O Direito Penal do
inimigo. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&arti-
go_id=11101&revista_caderno=3>. Acesso em: 10 jan. 2014.
10 Palestra proferida no 1o
Fórum Latino-Americano de Política Criminal, promovido pelo IBCCRIM,
de 14 a 17 de maio de 2002, em Ribeirão Preto, SP
.
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25. 6 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
A experiência mostra que a resposta penal contra o crime organizado se situa
no plano simbólico, como espécie de satisfação retórica à opinião pública median-
te estigmatização oficial do crime organizado – na verdade, um discurso político
de evidente utilidade: exclui ou reduz discussões sobre o modelo econômico neoli-
beral dominante nas sociedades contemporâneas e oculta as responsabilidades do
capital financeiro internacional e das elites conservadoras dos países do Terceiro
Mundo na criação de condições adequadas à expansão da criminalidade em geral
e, eventualmente, de organizações locais de tipo mafioso. Na verdade, como as-
sinala ALBRECHT[29], o conceito de crime organizado funciona como discurso
encobridor da incapacidade política de reformas democráticas dos governos lo-
cais: a incompetência política em face de problemas comunitários estruturais de
emprego, habitação, escolarização, saúde etc., seria compensada pela demonstra-
ção de competência administrativa na luta contra o crime organizado.11
Embora respeitável, entendendo ainda o momento social em que foi fei-
ta, posto já se ter passado mais de uma década até os estudos que embasa-
ram este trabalho, a crítica acima não se sustenta com base na contradição
de seus próprios argumentos.
Não obstante o citado autor negar a existência de uma criminalidade
organizada, ao mesmo tempo afirma que a resposta penal contra o crime
organizado situa-se no campo simbólico.
No ponto, embora o autor esteja certo quanto ao fato de que o Direito
Penal não pode ser a resposta para todos os comportamentos humanos, visto
que deveria funcionar somente como ultima ratio de um sistema legal funda-
do na fragmentariedade, o próprio simbolismo do Direito Penal já justifica-
ria sua aplicação ao crime organizado.
Por outro lado, não se mostra adequado o raciocínio de inexistência do
crime organizado, porque, se algo não existe, não é necessário resposta algu-
ma por parte do Estado, seja qual for o campo de atuação (segurança pública,
políticas públicas de educação, sistema processual, sistema prisional etc.).
Ademais, seria teratologia responder o nada, ainda que em forma de sim-
bolismo político, como instrumento de manutenção do discurso neoliberal,
tal como defende o citado autor.
11 Palestra proferida no 1o
Fórum Latino-Americano de Política Criminal, promovido pelo IBCCRIM,
de 14 a 17 de maio de 2002, em Ribeirão Preto, SP
.
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26. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 7
Noutro giro, a origem da identificada teoria já demonstra tratar-se mais
de uma tese defensiva em plenário de julgamento do que de pesquisa de
cunho científico, realizada com metodologia e hipóteses adequadas, aceitas
ou refutadas por conclusões sólidas, cujos argumentos são mais de ordem
psicossocial do que teórico-jurídicos.
Em acréscimo, ainda que de passagem, também foi considerado durante
a confecção deste livro o fato de que o Direito Penal e o Direito Processual
Penal não podem consistir em resposta para todos os desvios vivenciados no
seio social, sob pena de se causar uma anomia12
pela hipertrofia legislativa
em termos de repressão legal.
Contudo, cuidando-se de graves perturbações causadas à ordem social, o
próprio critério de valoração do bem jurídico legitima a atuação do Direito
Penal e do Direito Processual Penal no combate ao crime organizado, naqui-
lo em que se mostrar infrutífera a atuação preventiva geral estatal, não só
dentro, mas também por outros ramos do Direito, como o Direito Adminis-
trativo Sancionador, por exemplo.
Inobstante ao que se expôs acerca da rejeição deste autor quanto às con-
cepções emanadas pela teoria do mito, a título de complemento, é interes-
sante mencionar o trecho da obra de Baltazar Junior, ao tecer críticas à teoria
referida, recebendo aqui o devido endosso:
O discurso do mito, presente em alguns estudos acadêmicos, consiste em uma
antiga estratégia, adotada tanto na Itália, pelos defensores dos líderes mafiosos
nos megaprocessos, e nos Estados Unidos quanto no Brasil. Na Itália, é antiga e
ainda presente a resistência ao paradigma associativo, representada pela afirma-
ção de que a máfia não seria uma organização, mas sim um modo de vida ou ati-
tude, caracterizado pela resistência siciliana ao poder central ou uma exagerada
autoestima (BALTAZAR JUNIOR, 2010, p. 80).
Noutro giro, o argumento de que a cruzada contra o crime organizado não
passa de um discurso de utilidade política não enfrenta o tema adequadamente.
Aqui, cumpre frisar que este estudo não trata a criminalidade associativa
contemporânea como um chavão da mídia (que se refere a crime organizado
em qualquer situação de delitos multitudinários), mas como um fenômeno
12 O termo foi utilizado no sentido de que, da mesma forma que a falta de normas é prejudicial à regula-
ção do comportamento social, a atuação exagerada do legislador pode acarretar a anomia pelo não cumpri-
mento ou até mesmo desconhecimento do imenso número de leis.
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27. 8 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
real, aferido a partir de critérios definidos com base na identificação da ma-
nifestação de uma criminalidade diferenciada da ordinária, cujo amplo es-
pectro de atuação alastrou-se pelo mundo, com a transposição de fronteiras,
propiciada, ainda, pela expansão do capitalismo e da globalização.
Portanto, fosse apenas político o critério de combate ao crime organiza-
do, bastaria aos governantes elegerem os “clientes” mais adequados social-
mente a figurar como os vilões da sociedade13
e começar a “caça às bruxas”,
posto que nada melhor para agradar a uma plateia faminta que “pão e circo”.
Todavia, a questão está longe de figurar ao redor do critério político,
havendo fortes fatores sociais e econômicos que conduzem pessoas a se as-
sociarem, de maneira organizada, para cometer delitos.
Nesse ponto, quanto à complexidade social do crime organizado, mos-
tram-se valiosas as palavras de Baltazar Junior:
A relação entre pobreza e crime, apontada em certo discurso sociológico como
determinante, e referida no discurso do mito (item 1.1.1) não pode ser negada,
nem superdimensionada, pois a relação entre tais fatores está longe de ser direta
ou absoluta, ou mesmo determinante. Se assim fosse, em países com alto nível de
bem-estar econômico inexistiria criminalidade e jamais haveria criminosos privi-
legiados economicamente (BALTAZAR JUNIOR, 2010, p. 81).
Não bastassem os argumentos acima elencados, refuta-se também a teo-
ria do mito por não apresentar resposta adequada aos fatos ocorridos no dia
a dia da sociedade contemporânea, bastando-se examinar situações reais e
cotejá-las com seus pressupostos para se concluir pela ausência de explica-
ção plausível dos casos apresentados.
Nessa linha de raciocínio, com base na teoria do mito, não haveria uma
resposta adequada para enquadrar as seguintes condutas, praticadas a partir
de uma reunião de pessoas:
1. cinco pessoas se reúnem para o fim de cometer delitos;
2. dois membros do grupo ficam responsáveis pela prática de roubos
contra carteiros dos correios;
13 Escolha essa que poderia ser feita por critério social, racial, econômico etc.; o que de fato já acontece
na sociedade contemporânea, bastando verificar o perfil da população prisional, cuja maioria é composta
de pobres e negros.
