O documento discute diferentes tipos de lesão celular, incluindo degenerações caracterizadas por acúmulo de água, proteínas, lipídios e glicídios. Detalha os processos de degeneração hidrópica, hialina, esteatose e lipoidose, descrevendo suas causas, aspectos microscópicos e significados clínicos.
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LESÃO CELULAR
Neste capítulo serão estudadas as alterações das células que sofreram algum tipo de
agressão e se encontram moribundas ou mortas, de que maneira ocorrem esses processos,
como podem ser reconhecidos e qual é o seu significado nas doenças.
DEGENERAÇÕES
As alterações morfológicas decorrentes de alterações funcionais, são denominadas de
degenerações. A definição clássica, cunhada por Virchow é: “Degenerações são alterações
regressivas das células que se manifestam por modificações citoplasmáticas e nucleares e
por diminuição da função celular”. Geralmente as alterações degenerativas são
consideradas reversíveis, uma vez que as funções celulares retornam ao normal quando
eliminado o agente causal.
Estímulo
ou
Agressão Hipertrofia
Estado normal
estável Atrofia
Ponto de Morte celular
“não-retorno” (Necrose)
Tempo
É possível reconhecer alguns tipos básicos de processos degenerativos, permitindo o seu
agrupamento. È geralmente adotado o critério de classificação de Letterer, que divide as
degenerações de acordo com a natureza química da substância acumulada na célula lesada.
Segundo esse critério, podemos reconhecer os seguintes tipos de degenerações: 1) com
acúmulo de água; 2) com acúmulo de proteínas; 3) com acúmulo de lipídios e 4) com
acúmulo de glicídios.
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Degenerações caracterizadas por acúmulo de água – É a resposta mais comum a
qualquer tipo de agressão celular. Esta alteração é mais prontamente observável
microscopicamente nas células endoteliais e epiteliais. Neste tipo de degenerações se
incluem a tumefação turva, degeneração granular, degeneração albuminosa, degeneração
acidófila, degeneração hidrópica ou vacuolar e a degeneração baloniforme. Representam
distintos graus de acúmulo de água, que se refletem em aspectos variados do citoplasma
celular, originando as diferentes denominações.
EXPANSÃO ISOSMÓTICA
DA CÉLULA Redução
Retenção
de Na+ do K+
celular
Retenção
de água
ALTERAÇÃO Redução
DA BOMBA da produção
DE Na+/K+
de energia
Agressão
Redução direta
do pH
Hipóxia,
Desacopla- Redução Inibidores da
mento dos da síntese respiração
ribossomas protéica
Inibidores da síntese protéica
Estas degenerações são causadas por numerosos agentes agressores, como hipóxia,
hipertermia, intoxicações, infecções viróticas ou bacterianas agudas, agentes físicos,
distúrbios circulatórios, etc. A agressão celular altera o mecanismo de controle do gradiente
osmótico ao nível da membrana celular, atuando sobre a chamada “bomba de sódio e
potássio”. Como resultado dessa agressão, ocorre a retenção de Na+ na célula com
conseqüente retenção de água (edema intracelular). Inicialmente a água se acumula no
citosol, causando a tumefação celular, com citoplasma de aspecto diluído, disperso ou
indistinto, e aumento do volume celular (tumefação turva). As denominações de
degeneração albuminosa, granular e acidófila se devem ao aspecto do citoplasma
provocado pelo desacoplamento dos ribossomos e a acidificação do meio intracelular (pelo
aumento do ácido láctico do metabolismo anaeróbico), causando a hidrofilia das proteínas
citoplasmáticas, que formam partículas micelares maiores (aspecto granuloso).
Com o aumento do seu volume na célula, a água passa a se acumular dentro das
mitocôndrias e do retículo endoplasmático, provocando a dilatação de suas cisternas e da
cisterna perinuclear, adquirindo o citoplasma um aspecto vacuolizado (degeneração
vacuolar ou hidrópica) (Fig. 1).
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Fig.1. Tecido renal com degeneração vacuolar
Fig.2. Epitélio mostrando degeneração baloniforme.
A denominação de degeneração baloniforme é dada quando os vacúolos se reúnem em
torno do núcleo, constituindo um único vacúolo perinuclear (Fig. 2).
Em geral, as degenerações caracterizadas por acúmulo de água não chegam a produzir
transtornos funcionais graves. Além disso, estas degenerações são reversíveis, de modo que
removida a causa que as provocou, a célula retorna a sua normalidade funcional e
morfológica.
5. M. A. Sala – Lesão Celular 5
Degenerações caracterizadas por acúmulo de proteínas – Pertencem a este grupo a
degeneração hialina e a degeneração mucóide.
A degeneração hialina (hyalos = vidro) ocorre na forma de deposição de gotículas hialinas
eosinófilas no citoplasma das células. Pode ocorrer como uma alteração funcional
provocada por agentes tóxico-infecciosos ou pelo aumento da ingestão de compostos
protéicos por endocitose.
São, assim, reconhecidos dois tipos de degeneração hialina: 1) quando as proteínas
pertencem à própria célula – proteínas endógenas, e 2) quando as proteínas são exógenas,
isto é, absorvidas pela célula e posteriormente precipitadas formando corpúsculos hialinos
de proteínas desnaturadas.
A primeira forma é a mais comum, apresentando-se em forma de corpúsculos de inclusão,
induzidos por infecções viróticas, estados tóxico-infecciosos ou intoxicações exógenas. Por
exemplo, os corpúsculos de Mallory, que aparecem nos hepatócitos na cirrose alcoólica; os
corpúsculos de Councilman-Rocha Lima, nos hepatócitos na hepatite viral; a degeneração
de Magarinos Torres nas fibras miocárdicas na febre amarela ou a degeneração cérea de
Zenker nas fibras musculares na difteria. Os mecanismos dessas alterações permanecem
desconhecidos, porém, acredita-se serem devidos a alterações do sistema de microtúbulos e
microfilamentos celulares.
