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                            Os revolucionários estão chegando


     Alguns psicólogos que se dizem especialistas em adolescência aconselham, como
remédio para as perturbações características desta fase, muito diálogo, muito amor, muita
compreensão. Os pais devem criar condições para que os filhos conversem com eles sobre os
seus problemas e devem se esforçar por compreendê-los. Pelo amor e pelo diálogo, eles
garantem, pais e adolescentes continuarão amigos e a família voltará a ser feliz como sempre
tinha sido quando eles eram meninos.
      Discordo. Em primeiro lugar, nada me convence de que os adolescentes estejam tanto
assim atrás do amor dos pais. Atrás de amor, é verdade. Mas, dos pais? Duvidoso. Em
segundo lugar, não existe coisa que os adolescentes menos queiram que ser compreendidos
pelos velhos. Em brigas entre marido e mulher há um momento em que um dos dois diz, como
argumento final:   “Te compreendo muito bem...” afirmação que se faz sempre com umas
reticências e um sorriso de escárnio. Isso quer dizer: “Pare de mentir. Tenho você aqui, dentro
da minha cabeça, transparente. Já lhe fiz a tomografia da alma... Tudo o que você disser será
inútil. Te compreendo. Teu mistério, eu já o resolvi.” Quem compreende domina.
     E vocês acreditam mesmo que os adolescentes queiram ser compreendidos pelos seus
pais, essas enormes bolas de ferro que eles têm de arrastar, acorrentadas às suas pernas, de
quem ainda desgraçadamente dependem para dinheiro e automóvel, que os vigiam com um
olho que parece o olho de Deus, e que lhes pedem explicações sobre onde andaram e sobre o
que fizeram, seres de quem escapam somente à custa de muita mentira e trapaça? Que caça
deseja ser compreendida pelo caçador? Se o caçador a compreender, ele saberá onde colocar
a armadilha.
     O caçador há de compreender a caça por conta própria, sem depender da boa vontade da
caça para dialogar. E a compreensão começa quando se percebe que os adolescentes são
iguais às crianças na cabeça; só são diferentes no tamanho do corpo. E é isso que faz toda a
diferença.
     É fácil entender as crianças: basta ler as deliciosas tirinhas cômicas sobre o Calvin, que
aparecem diariamente no Caderno C do Correio Popular, esse prestigioso jornal todo jornal
tem de ser prestigioso quando a gente se refere a ele, do mesmo jeito como o Papa é
santidade, o presidente é excelência e o reitor é magnificência.
     A cabeça da criança é dominada pela fantasia, pelo maravilhoso: o Calvin é astronauta, a
mãe dele é trator, a bicicleta adquire idéias próprias e passa a persegui-lo, ele é um incrível
escultor moderno que faz esculturas caríssimas de neve, 6 + 5 = 6, por razões absolutamente
lógicas, e a estúpida professora marca errado na prova. Na cabeça da criança tudo é possível.


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“Compra, pai! Compra!” “Mas eu não tenho dinheiro!”, o pai responde, mentindo. Sabe que o
filho não entenderia suas razões. Mas o menino contra-ataca: “Paga com cheque.”
Antigamente as fadas usavam varinhas de condão. Agora elas usam talões de cheques.
     As crianças pensam que os adultos são onipotentes. Quando estou num elevador lotado e
vejo alguma criança pequena no chão, espremida no meio dos adultos, fico a imaginar o que é
que ela vê, ao olhar para cima: enormes torres. Acho que foi de situações semelhantes que
surgiram as fantasias dos gigantes que comiam crianças. Para as crianças, os adultos são
gigantes de força descomunal, que tudo podem.
     Se ele, Calvin, tivesse poder, se ele fosse grande e tivesse um talão de cheques, o
mundo seria totalmente diferente, só brinquedo e aventura. Infelizmente o seu pai e a sua mãe,
classe dominante, detentores do monopólio dos meios de produção, o reduziram à miserável
condição de escravo, e assim o obrigam a comer o que ele não quer comer, a fazer deveres
idiotas da escola, sem sentido alienação maior poderá existir? , a ir para a cama quando ainda
há muitas coisas divertidas a serem feitas. Os adultos são os culpados pela sua infelicidade.
Mas o dia chegará em que se ouvirá o grito revolucionário: “Crianças de todo o mundo! Uni-
vos!” As crianças tomarão o poder; os adultos dominadores não serão fuzilados, como bem
merecem, porque as crianças sabem perdoar. Mas serão internados em instituições
apropriadas para ser reeducados. Será a sociedade sem classes, a volta do Paraíso. Quando
este momento chegar, Calvin será um extraordinário líder revolucionário.
     E então, repentinamente, o momento chega, anunciado gloriosamente pelos pêlos que
começam a surgir em lugares dantes lisos. Ah! Os pêlos! Finalmente... Quanta inveja e quanta
fantasia provocavam na cabeça das meninas e dos meninos, ao contemplar aqueles símbolos
da condição adulta!
     A importância psicológica dos pêlos ainda não foi suficientemente analisada. Minhas
investigações clínicas sobre o assunto levaram-me a uma curiosa descoberta: são eles os
responsáveis por uma síndrome característica da adolescência, ainda não descrita nos
compêndios científicos. Eu a batizei com o nome de “síndrome de Sansão”.
     Como se sabe da mitologia bíblica, Sansão era um herói de força descomunal: ele
derrotou, sozinho, um exército inteiro, exército armado com espadas e lanças, tendo como
arma apenas uma queixada de burro. Perto de Sansão, o Rambo é um anêmico. Pois a força
de Sansão se encontrava precisamente nos cabelos. Foi só a Dalila cortar a cabeleira do herói
para que sua força murchasse como bexiga furada.
     A “síndrome de Sansão” é uma perturbação mental que leva os adolescentes a identificar
o crescimento dos seus pêlos com o crescimento da força. E esta ilusão é confirmada, na
cabeça deles, pelo desenvolvimento e crescimento dos órgãos adjacentes aos pêlos, novinhos


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em folha, que entram em funcionamento tão logo se belisque a partida, mesmo sob as
condições mais adversas, como madrugadas de inverno. O que contrasta com os Galaxies
paternos que, em condições semelhantes, exigem uma bateria nova, e só funcionam depois de
muitas tentativas, sendo o seu funcionamento entremeado por tosses, afogamentos,
apagamentos repentinos, para o embaraço de todos.
     Sim, as crianças não são mais crianças. Além do crescimento dos pêlos, há o
crescimento do corpo. Agora, nos elevadores, as crianças que olhavam para cima viraram
adolescentes enormes que olham para baixo. Estão maiores que os pais. Não só maiores:
melhores. Modelo último tipo. O modelo dos pais já era. “O velho...” Já fora de linha. Galaxies,
trambolhos velhos, batidos, soltando fumaça pelo escapamento. Sair com eles é vergonhoso.
     O glorioso momento: a tomada do poder, a revolução. Chegou a adolescência. Para se
entender os adolescentes é preciso entender a sociologia e a psicologia dos revolucionários.
     Classe subalterna não anda em companhia de classe dominante. Não frequenta os
mesmos lugares. Não fala a mesma língua. Não quer diálogo. Operário não conversa com
patrão. Operário exige os seus direitos. Se não é atendido, faz greve. Adolescente não quer
papo com pai e mãe. Não vai mais ao sítio. Não passa réveillon em casa. Não escuta a mesma
música. Se é proibido, tem de ser transgredido. Com ele se inicia uma nova ordem. É um
militante. A adolescência é um partido revolucionário anaquista. Se a situação política fosse
outra, o lugar do seu filho seriam os comícios e, possivelmente, a guerrilha. Mas hoje, do jeito
como estão as coisas, ele não passa da Pachá.
   (ALVES,Rubem.Sobre o Tempo e a Eternidade.13ªed.,Campinas-SP:Ed. Papirus,1995. p.p. 29/32)


                                           A Turma


     Uma pitada de loucura aumenta o prazer da vida. Veja o caso do cinema. Você vai lá,
assenta-se e fica vendo um jogo de luzes coloridas projetado numa tela. Você sabe que aquilo
tudo é de mentira. E, não obstante, você treme de medo, tem taquicardia, pressão arterial alta,
sua de medo, ri, chora... É um surto de loucura. Você está tomando imagens como se fossem
realidade. Mas, se você não se entregasse por duas horas a essa loucura, o cinema seria tão
emocionante quanto ler uma lista telefônica. Passadas as duas horas as luzes se acendem,
você sai da loucura e caminha solidamente de volta para a realidade.
A diferença entre a sua loucura e a loucura do louco é que o louco não consegue sair do
cinema. A sessão não termina. As luzes não se acendem. Ele não desconfia de que aquilo que
está passando na sua cabeça seja só um filme. Pensa que é real.




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     Quem não está louco é quem desconfia dos seus pensamentos. Sabe que a cabeça é
enganosa: sessão de cinema. Nada garante que os pensamentos, aquilo que aparece
projetado na tela da consciência, sejam verdade. A razão é desconfiada. Quando uma pessoa
diz: “Eu tenho certeza!” ela está confessando: “Eu não desconfio dos meus pensamentos!”
Consequentemente, está em surto psicótico.
     A adolescência é a idade da certeza. Os adolescentes não desconfiam de suas idéias e
opiniões. Acreditam piamente naquilo que seus pensamentos lhes dizem. Daí, a conclusão
lógica de que todos os que têm idéias diferentes das suas só podem estar errados. Explica-se,
assim, a sua dificuldade em lidar com opiniões discordantes. “Sei muito bem o que estou
fazendo”: essa é a resposta padrão que eles usam para se descartar de uma advertência sobre
um curso problemático de ação.

     A certeza sobre o pensamento se faz sempre acompanhar por um sentimento de
onipotência. Os deuses tudo sabem e são invulneráveis. Assim, eles não têm medo de fazer as
coisas mais perigosas rachas, roletas-russas, cavalos-de-pau pois nada pode lhes acontecer.
Acidentes graves só acontecem com os outros. “Posso fumar maconha e cheirar cocaína sem
medo. Sei o que estou fazendo. Eu nunca vou ficar viciado. Somente os fracos ficam viciados.
Mas eu sou forte.”
     Por isso, os programas que buscam alertar os adolescentes sobre os perigos das drogas
estão fadados ao fracasso. Eles são elaborados sobre o pressuposto de que, se os
adolescentes conhecessem os perigos, eles fugiriam deles. Mas isso é o mesmo que tentar
dissuadir o alpinista do seu sonho de escalar o Himalaia por causa dos perigos das montanhas,
ou tentar convencer o Amir Klynk a cancelar sua viagem ao pólo sul por causa dos perigos dos
mares. Alpinistas e navegadores, empreendem suas aventuras exatamente para desafiar o
perigo. É o perigo que dá a emoção.
     Assim é o adolescente. Ele quer o risco. Mas, diferentemente do alpinista e do navegador,
ele acha que nada pode lhe acontecer. Ele não entra pelo caminho das drogas por ignorar o
perigo. Ele entra no caminho das drogas para desafiar o perigo. Evidentemente, na certeza de
que nada lhe acontecerá. Essa ilusão psicótica tem um agravante: o reforço da “turma”.
     A sociologia deu o nome de “outros relevantes” às pessoas que eu levo em consideração
ao agir. Esses outros são a “platéia” diante da qual eu represento o meu número de teatro, e
cujo aplauso eu busco e cuja vaia eu temo. Os pais são “outros significativos” mais importantes
das crianças. Elas estão, a todo momento, buscando a aprovação do seu olhar. A adolescência
é o momento quando os pais são substituídos pela “turma”.