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28. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 9
3. os dois outros integrantes do esquema delituoso têm a incumbência
de obter dados pessoais das vítimas, necessários para desbloqueio
de cartões de crédito, bancários e cheques, auferidos como produtos
dos roubos;
4. obtidos os dados sigilosos, o quinto componente do grupo falsifi-
ca documentos dos titulares das contas bancárias e dos cartões de
crédito para, posteriormente, todos os cinco se dirigirem ao varejo
de bens de consumo e efetuarem compras até atingirem o limite de
crédito dos titulares dos cartões e cheques;
5. após, os criminosos fazem a partilha dos bens adquiridos, ocasião
em que se define que quanto maior a responsabilidade na cadeia,
maiores os proventos.
Examinando-se a situação hipotética acima descrita, fica fácil concluir
que a teoria do mito não tem o condão de responder satisfatoriamente a tais
manifestações de comportamentos desviantes, cuidando-se, de fato, apenas
de argumentação retórica,14
desprovida de sustentação fática e jurídica.
Não obstante à conclusão anterior, e ainda considerando que o Direito
Penal jamais será a resposta primária para qualquer desvio social, ultrapassa-
das todas as esferas de lesão, fechar os olhos para a organização do jogo do bi-
cho no Brasil, para o “Mensalão”, ou para a denominada “Máfia dos Sangues-
sugas” é o mesmo que agir em deliberada cegueira ante um dado do cotidiano.
Desta forma, entende-se que o crime organizado, assim como todas as
práticas sociais, evoluíram desde sua origem remota na Antiguidade, apre-
sentando-se como um dado concreto na sociedade global do início do século
XXI, devendo receber o tratamento social e jurídico adequado.
Por outro lado, apenas afirmar a inexistência do crime organizado não re-
solve problema algum, sendo preciso identificá-lo e buscar uma conceitua-
ção adequada para se propiciar a persecução penal diferenciada para esta
modalidade de manifestação do comportamento desviante. Contudo, esta
busca jamais poderá se afastar do dever de respeito às garantias processuais,
limitadoras do poder punitivo estatal, vigentes no Estado Democrático de
Direito, previstas na Constituição de 1988.
14 Este autor tem plena consciência de que toda argumentação envolve necessariamente o uso da retó-
rica. Todavia, aqui foi utilizado o termo “retórica” apenas para demonstrar a rejeição contra argumentação
sem utilização de uma base racional, com o uso do chamado argumento de autoridade.
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29. 10 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
Assim, num primeiro momento, não se nega que a definição de um tipo
penal,15
para exprimir em preceito fechado o delito de crime organizado é
de grande valia para o Estado enquanto detentor do jus puniendi e, ao mesmo
tempo, responsável pela tutela do direito de liberdade do indivíduo.
Sobre este aspecto, aduz Baltazar Junior:
A tipificação da organização criminosa é possível, do ponto de vista legal,
ainda que não exista um conceito criminológico consensual de crime organizado.
Como qualquer outro tipo penal, cuida-se de um modelo, no qual podem ser uti-
lizados elementos normativos, deixando aos juízes a tarefa de sua concretização
(BALTAZAR JUNIOR, 2010, p. 247).
Contudo, inobstante à valia de um tipo penal de crime organizado, na
maioria dos países ocidentais não se tinha, ao menos até o final da última
década do século passado, qualquer definição acerca do tema.
A par dessa realidade, a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime
Organizado Transnacional conhecida como Convenção de Palermo, cujo texto
estabeleceu o norte a ser seguido na dura luta frente a ação de grupos crimi-
nosos, trouxe conceitos e criou parâmetros para a normatização interna de
cada Estado-Parte.
Todavia, apesar dos critérios básicos a serem seguidos pelos Estados-Par-
te na regulamentação do combate às organizações criminosas, diversos países,
dentre eles o Brasil até o final do ano de 2013, ainda não haviam criado um
tipo penal específico definindo o que caracteriza uma organização criminosa.
A respeito dessa letargia do legislador pátrio, não é de se estranhar o seu
comportamento, até mesmo pelo fato de estar-se ainda sob a égide de um Có-
digo Penal datado do longínquo ano de 1940, de cunho autoritário, em grande
parte cópia da experiência fascista italiana dominante à época de sua publicação.
Sobre essa problemática, Baltazar Junior afirma que:
O rumo da internacionalização do conceito de crime organizado atraves-
sou, e ainda atravessa, dificuldades, motivadas pela verdadeira obsessão em
relação ao paradigma mafioso e pelo fato de não serem levados em consideração
15 Aqui se diferencia tipo legal, em sentido amplo, de tipo penal, que seria o tipo legal em sentido estrito.
Ao Direito Processual Penal basta o tipo legal no seu conceito aberto.
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30. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 11
os diferentes paradigmas de organizações criminosas (BALTAZAR JUNIOR,
2010, p. 98).
Noutro giro, embora seja importante a existência de um tipo penal de
crime organizado, para os fins deste estudo, a criminalização não se mostra
essencial, importando apenas o tipo legal de crime organizado; ou seja, na-
quilo que se deva compreender por organização criminosa apenas para fins
de aplicação das técnicas especiais de investigação relacionadas na Conven-
ção de Palermo.
Desta maneira, o presente capítulo tem como objetivo identificar a exis-
tência do crime organizado, tão somente como pressuposto necessário para
se estabelecerem limites investigatórios aos atos do agente infiltrado.
Portanto, o que interessa aqui é saber se é possível caracterizar adequa-
damente o crime organizado para o fim específico de aplicação das técnicas
especiais de investigação sugeridas pela Convenção de Palermo.
Feito isso, será possível passar adiante para o exame das medidas es-
pecíficas de investigação, diferentes dos meios tradicionais previstos no
ultrapassado Código de Processo Penal, cotejando-as com as garantias pro-
cessuais constitucionais.
No ponto, as palavras de Baltazar Junior não destoam da ideia aqui de-
fendida, ao dizer:
O tipo penal não deve servir como critério único para permitir a adoção das
medidas específicas de investigação, embora tais medidas possam ser adotadas
em todos os casos de organizações, incluídas aquelas de modelo empresarial, de
rede e endógeno (BALTAZAR JUNIOR, 2010, p. 247).
Feita essa observação e retornando à Convenção da ONU para Combate
ao Crime Organizado, percebe-se que, na definição de alguns conceitos bási-
cos, optou-se pela adoção de uma sistemática aberta, cabendo, em seguida,
aos Estados-parte envidar o maior esforço possível internamente para regu-
lamentar os termos do tratado assinado.
Sob esse aspecto, a Convenção de Palermo traçou a definição básica do
que poderia ser considerado crime organizado, cujos preceitos passaram a
compor o ordenamento jurídico brasileiro, com a promulgação da referida
convenção, através do Decreto no
5.015/2004.