A segunda forma de degeneração hialina ocorre quando proteínas externas penetram na
célula, precipitando a seguir, formando acúmulos de proteínas desnaturadas no citoplasma.
Exemplo desse tipo de acúmulo é a presença de gotículas hialinas no epitélio dos túbulos
contorcidos proximais do rim devido à absorção de proteínas provenientes da luz tubular,
quando o glomérulo permite a passagem de proteínas (glomerulonefrite, p. ex.), causando a
degeneração hialina goticular (Fig. 3).
Fig.3. Túbulos renais com degeneração hialina.
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O mecanismo de formação é também desconhecido. Ocorre com maior freqüência nos
epitélios dos túbulos renais, apresentando-se como gotículas eosinófilas, refringentes,
hialinas, com limites nítidos. Ocorre em várias doenças como eclampsia, hipertensão
arterial crônica, glomerulonefrite crônica, hipocloremia, intoxicação por metais pesados,
etc.
Merecem especial menção os corpúsculos de Russell (Fig. 4). São formações esféricas,
hialinas, homogêneas, eosinófilas, birrefringentes, isoladas ou múltiplas, sintetizadas nos
plasmócitos. Estes corpúsculos são encontrados em vários processos inflamatórios agudos
(salmoneloses, etc.) ou crônicos (osteomielites, etc.), admitindo-se que estão constituídos
por acúmulos de imunoglobulinas sintetizadas nos plasmócitos em resposta a estímulos
antigênicos.
A degeneração mucóide resulta da excessiva produção de mucinas pelas células mucosas,
com posterior morte e descamação das mesmas (catarro do trato respiratório ou intestinal).
Fig.4. Corpúsculos de Russell dentro de plasmócitos.
Degenerações caracterizadas por acúmulo de lipídios – Pertencem a este tipo de
degenerações a esteatose e a lipoidose.
A esteatose ou degeneração gordurosa é o acúmulo anormal de gorduras no citoplasma de
células que normalmente não as armazenam. O fígado é o local mais comum desta lesão,
porém ocorre também no epitélio dos túbulos renais e nas fibras miocárdicas.
Para compreender melhor a patogênese das esteatoses devemos lembrar como ocorre a
metabolismo normal das gorduras, em particular no fígado. Os ácidos graxos chegam ao
fígado pelo plasma, originários de duas fontes: depósitos de gordura (na forma de
triglicérides) e absorção intestinal (na forma de quilomicrons). Estes ácidos graxos são
utilizados pelos hepatócitos nos processos metabólicos, ou são ligados a proteínas
sintetizadas no retículo endoplasmático e secretados em forma de lipoproteínas para a
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circulação (ver esquema).O acúmulo de gorduras nos hepatócitos ocorre quando há uma
discrepância entre o volume de
gorduras que chegam ou que são sintetizadas no fígado, e o volume de gorduras que são
utilizadas ou que são secretadas como lipoproteínas pelo fígado.
Dieta
1 Ácidos Graxos Livres
Tec.
Tec.
Adiposo
2
1. Mobilização aumentada Acetil-CoA
Acetil-
2. 1
Conversão aumentada Cetonas
4 3 Colesterol
3. Oxidação diminuída
Fosfolípides
4. Síntese diminuída Apoproteínas
Triglicérides
5. Bloqueio da união P-L
5
6. Bloqueio da liberação
Lipoproteínas
das lipoproteínas 6
Lipoproteínas Plasmáticas
A alteração de diversos mecanismos pode ser responsável pela ocorrência da degeneração
gordurosa ou esteatose: A) danos específicos ou inespecíficos ao hepatócito e deficiências
nutricionais que reduzem a síntese de proteínas, levando a diminuição da síntese de
lipoproteínas, resultando em acúmulo de gorduras. Isto ocorre na intoxicação por álcool,
etionina, puromicina, fósforo, tetracloreto de carbono e desnutrição crônica. B)
interferência com a liberação das lipoproteínas pela célula, o que ocorre com o ácido
orótico. C) combinação entre lipídios e proteínas prejudicada, o que ocorre também com o
ácido orótico. D) bloqueio da oxidação dos ácidos graxos, como ocorre na hipóxia crônica
(insuficiência cardíaca e anemias) ou por diminuição da síntese das enzimas oxidativas,
como ocorre com o clorofórmio, fósforo, etanol, etc. E) Excessiva chegada de ácidos
graxos à célula hepática, liberados do tecido adiposo (ação da adrenalina ou do hormônio
de crescimento) ou absorvidos pelo intestino (dietas ricas em gorduras e colesterol).
As causas responsáveis pela ocorrência da esteatose podem ser divididas em dietéticas,
tóxicas e anóxicas.
Causas dietéticas: dietas ricas em gordura, hipercalóricas ou ricas em colesterol, aumentam
o suprimento de gorduras para o fígado. Na desnutrição ocorre um aumento da mobilização
de gorduras dos depósitos para aproveitamento energético, causando o acúmulo no
hepatócito, pela carência protéica.
Causas tóxicas: atuam modificando o metabolismo celular, causando defeitos na síntese
e/ou secreção das lipoproteínas.
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Causas anóxicas: provocam a diminuição do fornecimento de oxigênio, com diminuição da
capacidade de oxidação dos ácidos graxos e diminuição do fornecimento de energia
necessária para a síntese protéica do hepatócito.