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     A “turma” é tirânica. Ela impõe e exige. O adolescente tem de obedecer. Eram 22h30. A
mãe foi ao quarto da filha de 13 anos para o beijo carinhoso de boa-noite no rosto da menina
inocente adormecida. O que ela encontrou sobre a cama vazia foi um bilhete: “Não posso
decepcionar meus amigos. Fui para a Pachá”.
     A “turma” cria um delicioso sentimento de fraternidade. Todos se confirmam. Todos fazem
as mesmas coisas juntos. Todos são “conspiradores”. Mas, ao fazer isso, ela retira dos
indivíduo isolados o senso de identidade. Sem a “turma” o adolescente é um rosto sem
espelho. Na “turma”, indivíduos respeitáveis e tímidos isoladamente transformam-se em feras
imorais. São as “turmas” que lincham. Individualmente todos somos seres morais. A “turma”
decide sobre roupas, tênis, boates, música, fumo, cheiro, transa. Ai daquele que não obedece.
     Em relação à sociedade adulta o adolescente é um revolucionário. Ele está pronto a
transgredir tudo para criar uma nova ordem. Em relação à “turma” ele é um carneirinho
conservador, sem idéias próprias, submisso à autoridade do grupo. A adolescência é um
perpétuo jogo de “boca-de-forno”.
                                  Turma: “Boca de forno!”
                                  Adolescentes: “Forno!”
                                  Turma: “Furtaram um bolo!”
                                  Adolescente: “Bolo!”
                                  Turma: “Fareis tudo o que vosso mestre mandar?”
                                  Adolescentes: “Faremos todos, faremos todos, faremos
todos...”
     Lembrem-se de que eu disse em outra crônica que há dois tipos de adolescentes: os
etários e o otários. Tudo o que tenho dito só se aplica ao segundo grupo.
     Não há nada que possa ser feito. Felizmente chegaram, de espaços siderais, anjos de
todos os tipos. Sugiro que os pais encomendem anjos especializados na guarda de
adolescentes para tomar conta dos seus filhos. E que, para seu benefício próprio, invoquem os
anjos protetores do sono e dos sonhos. Se não há nada a ser feito, pelo menos que o sono
seja tranquilo e que os sonhos sejam suaves.


            (ALVES,Rubem.Sobre o Tempo e a Eternidade.13ªed.,Campinas-SP:Ed. Papirus,1995. p.p 33/35)




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                                Sobre as aves e os adolescente
     Se a Esfinge tivesse sido um pouco mais esperta e versada em mistérios que só seriam
revelados séculos depois, em vez de propor a Édipo o enigma bobo que propôs, teria
simplesmente perguntado: “O que é, o que é: mais misterioso que a Santíssima Trindade e
mais doloroso que a cruz de Cristo?” Claro que Édipo não conseguiria resolver enigma tão
terrível, a Esfinge ato contínuo o devoraria, o que nos teria poupado do complexo de Édipo e
suas sequelas psicanalíticas. Fosse o pai ou a mãe de um adolescente, a resposta sairia de
um pulo: “é o meu filho, é o meu filho...”
     Entretanto, mesmo sabendo que não é possível decifrar enigma tão obscuro, por pura
compaixão dos pais desesperados, aceito o doloroso dever de revelar o que aprendi sobre o
assunto.
     Em primeiro lugar, é preciso não confundir as coisas, e saber que há dois tipos de
adolescência.
     O primeiro deles é uma doença benigna, parecida com sarampo: a “adolescência etária”.
Trata-se de um período da vida que vai, grosso modo, dos 13 aos 19 anos. Esse tipo de
adolescência existiu sempre, todos passamos por ela, é um fenômeno individual, normalmente
se cura por si mesmo, e raramente deixa sequelas. Caracteriza-se por transformações físicas e
psicológicas. A voz se altera, aparecem os pêlos nos devidos lugares, desenvolvem-se os
órgãos sexuais, e os piões e as bonecas são trocados por brinquedos mais interessantes.
     Em segundo lugar há uma outra adolescência, que mais se parece com a varíola pela
gravidade dos sintomas: é a “adolescência otária”, a única que me interessa. Trata-se de um
fenômeno cultural moderno, de natureza essencialmente coletiva e caracterizado por uma
perturbação nas faculdades do pensamento, perda do contato com a realidade, alucinações
psicóticas, que não raro assumem a forma de zombaria social, como é o caso das pichações
de muros e monumentos, até os rachas em alta velocidade que, frequentemente, terminam em
velórios.
     A psicologia behaviorista, iniciada por Pavlov e desenvolvida por Skinner, deu uma
inestimável contribuição ao estudo do comportamento humano, mostrando que é possível
entender o homem pelo estudo dos animais. Cães, cobaias e ratos foram e são amplamente
usados para tal fim. Ao que me consta, entretanto, nenhum animal foi encontrado que se
prestasse ao estudo da adolescência, o que explica a pobreza dos nossos conhecimentos
nesta área.




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      Por muitos anos tive escrúpulos de tornar pública minha descoberta revolucionária.
Lembrava-me de Darwim, que foi cruelmente perseguido e ridicularizado por haver revelado
nosso parentesco com os símios. Temi sofrer retaliações se revelasse que o enigma dos
adolescentes pode ser decifrado se estudarmos o comportamento social e psicológico das
maritacas...
      Sim, as maritacas... Mesmo sob exame superficial, as semelhanças saltam aos olhos.
      Para começar, andam sempre em bandos, maritacas e adolescentes. Uma maritaca
solitária    e um adolescente solitário são aberrações da natureza. Daí o horror que os
adolescentes têm da casa: na casa eles estão separados do bando. Havendo cortado o cordão
umbilical que os ligava aos pais, eles o substituíram por um outro cordão umbilical, o fio do
telefone, pelo qual eles se mantêm permanentemente ligados uns aos outros. Eles não
conseguem ficar sozinhos, porque sentem muito frio
      Depois, são todas iguais, as maritacas. E também os adolescentes. Você já viu uma
adolescente se vestir diferente das outras para a festa? Os tênis têm de ser da mesma marca.
Os jeans, da mesma grife. A Pachá é um templo onde os adolescente celebram suas
igualdades.
      Sabiás não padecem de crise de identidade. São aves solitárias e por isso cantam bonito
de fazer chorar. Quanto eles cantam todo mundo se cala e escuta. As maritacas são o oposto.
Gritam todas ao mesmo tempo. Deus o livre (não me livrou) de assentar-se próximo a uma
mesa de adolescentes, no Pizza Hut... Dizem sempre a mesma coisa, dizem sempre igual,
dizem sem parar. Mas eles nem ligam. Porque ninguém escuta mesmo.
      E, finalmente, maritacas e adolescentes não se importam com a direção em que estão
indo. Importam-se, sim, com o “agito” enquanto vão.
      Mas não terminou. Em ocasião futura farei revelações ainda mais espantosas. Espero que
você tenha percebido que a essência do que estou dizendo se resume nisto: em situações
quando chorar é inútil, só nos resta dar risada. Isso, é claro, até que haja cacos a serem
catados...


  (Alves,Rubem.Sobre o Tempo e a Eternidade.Campinas-SP:Ed. Papirus,1997. p.p 25/27)




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                                         A amizade


     Lembrei-me dele e senti saudades... Tanto tempo que a gente não se vê! Dei-me conta,
com uma intensidade incomum, da coisa rara que é a amizade. E, no entanto, é a coisa mais
alegre que a vida nos dá. A beleza da poesia, da música, da natureza, as delícias da boa
comida e da bebida perdem o gosto e ficam meio tristes quando não temos um amigo com
quem compartilhá-las. Acho mesmo que tudo o que fazemos na vida pode se resumir nisto: a
busca de um amigo, uma luta contra a solidão...
     Lembrei-me de um trecho de Jean-Christophe, que li quando era jovem, e do qual nunca
me esqueci. Ramain Rolland descreve a primeira experiência com a amizade do seu herói
adolescente. Já conhecera muitas pessoas nos curtos anos de sua vida. Mas o que
experimentava naquele momento era diferente de tudo o que já sentira antes. O encontro
acontecera de repente, mas era como se já tivessem sido amigos a vida inteira.
     A experiência da amizade parece ter suas raízes fora do tempo, na eternidade. Um amigo
é alguém com quem estivemos desde sempre. Pela primeira vez, estando com alguém, não
sentia necessidade de falar. Bastava a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro.
     “Christophe voltou sozinho dentro da noite. Seu coração cantava ‘Tenho um amigo, tenho
um amigo!’ Nada via. Nada ouvia. Não pensava em mais nada. Estava morto de sono e
adormeceu apenas deitou-se. Mas durante a noite foi acordado duas ou três vezes, como que
por uma idéia fixa. Repetia para si mesmo: ‘Tenho um amigo’, e tornava a adormecer.”
     Jean-Christophe compreendera a essência da amizade. Amiga é aquela pessoa em cuja
companhia não é preciso falar. Você tem aqui um teste para saber quantos amigos você tem.
Se o silêncio entre vocês dois lhe causa ansiedade, se quando o assunto foge você se pões a
procurar palavras para encher o vazio e manter a conversa animada, então a pessoa com
quem você está não é amiga. Porque um amigo é alguém cuja presença procuramos não por
causa daquilo que se vai fazer juntos, seja bater papo, comer, jogar ou transar. Até que tudo
isso pode acontecer. Mas a diferença está em que, quando a pessoa não é amiga, terminado o
alegre e animado programa, vêm o silêncio e o vazio ---- que são insuportáveis. Nesse
momento o outro se transforma num incômodo que entulha o espaço e cuja despedida se
espera com ansiedade.
     Com o amigo é diferente. Não é preciso falar. Basta a alegria de estarem juntos, um ao
lado do outro. Amigo é alguém cuja simples presença traz alegria independentemente do que
se faça ou diga. Amizade anda por caminhos que não passam pelos programas.




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     Uma estória oriental conta de uma árvore solitária que se via no alto da montanha. Não
tinha sido sempre assim. Em tempos passados a montanha estivera coberta de árvores
maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam. Mas aquela árvore era
torta, não podia ser transformada em tábuas. Inútil para os seus propósitos, os lenhadores a
deixaram lá. Depois vieram os caçadores de essências em busca de madeiras perfumadas.
Mas a árvore torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e lá ficou. Por ser inútil,
sobreviveu. Hoje ela está sozinha na montanha. Os viajantes se assentam sob a sua sombra e
descansam.
     Um amigo é como aquela árvore. Vive de sua inutilidade. Pode até ser útil eventualmente,
mas não é isso que o torna um amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa
solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo sabemos que não estamos sós. E
alegria maior não pode existir.