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31. 12 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
Quanto ao conceito básico de grupo criminoso organizado, assim dispõe
o texto do art. 2, “a”:
a) “Grupo criminoso organizado” – grupo estruturado de três ou mais pessoas,
existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de co-
meter uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com
a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro
benefício material;16
Outrossim, em relação às chamadas técnicas especiais de investigação,
assim preceitua o art. 20, 1, da Convenção de Palermo:
Técnicas especiais de investigação
1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o
permitirem, cada Estado-Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em con-
formidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas
necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o
considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a
vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração,
por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater efi-
cazmente a criminalidade organizada.17
Com base nas definições postas, que podem ser vistas como marcos in-
ternacionais de maior relevância na definição do que se entenda por crimina-
lidade organizada, surgiram diversas teorias, algumas doutrinárias e outras
extraídas de julgados, a respeito do que seria o crime organizado e como
seria possível identificá-lo a partir de suas características.
Estudando aqueles que se aventuraram a desbravar essa seara ainda
obscura do Direito Processual Penal, podem ser identificados vários traços
presentes em grupos criminosos organizados, tais como: a pluralidade de
agentes, a estabilidade ou permanência, finalidade do lucro, divisão de tra-
balho, estrutura empresarial, hierarquia, disciplina, conexão com o Estado,
clientelismo, violência, entrelaçamento ou relação de redes com outras or-
16 BRASIL. Decreto no
5015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas Con-
tra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 15 out. 2013.
17 BRASIL. Decreto no
5015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas Con-
tra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 15 out. 2013.
9953_CrimeOrganizado.indb 12 25/06/2015 16:08:42
32. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 13
ganizações, flexibilidade e mobilidade de agentes, mercado ilícito ou explo-
ração ilícita de mercados, monopólio ou cartel, controle territorial, usos de
meios tecnológicos sofisticados, transnacionalidade ou internacionalidade,
embaraço do curso processual e compartimentalização.18
Aqui, mostra-se importante mencionar que algumas das características aci-
ma estarão ou não mais acentuadas de acordo com a modalidade de crime orga-
nizado a ser identificada (mafioso, rede, empresarial ou endógeno),19
enquanto
outros traços serão verificadas em todas espécies desse arranjo desviante, na-
quilo que seria chamado de núcleo essencial da definição de crime organizado.
Portanto, com base em tais considerações, na construção de um conceito
de crime organizado, para fins de aplicação das técnicas especiais de inves-
tigação, dentre elas a infiltração policial, o que importa é destacar os traços
indeléveis, presentes em qualquer organização criminosa.
Ademais, esmiuçando as características das modalidades de crime or-
ganizado, extrai-se aquilo que pode ser identificado como o núcleo essencial,
cujas características são comuns a qualquer organização criminosa de que
se tenha conhecimento. São elas: a pluralidade de agentes, a estabilidade ou
permanência, a finalidade de lucro e a organização estrutural.
Quanto à pluralidade de agentes, o número mínimo de pessoas deve ser
quatro. Caso sejam apenas três, ainda que presentes os demais requisitos,
estar-se-á diante de uma associação criminosa (art. 288 do CP, na redação
dada pelo art. 24 da Lei no
12.850/2013) e não de uma organização criminosa.
18 Grupo de características e especificações apresentadas na obra Crimes federais, p. 505-512. BALTA-
ZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes federais. 5. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
19 Baltazar Junior classifica o paradigma tradicional ou mafioso como aquele característico pela orga-
nização criminosa com efetivo domínio territorial, fortemente hierarquizada, com ingresso ritualístico e
pretensões de lealdade feudal, integrada essencialmente por estrangeiro (ex.: Cosa Nostra, Máfia siciliana,
Camorra napolitana, Yakuza, gangues de motociclistas etc.). Noutro giro, o paradigma de rede ganha relevo
em situação de cooperação e a verificação de uma ou mais relações entre os grupos, permitindo a existência
de uma rede criminosa e inúmeros desdobramentos dela decorrentes (cita os autos no Brasil o entrelaça-
mento entre o PCC e o CV). O paradigma empresarial surge como adaptação das práticas criminosas ao
sistema capitalista, tendo relação direta com a obtenção de nova posição social para o criminoso, aumen-
tando também sua imunidade ao sistema penal. Por fim, relata Baltazar Junior que o paradigma endógeno
tem sua origem dentro dos órgãos ou instituições públicas, valendo-se os agentes públicos de sua situação
para obter vantagem ilegal por longos períodos, cuidando-se de uma criminalidade de dentro para fora.
BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime organizado e proibição de insuficiência. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010. p. 103-115.
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33. 14 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
Aqui, cumpre fazer um rápido parêntese para esclarecer um aspecto rele-
vante. Para a configuração do número mínimo de componentes necessários
para a verificação de uma organização criminosa jamais poderá ser contada
a presença do agente infiltrado. Desse modo, uma operação de infiltração
nunca poderá ter por objeto um grupo de quatro pessoas, cujo quarto inte-
grante seja exatamente o policial infiltrado.
Por outro lado, não há óbice, para perfazer o número mínimo de inte-
grantes aptos a caracterizar uma organização criminosa, que menores de de-
zoito anos sejam computados, desde que tenham participação comprovada,
ficando a cargo da autoridade policial ou do Ministério Público demonstrar a
presença deste critério já no momento do pedido de autorização da infiltra-
ção policial, como se verá em momento oportuno.
Contudo, ainda que presente o mínimo de quatro pessoas, cuja finalida-
de seja o cometimento de crimes, há outras etapas a percorrer para identifi-
car a ação de uma organização criminosa.
Portanto, além do elemento humano, mostra-se necessária a presença
de uma organização estrutural e estável do grupo, bem como a finalidade de
lucro em suas ações.
Desta maneira, uma vez verificada a presença dos requisitos essenciais,
bem como configurados os demais pressupostos previstos na Convenção
de Palermo (crimes graves, aqui adotados aqueles em que a máxima seja
superior a quatro anos),20
mostra-se caracterizada a hipótese de atuação de
uma organização criminosa, com a consequente possibilidade, em tese, da
utilização das técnicas especiais de investigação, dentre as quais está a infil-
tração policial.
Não obstante ao que se relatou até agora, não se pode deixar de rela-
cionar algumas práticas que aos olhos desavisados se apresentariam como
obras do crime organizado, mas que com ele não se confundem.
Neste momento, surge a necessidade de se fazer a devida distinção entre
o crime organizado e os institutos que poderiam ser designados como cor-
relatos, porém, diversos.
20 Parâmetro adotado no art. 2, “d”, da Convenção de Palermo.
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34. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 15
1.3 Crime organizado e ações praticadas por organizações
paramilitares e grupos terroristas: uma diferenciação
essencial
No tópico anterior, buscou-se trazer à baila os contornos necessários
para que determinado modo de agir de um grupo de pessoas seja caracteri-
zado como uma organização criminosa.
Na ocasião, foram aferidas as características essenciais do crime orga-
nizado, quais sejam: pluralidade de agentes, estabilidade ou permanência,
finalidade de lucro e organização.
Estas características se mostram de grande importância, uma vez que
possibilitam destacar uma organização criminosa das chamadas organiza-
ções paramilitares e dos ataques praticados por grupos terroristas.
Isso porque a definição de organização paramilitar envolve necessaria-
mente um viés ideológico e político, requisito dispensável em uma organi-
zação criminosa.
Ademais, na essência, o que se busca com uma organização paramilitar é
afrontar o governo existente, sendo sua meta, de fato, a deposição do gover-
no vigente e a tomada do poder, geralmente através de um processo revolu-
cionário, quase sempre envolvendo ações violentas.