O aspecto microscópico da gordura nesta degeneração é o de gotas grandes, esféricas,
vazias (devido ao emprego de solventes das gorduras no processamento histológico) e bem
definidas ou de numerosas gotículas que dão uma aparência espumosa ao citoplasma. A
quantidade de gordura pode ser insignificante ou tão extensa que desloca o núcleo do
hepatócito para a periferia da célula (Fig. 5).
Fig.5. Esteatose hepática. Acúmulo de gorduras dentro dos hepatócitos.
Fig.6. Lipoidose. Macrófagos repletos de gordura fagocitada (células espumosas).
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Em casos duvidosos, a utilização de colorações específicas para gorduras permite
identificar o acúmulo de lipídios, diferenciando-o da degeneração hidrópica e do acúmulo
de glicogênio. Isto é particularmente necessário no miocárdio e aconselhável no rim.
A degeneração gordurosa é considerada reversível, se as causas forem removidas. De modo
geral a degeneração gordurosa é uma indicação comum e inespecífica de agressão celular,
embora a localização e a circunstância nas quais a lesão ocorre possam sugerir um
mecanismo patogênico ou uma doença específica.
A lipoidose é o acúmulo de lipídios que ocorre, principalmente, nos histiócitos. Exemplo
deste acúmulo de gordura é a célula espumosa, presente nos granulomas, que nada mais é
do que um macrófago que fagocita a gordura dos restos celulares (Fig. 6).
Degenerações caracterizadas por acúmulo de glicídios – Dos carboidratos da célula
animal, somente o glicogênio pode ser detectado por métodos histoquímicos, sendo, por
isso, o único a ser considerado. O acúmulo anormal de glicogênio pode ser encontrado em
alguns distúrbios hereditários (glicogenoses) e no diabete melito.
O glicogênio pode acumular-se em quantidades anormais no citoplasma celular, aparecendo
como vacúolos claros (degeneração de Armani-Epstein). Pode ser encontrada nos túbulos
renais, onde a glicose é reabsorvida e armazenada em forma de glicogênio na hiperglicemia
prolongada, particularmente na diabete. Os hepatócitos contem normalmente glicogênio,
mas o seu volume encontra-se marcadamente aumentado no diabete, podendo ser
armazenada dentro do núcleo, que se apresenta como uma esfera vazia (degeneração de
Askanazy)(Fig. 7). Este acúmulo intranuclear de glicogênio ocorre também na hepatite
viral e na caquexia neoplásica.
Fig.7. Acúmulo de glicogênio no interior do núcleo dos hepatócitos (degeneração de Askanazy).
O acúmulo intracelular de glicogênio ocorre quando há ausência congênita de uma enzima
necessária para a síntese ou para a degradação do glicogênio. Estas deficiências genéticas
recebem o nome de glicogenoses. O glicogênio pode se acumular em diversos órgãos, de
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acordo com a enzima deficiente. Assim na doença de Von Gierke (glicogenose tipo I),
devida à deficiência da G-6-P’ase, o glicogênio se acumula principalmente no fígado e nos
rins. Na doença de McArdle, causada pela deficiência da fosforilase muscular, o acúmulo
de glicogênio ocorre nas fibras musculares esqueléticas. A doença de Pompe, devida à
deficiência da α-1,4-glicosidase, o glicogênio se acumula nas fibras musculares cardíacas
(ver esquema)
Tipo Deficiência Gravidade Órgão Afetado
I. Von Gierke G-6-P’ase Grave Fígado, Rim
II. Pompe α-1,4-glicosidase Letal Coração
III. Cori Amilo-1,6-glicosidase Leve Fígado
IV. Andersen Amilo-1,4-1,6- transglicosidase Letal Fígado
V. McArdle Fosforilase muscular Leve Músculo
VI. Hers Fosforilase hepática Leve Fígado
NECROSES
Quando a capacidade homeostática da célula é superada pela intensidade ou duração da
agressão, ocorre uma lesão irreversível. O limite entre a reversibilidade e a irreversibilidade
de uma lesão é o chamado “ponto de não-retorno”. Ultrapassado esse ponto segue-se um
período de desorganização estrutural progressiva, que culmina com a morte celular ou
necrose. Segundo alguns autores, a necrose é o conjunto de alterações morfológicas que
ocorrem após a morte celular. Deste modo, a cessação das atividades vitais das células
determina uma série de alterações morfológicas que podem ser consideradas como o sinal
da ocorrência da morte celular.
As primeiras mudanças ultraestruturais das células mortas são a tumefação leve do
citoplasma, com dilatação do retículo endoplasmático e perda dos ribossomos.
Posteriormente ocorre o desprendimento de “bolhas” de citoplasma, que incluem somente o
citosol (i.e., sem organelas). Estas mudanças, entretanto, podem ser observadas
ocasionalmente em células lesadas subletalmente. Uma questão importante é quais são as
alterações ultraestruturais que ocorrem quando é atingido o “ponto de não-retorno”, a partir
do qual a necrose é irreversível. As alterações morfológicas características desse evento são
a violenta dilatação das mitocôndrias (chamada de tumefação de alta amplitude), e o
aparecimento de estruturas eletron-densas, usualmente floculentas, na matriz mitocondrial
(provavelmente proteínas desnaturadas). Podem também aparecer formações cristalinas
densas de fosfato de cálcio, especialmente em casos de hipóxia.