    (ALVES,Rubem.O Retorno e Terno.13ªed.,Campinas,SP:Ed. Papirus,1998. p.p 11/13)




                                      As mil e uma noites


     Estou me entregando ao prazer ocioso de reler As mil e uma noites. O encantamento
começa com o título que, nas palavras de Jorge Luís Borges, é um dos mais belos do mundo.
Segundo ele, a sua beleza particular se deve ao fato de que a palavra mil é, para nós, quase
sinônima de infinito. “Falar em mil noites é falar em infinitas noites. E dizer mil e uma noites é
acrescentar uma além do infinito.”
     As mil e uma noites são a estória de um amor ---- um amor que não acaba nunca. Não
existe ali lugar para os versos imortais do Vinícius (Tão belos que o próprio Diabo citou em sua
polêmica com o Criador): “Que não seja eterno, posto que é chama, mas que seja infinito
enquanto dure...”Estas são palavras de alguém que já sente o sopro do vento que dentro em
pouco apagará a vela: declaração de amor que anuncia uma despedida.
     Mas é isto que quem ama não aceita. Mesmo aqueles em quem a chama se apagou
sonham em ouvir de alguém, um dia, as palavras que Heine escreveu para uma mulher: “Eu te
amarei eternamente e ainda depois.” É preciso que a chama não se apague nunca, mesmo
que a vela vá se consumindo. A arte de amar é a arte de não deixar que a chama se apague.
Não se deve deixar a luz dormir. É preciso se apressar em acordá-la (Bachelard).E, coisa
curiosa: a mesma chama que o vento impetuoso apaga volta a se acender pala carícia do
sopro suave...


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     As mil e uma noites são uma estória da luta entre o vento impetuoso e o sopro suave.
Ela revela o segredo do amor que não se apaga nunca.
     Um sultão, descobrindo-se traído pela esposa a quem amava perdidamente, toma uma
decisão cruel. Não podia viver sem o amor de uma mulher. Mas também não podia suportar a
possibilidade da traição. Resolve, então, que iria se casar com as moças mais belas dos seus
domínios, mas depois da primeira noite de amor, mandaria decapitá-las. Assim o amor se
renovaria a cada dia em todo o seu vigor de fogo impetuoso, sem nenhum sopro de infidelidade
que pudesse apagá-lo. Espalham-se logo, pelo reino, as notícias das coisas terríveis que
aconteciam no palácio real: as jovens desapareciam, logo depois da noite nupcial. Xerazade,
filha do vizir, procura então o seu pai e lhe anuncia sua espantosa decisão: desejava tornar-se
esposa do sultão. O pai, desesperado, lhe revela o triste destino que a aguardava, pois ele
mesmo era quem cuidava das execuções. Mas a jovem se mantém irredutível.
     A forma como o texto descreve a jovem Xerazade é reveladora. Quase nada diz sobre
sua beleza. Faz silêncio total sobre o seu virtuosismo erótico. Mas conta que ela lera livros de
toda espécie, que havia memorizado grande quantidade de poemas e narrativas, que decorara
os provérbios populares e as sentenças dos filósofos.
     E Xerazade se casa com o sultão. Realizados os atos de amor físico que acontecem nas
noites de núpcias, quando o fogo do amor carnal já se esgotara no corpo do esposo, quando
só restava esperar o raiar do dia para que a jovem fosse sacrificada, ela começa a falar. Conta
estórias. Suas palavras penetram os ouvidos vaginais do sultão. Suavemente, como música. O
ouvido é feminino, vazio que espera e acolhe, que se permite ser penetrado. A fala é
masculina, algo que cresce e penetra nos vazios da alma. Segundo antiquíssima tradição, foi
assim que o deus humano foi concebido: pelo sopro poético do Verbo divino, penetrando os
ouvidos encantados e acolhedores de uma Virgem.
     O corpo é um lugar maravilhoso de delícias. Mas Xerazade sabia que todo amor
construído sobre as delícias do corpo tem vida breve. A chama se apaga tão logo o corpo se
tenha esvaziado do seu fogo. O seu triste destino é ser decapitado pela madrugada: não é
eterno, posto que é chama. E então, quando as chamas dos corpos já se haviam apagado,
Xerazade sopra suavemente. Fala. Erotiza os vazios adormecidos do sultão. Acorda o mundo
mágico da fantasia. Cada estória contém uma outra, dentro de si, infinitamente. Não há um
orgasmo que ponha fim ao desejo. E ela lhe parece bela, como nenhuma outra. Porque uma
pessoa é bela, não pela beleza dela, mas pela beleza nossa que se reflete nela...
     Conta a estória que o sultão, encantado pelas estórias de Xerazade, foi adiando a
execução, por mil e uma noites, eternamente e um dia mais.




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     Não se trata de uma estória de amor, entre outras. É, ao contrário, a estória do
nascimento e da vida do amor. O amor vive neste sutil fio de conversação, balançando-se entre
a boca e o ouvido. A Sônia Braga, ao final do documentário de celebração dos 60 anos do Tom
Jobim, disse que o Tom era o homem que toda mulher gostaria de ter. E explicou: “Porque ele
é masculino e feminino ao mesmo tempo...”O segredo do amor é a androgenia: somos todos,
homens e mulheres, masculinos e femininos ao mesmo tempo. É preciso saber ouvir. Sem
expulsá-lo por meio de argumentos e contra-razões. Nada mais fatal contra o amor que a
resposta rápida. Alfange que decapita. Há pessoas muito velhas cujos ouvidos ainda são
virginais: nunca foram penetrados. E é preciso saber falar. Há certas falas que são um estupro.
Somente sabem falar os que sabem fazer silêncio e ouvir. E, sobretudo, os que se dedicam à
difícil arte de adivinhar: adivinhar os mundos adormecidos que habitam os vazios do outro.
     As mil e uma noites são a estória de cada um. Em cada um mora um sultão. Em cada um
mora uma Xerazade. Aqueles que se dedicam à sutil e deliciosa arte de fazer amor com a boca
e o ouvido (estes órgãos sexuais que nunca vi mencionados nos tratados de educação
sexual...) podem Ter a esperança de que as madrugadas não terminarão com o vento que
apaga a vela, mas com o sopor que a faz reacender-se.


                      (ALVES,Rubem.O Retorno e Terno.13ªed.,Campinas, SP:Ed. Papirus,1998. p.p 23/26.)




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                                     “...Até que a morte...”


     De vez em quando o diabo me aparece e temos longas conversas. E nada se parece com
o que dizem dele: rabo, chifres, patas de bode e cheiro de enxofre. Cavalheiro de voz mansa e
racional, bem vestido, apreciador de desodorantes finos, me surpreende sempre pela lógica
dos seus argumentos. Nada de futilidades. Só fala sobre o essencial, estilo que aprendeu com
Deus, nos anos em que foi seu discípulo. Percebi que era ele quando notei que trazia na sua
não direita o martelo e, na esquerda, a bigorna. Pois esta é a sua missão: martelar as certezas,
ferro contra ferro, para ver se sobrevivem ao teste.
     Já se preparava para dar a primeira martelada quando o interrompi:
     ---- Que é isso que você vai bater? Acho que vai se partir em mil pedaços.
     A coisa que estava sobre a bigorna me parecia feita de louça, um bibelô delicado e frágil,
e lamentei que o diabo fosse esmigalhá-la.
     ---- Não tenho outra alternativa --- ele me respondeu. ---- É parte de uma aposta que fiz
com Deus. Este bibelô delicado é o casamento. E você pode estar certo: não resistirá ao ferro
do meu martelo!
     Fiquei indignado que ele estivesse maquinando coisa tão perversa sobre coisa tão
sublime, e passei ao ataque.
     ---- Não é à toa que os religiosos dizem que você é o anti-Deus. Deus junta. Você separa!
A sua bigorna já destruiu muitos lares!
     Ele não tinha pressa. Descansou o seu martelo e me falou com voz imperturbada:
     ---- Já estou acostumado às calúnias. Mas não existe coisa alguma mais distante da
verdade. Se há uma coisa que eu desejo é um casamento duradouro, até que a morte os
separe. Se ponho o casamento na bigorna é justamente para provar que a receita do Criador
não funciona. A minha é muito mais eficaz. O que digo pode parecer estranho, mas você me
dará razão se ouvir a minha história.
     Como o meu silêncio indicasse minha disposição em ouvi-lo, ele continuou a falar:
     ---- Todo mundo sabe que, no início, eu era a mão direita de Deus. Estávamos de acordo
em tudo. Ele mandava, eu fazia. Foi por causa do casamento que nos separamos. Até então
trabalhávamos juntos. Quando Deus disse que não era bom que o homem estivesse só, e
melhor seria que ele tivesse uma mulher, eu concordei. Quando Deus disse que esta união
teria de ser sem fim, até a morte, eu aplaudi. Mas aí apareceu o pomo da discórdia. Para colar
o homem na mulher, Deus foi buscar uma bisnaguinha de amor. Protestei. Argumentei:




                                                12
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     ---- Senhor! Amor é coisa muito fraca, de duração efêmera! Quem é colado com o amor
logo se separa!
     Citei o poeta: “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto
dure!” Amor é chama tênue, fogo de palha. Não pode ser imortal. No começo, aquele
entusiasmo. Mas logo se apaga. Chama de vela, fraquinha, que se vai com qualquer ventinho...
Amor é bibelô de louça. Todos os amantes sabem disso, mesmo os mais apaixonados. E não é
por isto que sentem ciúmes? Ciúmes é a consciência dolorosa de que o objeto amado não é
posse: ele pode voar a qualquer momento. Por isto o amor é doloroso, está cheio de
incertezas. Discreto tocar de dedos, suave encontro de olhares: coisa deliciosa, sem dúvida. E
é por isso mesmo, por ser tão discreto, por ser tão suave, que o amor se recusa a segurar.
Amar é ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabem que,
a qualquer momento, ele pode voar. Como construir uma união duradoura com cola tão
faquinha? Por isto os casais se separam, por causa do amor, pela ilusão de um outro amor.
Qualquer tolo sabe que o pássaro só fica se estiver na gaiola. O amor é cola fraca para
produzir um casamento duradouro porque no amor vive o maior inimigo da estabilidade: a
liberdade. É preciso que o pássaro aprenda que é inútil ater as asas. Um casamento duradouro
é aquele em que o homem e a mulher perderam as ilusões do amor.
     ----Foi aí que nos separamos --- ele continuou. ---- Não porque discordássemos que o
casamento deveria ser eterno. É isto que eu quero. Nos separamos porque não estávamos de
acordo sobre o que é que junta um homem e uma mulher, eternamente. Deus é um romântico.
Eu sou um realista.
     Perplexo, lhe perguntei então:
     ---- Qual foi então a sua proposta? Que cola deveria ser usada?
     Ele sorriu, confiante, e respondeu:
     ---- O ódio. Enganam-se aqueles que dizem que o ódio separa. A verdade é que o ódio
junta as pessoas. Como disse um jagunço do Guimarães Rosa, quem odeia o outro, leva o
outro para a cama. Diferente do fogo da vela, o fogo do ódio é como um vulcão. Não se apaga
nunca. Por fora pode parecer adormecido. No fundo, as chamas crepitam. A diferença entre os
dois? O amor, por causa da liberdade, abre a mão e deixa o outro ir. No amor existe a
permanente possibilidade de separação. Mas o ódio segura. Não tenha dúvidas. Os
casamentos mais sólidos são baseados no ódio. E sabe por que o ódio não deixa ir? Porque
ele não suporta a fantasia do outro, voando livre, feliz. O ódio constrói gaiolas, e ali dentro
ficam os dois, moendo-se mutuamente numa máquina de moer carne que gira sem parar, cada
um se nutrindo da infelicidade que pode causar no outro. As pessoas ficam juntas para se




                                              13
14
torturarem. Não menospreze o poder do sadismo. Ah! A suprema felicidade de fazer o outro
infeliz!
      Com estas palavras ele tomou do seu martelo e voltou ao seu trabalho:
      ---- Tenho de provar que eu, e não Deus, sou quem sabe a receita do casamento que só a
morte pode separar.
      Eu me persignei três vezes e compreendi que o inferno está mais perto do que eu
pensava.