Portanto, vê-se a existência de um forte viés político em organizações
paramilitares, cujos crimes eventualmente praticados podem ser tipificados
como crimes contra o Estado, a segurança nacional e até mesmo como atos
de terrorismo.
Nesse ponto, pode-se dizer que a finalidade da organização paramilitar
é a troca do atual governo, com ou sem sua ascensão ao poder, restando
esvaziado o requisito essencial presente em toda organização criminosa no
sentido de obter lucro a partir de suas ações delituosas.
Noutro giro, em relação aos atos praticados pelos chamados grupos ter-
roristas, como a “Al-Qaeda”, por exemplo, cumpre ressaltar a inexistência
de um tipo fechado penal, ou legal, definindo os seus parâmetros, seja no
âmbito nacional, seja no âmbito de tratados internacionais.
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35. 16 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
No direito interno, por exemplo, nossa Constituição apenas diz que o
terrorismo trata-se de um crime imprescritível e inafiançável,21
mas não
há qualquer norma infraconstitucional que delimite o âmbito de aplicação
desta disposição, apresentando-se, nos dias atuais, como uma norma cons-
titucional de eficácia limitada.
Já no âmbito do Direito Penal Internacional, o Estatuto de Roma definiu
os elementos de quase todos os delitos cuja competência é atribuída ao Tri-
bunal Penal Internacional.
Porém, na regulamentação do crime de terrorismo, vê-se a existência de
um silêncio eloquente. Isso ocorre, talvez, em virtude de não ser interessan-
te ao Conselho de Segurança da ONU ter parcela de seus poderes retirada
de suas mãos, ainda mais quando se trata da decisão por uma intervenção
armada, tal como ocorreu na Líbia recentemente.
Percebe-se, portanto, grande dificuldade acerca de um consenso sobre a
definição do que seja o terrorismo, sendo tal problema relatado brilhante-
mente por Mike German ao dizer: “[...] if you pick up any book about terrorism
you’ll almost always find a whole chapter, like this one, devoted entirely to trying to
define the word terrorism” (GERMAN, 2007, p. 29).22
Não é outra a conclusão de Antonio Cassese ao afirmar não existir um
conceito formal de terrorismo. O autor italiano atribui esta lacuna tanto
à divergência entre as nações componentes do Conselho de Segurança da
ONU quanto à inconveniência de se ter esta definição formal, que poderia
engessar a ação daquele órgão em detrimento de uma posição do Tribunal
Penal Internacional (CASSESE, 2011).
Por outro lado, em sua obra, o autor relata que pode ser identificado um
núcleo essencial do conceito de terrorismo, asseverando que:
21 Art. 5o
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasilei-
ros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segu-
rança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetí-
veis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e
os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <www.planalto.gov.
br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2013.
22 Tradução livre: Se você pegar qualquer livro sobre terrorismo, quase sempre encontrará um capítulo
inteiro, assim como este, tentando definir o que seja terrorismo.
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36. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 17
Gli elementi che sembrano essere richiesti ai fini della sussistenza del cri-
mine di terrorismo sono tre: 1) gli atti posti in essere devono constituire atti
penalmente rivelvanti per la maggior parte dei sistemi giuridici nazionali (ad
esempio, omicidio, sequestro di persona, estorsione, tortura, ecc.); 2)essi devono
essere finalizzati a coarture um governo, un’organizazione intergovernativa o
un ente non statale a carattere multazionale; tale coartazione può avvenire o
diffondendo nella popolazione Il terrore (ossia, paura ed intimidazione) oppure
mediante l’uso ovvero la minaccia di azioni violonte, e dirette contro uno Stato
o un’organizzione internazionale o multinazionale (ad esempio. Facendo saltare,
o ominacciando di far saltare, la Banca centrale, um ministero, un’ambasciata,
oppure sequestrando Il capo Del governo o Il presisdente di una multinazionale);
3) tali atti devono essere commessi sulla base di motivazione politiche, religiose
ovvero ideologiche; vale a dire, non devoro essere motivati dal perseguimento di
fini di lucro o interessi privati (CASSESE, 2011, p. 167).23
Não obstante à inexistência de um conceito formal de terrorismo, vê-se, a
partir dos elementos acima citados, de acordo com o ilustre autor italiano, ha-
ver nítida diferença de uma organização criminosa para um grupo terrorista.
Ajudando a esclarecer qualquer dúvida sobre o assunto, é muito didática
a explicação de Fabrício Vergueiro que, ao estudar a obra de Cherif Bassiouni,
considerado grande nome em matéria de Direito Internacional, traça o se-
guinte quadro comparativo entre os institutos:
I – Por definição, o crime organizado, ao contrário do terrorismo, não pode
ser cometido individualmente, até porque todos os crimes desta categoria são de
natureza coletiva;
II – O crime organizado é quase sempre comprometido com o lucro, ainda
que, como o terrorismo, possa buscar acesso ao poder. Enquanto o terroris-
mo, pelo contrário, é sempre cometido por uma finalidade de poder, apesar de
23 Tradução livre: Os elementos que parecem ser necessários para fins de subsistência do crime de ter-
rorismo são três: (1) os atos devem ser considerados atos criminosos relevantes para a maioria dos sistemas
jurídicos nacionais (por exemplo, homicídio, sequestro, extorsão, tortura etc.); (2) eles devem ser destina-
dos a coagir um governo, uma agência intergovernamental ou não governamental de caráter multinacional;
tal coerção pode ser feita tanto disseminando o terror na população (ou seja, o medo e a intimidação) ou
pelo uso ou ameaça de ação violenta, e dirigido contra um Estado, uma organização internacional ou multi-
nacional (como ações destinadas a explodir o Banco Central, um Ministério, um ato de sequestro contra o
Chefe do governo ou presidente de uma multinacional); e (3) estes atos devem estar comprometidos com
base em motivação política, religiosa ou ideológica, ou seja, não devem ser motivados pela busca do lucro
ou interesses privados.
9953_CrimeOrganizado.indb 17 25/06/2015 16:08:43
37. 18 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
seus agentes, eventualmente, recorrerem a crimes, visando a angariar recursos
financeiros;
III – Grande parte das atividades da criminalidade organizada é de natureza
consensual, como o comércio de drogas, e não depende de um efeito aterrorizante,
embora possa utilizar-se de violência para inspirar medo nas vítimas de extorsão,
aos concorrentes, ou para resistir às forças de segurança;
IV – As quadrilhas de crime organizado podem ser grandes ou pequenas, com
ou sem ligações internacionais, ou permanecer “nas sombras”, procurando evitar
atenções. Já os grupos terroristas almejam permanecer em evidência para que
suas ideias e objetivos sejam conhecidos, podendo ainda atuar contra o Estado ou
como sustentáculo de uma política repressiva estatal.24
Noutro giro, cite-se a contribuição valiosa de Baltazar Junior, quanto à pre-
sente diferenciação de conceitos. Aduz o autor, com a clareza que lhe é peculiar:
[...] embora existam características comuns, interpenetrações e mesmo a adoção
de técnicas assemelhadas em alguns casos, o terrorismo é fenômeno que goza de
autonomia, em razão das particularidades, de que se reveste, razão pela qual
merece tratamento doutrinário e legal específico, seja no plano interno, seja no
plano internacional. A distinção dar-se-á pela aplicação do princípio da especia-
lidade, sendo que a motivação e os fins políticos o traço especializante do grupo
terrorista. A conclusão será diversa, todavia, se aquela organização que tem
origens terroristas pouco mantém dos fins políticos que inspiraram sua criação,
restando convertida em mera organização criminosa com fins de lucro (BALTA-
ZAR JUNIOR, 2010, p. 122).