Ao nível de microscopia óptica, as primeiras alterações visíveis na necrose são as
nucleares. Três tipos de alterações dos núcleos podem ser caracterizados: picnose,
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cariorrexe e cariólise. A picnose é a condensação da cromatina, que forma uma massa
escura, retraída, ao redor do nucléolo, O núcleo picnótico é menor e hipercromático. A
cariorrexe (cario: núcleo, rexis: fragmentação) é a fragmentação nuclear em vários
pedaços. A cariólise (de lisis: dissolução) é a dissolução da cromatina, com perda da
coloração nuclear, deixando uma imagem fantasma do núcleo, que aparece como um
imagem mais clara, arredondada, no citoplasma.
Estas alterações nucleares correm em conseqüência da hidrólise inicial da cromatina
condensada, liberando-se maior quantidade de ácidos nucléicos, de modo que os núcleos se
coram mais intensamente, como ocorre na picnose. Com a intensificação da hidrólise, os
ácidos nucléicos se desintegram e o núcleo perde a sua basofilia, tornando-se pouco
corável, como na cariólise. A causa da cariorrexe não está bem explicada ainda.
Os sinais citoplasmáticos da necrose, ao microscópio óptico são o aumento da acidofilia,
pela desnaturação das proteínas, ou a lise do citoplasma, que confere ao mesmo uma
aparência pálida e vacuolizada. A célula perde o seu contorno, ocorre a diminuição da
coloração diferencial entre núcleo e citoplasma e, por último, a perda completa de células.
TIPOS DE NECROSES – Toda estrutura necrosada mostra as alterações descritas acima.
No entanto, o tecido necrosado pode apresentar várias formas macro e microscópicas,
dependendo dos seguintes fatores: agente etiológico, composição do tecido e enzimas que
permanecem ativas. Assim, podemos diferenciar vários tipos de necrose, de acordo com as
alterações morfológicas que resultam da influência desses fatores. Essa diferenciação é de
utilidade, uma vez que oferece um indício quanto à etiologia da necrose. P. ex., a necrose
caseosa é mais freqüentemente provocada pelo bacilo de Koch.
Podem se diferenciar os seguintes tipos de necrose: 1) necrose coagulativa; 2) necrose
liquefativa; 3) necrose caseosa e 4) necrose de tecido gorduroso. Alguns autores
diferenciam um quinto tipo, a necrose gomosa. No entanto, esse tipo de necrose é
considerado como uma variedade da necrose coagulativa. Similarmente, há autores que
classificam a necrose caseosa como variedade da necrose coagulativa.
Fig. 8. Necrose coagulativa em tecido renal
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Necrose coagulativa – A necrose coagulativa ou necrose por coagulação se caracteriza
pelo aspecto peculiar das células mortas, que apresentam citoplasma opaco, acidófilo,
devido à ação coagulante das substâncias que atuam sobre as proteínas celulares.
Possivelmente, pela desnaturação das enzimas líticas não ocorre a liquefação dos tecidos.
Muitas vezes a arquitetura grosseira do tecido fica preservada durante algum tempo, mesmo
quando os detalhes celulares são perdidos.
Resumindo, o que caracteriza a necrose coagulativa é a persistência do arcabouço celular
por um período relativamente longo (Fig. 8). Macroscopicamente a área necrosada aparece
bem delimitada, mais pálida e com consistência maior que o tecido normal.
Necrose liquefativa – A necrose liquefativa ou necrose por liquefação se caracteriza pela
consistência mole ou pelo estado líquido do tecido necrosado. O amolecimento e lise do
tecido necrosado se deve à ação das enzimas liberadas pelo tecido morto, pelas células
inflamatórias ou pelo agente causal, favorecida pela estrutura e constituição do tecido.
Este tipo de necrose é característico do sistema nervoso central que, pela sua riqueza em
lipídios e baixo conteúdo protéico, apresenta pequena capacidade coagulativa, facilitando a
liquefação. Pode ser observada também no centro dos abscessos, sendo responsável pela
dissolução dos tecidos e formação da parte líquida do pus. Neste caso, contribuem para a
dissolução dos tecidos as enzimas liberadas pelas bactérias, leucócitos e pelas células
necrosadas.
Necrose caseosa – A necrose caseosa ou necrose por caseificação se caracteriza pela
aparência do tecido necrosado semelhante à massa do queijo (caseum = queijo). O tecido
morto se apresenta como uma massa amorfa esbranquiçada ou amarelada, opaca, de
consistência pastosa, friável e seca. Ao microscópio se apresenta como uma massa
eosinófila granulosa, com perda total dos limites celulares e da estrutura citoplasmática
(Fig. 9). Podem se vistos restos nucleares picnóticos e em cariorrexe.
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Fig. 9. Necrose caseosa em tecido pulmonar
Este tipo de necrose ocorre pela autólise rápida e completa, de modo que a arquitetura do
tecido fica prejudicada. É característica da tuberculose, mas pode ser observada também em
outros processos inflamatórios como histoplasmose, tularemia, paracoccidiodomicose, etc
Necrose de tecido gorduroso – A necrose de tecido gorduroso é considerada
tradicionalmente um tipo especial. Porém, a sua única característica especial é a de
envolver tecido adiposo, causando o desdobramento das gorduras em ácidos graxos livres e
glicerol. Os ácidos graxos saem das células e se saponificam com sais alcalinos, formando
sabões que se apresentam como precipitados brancos (manchas em pingo de vela).
Exemplos de necrose de tecido gorduroso ocorrem no tecido adiposo peripancreático na
pancreatite aguda e na necrose gordurosa mamária. Na pancreatite aguda há liberação de
lípases pancreáticas na cavidade peritonial, resultando de sua ação sobre as gorduras, a
necrose de tecido gorduroso. Os ácidos graxos liberados pela ação da lípase combinam-se
com sais de cálcio formando sabões, que desencadeiam focos de intensa reação
inflamatória aguda no peritônio.