    (ALVES,Rubem.O Retorno e Terno.13ªed.,Campinas SP:Ed. Papirus, 1998. p.p 31/34)




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                                   Aos (Possíveis) Sabiás


     Alguém que não conheço, após ver as bolhas de sabão que soprei a propósito dos
adolescentes, concluiu que eu devo ter alguma coisa contra eles: “O Rubem não gosta dos
adolescentes.”
     Há uma pitada de verdade nisso. E os pais concordariam comigo: se eles ficam sem
dormir por causa dos seus filhos é porque há algo neles de que eles não gostam. Se
gostassem, dormiriam bem e não procurariam terapeutas em busca de auxílio. A vida é mais
complexa do que gostar ou não gostar: that is not the question. A questão é gostar e não
gostar, ao mesmo tempo. É isso que faz sofrer.
     Imaginei que esta pessoa, se visse Michelangelo furiosamente atacando o mármore a
martelo e cinzel, perguntaria também: “Afinal, que tem Michelangelo contra o mármore?
     Sim, ele tem muito contra o mármore. Porque dentro dele está guardada a Pietá. É
preciso não ter dó do mármore para que a Pietá saia do seu túmulo. O amor, por Pietá, não
tem pietá... Onde estaria a Pietá se Michelangelo tivesse sido complacente com o mármore?
     Educação é arte. E não existe nada mais contrário à arte que deixar a matéria-prima do
jeito como está. Só fazem isto aqueles que não sonham. Mas, desgraçadamente, os
sentimentos de culpa paternos e maternos transformam-se em complacência, e seus martelos
e cinzéis transformam-se em gelatina. A pedra continua pedra. É preciso que se saiba que o
amor é duro.
     Veio-me à memória um parágrafo de Nietzsche:
      Minha vontade ardente de criar me empurra continuamente na direção do homem.
      É assim que o martelo é também empurrado na direção da pedra. Oh, homens! Na
      pedra dorme uma imagem, a imagem das minhas imagens. Sim, ela dorme dentro
      da pedra mais feia e mais dura... Agora o meu martelo furiosamente luta contra
                     a sua prisão. Pedaços de rocha chovem da pedra...
     Ridendo dicere severum: rindo, dizer as coisas sérias. O riso é o meu martelo e o meu
cinzel. Não sei se vocês notaram que, em tudo que escrevi sobre os adolescentes, alguém
ficou de fora. Ficaram de dentro os pais e suas aflições: foi para eles que escrevi. Ficaram de
dentro os adolescentes e suas turmas: escrevi na esperança de que os pais lhes mostrassem o
meu espelho, e eles ali também se vissem como maritacas e como portadores da síndrome de
Sansão. Desejei que eles, assim se vendo através dos meus olhos, vissem como eles são
engraçados e divertidos: não é possível contemplar a sua loucura sem uma boa risada. E que




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16
isso os fizesse rir de si mesmos. No momento em que rimos de nós mesmos o feitiço se
quebra.
     Quem ficou de fora? O adolescente solitário: aquele que não tem turma, cujo telefone fica
em silêncio, que sábado à noite fica em casa ouvindo música no seu quarto...
     Quando saio a andar de manhã cedo passam por mim bandos de adolescentes indo para
a escola. Já consigo identificar os grupos, que vão alegremente maritacando suas coisas, na
leve felicidade de pertencer a uma turma. Falam sobre beijos, transas, festas.
     Esses não me comovem. Comovem-se aqueles que estão sempre sozinhos. São
diferentes. Na roupa, no corpo, no jeito, no olhar fixado no chão. Não têm estórias nem de
beijos nem de festas para contar. Comovo-me com eles porque eu também já fui assim. Fui um
solitário na minha adolescência. Menino de cidade pequena no interior de Minas, minha família
mudou-se para o Rio de Janeiro. E o meu pai cometeu um grande erro, movido pelo desejo
sincero de me dar o melhor: matriculou-me num dos colégios da elite carioca, o famoso Colégio
Andrews.
     Albert Camus diz que ele sempre havia sido feliz até que entrou no liceu --- no liceu ele
começou a fazer comparações. Eu poderia ter escrito a mesma coisa. Ali, eu me descobri
motivo do riso dos outros. Eu falava devagar e cantado, dizia “uai” e falava os “erres” de carne
e mar como falam os caipiras, torcendo a língua. Também os meus jeitos de vestir eram jeitos
de caipiras. E o dinheiro que levava comigo era dinheiro de pobre. E os clubes que eles
frequentavam não eram o meu --- eu não frequentava clube algum. Claro que jamais fui
convidado para as festinhas e, se tivesse sido convidado, não teria ido. E também jamais
convidei um colega para ir à minha casa. Tinha medo que minha casa fosse pobre demais.
     E é isso que eu gostaria de dizer hoje aos adolescentes solitários, sem turma, sem festas,
sem estórias de beijos e amores para contar, as noites de sábado em casa, o telefone em
silêncio: vocês são meus companheiros. Eu andei pelos caminhos em que vocês andam.
     Mas sou agradecido à vida por ter sido assim. Porque foi em meio ao sofrimento dessa
terrível solidão que tratei de produzir minhas pérolas. “Ostra feliz não faz pérola.” Comecei
então a andar sozinho pelos caminhos onde os outros adolescentes não iam: a música, a
mística, a arte, a literatura, a poesia, a filosofia. Todos eles mundos solitários, onde só se entra
sozinho. Andando por esses caminhos descobri aqueles que se pareciam comigo. Zaratustra,
por exemplo, que se via como uma árvore crescendo à beira do precipício, seus longos galhos
se estendendo sobre o abismo. Eu quis ser assim também.
     E foi então que comecei a olhar para as maritacas com um certo sentimento de
superioridade. Claro que os psicanalistas, ávidos de interpretações, se apressarão em me
informar que aquilo não passou de uma compensação pelo meu sentimento de inferioridade.


                                                 16
17
Que assim seja, sinistro Kleinianos! O fato é que, compensação ou não, a partir daí as
alegrias que tive nas produções da minha solidão foram maiores que as tristezas da minha
condição de adolescente solitário. A solidão passou a ser, para mim, uma fonte de alegria. Eu
não precisava gritar como maritaca para ser ouvido.
     As maritacas gritam, e todos as ouvem, mesmo sem querer. Mas o canto do sabiá
solitário, ao final da tarde, em algum lugar da floresta, faz todo mundo se calar para poder
ouvir... Isso eu lhes digo, solitários: há muita beleza escondida na sua tristeza. Não tenham dó
de si mesmos. Tratem de usar o martelo e o cinzel....


 (ALVES,Rubem.Sobre o Tempo e a Eternidade.Campinas-SP:Ed.Papirus,1997. p.p 37/40)




                          FRASES PARA REFLEXÃO

 “Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço a partir do que fizeram de
                                             mim.”
                                       Jean-Paul Sartre


   “As ações não bastam quando os desejos ficam obsoletos e perdem o poder de seduzir.”
                                     Cristovam Buarque


 “...e o fim de vossa viagem será chegar ao lugar de onde partimos. E conhecê-lo então pela
                                         primeira vez.”
                                           T.S. Eliot


                                O amor é a coisa mais alegre.
                                 O amor é a coisa mais triste.
                             O amor é a coisa que eu mais quero.
                                         Adélia Prado


     “Porque, se não o sabem, disto é feita a vida, só de momentos. Não percam o agora.”
                                      Jorge Luis Borges




                                               17
18




Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira-rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).
Amemo-nos tranquilamente...
Colhamos flores. Pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento...
         Ricardo Reis


 HISTÓRIA - Renzo Martins




                            Belo Horizonte, Novembro de 1999.




               18
19


                                  “Aprender é como comer”
      A informação deve ser degustável e adentrar na pessoa assim como a comida. O
professor é o cozinheiro, que vai preparar a informação de forma que o aluno possa consumi-la
durante a aula, o momento da refeição. Portanto, existe uma correlação entre a mãe cozinheira
e o professor, a comida e a informação, o filho e o aluno, a sala de jantar e a sala de aula, a
hora da refeição e a da aula.
      O aluno volta para casa com a informação dentro de si e aí começa a segunda etapa do
processo: terá de digeri-la, isto é, pegar seus elementos importantes, transformá-los em
conhecimento e relacionar este com os conhecimentos, a fim de ampliar sua sabedoria.


                           A digestão da informação não depende
                           do cozinheiro, da mãe ou do professor.
                                Cabe exclusivamente ao aluno.


      Assim como a digestão de uma feijoada rouba o sangue das outras áreas, a digestão de
uma informação densa requer atenção especial. Após uma feijoada, ninguém se submete a
uma atividade física intensa. Do mesmo modo, para estudar um conteúdo complexo, a pessoa
não pode se distrair com outras coisas. Agora, se a informação for uma refeição leve como
uma canja de galinha, que se serve aos inválidos ou a quem não pode interrromper suas
atividades para comer, a digestão é fácil e rápida. A informação fácil também pode ser
incorporada sem muito esforço
      Um mesmo texto às vezes é bem fácil para alguns e terrivelmente pesado e difícil para
outros. Depende das aptidões individuais. Assim como o organismo tem facilidade para digerir
certas comidas e dificuldade para digerir outras, a absorção da informação também varia
conforme o talento de cada um, isto é, conforme a facilidade para determinadas matérias e a
dificuldade para outras. Conhecimento fácil é o que se adapta às aptidões da pessoa.


                            A importância de construir imagens
      O interesse é um ingrediente imprescindível em todos os casos. Equivale à fome. É ele
que nos impele a absorver tudo. A sabedoria é igual à energia, utilizada automaticamente no
cotidiano, nos seus relacionamentos, atitudes e pensamentos. Seu uso, porém, deve ser
controlado pela escola.




                                              19
20
      Logo, não adianta apenas ter sabedoria e não saber expressá-la. É muito comum nos
exames vestibulares um aluno saber muito, porém produzir pouco devido à sua dificuldade de
expressão. Isso também precisa ser exercitado, pois ver o produto facilita a produção.


                 O grande ácido que digere essa comida é a imaginação.
                   O conhecimento integra-se muito facilmente quando
                  asssociado à imagem. É como se estivéssemos vendo
                   o que foi dito. Registramos mais as situações vividas
                               do que as simplesmente lidas.