Feitas estas considerações, não há como se confundir as ações levadas
a cabo por grupos terroristas com crimes praticados por organizações cri-
minosas. Assim, atos terroristas, ainda que levados a cabo por um grupo e
cometidas condutas que busquem auferir algum tipo de vantagem econômi-
ca, não preenchem os requisitos necessários ao enquadramento como grupo
criminoso, ao menos em sede dos tratados internacionais, nos quais a ONU
trata do assunto.
Dito isto, tem-se superado qualquer inconveniente, ao menos em sede
conceitual, acerca do estudo da criminalidade organizada, passando-se, a se-
24 VERGUEIRO, Fabrício. Terrorismo e crime organizado têm objetivo e causa distintos. Consultor
Jurídico, 22 maio 2006. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-mai-22/terrorismo_crime_or-
ganizado_objetivos_diferentes>. Acesso em: 15 dez. 2013.
9953_CrimeOrganizado.indb 18 25/06/2015 16:08:43
38. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 19
guir, ao exame da obra legislativa brasileira quanto à infiltração policial em
organizações criminosas.
1.4 A atuação legislativa e jurisprudencial brasileira, rumo ao
combate à criminalidade organizada
Antes mesmo da promulgação da Convenção de Palermo, o Brasil editou
a Lei no
9.034/1995, cuja mensagem afirma cuidar-se de diploma que regu-
lamenta ações para o combate à atuação das organizações criminosas, sem,
contudo, trazer de forma expressa a definição do que seria uma organização
criminosa. Aquele diploma restringiu-se a delinear, de forma genérica e, na
grande parte de suas disposições de maneira incipiente, implicações rela-
cionadas ao processo penal e execução de pena, deixando de lado a tratativa
do direito material penal. No mesmo sentido, vieram as leis antidrogas no
10.409/2001 e no
11.343/2006,25
sem nada acrescentar quanto à definição
de crime organizado, ou mesmo da infiltração policial, em seu âmbito.
Desta forma, mesmo após a incorporação da Convenção de Palermo ao
sistema jurídico pátrio, por meio do Decreto no
5.015/2004, não houve con-
senso acerca de uma definição conceitual de organização criminosa.
Frente a esta situação de incertezas, surgiram duas correntes acerca do
conceito de crime organizado: a primeira, defendendo a possibilidade de
utilização do Código Penal ou da Lei de Drogas, quando se cuidar desta mo-
dalidade de delito coletivo; a segunda, pugnando pela aplicação do conceito
de organização criminosa previsto pela Convenção de Palermo, posto que
referido tratado internacional, uma vez incorporado ao ordenamento jurídi-
co, teria status supralegal.
Examinando-se as duas teorias, entende-se que a melhor saída a ser ado-
tada seria a aplicação da definição dada pela Convenção de Palermo, cujos
preceitos já estavam incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.
Isso porque não se estaria diante de qualquer interpretação contra legem
ou inconstitucional, haja vista o processo legislativo de incorporação de tra-
tados internacionais ao direito pátrio ter sido corretamente seguido.
25 Chamada de Lei de Drogas, neste trabalho.
9953_CrimeOrganizado.indb 19 25/06/2015 16:08:43
39. 20 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
Nesse sentido, cumpre citar que o Superior Tribunal de Justiça, em seus
julgamentos, pelo menos até a edição da Lei no
12.850/2013, vinha adotando
posicionamento que permitia a aplicação da Convenção de Palermo para a
conceituação do que se entenda por organização criminosa. A título de es-
clarecimento, segue amostragem muito elucidativa:
HABEAS CORPUS. HIPÓTESES DE CABIMENTO. LIBERDADE DE
LOCOMOÇÃO. ILEGALIDADE MANIFESTA. NECESSIDADE DE COM-
PROVAÇÃO. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO, LAVAGEM,
ESTELIONATO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA, FALSIFICAÇÃO DE DO-
CUMENTO PÚBLICO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. INCOMPETÊNCIA. INOCORRÊNCIA.
PERÍCIA. PEDIDO DA DEFESA. DECISÃO INDEFERITÓRIA FUNDAMEN-
TADA. SOBRESTAMENTO DO FEITO. MATÉRIA NÃO ANALISADA NA
ORIGEM.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal têm refinado o cabimento do
habeas corpus, restabelecendo o seu alcance aos casos em que demonstrada a
necessidade de tutela imediata à liberdade de locomoção, de forma a não ficar
malferida ou desvirtuada a lógica do sistema recursal vigente. Assim, verificada
hipótese de dedução de habeas corpus em lugar do recurso próprio, impõe-se o
seu não conhecimento, impondo-se ressaltar que uma vez constatada a existência
de ilegalidade flagrante, nada impede que esta Corte defira ordem de ofício, como
forma de coarctar o constrangimento ilegal.
2. Não há óbice que se reconheça, em sede de habeas corpus, pelo controle
difuso, a inconstitucionalidade de determinado dispositivo de Lei. Entretanto,
esse controle deve estar atrelado ao apontamento, na impetração, de uma ilega-
lidade ocorrente no caso concreto que traga reflexos no direito ambulatorial do
indivíduo e que justifique o uso mandamental.
3. Em outras palavras, não há como examinar a alegação de inconstituciona-
lidade de dispositivo legal, em razão do desvio no uso do habeas corpus, cujo
objeto e rito célere se voltam para a proteção imediata da liberdade de ir e vir.
4. A simples existência de indícios da prática de algum dos crimes previstos
no artigo 1o
já autoriza a instauração de ação penal para apurar a ocorrência do
delito de lavagem de dinheiro (delito autônomo), não sendo necessária, por con-
seguinte, a prévia condenação ou comprovação plena da materialidade e autoria
referente ao ilícito antecedente.
9953_CrimeOrganizado.indb 20 25/06/2015 16:08:43
40. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 21
5. Esta Corte tem entendimento pacífico no sentido de que “a conceituação
de organização criminosa se encontra definida no nosso ordenamento jurídico
pelo Decreto no
5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de
Palermo, que entende por grupo criminoso organizado, ‘aquele estruturado de
três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com
o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente
Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econô-
mico ou outro benefício material’” (HC 171.912/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp,
DJe de 28.09.11).
6. Para os crimes apurados na ação penal de que cuidam os autos há vara
especializada, razão pela qual não há que se falar em nulidade quando o feito é
processado por umas dessas varas.
7. É da jurisprudência o entendimento segundo o qual cabe ao magistrado
avaliar, diante do caso concreto, a conveniência da prova a ser produzida, inde-
ferindo aquela que julgar desnecessária ou procrastinatória.
8. É inviável a análise de questões que não foram submetidas ao Tribunal de
origem, sob pena de supressão de instância.
9. Ordem não conhecida.26
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO
DA AÇÃO PENAL EM RELAÇÃO AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEI-
RO. ART. 1o
, INCISO VII, DA LEI No
9.613/98. IMPOSSIBILIDADE. EXIS-
TÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A PERSECUÇÃO PENAL.
CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO ORDENAMENTO JU-
RÍDICO. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. O crime de lavagem de bens e valores é crime derivado ou acessório, pressu-
pondo vantagens financeiras e econômicas mediante um delito anterior. Mas não
há necessidade de denúncia ou condenação do agente em um dos crimes arrolados
pelo artigo 1o
da Lei federal no
9.613/1998. E o fato de o acusado não ter par-
26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tribunal Regional Federal da Primeira Região e Luiz Fer-
nando Valladão Nogueira. HC 162.957/MG, Rel. Min. OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em
4/12/2012, DJe 18/2/2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.
asp?sLink=ATC&sSeq=25500687&sReg=201000295902&sData=20130218&sTipo=5&formato=P-
DF>. Acesso em: 17 dez. 2013.
9953_CrimeOrganizado.indb 21 25/06/2015 16:08:43
41. 22 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
ticipado do crime antecedente é irrelevante para sua responsabilização pelo crime
de lavagem de capitais.
2. O inciso VII do art. 1o
da Lei no
9.613/98, com redação anterior à Lei
12.683/2012, não se refere a “organização criminosa” como um crime ante-
cedente do crime de lavagem de ativos, pois inexiste esse tipo penal no direito
brasileiro. O referido dispositivo se refere a um crime praticado por uma organi-
zação criminosa, “sujeito ativo” que se encontra definido no ordenamento jurídico
pátrio desde o Decreto no
5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou o De-
creto Legislativo no
231, de 29 de maio de 2003, o qual ratificou a Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo)
e, atualmente, está conceituado pela Lei 12.683/2012. O conceito de organização
criminosa funciona como um elemento normativo desse tipo penal.
3. Na hipótese, a peça acusatória descreve fatos que configuram, em tese, os
crimes de sonegação fiscal, falsidade ideológica e material, formação de quadri-
lha e lavagem de dinheiro, bem como a existência da organização criminosa, pos-
sibilitando o pleno exercício do direito de defesa. Logo, é inviável o encerramento
prematuro do processo criminal em relação ao crime previsto no art. 1o
, VII, da
Lei 9.613/98.
4. Ademais, não há como conhecer o recurso que tem como matéria de fundo
questão já decidida pela Suprema Corte no julgamento de habeas corpus em
favor do recorrente, no qual ficou assentado o trancamento da ação penal em re-
lação ao crime de sonegação fiscal, sem prejuízo da persecução penal quanto aos
demais crimes imputados ao réu na denúncia.
5. Recurso não conhecido.27
PENAL. HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ARTIGO
288 DO CÓDIGO PENAL. CRIME AUTÔNOMO. “LAVAGEM” OU OCUL-
TAÇÃO DE BENS, DIREITOS E VALORES. ORGANIZAÇÃO CRIMINO-
SA. ARTIGO 1o
, VII E § 4o
, DA LEI 9.613/98. CAUSA DE AUMENTO
DE PENA. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DE AÇÃO
PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO
27 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Nilton Rocha Filho e Ministério Público Federal. RHC 29.126/
MS, Rel. Min. ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE),
SEXTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 12/3/2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/
revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=25510312&sReg=201001913605&sDa-
ta=20130312&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 17 dez. 2013.
9953_CrimeOrganizado.indb 22 25/06/2015 16:08:43
42. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 23
EVIDENCIADA DE PLANO. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E
MATERIALIDADE DOS DELITOS. ORDEM DENEGADA.
I. O delito de quadrilha ou bando, capitulado no art. 288 do Código de
Processo Penal, trata-se de crime autônomo, que independe dos crimes posteriores
que venham a ser cometidos pelos agentes.
II. A conceituação de organização criminosa se encontra definida no nosso
ordenamento jurídico pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004, que promul-
gou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
– Convenção de Palermo, que entende por grupo criminoso organizado, “aquele
estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concer-
tadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enuncia-
das na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um
benefício econômico ou outro benefício material”.
III. As sanções do crime tipificado no art. 1o
, VII, da Lei 9.613/98, que difere
do crime de quadrilha definido no art. 288 do Código Penal, alcançam o agente
que oculta ou dissimule a natureza, origem, localização, disposição, movimentação
ou propriedade de bens direitos ou valores provenientes, direita ou indiretamente,
de crimes praticados por organização criminosa, ou seja, que auferem vantagens
ilícitas advindas dos crimes efetuados pelo crime organizado.
IV. Interpretando-se o § 4o
do art. 1o
da referida Lei, a causa de aumento ali
elencada deve ser aplicada ao agente que oculta ou dissimule a natureza, origem,
localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens direitos ou valores
provenientes, direita ou indiretamente, dos crimes elencados nos incisos I a VI, do
art. 1o
, da Lei de lavagem de dinheiro, por intermédio da organização criminosa,
isto é, necessita ser membro da organização.
V. Na hipótese, peça acusatória descreve os fatos no sentido de que estes con-
figuram, em tese, os crimes de quadrilha e de lavagem de dinheiro, bem como a
existência da organização criminosa, revelando, dessa forma, indícios suficientes
para justificar a apuração mais aprofundada dos delitos.
VI. O trancamento da ação penal, através do presente remédio, é medida
excepcional, somente admissível quando patente nos autos, de forma inequívoca,
a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade,
hipóteses não evidenciadas no caso em comento.
9953_CrimeOrganizado.indb 23 25/06/2015 16:08:43
43. 24 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
VII. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.28
(Grifos meus)
Seguiram-se os anos e a questão continuava sem solução aparente, até
que foi editada a Lei no
12.694/2012, cujo art. 2o
preceitua:
Art. 2o
Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a as-
sociação de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada
pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta
ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes
cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de ca-
ráter transnacional.29
A partir do texto legal, acima transcrito, sugiram duas novas indagações:
O conceito de organização criminosa da Lei no
12.694/2012 estaria apto
a suprir as lacunas existentes na Lei no
9.034/1995 e demais legislações
que fazem referência ao tema, sem, no entanto, definir o instituto? Somen-
te caberia a aplicação do conceito legal para os fins definidos pela Lei no
12.694/2012?
Examinando o texto do art. 2o
da Lei no
12.694/2012, bem como o com-
promisso internacional assumido pelo Brasil ao ser signatário da Convenção
de Palermo, embora não unânime, entendia-se clara a possibilidade do uso
da interpretação extensiva para se adotar o conceito de organização crimino-
sa, previsto na norma citada para prestar completude a todos os diplomas le-
gais que prevejam eventual recrudescimento da instrução processual penal,
quando verificada a prática de delitos sob a roupagem do grupo concatenado
à subversão da ordem pública e ao cometimento de lesão a bens jurídicos
relevantes, tutelados pelo Direito Penal.
Isso porque já se aceitava nos tribunais superiores pátrios, sem mais
discussões, a recepção do conceito de organização criminosa prevista na
28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Luiz Fernando Adami Latuf e Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo. HC 171.912/SP
, Rel. Min. GILSON DIPP
, QUINTA TURMA, julgado em 13/9/2011, DJe
28/9/2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=AT-
C&sSeq=17131497&sReg=201000834909&sData=20110928&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em:
17 dez. 2013.
29 BRASIL. Lei no
12.694, de 24 de julho de 2012. Dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em
primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas; altera o Decreto-lei no
2.848,
de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, o Decreto-lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de
Processo Penal, e as Leis nos
9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, e 10.826,
de 22 de dezembro de 2003; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12694.htm>. Acesso em: 20 abr. 2013.