A necrose de tecido gorduroso na glândula mamária resulta aparentemente de um trauma,
ocasionando uma resposta inflamatória crônica que pode resultar na formação da uma
massa fibrosa firme.
EVOLUÇÃO DAS NECROSES – O tecido necrosado, de modo geral, comporta-se como
elemento estranho que o organismo procura eliminar. O modo de eliminação depende da
extensão da massa necrosada, do local onde se localiza e da causa da necrose. Assim pode
ocorrer absorção, drenagem, cicatrização e calcificação, encistamento e a gangrena.
Absorção - A absorção do tecido necrosado pelos macrófagos dos tecidos vizinhos
(fagocitose). Esta forma de eliminação ocorre quando a área necrosada é pequena, e desde
que o tecido vizinho possua capacidade de fagocitose.
Drenagem - A drenagem do tecido necrosado pode ocorrer através de vias excretoras
normais ou neoformadas. Exemplo de drenagem é a do tecido pulmonar necrosado na
tuberculose, que pode ser eliminado através da árvore brônquica num acesso de tosse,
deixando no seu lugar uma cavidade (caverna tuberculosa).
Cicatrização e Calcificação - Esta forma de evolução das necroses consiste na
substituição do tecido morto por uma cicatriz fibrosa, como ocorre nos infartos. A
deposição de sais de cálcio sobre o tecido necrosado (calcificação distrófica) é outra
possível evolução das necroses, especialmente nas necroses caseosa e de tecido gorduroso.
Encistamento -- A formação de pseudocistos ocorre principalmente no sistema nervoso
central, onde a capacidade de absorção é reduzida e não há meios de drenagem do tecido
morto. A área necrosada (necrose liquefativa) constitui uma cavidade pseudocística
contendo líquido, revestida pelo tecido vivo circundante.
Gangrena -- A gangrena resulta da ação de agentes externos sobre o tecido necrosado. A
gangrena pode ser seca, úmida ou gasosa.
A gangrena seca se caracteriza pela desidratação do tecido necrosado, que se torna duro e
seco como pergaminho, semelhante aos tecido das múmias (daí a denominação de
mumificação, também usado para esta gangrena). Ocorre mormente nas extremidades,
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como pés, orelhas, nariz, sendo a causa mais freqüente a isquemia. Em condições
fisiológicas este tipo de gangrena ocorre no cordão umbilical da criança após o nascimento.
A gangrena úmida ocorre pela ação de bactérias anaeróbicas saprófitas que causam a
liquefação e putrefação do tecido morto. Ocorre principalmente em tecidos úmidos, que
favorecem a penetração das bactérias, como pulmão, mucosa uterina e intestinos. Nesta
gangrena há formação de produtos que quando absorvidos pelo organismo causam
intoxicação grave, por vezes fatal. Um tipo de gangrena úmida é o NOMA, que ocorre na
mucosa bucal de pessoas malnutridas.
A gangrena gasosa é aquela em que se formam bolhas, devido à ação de bactérias
anaeróbicas gasógenas (gen. Clostridium, principalmente C. perfrigens, C. septicum, C.
histoliticum e C. bifermentans), que sintetizam enzimas que desintegram os tecidos
necrosados, liberando produtos tóxicos e gases. Esta gangrena ocorre em ferimentos
infectados e especialmente em ferimentos de guerra. É de extrema gravidade e quase
sempre fatal.
.
APOPTOSE
A apoptose ou morte celular programada, ocorre em muitas situações tanto fisiológicas
quanto patológicas. É regulada pela transcrição de alguns genes e se caracteriza por um
conjunto característico de câmbios morfológicos celulares.
A renovação celular implica que todas as células completamente diferenciadas que
constituem um tecido devem morrer e ser substituídas de modo controlado e “programado”.
Para designar este tipo de supressão celular foi sugerido o termo apoptose, palavra grega
que significa a queda das folhas de uma árvore no outono ou das pétalas de uma flor. A
apoptose joga um papel oposto aquele da mitose em regular o tamanho de uma população
celular.
Mudanças morfológicas na apoptose. Em termos estruturais a apoptose parece ocorrer em
etapas claramente definidas:
• A célula afetada se contrai (2), e o seu citoplasma fica mais denso (3). A célula se
separa e perde contato com as células vizinhas (1)
• Α seguir, a cromatina nuclear se condensa, formando massas bem definidas contra a
membrana nuclear (4)
• A célula se fragmenta, emitindo corpúsculos eosinófilos, bem preservados, limitados
por membranas (corpos apoptóticos) (5).
• Estes fragmentos são semeados da superfície epitelial ou são fagocitados por outras
células (6). Esta fagocitose envolve uma interação ligando-receptor entre os corpos
apoptóticos e os fagócitos, permitindo que a célula que morre pelo processo de apoptose
não cause nenhuma reação inflamatória secundária nem cicatrização.
• Microscopicamente, a apoptose é usualmente inconspícua, por causa da curta duração
do processo quando afeta uma única célula (1-2 h ou menos). A estimativa precisa da
extensão da apoptose nos cortes histológicos requer a inspeção de vários milhares de
células normais, uma vez que a proporção de células apoptóticas reconhecíveis é menos
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de 1%. Devido à fugacidade, ainda uma pequena proporção de células apoptóticas
reconhecíveis pode indicar grande redução na população celular.
A apoptose ocorre tanto em processos fisiológicos quanto patológicos que afetam o
controle da população celular. A apoptose está envolvida não só na renovação celular de
tecidos adultos sadios, mas também na eliminação focal de certas células durante o
desenvolvimento embrionário. Ocorre espontaneamente em algumas neoplasias malignas
não tratadas e também em alguns tipos de regressão induzida terapeuticamente em tumores
malignos.