      A não-digestão da informação faz com que produção seja exatamente igual à recebida.
É como se o feijão consumidono almoço saísse do organismo inteirinho, como acontece nas
fezes de cianças pequenas, sinal de que comeu se mastigar. Passou pelo organismo e não foi
absorvido. É um alimento descartável. Do mesmo modo, há informações descartáveis: uma vez
dada a resposta ao professor ou terminada a prova, desaparecem.
      Como o conhecimento é abstrato, o processo fisico da digestão alimentar é muito
diferente do processo abstrato da digestão da informação. Eventualmente, a integração do
conhecimento à sabedoria pode ocorrer na aula; no entanto, o mais comum é o aluno entender
a matéria e confundir “eu já vi” com “eu já sei” e passar para o tópico seguinte sem saber
direito o anterior. A segunda etapa será realizada em casa.
(TIBA,Içami.Disciplina:Limite na medida certa.23ªed.,Ed. Gente:São Paulo,1996.pág.:88/90)




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  • 1. 1 Os revolucionários estão chegando Alguns psicólogos que se dizem especialistas em adolescência aconselham, como remédio para as perturbações características desta fase, muito diálogo, muito amor, muita compreensão. Os pais devem criar condições para que os filhos conversem com eles sobre os seus problemas e devem se esforçar por compreendê-los. Pelo amor e pelo diálogo, eles garantem, pais e adolescentes continuarão amigos e a família voltará a ser feliz como sempre tinha sido quando eles eram meninos. Discordo. Em primeiro lugar, nada me convence de que os adolescentes estejam tanto assim atrás do amor dos pais. Atrás de amor, é verdade. Mas, dos pais? Duvidoso. Em segundo lugar, não existe coisa que os adolescentes menos queiram que ser compreendidos pelos velhos. Em brigas entre marido e mulher há um momento em que um dos dois diz, como argumento final: “Te compreendo muito bem...” afirmação que se faz sempre com umas reticências e um sorriso de escárnio. Isso quer dizer: “Pare de mentir. Tenho você aqui, dentro da minha cabeça, transparente. Já lhe fiz a tomografia da alma... Tudo o que você disser será inútil. Te compreendo. Teu mistério, eu já o resolvi.” Quem compreende domina. E vocês acreditam mesmo que os adolescentes queiram ser compreendidos pelos seus pais, essas enormes bolas de ferro que eles têm de arrastar, acorrentadas às suas pernas, de quem ainda desgraçadamente dependem para dinheiro e automóvel, que os vigiam com um olho que parece o olho de Deus, e que lhes pedem explicações sobre onde andaram e sobre o que fizeram, seres de quem escapam somente à custa de muita mentira e trapaça? Que caça deseja ser compreendida pelo caçador? Se o caçador a compreender, ele saberá onde colocar a armadilha. O caçador há de compreender a caça por conta própria, sem depender da boa vontade da caça para dialogar. E a compreensão começa quando se percebe que os adolescentes são iguais às crianças na cabeça; só são diferentes no tamanho do corpo. E é isso que faz toda a diferença. É fácil entender as crianças: basta ler as deliciosas tirinhas cômicas sobre o Calvin, que aparecem diariamente no Caderno C do Correio Popular, esse prestigioso jornal todo jornal tem de ser prestigioso quando a gente se refere a ele, do mesmo jeito como o Papa é santidade, o presidente é excelência e o reitor é magnificência. A cabeça da criança é dominada pela fantasia, pelo maravilhoso: o Calvin é astronauta, a mãe dele é trator, a bicicleta adquire idéias próprias e passa a persegui-lo, ele é um incrível escultor moderno que faz esculturas caríssimas de neve, 6 + 5 = 6, por razões absolutamente lógicas, e a estúpida professora marca errado na prova. Na cabeça da criança tudo é possível. 1
  • 2. 2 “Compra, pai! Compra!” “Mas eu não tenho dinheiro!”, o pai responde, mentindo. Sabe que o filho não entenderia suas razões. Mas o menino contra-ataca: “Paga com cheque.” Antigamente as fadas usavam varinhas de condão. Agora elas usam talões de cheques. As crianças pensam que os adultos são onipotentes. Quando estou num elevador lotado e vejo alguma criança pequena no chão, espremida no meio dos adultos, fico a imaginar o que é que ela vê, ao olhar para cima: enormes torres. Acho que foi de situações semelhantes que surgiram as fantasias dos gigantes que comiam crianças. Para as crianças, os adultos são gigantes de força descomunal, que tudo podem. Se ele, Calvin, tivesse poder, se ele fosse grande e tivesse um talão de cheques, o mundo seria totalmente diferente, só brinquedo e aventura. Infelizmente o seu pai e a sua mãe, classe dominante, detentores do monopólio dos meios de produção, o reduziram à miserável condição de escravo, e assim o obrigam a comer o que ele não quer comer, a fazer deveres idiotas da escola, sem sentido alienação maior poderá existir? , a ir para a cama quando ainda há muitas coisas divertidas a serem feitas. Os adultos são os culpados pela sua infelicidade. Mas o dia chegará em que se ouvirá o grito revolucionário: “Crianças de todo o mundo! Uni- vos!” As crianças tomarão o poder; os adultos dominadores não serão fuzilados, como bem merecem, porque as crianças sabem perdoar. Mas serão internados em instituições apropriadas para ser reeducados. Será a sociedade sem classes, a volta do Paraíso. Quando este momento chegar, Calvin será um extraordinário líder revolucionário. E então, repentinamente, o momento chega, anunciado gloriosamente pelos pêlos que começam a surgir em lugares dantes lisos. Ah! Os pêlos! Finalmente... Quanta inveja e quanta fantasia provocavam na cabeça das meninas e dos meninos, ao contemplar aqueles símbolos da condição adulta! A importância psicológica dos pêlos ainda não foi suficientemente analisada. Minhas investigações clínicas sobre o assunto levaram-me a uma curiosa descoberta: são eles os responsáveis por uma síndrome característica da adolescência, ainda não descrita nos compêndios científicos. Eu a batizei com o nome de “síndrome de Sansão”. Como se sabe da mitologia bíblica, Sansão era um herói de força descomunal: ele derrotou, sozinho, um exército inteiro, exército armado com espadas e lanças, tendo como arma apenas uma queixada de burro. Perto de Sansão, o Rambo é um anêmico. Pois a força de Sansão se encontrava precisamente nos cabelos. Foi só a Dalila cortar a cabeleira do herói para que sua força murchasse como bexiga furada. A “síndrome de Sansão” é uma perturbação mental que leva os adolescentes a identificar o crescimento dos seus pêlos com o crescimento da força. E esta ilusão é confirmada, na cabeça deles, pelo desenvolvimento e crescimento dos órgãos adjacentes aos pêlos, novinhos 2
  • 3. 3 em folha, que entram em funcionamento tão logo se belisque a partida, mesmo sob as condições mais adversas, como madrugadas de inverno. O que contrasta com os Galaxies paternos que, em condições semelhantes, exigem uma bateria nova, e só funcionam depois de muitas tentativas, sendo o seu funcionamento entremeado por tosses, afogamentos, apagamentos repentinos, para o embaraço de todos. Sim, as crianças não são mais crianças. Além do crescimento dos pêlos, há o crescimento do corpo. Agora, nos elevadores, as crianças que olhavam para cima viraram adolescentes enormes que olham para baixo. Estão maiores que os pais. Não só maiores: melhores. Modelo último tipo. O modelo dos pais já era. “O velho...” Já fora de linha. Galaxies, trambolhos velhos, batidos, soltando fumaça pelo escapamento. Sair com eles é vergonhoso. O glorioso momento: a tomada do poder, a revolução. Chegou a adolescência. Para se entender os adolescentes é preciso entender a sociologia e a psicologia dos revolucionários. Classe subalterna não anda em companhia de classe dominante. Não frequenta os mesmos lugares. Não fala a mesma língua. Não quer diálogo. Operário não conversa com patrão. Operário exige os seus direitos. Se não é atendido, faz greve. Adolescente não quer papo com pai e mãe. Não vai mais ao sítio. Não passa réveillon em casa. Não escuta a mesma música. Se é proibido, tem de ser transgredido. Com ele se inicia uma nova ordem. É um militante. A adolescência é um partido revolucionário anaquista. Se a situação política fosse outra, o lugar do seu filho seriam os comícios e, possivelmente, a guerrilha. Mas hoje, do jeito como estão as coisas, ele não passa da Pachá. (ALVES,Rubem.Sobre o Tempo e a Eternidade.13ªed.,Campinas-SP:Ed. Papirus,1995. p.p. 29/32) A Turma Uma pitada de loucura aumenta o prazer da vida. Veja o caso do cinema. Você vai lá, assenta-se e fica vendo um jogo de luzes coloridas projetado numa tela. Você sabe que aquilo tudo é de mentira. E, não obstante, você treme de medo, tem taquicardia, pressão arterial alta, sua de medo, ri, chora... É um surto de loucura. Você está tomando imagens como se fossem realidade. Mas, se você não se entregasse por duas horas a essa loucura, o cinema seria tão emocionante quanto ler uma lista telefônica. Passadas as duas horas as luzes se acendem, você sai da loucura e caminha solidamente de volta para a realidade. A diferença entre a sua loucura e a loucura do louco é que o louco não consegue sair do cinema. A sessão não termina. As luzes não se acendem. Ele não desconfia de que aquilo que está passando na sua cabeça seja só um filme. Pensa que é real. 3
  • 4. 4 Quem não está louco é quem desconfia dos seus pensamentos. Sabe que a cabeça é enganosa: sessão de cinema. Nada garante que os pensamentos, aquilo que aparece projetado na tela da consciência, sejam verdade. A razão é desconfiada. Quando uma pessoa diz: “Eu tenho certeza!” ela está confessando: “Eu não desconfio dos meus pensamentos!” Consequentemente, está em surto psicótico. A adolescência é a idade da certeza. Os adolescentes não desconfiam de suas idéias e opiniões. Acreditam piamente naquilo que seus pensamentos lhes dizem. Daí, a conclusão lógica de que todos os que têm idéias diferentes das suas só podem estar errados. Explica-se, assim, a sua dificuldade em lidar com opiniões discordantes. “Sei muito bem o que estou fazendo”: essa é a resposta padrão que eles usam para se descartar de uma advertência sobre um curso problemático de ação. A certeza sobre o pensamento se faz sempre acompanhar por um sentimento de onipotência. Os deuses tudo sabem e são invulneráveis. Assim, eles não têm medo de fazer as coisas mais perigosas rachas, roletas-russas, cavalos-de-pau pois nada pode lhes acontecer. Acidentes graves só acontecem com os outros. “Posso fumar maconha e cheirar cocaína sem medo. Sei o que estou fazendo. Eu nunca vou ficar viciado. Somente os fracos ficam viciados. Mas eu sou forte.” Por isso, os programas que buscam alertar os adolescentes sobre os perigos das drogas estão fadados ao fracasso. Eles são elaborados sobre o pressuposto de que, se os adolescentes conhecessem os perigos, eles fugiriam deles. Mas isso é o mesmo que tentar dissuadir o alpinista do seu sonho de escalar o Himalaia por causa dos perigos das montanhas, ou tentar convencer o Amir Klynk a cancelar sua viagem ao pólo sul por causa dos perigos dos mares. Alpinistas e navegadores, empreendem suas aventuras exatamente para desafiar o perigo. É o perigo que dá a emoção. Assim é o adolescente. Ele quer o risco. Mas, diferentemente do alpinista e do navegador, ele acha que nada pode lhe acontecer. Ele não entra pelo caminho das drogas por ignorar o perigo. Ele entra no caminho das drogas para desafiar o perigo. Evidentemente, na certeza de que nada lhe acontecerá. Essa ilusão psicótica tem um agravante: o reforço da “turma”. A sociologia deu o nome de “outros relevantes” às pessoas que eu levo em consideração ao agir. Esses outros são a “platéia” diante da qual eu represento o meu número de teatro, e cujo aplauso eu busco e cuja vaia eu temo. Os pais são “outros significativos” mais importantes das crianças. Elas estão, a todo momento, buscando a aprovação do seu olhar. A adolescência é o momento quando os pais são substituídos pela “turma”. 4