9953_CrimeOrganizado.indb 24 25/06/2015 16:08:43
44. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 25
Convenção de Palermo, sem esquecer que a definição trazida pela Lei no
12.694/2012 era praticamente idêntica ao preceito esculpido daquele trata-
do internacional, os quais foram identificados todos os requisitos essenciais
à configuração do grupo criminoso, tal como explorado na seção anterior
deste capítulo.
Ademais, não se tratava o caso de qualquer analogia in malam partem, pois
a previsão de exasperação de pena, bem como o endurecimento das medidas
restritivas de outros direitos dos réus, durante a instrução, desde que com-
provado o envolvimento com organização criminosa, já estavam estatuídas
no ordenamento jurídico brasileiro há anos, carecendo somente da adequada
interpretação do conceito, aqui adotado o da nova legislação.
Nesse ponto, mostra-se interessante colacionar a este trabalho o julgado
do Superior Tribunal de Justiça, que endossava a posição aqui firmada, no
sentido de ser indiferente à definição legal do tipo penal de organização cri-
minosa, mas apenas o fato de ser uma realidade a ser analisada normativa-
mente, segundo os parâmetros da Convenção de Palermo, servindo de molde
à Lei no
12.694/2012.
Segue-se ementa do julgado:
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECUR-
SO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO.
MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO
DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA
PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2.
CRIAÇÃO DE VARA ESPECIALIZADA NO JULGAMENTO DE ORGA-
NIZAÇÕES CRIMINOSAS. 17a
VARA CRIMINAL DE MACEIÓ/AL. LEI
ESTADUAL No
6.806/2007. PLEITO PELA INCONSTITUCIONALIDADE.
JULGAMENTO DA ADI No
4.414/STF. CRIAÇÃO CONSIDERADA CONS-
TITUCIONAL. 3. NOVOS PARÂMETROS PARA A INVESTIDURA DOS
JUÍZES. MODULAÇÃO DE EFEITOS. ATOS PRATICADOS REPUTADOS
HÍGIDOS. 4. CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO DECLARADO IN-
SUBSISTENTE. DEFINIÇÃO TRAZIDA PELA CONVENÇÃO DE PALER-
MO E PELA LEI 12.694/2012. CONDUTAS QUE DENOTAM A EXIS-
TÊNCIA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 5. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionali-
dade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se
9953_CrimeOrganizado.indb 25 25/06/2015 16:08:43
45. 26 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabi-
mento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal
e no Código de Processo Penal. Atento a essa evolução hermenêutica, o Supremo
Tribunal Federal passou a adotar decisões no sentido de não mais admitir habeas
corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para
a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na
inicial no afã de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente, a ser
sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se prejuízos à
ampla defesa e ao devido processo legal.
2. A criação da 17a
Vara Criminal da Capital, pela Lei Estadual no
6.806/2007, de Alagoas, foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal, no julgamento da ADI no
4.414, assim, não há mais que se perquirir
acerca da constitucionalidade da mencionada lei.
3. O Pretório Excelso declarou algumas normas inconstitucionais, dando
interpretação conforme a Constituição da República a outras, modulando, no en-
tanto, os efeitos de seu decisum, para manter hígidos os processos sentenciados e
os atos processuais já praticados, determinando que os processos pendentes sejam
assumidos por juízes designados na forma da Constituição da República.
4. Considerou-se, ademais, insubsistente o conceito de crime organizado tra-
zido na mencionada lei, devendo, portanto, avaliar-se a competência da 17a
Vara
Criminal da Capital, para julgar o paciente, com base no conceito trazido pela
Convenção de Palermo, e atualmente pela Lei 12.694/2012, mostrando-se preen-
chidos referidos parâmetros com base na análise da conduta atribuída ao paciente.
5. Habeas corpus não conhecido.30
(Grifos meus)
Ainda, era preciso dizer que não se mostrava lógico adotar o conceito
previsto na Lei no
12.694/2012 somente em relação aos procedimentos de
segurança para proteção de magistrados e membros do Ministério Público,
que atuem diretamente no combate deste “câncer social”, devendo a concei-
tuação ser abrangente.
30 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Arnaldo Dantas e outro versus Tribunal de Justiça do Estado
de Alagoas (HC 175.693/AL, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em
26/2/2013, DJe 4/3/2013). Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.
asp?sLink=ATC&sSeq=26749310&sReg=201001052986&sData=20130304&sTipo=5&formato=P-
DF>. Acesso em: 17 dez. 2013.
9953_CrimeOrganizado.indb 26 25/06/2015 16:08:43
46. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 27
As considerações acima descritas foram propositalmente discutidas uti-
lizando-se os verbos em tempo pretérito, justamente em razão do fato de,
durante as pesquisas que endossam este trabalho, ter sido publicada a Lei
no
12.850/2013, a qual define em seu art. 1o
, caput, os fins do diploma legal,
abrindo o § 1o
com a definição da figura da organização criminosa nos se-
guintes termos:
Art. 1o
Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação
criminal, meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e procedimento
criminal a ser aplicado.
§ 1o
Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais
pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda
que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas
sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.31
Desta forma, com a edição da citada norma, foi superada, ao menos em
termos legislativos, a questão quanto à definição do que se deva entender
por crime organizado.
Não foi outra a conclusão a que chegou Eugênio Pacelli, ao afirmar que:
É certo que a Lei Complementar 95/98, alterada pela LC 107/01, exige
que a cláusula de revogação de lei nova deve enumerar, expressamente, as leis e
disposições revogadas (art. 9o
), o que não parece ter ocorrido na legislação objeto
de nossas considerações (Lei 12.850/13). Nada obstante, o descuido legislativo
quanto à respectiva técnica não poderá impor a convivência de normas jurídicas
incompatíveis. Assim, e com o objetivo de unificarmos o conceito de organiza-
ção criminal na ordem jurídica nacional, pensamos que deverá prevalecer, para
quaisquer situações de sua aplicação, a definição constante do art. 1o
, da Lei
12.850/13.32
31 BRASIL. Lei no
12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a in-
vestigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal;
altera o Decreto-lei no
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no
9.034, de 3 de
maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2013/Lei/L12850.htm>. Acesso em: 17 dez. 2013.
32 PACELLI, Eugênio de Oliveira. Curso de processo penal – 17. ed. – Comentários ao CPP – 5. ed. –
Lei 12.850/13. Disponível em: <http://eugeniopacelli.com.br/atualizacoes/curso-de-processo-penal-17a-
-edicao-comentarios-ao-cpp-5a-edicao-lei-12-85013-2/>. Acesso em: 11 nov. 2013. p. 6.
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47. 28 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
Dito isso, e examinado o texto da Lei no
12.850/2013, percebe-se que
foram adotadas como características essenciais para a caracterização da or-
ganização criminosa, por parte do legislador pátrio: (1) a pluralidade de
agentes; (2) a divisão de tarefas; (3) ter como meta a obtenção de vantagem
de qualquer natureza; (4) ser um grupo estruturado; (5) necessidade de
estarem em apuração crimes graves, assim considerados aqueles em que a
pena cominada seja superior a quatro anos ou crimes de caráter transnacio-
nal, seja qual for a pena definida abstratamente.