Está envolvida na involução fisiológica e na atrofia de vários tecidos e órgãos:
• Na organogênese durante a vida embrionária, p. ex. durante a formação dos dedos no
desenvolvimento das extremidades.
• Na eliminação de células degeneradas em populações celulares com uma renovação
alta, como no epitélio do intestino delgado
• Na morte celular após a remoção de estimulo hormonal, p. ex na fase de descamação
endometrial do ciclo menstrual.
• Na eliminação clonal de linfócitos que poderiam reagir com auto antígenos e assim
ocasionar doenças autoimunes.
• Na atrofia de tecidos hormônio-dependentes após remoção do hormônio estimulante
(p.ex. próstata após orquidectomia).
• Na atrofia do componente secretório epitelial nas glândulas exócrinas após obstrução
prolongada do ducto (p. ex. glândulas salivares, lacrimais e pâncreas).
• Na eliminação espontânea de parte da população celular em alguns tumores
• No dano viral das células, visto em alguns tipos de hepatite.
• Na morte celular mediada por linfócitos T citotóxicos (p.ex., rejeição de transplantes).
• Na prevenção de instabilidade do genoma em desenvolvimento em células nas quais há
ocorrido algum dano do genoma
• Na morte celular associada a baixas doses de estímulos injuriosos, incluindo calor,
radiação terapêutica e drogas citotóxicas usadas em tratamento do câncer.
16. M. A. Sala – Lesão Celular 16
DIFERENÇAS ENTRE NECROSE E APOPTOSE
A necrose é chamada também de oncose ou morte celular com inchaço, enquanto a
apoptose é chamada de morte celular programada ou morte celular sem inchaço. Ambos
processos diferem em vários aspectos importantes. Por exemplo, a apoptose implica gasto
de energia, a célula continua sintetizando proteínas e mantendo o funcionamento normal de
suas organelas. Alem disso, as membranas celulares e as organelas mantêm a estrutura
normal. Há retração celular e emissão de corpos apoptóticos, que possuem organelas
normais e as vezes fragmentos nucleares. Por último, os corpos apoptóticos não provocam
reação inflamatória, sendo digeridos pelas células vizinhas.
Ao contrario, durante a necrose, as células deixam de gastar energia, o que se traduz em
parada da síntese protéica e do funcionamento do mecanismo de membrana, permitindo-se
desse modo o ingresso de íons sódio e cálcio, com entrada de água para manter a
isosmolaridade, causando inchaço celular. Os núcleos sofrem alterações morfológicas pela
hidrólise da cromatina, primeiro com condensação da cromatina (picnose), posteriormente
com fragmentação da cromatina e desaparecimento da membrana nuclear (cariorrexe) e por
último com a dissolução do material nuclear (cariólise). Finalmente, os restos celulares
provocam nos tecidos vizinhos uma reação inflamatória aguda, levando a destruição do
tecido necrosado e posterior substituição por uma cicatriz fibrosa.
17. M. A. Sala – Lesão Celular 17
PIGMENTOS
Chama-se pigmento a toda substância com cor própria. Deste modo, constituem este grupo
substâncias com origem, composição química e significado fisiológico e patológico
diferentes, sendo estudadas em conjunto somente por motivos didáticos. Os pigmentos são
divididos, de acordo se originem ou não no próprio organismo, em endógenos e exógenos.
PIGMENTOS ENDÓGENOS. São os pigmentos sintetizados no organismo, e constituem
três grupos: melanina, derivados da hemoglobina ou hemoglobinógenos, e lipocromos.
Melanina. A melanina é o pigmento responsável pela coloração da pele, pelos e olhos.
Pode também ser encontrado na leptomeninge, neurônios da substantia nigra e locus
coeruleus e na medula adrenal. É um pigmento castanho-amarelado, tanto mais escuro
quanto mais concentrado, sintetizado em células especializadas, os melanócitos, que se
concentram na camada basal da epiderme. Estas células se originam na cresta neural e
migram para os locais permanentes durante o desenvolvimento embrionário. A
concentração de melanócitos é relativamente constante (entre 2000/mm3 no rosto e
800/mm3 no abdome), independentemente da raça. A cor mais escura da pele se deve ao
aumento da atividade dos melanócitos e não a aumento do seu número. A melanina é
sintetizada em pequenos corpúsculos limitados por membranas, os melanossomas, dentro
do aparelho de Golgi. Os grânulos de melanina são transferidos dos prolongamentos
dendríticos dos melanócitos para os queratinócitos vizinhos.
Fig. 10 – Melanócitos, localizados na camada basal da epiderme
O substrato para a síntese da melanina é o aminoácido tirosina. Os melanócitos possuem a
enzima tirosinase, que atua sobre a tirosina resultando, como produto final, a melanina,. O
18. M. A. Sala – Lesão Celular 18
defeito genético caracterizado pela ausência de coloração da pele e da conjuntiva
(albinismo) se deve à falta de tirosinase.
A síntese de melanina está influenciada por diversos fatores: hormonais (MSH, ACTH,
estrógenos, progestógenos); ambientais (UV) e, evidentemente, genéticos.
Na realidade não existe somente uma melanina. A neuromelanina se encontra nos
neurônios da substantia nigra e locus coeruleus e na medula adrenal. Este pigmento pode
ser encontrado nos albinos, de maneira que sua síntese não é regulada pela tirosinase, mas
por outra enzima, a tirosina hidroxilase. A eumelanina, de cor marrom a negra possui alto
peso molecular e estrutura polimérica. A feomelanina possui coloração amarela ou
vermelha.