  • 5. 5 A “turma” é tirânica. Ela impõe e exige. O adolescente tem de obedecer. Eram 22h30. A mãe foi ao quarto da filha de 13 anos para o beijo carinhoso de boa-noite no rosto da menina inocente adormecida. O que ela encontrou sobre a cama vazia foi um bilhete: “Não posso decepcionar meus amigos. Fui para a Pachá”. A “turma” cria um delicioso sentimento de fraternidade. Todos se confirmam. Todos fazem as mesmas coisas juntos. Todos são “conspiradores”. Mas, ao fazer isso, ela retira dos indivíduo isolados o senso de identidade. Sem a “turma” o adolescente é um rosto sem espelho. Na “turma”, indivíduos respeitáveis e tímidos isoladamente transformam-se em feras imorais. São as “turmas” que lincham. Individualmente todos somos seres morais. A “turma” decide sobre roupas, tênis, boates, música, fumo, cheiro, transa. Ai daquele que não obedece. Em relação à sociedade adulta o adolescente é um revolucionário. Ele está pronto a transgredir tudo para criar uma nova ordem. Em relação à “turma” ele é um carneirinho conservador, sem idéias próprias, submisso à autoridade do grupo. A adolescência é um perpétuo jogo de “boca-de-forno”. Turma: “Boca de forno!” Adolescentes: “Forno!” Turma: “Furtaram um bolo!” Adolescente: “Bolo!” Turma: “Fareis tudo o que vosso mestre mandar?” Adolescentes: “Faremos todos, faremos todos, faremos todos...” Lembrem-se de que eu disse em outra crônica que há dois tipos de adolescentes: os etários e o otários. Tudo o que tenho dito só se aplica ao segundo grupo. Não há nada que possa ser feito. Felizmente chegaram, de espaços siderais, anjos de todos os tipos. Sugiro que os pais encomendem anjos especializados na guarda de adolescentes para tomar conta dos seus filhos. E que, para seu benefício próprio, invoquem os anjos protetores do sono e dos sonhos. Se não há nada a ser feito, pelo menos que o sono seja tranquilo e que os sonhos sejam suaves. (ALVES,Rubem.Sobre o Tempo e a Eternidade.13ªed.,Campinas-SP:Ed. Papirus,1995. p.p 33/35) 5
  • 6. 6 Sobre as aves e os adolescente Se a Esfinge tivesse sido um pouco mais esperta e versada em mistérios que só seriam revelados séculos depois, em vez de propor a Édipo o enigma bobo que propôs, teria simplesmente perguntado: “O que é, o que é: mais misterioso que a Santíssima Trindade e mais doloroso que a cruz de Cristo?” Claro que Édipo não conseguiria resolver enigma tão terrível, a Esfinge ato contínuo o devoraria, o que nos teria poupado do complexo de Édipo e suas sequelas psicanalíticas. Fosse o pai ou a mãe de um adolescente, a resposta sairia de um pulo: “é o meu filho, é o meu filho...” Entretanto, mesmo sabendo que não é possível decifrar enigma tão obscuro, por pura compaixão dos pais desesperados, aceito o doloroso dever de revelar o que aprendi sobre o assunto. Em primeiro lugar, é preciso não confundir as coisas, e saber que há dois tipos de adolescência. O primeiro deles é uma doença benigna, parecida com sarampo: a “adolescência etária”. Trata-se de um período da vida que vai, grosso modo, dos 13 aos 19 anos. Esse tipo de adolescência existiu sempre, todos passamos por ela, é um fenômeno individual, normalmente se cura por si mesmo, e raramente deixa sequelas. Caracteriza-se por transformações físicas e psicológicas. A voz se altera, aparecem os pêlos nos devidos lugares, desenvolvem-se os órgãos sexuais, e os piões e as bonecas são trocados por brinquedos mais interessantes. Em segundo lugar há uma outra adolescência, que mais se parece com a varíola pela gravidade dos sintomas: é a “adolescência otária”, a única que me interessa. Trata-se de um fenômeno cultural moderno, de natureza essencialmente coletiva e caracterizado por uma perturbação nas faculdades do pensamento, perda do contato com a realidade, alucinações psicóticas, que não raro assumem a forma de zombaria social, como é o caso das pichações de muros e monumentos, até os rachas em alta velocidade que, frequentemente, terminam em velórios. A psicologia behaviorista, iniciada por Pavlov e desenvolvida por Skinner, deu uma inestimável contribuição ao estudo do comportamento humano, mostrando que é possível entender o homem pelo estudo dos animais. Cães, cobaias e ratos foram e são amplamente usados para tal fim. Ao que me consta, entretanto, nenhum animal foi encontrado que se prestasse ao estudo da adolescência, o que explica a pobreza dos nossos conhecimentos nesta área. 6
  • 7. 7 Por muitos anos tive escrúpulos de tornar pública minha descoberta revolucionária. Lembrava-me de Darwim, que foi cruelmente perseguido e ridicularizado por haver revelado nosso parentesco com os símios. Temi sofrer retaliações se revelasse que o enigma dos adolescentes pode ser decifrado se estudarmos o comportamento social e psicológico das maritacas... Sim, as maritacas... Mesmo sob exame superficial, as semelhanças saltam aos olhos. Para começar, andam sempre em bandos, maritacas e adolescentes. Uma maritaca solitária e um adolescente solitário são aberrações da natureza. Daí o horror que os adolescentes têm da casa: na casa eles estão separados do bando. Havendo cortado o cordão umbilical que os ligava aos pais, eles o substituíram por um outro cordão umbilical, o fio do telefone, pelo qual eles se mantêm permanentemente ligados uns aos outros. Eles não conseguem ficar sozinhos, porque sentem muito frio Depois, são todas iguais, as maritacas. E também os adolescentes. Você já viu uma adolescente se vestir diferente das outras para a festa? Os tênis têm de ser da mesma marca. Os jeans, da mesma grife. A Pachá é um templo onde os adolescente celebram suas igualdades. Sabiás não padecem de crise de identidade. São aves solitárias e por isso cantam bonito de fazer chorar. Quanto eles cantam todo mundo se cala e escuta. As maritacas são o oposto. Gritam todas ao mesmo tempo. Deus o livre (não me livrou) de assentar-se próximo a uma mesa de adolescentes, no Pizza Hut... Dizem sempre a mesma coisa, dizem sempre igual, dizem sem parar. Mas eles nem ligam. Porque ninguém escuta mesmo. E, finalmente, maritacas e adolescentes não se importam com a direção em que estão indo. Importam-se, sim, com o “agito” enquanto vão. Mas não terminou. Em ocasião futura farei revelações ainda mais espantosas. Espero que você tenha percebido que a essência do que estou dizendo se resume nisto: em situações quando chorar é inútil, só nos resta dar risada. Isso, é claro, até que haja cacos a serem catados... (Alves,Rubem.Sobre o Tempo e a Eternidade.Campinas-SP:Ed. Papirus,1997. p.p 25/27) 7
  • 8. 8 A amizade Lembrei-me dele e senti saudades... Tanto tempo que a gente não se vê! Dei-me conta, com uma intensidade incomum, da coisa rara que é a amizade. E, no entanto, é a coisa mais alegre que a vida nos dá. A beleza da poesia, da música, da natureza, as delícias da boa comida e da bebida perdem o gosto e ficam meio tristes quando não temos um amigo com quem compartilhá-las. Acho mesmo que tudo o que fazemos na vida pode se resumir nisto: a busca de um amigo, uma luta contra a solidão... Lembrei-me de um trecho de Jean-Christophe, que li quando era jovem, e do qual nunca me esqueci. Ramain Rolland descreve a primeira experiência com a amizade do seu herói adolescente. Já conhecera muitas pessoas nos curtos anos de sua vida. Mas o que experimentava naquele momento era diferente de tudo o que já sentira antes. O encontro acontecera de repente, mas era como se já tivessem sido amigos a vida inteira. A experiência da amizade parece ter suas raízes fora do tempo, na eternidade. Um amigo é alguém com quem estivemos desde sempre. Pela primeira vez, estando com alguém, não sentia necessidade de falar. Bastava a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro. “Christophe voltou sozinho dentro da noite. Seu coração cantava ‘Tenho um amigo, tenho um amigo!’ Nada via. Nada ouvia. Não pensava em mais nada. Estava morto de sono e adormeceu apenas deitou-se. Mas durante a noite foi acordado duas ou três vezes, como que por uma idéia fixa. Repetia para si mesmo: ‘Tenho um amigo’, e tornava a adormecer.” Jean-Christophe compreendera a essência da amizade. Amiga é aquela pessoa em cuja companhia não é preciso falar. Você tem aqui um teste para saber quantos amigos você tem. Se o silêncio entre vocês dois lhe causa ansiedade, se quando o assunto foge você se pões a procurar palavras para encher o vazio e manter a conversa animada, então a pessoa com quem você está não é amiga. Porque um amigo é alguém cuja presença procuramos não por causa daquilo que se vai fazer juntos, seja bater papo, comer, jogar ou transar. Até que tudo isso pode acontecer. Mas a diferença está em que, quando a pessoa não é amiga, terminado o alegre e animado programa, vêm o silêncio e o vazio ---- que são insuportáveis. Nesse momento o outro se transforma num incômodo que entulha o espaço e cuja despedida se espera com ansiedade. Com o amigo é diferente. Não é preciso falar. Basta a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro. Amigo é alguém cuja simples presença traz alegria independentemente do que se faça ou diga. Amizade anda por caminhos que não passam pelos programas. 8