Fazendo-se uma comparação da estrutura que passa a ser prevista de
forma expressa pelo ordenamento jurídico brasileiro para se identificar uma
organização criminosa e o modelo essencial sugerido por Baltazar Junior
(pluralidade de agentes, estabilidade ou permanência, finalidade de lucro e
organização), já explorado no item 1.2, é identificada grande coerência entre
os dois modelos, diferindo-se um do outro apenas em relação à necessidade
de distribuição de tarefas, prevista no modelo legal, e à qualidade da infração
penal a ser apurada.
Em relação à divisão de tarefas, como já era de se esperar quando se fala
em produção legislativa em âmbito nacional, pecou o legislador em inserir
este requisito para se identificar o grupo criminoso.
Primeiro, pelo fato de não ser essencial a divisão de tarefas, sendo co-
mum a existência de grupos criminosos nos quais todas as pessoas realizam
os mesmos atos de execução, nas mais diversas etapas do cometimento do
delito. Portanto, é uma questão muito mais de tipificação penal em concurso
de pessoas, a ser aferida no momento da aplicação da pena, do que um traço
essencial para uma investigação processual penal.
Segundo, por se mostrar inócua a previsão de que a divisão de tarefas, ap-
tas a caracterizar a organização criminosa, não precisa ser formal, pois é evi-
dente que não há um contrato escrito, firmado entre aqueles que se reúnem
para a prática de delitos, estabelecendo rigorosamente quais as atribuições
de cada indivíduo nas empreitadas criminosas que estão por vir. Melhor que
não houvesse essa previsão. Além de supérflua, apenas serviu para mostrar,
mais uma vez, como nosso legislador vive em um mundo isolado daquele
vivenciado na sociedade brasileira.
Quanto à gravidade do tipo penal apurado, sem retoques. Delitos com
pena máxima cominada acima de quatro anos de reclusão e crimes de caráter
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48. Crime Organizado: Uma Realidade Inegável 29
transnacional, seja qual for a pena aplicada, mas que dificilmente terá pena
inferior a quatro anos, são crimes que demandam maior eficácia na repres-
são a cargo do Estado.
Dito isso, entende-se como superada a questão fática acerca da possibili-
dade de caracterização da criminalidade organizada como fenômeno aferível
no cotidiano da sociedade contemporânea, cujos traços a legislação brasilei-
ra passou a prever de maneira expressa com a edição da Lei no
12.850/2013,
servindo como soldados de reserva para o correto entendimento deste arranjo
desviante: a Convenção de Palermo, as Leis nos
11.343/2006 e 12.694/2012.
Por fim, é preciso frisar que a nova legislação de combate ao crime organiza-
do revogou total e expressamente a Lei no
9.034/1995.
Assim, restando comprovado o primeiro pressuposto para a continuação
do presente livro, segue-se para o capítulo seguinte, ocasião para abordar a
infiltração policial e o agente infiltrado.
9953_CrimeOrganizado.indb 29 25/06/2015 16:08:43
50. Debaixo de meus ternos Armani ou de minha pasta Renwick, minigra-
vadores capturavam provas cabais de nossos parceiros no crime. Que eu
então passava a meus chefes no governo. Depois de uma dramática opera-
ção policial que aconteceu numa falsa festa de casamento (a minha), mais
de 40 homens e mulheres foram presos, julgados e enviados à prisão.33
2.1 A infiltração policial como técnica especial de investigação
Ultrapassada a fase inicial do estudo, consistente na delimitação hori-
zontal do campo de trabalho, qual seja a organização criminosa, mostra-se
necessário o início do estudo vertical do tema proposto.
Para tanto, nesse momento traz-se à baila o instituto da infiltração policial
para, em seguida, abordar-se a figura do agente infiltrado, cuidando dos aspec-
tos inerentes à sua caracterização, bem como na identificação de possíveis
diferenças com alguns institutos correlatos.
Como se sabe, o Código de Processo Penal foi posto em vigor na década
de 1940 do século passado. Sendo um código redigido com os olhares do
legislador pátrio voltado para os modelos de codificação importados dos países
europeus, o CPP, não só quanto aos meios de prova, mas em todo seu corpo,
foi pensado tendo como parâmetros o estágio de desenvolvimento social e
econômico possível à realidade brasileira da época, sem esquecer a nossa
histórica insistência em “copiar” as felizes experiências de ordenamentos
além-mar.
33 Chama a atenção esta passagem justamente por dar o tom da atuação de um agente infiltrado em
grandes organizações criminosas. Recomenda-se a leitura desta obra, justamente por mesclar questões téc-
nicas com o cotidiano de uma infiltração policial. Confira-se em MAZUR, Robert. O infiltrado. Tradução
de Christian Schwartz e Liliana Negrello. Curitiba: Nossa Cultura, 2010. Prefácio. p. XII.
INFILTRAÇÃO POLICIAL: CONTORNOS E
DEFINIÇÕES NECESSÁRIAS
2
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51. 32 CRIME ORGANIZADO E INFILTRAÇÃO POLICIAL • MARLLON SOUSA
Neste ponto, o Título VII do CPP, em sua redação original, consagrou
os seguintes meios de prova: do exame de corpo de delito e das perícias em
geral; do interrogatório do acusado; da confissão; das perguntas ao ofendido;
das testemunhas; do reconhecimento das pessoas e coisas; da acareação; dos
documentos; dos indícios; da busca e apreensão.
Vê-se, pois, que havia certa limitação quanto aos meios de coleta de evi-
dências, não sendo lícito falar em obtenção de prova, seja de acusação ou de
defesa, por um meio estranho às previsões encetadas pela lei.
Nesse ponto, afirma-se que o CPP tem como meta instrumentalizar a
manifestação do jus puniendi estatal, servindo também como um limitador da
autuação dos órgãos investigatórios e, portanto, como um escudo protetor
das liberdades e garantias individuais dos pretensos investigados.
Não obstante cuidar-se de instrumentos à disposição das partes para re-
construir a realidade pretérita, cujo objetivo nada mais é do que propiciar ao
órgão julgador o conhecimento da dinâmica dos fatos a fim de que a resposta
estatal às ações penais fossem as mais justas possíveis, com a condenação
dos culpados e absolvição dos inocentes, os meios de prova previstos no
Código de Processo Penal, assim como a instrução processual penal, foram
assolados, a contar da segunda metade do século passado, por uma crise
sem precedentes. Como principais fatores de tal crise podem ser arrolados: a
expansão do capitalismo, responsável pela tessitura de uma sociedade global
única, globalizada e multifacetada; e a virada da interpretação constitucio-
nal, com o dever de prevalência do respeito aos direitos humanos do inves-
tigado em todas as fases da persecução penal.
Desta maneira, diz-se que o modelo de sociedade capitalista globalizada
propiciou a pulverização das relações sociais, a criação de novas tecnologias
de informação (telefonia móvel e o surgimento da Internet, por exemplo),
bem como o incremento das práticas delituosas, com o consequente surgi-
mento de novos crimes e novas formas de cometer os injustos penais já exis-
tentes, sem esquecer os novos arranjos dos grupos criminosos, este último
ponto já explorado no capítulo anterior.
Nesse sentido, são interessantes as palavras de Flávio Cardoso Pereira
ao dizer que:
La realidad actual es indiscutible: el proceso penal vía de sus medios tradi-
cionales de investigación y persecución del delito, no consigue dar una repuesta
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