Pigmentos hemoglobinógenos – A hemoglobina é o pigmento que cora as hemácias, sendo
responsável pelo transporte de oxigênio dos pulmões para os tecidos e do gás carbônico em
sentido inverso. A molécula de hemoglobina está formada pela globina, uma proteína, e
pelo heme, constituído por quatro anéis pirrólicos contendo ferro. Com a morte e destruição
das hemácias no baço (função marcial), a hemoglobina se libera e a sua molécula é dividida
em três partes: a globina, proteína que é reaproveitada no metabolismo, a biliverdina, que
constitui um dos pigmentos biliares, e o íon ferro. Normalmente, 2/3 do ferro orgânico é
armazenado em forma de ferritina, complexo coloidal solúvel de hidrofosfato férrico ligado
a proteínas (apoferritinas), que se acumula nos lisossomos secundários. À medida que
aumenta a quantidade de ferritina, as moléculas se agregam em micelas maiores, ao mesmo
tempo em que a apoferritina é cindida pelas enzimas lisossómicas. Assim, se formam as
micelas de hemossiderina, constituídas por acúmulos de ferritina, proteínas modificadas,
açucares, ácido siálico e lipídios. De este modo, da lise da hemoglobina resulta a formação
de dois tipos de pigmentos, os pigmentos biliares e a hemossiderina.
Hemossiderina - É um pigmento granular de cor amarelo-dourado a castanho. É um
composto complexo, heterogêneo, insolúvel em água, constituído por carboidratos,
proteínas, lipídios. ácido siálico e ferro (Fe3+). Por este motivo pode ser evidenciado
histoquimicamente com a reação de Perls, pelo precipitado de ferrocianeto férrico (azul da
Prússia).
O pigmento aparece, normalmente em forma de grânulos castanhos grosseiros no interior
de citoplasma dos macrófagos (Fig. 11). Quando em quantidade excessiva, a hemossiderina
se acumula nos hepatócitos, células dos túbulos renais, pâncreas e fibras cardíacas. Uma
vez que o conteúdo de ferritina está em equilíbrio com o de ferro plasmático, para ocorrer
aumento da produção de hemossiderina no organismo é necessário que ocorra aumento dos
níveis circulantes de ferro.
19. M. A. Sala – Lesão Celular 19
Fig. 11 – Macrófagos pulmonares contendo grânulos de hemossiderina
O acúmulo de ferro nas células dos tecidos, denominado hemossiderose, ocorre quando há
destruição excessiva de hemácias, acumulando-se a hemossiderina dentro das células do
SER, principalmente do baço, e nas células de Kupffer. As causas da destruição excessiva
de hemácias são variadas, principalmente anemias hemolíticas, transfusões, congestão
pulmonar por insuficiência cardíaca, hemorragia interna, envenenamento por picada de
cobras, etc. A hemossiderose causada pelo aumento excessivo de absorção intestinal de
ferro provoca acúmulos do pigmento predominantemente nos hepatócitos. O aumento da
absorção intestinal pode ocorrer em dietas com excesso de ferro ou quando há um defeito
genético na barreira intestinal (hemocromatose idiopática).
Pigmentos biliares – A biliverdina e a bilirrubina constituem os chamados pigmentos
biliares. Da decomposição da hemoglobina se origina o heme, que por oxidação se converte
em biliverdina, que é convertida imediatamente em bilirrubina pela ação de biliverdina
redutase. A bilirrubina, assim originada, é acoplada à albumina, sendo transportada pela
circulação até o fígado. Uma vez no interior do hepatócito, a bilirrubina é conjugada com o
ácido glicurônico no retículo endoplasmático, transformando-se em glucoronato de
bilirrubina. Após a conjugação, a bilirrubina se torna hidrossolúvel, sendo excretada na
bile.
Quando ocorre aumento dos níveis de bilirrubina plasmática, o excesso de pigmento pode
causar impregnação da pele e outros tecidos, que adquirem coloração amarelada, sinal
denominado icterícia. As causas dessa elevação são variadas, sendo divididas em pré-
hepáticas, hepáticas e pós-hepáticas.
As causas pré-hepáticas são aquelas que resultam em aumento excessivo da formação de
bilirrubina: hemólise, hemorragia, anemias hemolíticas, etc., com aumento da bilirrubina
não conjugada ou indireta.
20. M. A. Sala – Lesão Celular 20
As causas hepáticas são responsáveis pela não-conjugação ou conjugação deficiente da
bilirrubina: defeitos genéticos (doença de Criggler-Najjas), insuficiência hepática, hepatites
ou intoxicações, provocando aumento dos dois tipos de bilirrubina (direta e indireta).
As causas pós-hepáticas são resultado da dificuldade da excreção da bile: obstrução das
vias biliares ou do colédoco, com elevação dos níveis da bilirrubina conjugada (direta).
A tabela seguinte resuma a classificação das icterícias.
Tipos Localização Bilirrubina preponderante
Icterícia hemolítica Pré-hepática Bilirrubina indireta (não-conjugada)
Icterícia hepatocelular Hepática Ambas (direta e indireta)
Icterícia obstrutiva Pós-hepática Bilirrubina direta (conjugada)
Lipocromos – Os lipocromos são derivados lipídicos, resultantes da oxidação e
polimerização das gorduras não-saturadas. Somente será considerada a lipofuscina (fuscus
= marrom). É um pigmento granular, intracitoplasmático, de cor pardo-amarelada (Fig. 14).
Representa o conteúdo de vacúolos autofágicos, que contêm lipídios parcialmente
metabolizados. Sua presença está asociada a alterações regresivas, que ocorrem no
envelhecimento, nas atrofias e nas lesões crónicas. Deste modo, o pigmento é também
denominado de “pigmento de desgaste” ou “pigmento de envelhecimento”.