  • 9. 9 Uma estória oriental conta de uma árvore solitária que se via no alto da montanha. Não tinha sido sempre assim. Em tempos passados a montanha estivera coberta de árvores maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam. Mas aquela árvore era torta, não podia ser transformada em tábuas. Inútil para os seus propósitos, os lenhadores a deixaram lá. Depois vieram os caçadores de essências em busca de madeiras perfumadas. Mas a árvore torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e lá ficou. Por ser inútil, sobreviveu. Hoje ela está sozinha na montanha. Os viajantes se assentam sob a sua sombra e descansam. Um amigo é como aquela árvore. Vive de sua inutilidade. Pode até ser útil eventualmente, mas não é isso que o torna um amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo sabemos que não estamos sós. E alegria maior não pode existir. (ALVES,Rubem.O Retorno e Terno.13ªed.,Campinas,SP:Ed. Papirus,1998. p.p 11/13) As mil e uma noites Estou me entregando ao prazer ocioso de reler As mil e uma noites. O encantamento começa com o título que, nas palavras de Jorge Luís Borges, é um dos mais belos do mundo. Segundo ele, a sua beleza particular se deve ao fato de que a palavra mil é, para nós, quase sinônima de infinito. “Falar em mil noites é falar em infinitas noites. E dizer mil e uma noites é acrescentar uma além do infinito.” As mil e uma noites são a estória de um amor ---- um amor que não acaba nunca. Não existe ali lugar para os versos imortais do Vinícius (Tão belos que o próprio Diabo citou em sua polêmica com o Criador): “Que não seja eterno, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure...”Estas são palavras de alguém que já sente o sopro do vento que dentro em pouco apagará a vela: declaração de amor que anuncia uma despedida. Mas é isto que quem ama não aceita. Mesmo aqueles em quem a chama se apagou sonham em ouvir de alguém, um dia, as palavras que Heine escreveu para uma mulher: “Eu te amarei eternamente e ainda depois.” É preciso que a chama não se apague nunca, mesmo que a vela vá se consumindo. A arte de amar é a arte de não deixar que a chama se apague. Não se deve deixar a luz dormir. É preciso se apressar em acordá-la (Bachelard).E, coisa curiosa: a mesma chama que o vento impetuoso apaga volta a se acender pala carícia do sopro suave... 9
  • 10. 10 As mil e uma noites são uma estória da luta entre o vento impetuoso e o sopro suave. Ela revela o segredo do amor que não se apaga nunca. Um sultão, descobrindo-se traído pela esposa a quem amava perdidamente, toma uma decisão cruel. Não podia viver sem o amor de uma mulher. Mas também não podia suportar a possibilidade da traição. Resolve, então, que iria se casar com as moças mais belas dos seus domínios, mas depois da primeira noite de amor, mandaria decapitá-las. Assim o amor se renovaria a cada dia em todo o seu vigor de fogo impetuoso, sem nenhum sopro de infidelidade que pudesse apagá-lo. Espalham-se logo, pelo reino, as notícias das coisas terríveis que aconteciam no palácio real: as jovens desapareciam, logo depois da noite nupcial. Xerazade, filha do vizir, procura então o seu pai e lhe anuncia sua espantosa decisão: desejava tornar-se esposa do sultão. O pai, desesperado, lhe revela o triste destino que a aguardava, pois ele mesmo era quem cuidava das execuções. Mas a jovem se mantém irredutível. A forma como o texto descreve a jovem Xerazade é reveladora. Quase nada diz sobre sua beleza. Faz silêncio total sobre o seu virtuosismo erótico. Mas conta que ela lera livros de toda espécie, que havia memorizado grande quantidade de poemas e narrativas, que decorara os provérbios populares e as sentenças dos filósofos. E Xerazade se casa com o sultão. Realizados os atos de amor físico que acontecem nas noites de núpcias, quando o fogo do amor carnal já se esgotara no corpo do esposo, quando só restava esperar o raiar do dia para que a jovem fosse sacrificada, ela começa a falar. Conta estórias. Suas palavras penetram os ouvidos vaginais do sultão. Suavemente, como música. O ouvido é feminino, vazio que espera e acolhe, que se permite ser penetrado. A fala é masculina, algo que cresce e penetra nos vazios da alma. Segundo antiquíssima tradição, foi assim que o deus humano foi concebido: pelo sopro poético do Verbo divino, penetrando os ouvidos encantados e acolhedores de uma Virgem. O corpo é um lugar maravilhoso de delícias. Mas Xerazade sabia que todo amor construído sobre as delícias do corpo tem vida breve. A chama se apaga tão logo o corpo se tenha esvaziado do seu fogo. O seu triste destino é ser decapitado pela madrugada: não é eterno, posto que é chama. E então, quando as chamas dos corpos já se haviam apagado, Xerazade sopra suavemente. Fala. Erotiza os vazios adormecidos do sultão. Acorda o mundo mágico da fantasia. Cada estória contém uma outra, dentro de si, infinitamente. Não há um orgasmo que ponha fim ao desejo. E ela lhe parece bela, como nenhuma outra. Porque uma pessoa é bela, não pela beleza dela, mas pela beleza nossa que se reflete nela... Conta a estória que o sultão, encantado pelas estórias de Xerazade, foi adiando a execução, por mil e uma noites, eternamente e um dia mais. 10
  • 11. 11 Não se trata de uma estória de amor, entre outras. É, ao contrário, a estória do nascimento e da vida do amor. O amor vive neste sutil fio de conversação, balançando-se entre a boca e o ouvido. A Sônia Braga, ao final do documentário de celebração dos 60 anos do Tom Jobim, disse que o Tom era o homem que toda mulher gostaria de ter. E explicou: “Porque ele é masculino e feminino ao mesmo tempo...”O segredo do amor é a androgenia: somos todos, homens e mulheres, masculinos e femininos ao mesmo tempo. É preciso saber ouvir. Sem expulsá-lo por meio de argumentos e contra-razões. Nada mais fatal contra o amor que a resposta rápida. Alfange que decapita. Há pessoas muito velhas cujos ouvidos ainda são virginais: nunca foram penetrados. E é preciso saber falar. Há certas falas que são um estupro. Somente sabem falar os que sabem fazer silêncio e ouvir. E, sobretudo, os que se dedicam à difícil arte de adivinhar: adivinhar os mundos adormecidos que habitam os vazios do outro. As mil e uma noites são a estória de cada um. Em cada um mora um sultão. Em cada um mora uma Xerazade. Aqueles que se dedicam à sutil e deliciosa arte de fazer amor com a boca e o ouvido (estes órgãos sexuais que nunca vi mencionados nos tratados de educação sexual...) podem Ter a esperança de que as madrugadas não terminarão com o vento que apaga a vela, mas com o sopor que a faz reacender-se. (ALVES,Rubem.O Retorno e Terno.13ªed.,Campinas, SP:Ed. Papirus,1998. p.p 23/26.) 11
  • 12. 12 “...Até que a morte...” De vez em quando o diabo me aparece e temos longas conversas. E nada se parece com o que dizem dele: rabo, chifres, patas de bode e cheiro de enxofre. Cavalheiro de voz mansa e racional, bem vestido, apreciador de desodorantes finos, me surpreende sempre pela lógica dos seus argumentos. Nada de futilidades. Só fala sobre o essencial, estilo que aprendeu com Deus, nos anos em que foi seu discípulo. Percebi que era ele quando notei que trazia na sua não direita o martelo e, na esquerda, a bigorna. Pois esta é a sua missão: martelar as certezas, ferro contra ferro, para ver se sobrevivem ao teste. Já se preparava para dar a primeira martelada quando o interrompi: ---- Que é isso que você vai bater? Acho que vai se partir em mil pedaços. A coisa que estava sobre a bigorna me parecia feita de louça, um bibelô delicado e frágil, e lamentei que o diabo fosse esmigalhá-la. ---- Não tenho outra alternativa --- ele me respondeu. ---- É parte de uma aposta que fiz com Deus. Este bibelô delicado é o casamento. E você pode estar certo: não resistirá ao ferro do meu martelo! Fiquei indignado que ele estivesse maquinando coisa tão perversa sobre coisa tão sublime, e passei ao ataque. ---- Não é à toa que os religiosos dizem que você é o anti-Deus. Deus junta. Você separa! A sua bigorna já destruiu muitos lares! Ele não tinha pressa. Descansou o seu martelo e me falou com voz imperturbada: ---- Já estou acostumado às calúnias. Mas não existe coisa alguma mais distante da verdade. Se há uma coisa que eu desejo é um casamento duradouro, até que a morte os separe. Se ponho o casamento na bigorna é justamente para provar que a receita do Criador não funciona. A minha é muito mais eficaz. O que digo pode parecer estranho, mas você me dará razão se ouvir a minha história. Como o meu silêncio indicasse minha disposição em ouvi-lo, ele continuou a falar: ---- Todo mundo sabe que, no início, eu era a mão direita de Deus. Estávamos de acordo em tudo. Ele mandava, eu fazia. Foi por causa do casamento que nos separamos. Até então trabalhávamos juntos. Quando Deus disse que não era bom que o homem estivesse só, e melhor seria que ele tivesse uma mulher, eu concordei. Quando Deus disse que esta união teria de ser sem fim, até a morte, eu aplaudi. Mas aí apareceu o pomo da discórdia. Para colar o homem na mulher, Deus foi buscar uma bisnaguinha de amor. Protestei. Argumentei: 12
  • 13. 13 ---- Senhor! Amor é coisa muito fraca, de duração efêmera! Quem é colado com o amor logo se separa! Citei o poeta: “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure!” Amor é chama tênue, fogo de palha. Não pode ser imortal. No começo, aquele entusiasmo. Mas logo se apaga. Chama de vela, fraquinha, que se vai com qualquer ventinho... Amor é bibelô de louça. Todos os amantes sabem disso, mesmo os mais apaixonados. E não é por isto que sentem ciúmes? Ciúmes é a consciência dolorosa de que o objeto amado não é posse: ele pode voar a qualquer momento. Por isto o amor é doloroso, está cheio de incertezas. Discreto tocar de dedos, suave encontro de olhares: coisa deliciosa, sem dúvida. E é por isso mesmo, por ser tão discreto, por ser tão suave, que o amor se recusa a segurar. Amar é ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabem que, a qualquer momento, ele pode voar. Como construir uma união duradoura com cola tão faquinha? Por isto os casais se separam, por causa do amor, pela ilusão de um outro amor. Qualquer tolo sabe que o pássaro só fica se estiver na gaiola. O amor é cola fraca para produzir um casamento duradouro porque no amor vive o maior inimigo da estabilidade: a liberdade. É preciso que o pássaro aprenda que é inútil ater as asas. Um casamento duradouro é aquele em que o homem e a mulher perderam as ilusões do amor. ----Foi aí que nos separamos --- ele continuou. ---- Não porque discordássemos que o casamento deveria ser eterno. É isto que eu quero. Nos separamos porque não estávamos de acordo sobre o que é que junta um homem e uma mulher, eternamente. Deus é um romântico. Eu sou um realista. Perplexo, lhe perguntei então: ---- Qual foi então a sua proposta? Que cola deveria ser usada? Ele sorriu, confiante, e respondeu: ---- O ódio. Enganam-se aqueles que dizem que o ódio separa. A verdade é que o ódio junta as pessoas. Como disse um jagunço do Guimarães Rosa, quem odeia o outro, leva o outro para a cama. Diferente do fogo da vela, o fogo do ódio é como um vulcão. Não se apaga nunca. Por fora pode parecer adormecido. No fundo, as chamas crepitam. A diferença entre os dois? O amor, por causa da liberdade, abre a mão e deixa o outro ir. No amor existe a permanente possibilidade de separação. Mas o ódio segura. Não tenha dúvidas. Os casamentos mais sólidos são baseados no ódio. E sabe por que o ódio não deixa ir? Porque ele não suporta a fantasia do outro, voando livre, feliz. O ódio constrói gaiolas, e ali dentro ficam os dois, moendo-se mutuamente numa máquina de moer carne que gira sem parar, cada um se nutrindo da infelicidade que pode causar no outro. As pessoas ficam juntas para se 13