Representam, provavelmente, resíduos de organelas mal digeridos e não eliminados, que
ficam acumulados no citoplasma constituindo o “lixo celular”. A composição do pigmento
não está bem elucidada. Provavelmente, resulta da oxidação das gorduras não-saturadas,
que quando polimerizadas ficam insolúveis. Aproximadamente 50% do pigmento é
gordura, e 30% resíduos protéicos, sendo desconhecida composição do 20% restante.
Fig. 12 – Hepatócitos com citoplasma contendo pigmentos de lipofuscina.
.
21. M. A. Sala – Lesão Celular 21
PIGMENTOS EXÓGENOS. São pigmentos que penetram no organismo pelas vias
naturais, junto com o ar que respiramos ou com os alimentos ingeridos, ou por via
parenteral, seja de forma acidental ou proposital (p.ex. tatuagens). Assim, são numerosos os
pigmentos exógenos que podem ser encontrados no organismo. Não entanto, pela sua
importância ou pela freqüência só serão considerados o carvão, ferro, chumbo, prata, as
tatuagens e a medicamentosa.
Antracose – O mais abundante dos pigmentos exógenos é o carvão, que se encontra como
poluente no ar atmosférico das grandes cidades e minas de carvão, assim como no ar
aspirado pelos fumantes e vizinhos (fumantes passivos). Quando respiramos, o carvão
presente no ar é introduzido nas vias respiratórias em forma de pequenas partículas
atingindo os alvéolos pulmonares. Parte das partículas é retidas no muco e eliminadas pelos
movimentos ciliares e pela tosse. Outra parte dessas partículas atinge o pulmão, onde são
fagocitadas pelos macrófagos. O acúmulo excessivo de macrófagos com carvão provoca
uma coloração enegrecida nos pulmões, conhecida como antracose, podendo também
causar fibrose .
Saturnismo – A intoxicação pelo chumbo pode ocorrer em operários que trabalham nas
industrias de baterias elétricas, tintas, tipografias, etc. O chumbo se deposita
caracteristicamente na gengiva, na margem dental (linha de chumbo), depositando-se como
albuminato de chumbo. Também pode ocorrer deposição de chumbo nas extremidades
epifisárias dos ossos longos, visível radiograficamente.
Argirismo – Na intoxicação pela prata ocorre a coloração acinzentada da pele, devido à
formação de complexos de sais de prata com proteínas, principalmente ao nível da
membrana basal do epitélio. Esta intoxicação pode ocorrer em indivíduos que trabalham na
indústria fotográfica e radiográfica.
Fig. 13 – Antracose no interior do tecido pulmonar.
22. M. A. Sala – Lesão Celular 22
Tatuagens – As tatuagens representam exemplo de pigmentação exógena em que os
pigmentos são introduzidos propositalmente sob a pele. Ali, esses pigmentos são
fagocitados pelos macrófagos, sendo uma parte drenada pelos linfáticos, porém, a maior
parte permanece depositada no local.
Pode ocorrer um tipo específico de pigmentação da mucosa bucal devido à deposição de
óxidos metálicos, resultante da entrada de amalgama dental na submucosa durante
tratamentos odontológicos. A histologia revela deposição de material negro sobre fibras
colágenas, membrana basal ao redor dos vasos e nervos e no perimísio de músculos
esqueléticos.
Medicamentosa – Pacientes que tomam laxantes para constipação desenvolvem às vezes
coloração negra na mucosa do intestino grosso (melanosis coli). Histologicamente é visto
como um acúmulo de macrófagos carregados de pigmento de cor castanha-clara na lâmina
própria do cólon. Este pigmento é considerado uma forma de lipofuscina.
CALCIFICAÇÕES
As calcificações patológicas se referem à deposição de sais de cálcio nos tecidos moles e
não à formação de tecido ósseo. Isto ocorre numa série grande de circunstâncias e necessita
de uma interpretação apropriada para cada caso, inclusive mediante utilização de
colorações especiais podem identificar o cálcio nos tecidos.
São diferenciados dois tipos de calcificação patológica: a distrófica e a metastática.
Calcificação distrófica – A calcificação distrófica ou discrásica implica na existência
prévia de dano tecidual, degeneração ou necrose celular, o que favorece a deposição dos
sais de cálcio. A calcificação distrófica pode ser achada principalmente em tecidos com
necrose caseosa, gordurosa e, em menor freqüência, liquefativa, trombos, tecido de
granulação, etc.
O mecanismo de deposição de cálcio não é conhecido com certeza. Possivelmente a
alteração local do pH nos tecidos alterados parece ser importante. Outro mecanismo
possível é a liberação de íons fosfatos nos tecidos necrosados, o que, num meio ácido,
atuam como núcleos para deposição do cálcio. O cálcio se deposita em forma de massas
amorfas, de tamanhos variáveis, que se coram pela hematoxilina, num tom vinho.
23. M. A. Sala – Lesão Celular 23
Fig. 14 – Calcificação distrófica sobre tecido fibrosado.
Calcificação metastática – A calcificação metastática ocorre devido ao aumento dos níveis
de cálcio circulante (hipercalcemia), sobre tecidos normais ou alterados. Ocorre, portanto,
em situações onde há hipercalcemia: hiperparatireoidismo, hipervitaminose D, tumores
ósseos, doenças renais crônicas com retenção de fosfatos, etc.
O cálcio circulante aumentado, neste tipo de calcificação, se deposita naqueles tecidos com
meio ácido, como alvéolos pulmonares, parede gástrica, túbulos e interstício renais.
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