  • 14. 14 torturarem. Não menospreze o poder do sadismo. Ah! A suprema felicidade de fazer o outro infeliz! Com estas palavras ele tomou do seu martelo e voltou ao seu trabalho: ---- Tenho de provar que eu, e não Deus, sou quem sabe a receita do casamento que só a morte pode separar. Eu me persignei três vezes e compreendi que o inferno está mais perto do que eu pensava. (ALVES,Rubem.O Retorno e Terno.13ªed.,Campinas SP:Ed. Papirus, 1998. p.p 31/34) 14
  • 15. 15 Aos (Possíveis) Sabiás Alguém que não conheço, após ver as bolhas de sabão que soprei a propósito dos adolescentes, concluiu que eu devo ter alguma coisa contra eles: “O Rubem não gosta dos adolescentes.” Há uma pitada de verdade nisso. E os pais concordariam comigo: se eles ficam sem dormir por causa dos seus filhos é porque há algo neles de que eles não gostam. Se gostassem, dormiriam bem e não procurariam terapeutas em busca de auxílio. A vida é mais complexa do que gostar ou não gostar: that is not the question. A questão é gostar e não gostar, ao mesmo tempo. É isso que faz sofrer. Imaginei que esta pessoa, se visse Michelangelo furiosamente atacando o mármore a martelo e cinzel, perguntaria também: “Afinal, que tem Michelangelo contra o mármore? Sim, ele tem muito contra o mármore. Porque dentro dele está guardada a Pietá. É preciso não ter dó do mármore para que a Pietá saia do seu túmulo. O amor, por Pietá, não tem pietá... Onde estaria a Pietá se Michelangelo tivesse sido complacente com o mármore? Educação é arte. E não existe nada mais contrário à arte que deixar a matéria-prima do jeito como está. Só fazem isto aqueles que não sonham. Mas, desgraçadamente, os sentimentos de culpa paternos e maternos transformam-se em complacência, e seus martelos e cinzéis transformam-se em gelatina. A pedra continua pedra. É preciso que se saiba que o amor é duro. Veio-me à memória um parágrafo de Nietzsche: Minha vontade ardente de criar me empurra continuamente na direção do homem. É assim que o martelo é também empurrado na direção da pedra. Oh, homens! Na pedra dorme uma imagem, a imagem das minhas imagens. Sim, ela dorme dentro da pedra mais feia e mais dura... Agora o meu martelo furiosamente luta contra a sua prisão. Pedaços de rocha chovem da pedra... Ridendo dicere severum: rindo, dizer as coisas sérias. O riso é o meu martelo e o meu cinzel. Não sei se vocês notaram que, em tudo que escrevi sobre os adolescentes, alguém ficou de fora. Ficaram de dentro os pais e suas aflições: foi para eles que escrevi. Ficaram de dentro os adolescentes e suas turmas: escrevi na esperança de que os pais lhes mostrassem o meu espelho, e eles ali também se vissem como maritacas e como portadores da síndrome de Sansão. Desejei que eles, assim se vendo através dos meus olhos, vissem como eles são engraçados e divertidos: não é possível contemplar a sua loucura sem uma boa risada. E que 15
  • 16. 16 isso os fizesse rir de si mesmos. No momento em que rimos de nós mesmos o feitiço se quebra. Quem ficou de fora? O adolescente solitário: aquele que não tem turma, cujo telefone fica em silêncio, que sábado à noite fica em casa ouvindo música no seu quarto... Quando saio a andar de manhã cedo passam por mim bandos de adolescentes indo para a escola. Já consigo identificar os grupos, que vão alegremente maritacando suas coisas, na leve felicidade de pertencer a uma turma. Falam sobre beijos, transas, festas. Esses não me comovem. Comovem-se aqueles que estão sempre sozinhos. São diferentes. Na roupa, no corpo, no jeito, no olhar fixado no chão. Não têm estórias nem de beijos nem de festas para contar. Comovo-me com eles porque eu também já fui assim. Fui um solitário na minha adolescência. Menino de cidade pequena no interior de Minas, minha família mudou-se para o Rio de Janeiro. E o meu pai cometeu um grande erro, movido pelo desejo sincero de me dar o melhor: matriculou-me num dos colégios da elite carioca, o famoso Colégio Andrews. Albert Camus diz que ele sempre havia sido feliz até que entrou no liceu --- no liceu ele começou a fazer comparações. Eu poderia ter escrito a mesma coisa. Ali, eu me descobri motivo do riso dos outros. Eu falava devagar e cantado, dizia “uai” e falava os “erres” de carne e mar como falam os caipiras, torcendo a língua. Também os meus jeitos de vestir eram jeitos de caipiras. E o dinheiro que levava comigo era dinheiro de pobre. E os clubes que eles frequentavam não eram o meu --- eu não frequentava clube algum. Claro que jamais fui convidado para as festinhas e, se tivesse sido convidado, não teria ido. E também jamais convidei um colega para ir à minha casa. Tinha medo que minha casa fosse pobre demais. E é isso que eu gostaria de dizer hoje aos adolescentes solitários, sem turma, sem festas, sem estórias de beijos e amores para contar, as noites de sábado em casa, o telefone em silêncio: vocês são meus companheiros. Eu andei pelos caminhos em que vocês andam. Mas sou agradecido à vida por ter sido assim. Porque foi em meio ao sofrimento dessa terrível solidão que tratei de produzir minhas pérolas. “Ostra feliz não faz pérola.” Comecei então a andar sozinho pelos caminhos onde os outros adolescentes não iam: a música, a mística, a arte, a literatura, a poesia, a filosofia. Todos eles mundos solitários, onde só se entra sozinho. Andando por esses caminhos descobri aqueles que se pareciam comigo. Zaratustra, por exemplo, que se via como uma árvore crescendo à beira do precipício, seus longos galhos se estendendo sobre o abismo. Eu quis ser assim também. E foi então que comecei a olhar para as maritacas com um certo sentimento de superioridade. Claro que os psicanalistas, ávidos de interpretações, se apressarão em me informar que aquilo não passou de uma compensação pelo meu sentimento de inferioridade. 16
  • 17. 17 Que assim seja, sinistro Kleinianos! O fato é que, compensação ou não, a partir daí as alegrias que tive nas produções da minha solidão foram maiores que as tristezas da minha condição de adolescente solitário. A solidão passou a ser, para mim, uma fonte de alegria. Eu não precisava gritar como maritaca para ser ouvido. As maritacas gritam, e todos as ouvem, mesmo sem querer. Mas o canto do sabiá solitário, ao final da tarde, em algum lugar da floresta, faz todo mundo se calar para poder ouvir... Isso eu lhes digo, solitários: há muita beleza escondida na sua tristeza. Não tenham dó de si mesmos. Tratem de usar o martelo e o cinzel.... (ALVES,Rubem.Sobre o Tempo e a Eternidade.Campinas-SP:Ed.Papirus,1997. p.p 37/40) FRASES PARA REFLEXÃO “Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço a partir do que fizeram de mim.” Jean-Paul Sartre “As ações não bastam quando os desejos ficam obsoletos e perdem o poder de seduzir.” Cristovam Buarque “...e o fim de vossa viagem será chegar ao lugar de onde partimos. E conhecê-lo então pela primeira vez.” T.S. Eliot O amor é a coisa mais alegre. O amor é a coisa mais triste. O amor é a coisa que eu mais quero. Adélia Prado “Porque, se não o sabem, disto é feita a vida, só de momentos. Não percam o agora.” Jorge Luis Borges 17
  • 18. 18 Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira-rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos). Amemo-nos tranquilamente... Colhamos flores. Pega tu nelas e deixa-as No colo, e que o seu perfume suavize o momento... Ricardo Reis HISTÓRIA - Renzo Martins Belo Horizonte, Novembro de 1999. 18
  • 19. 19 “Aprender é como comer” A informação deve ser degustável e adentrar na pessoa assim como a comida. O professor é o cozinheiro, que vai preparar a informação de forma que o aluno possa consumi-la durante a aula, o momento da refeição. Portanto, existe uma correlação entre a mãe cozinheira e o professor, a comida e a informação, o filho e o aluno, a sala de jantar e a sala de aula, a hora da refeição e a da aula. O aluno volta para casa com a informação dentro de si e aí começa a segunda etapa do processo: terá de digeri-la, isto é, pegar seus elementos importantes, transformá-los em conhecimento e relacionar este com os conhecimentos, a fim de ampliar sua sabedoria. A digestão da informação não depende do cozinheiro, da mãe ou do professor. Cabe exclusivamente ao aluno. Assim como a digestão de uma feijoada rouba o sangue das outras áreas, a digestão de uma informação densa requer atenção especial. Após uma feijoada, ninguém se submete a uma atividade física intensa. Do mesmo modo, para estudar um conteúdo complexo, a pessoa não pode se distrair com outras coisas. Agora, se a informação for uma refeição leve como uma canja de galinha, que se serve aos inválidos ou a quem não pode interrromper suas atividades para comer, a digestão é fácil e rápida. A informação fácil também pode ser incorporada sem muito esforço Um mesmo texto às vezes é bem fácil para alguns e terrivelmente pesado e difícil para outros. Depende das aptidões individuais. Assim como o organismo tem facilidade para digerir certas comidas e dificuldade para digerir outras, a absorção da informação também varia conforme o talento de cada um, isto é, conforme a facilidade para determinadas matérias e a dificuldade para outras. Conhecimento fácil é o que se adapta às aptidões da pessoa. A importância de construir imagens O interesse é um ingrediente imprescindível em todos os casos. Equivale à fome. É ele que nos impele a absorver tudo. A sabedoria é igual à energia, utilizada automaticamente no cotidiano, nos seus relacionamentos, atitudes e pensamentos. Seu uso, porém, deve ser controlado pela escola. 19
  • 20. 20 Logo, não adianta apenas ter sabedoria e não saber expressá-la. É muito comum nos exames vestibulares um aluno saber muito, porém produzir pouco devido à sua dificuldade de expressão. Isso também precisa ser exercitado, pois ver o produto facilita a produção. O grande ácido que digere essa comida é a imaginação. O conhecimento integra-se muito facilmente quando asssociado à imagem. É como se estivéssemos vendo o que foi dito. Registramos mais as situações vividas do que as simplesmente lidas. A não-digestão da informação faz com que produção seja exatamente igual à recebida. É como se o feijão consumidono almoço saísse do organismo inteirinho, como acontece nas fezes de cianças pequenas, sinal de que comeu se mastigar. Passou pelo organismo e não foi absorvido. É um alimento descartável. Do mesmo modo, há informações descartáveis: uma vez dada a resposta ao professor ou terminada a prova, desaparecem. Como o conhecimento é abstrato, o processo fisico da digestão alimentar é muito diferente do processo abstrato da digestão da informação. Eventualmente, a integração do conhecimento à sabedoria pode ocorrer na aula; no entanto, o mais comum é o aluno entender a matéria e confundir “eu já vi” com “eu já sei” e passar para o tópico seguinte sem saber direito o anterior. A segunda etapa será realizada em casa. (TIBA,Içami.Disciplina:Limite na medida certa.23ªed.,Ed. Gente:São Paulo,1996.pág.:88/90) 20