1) O luto é um processo natural e adaptativo de reação à perda de um ente querido, sendo caracterizado por diversas fases como o choque, negação, tristeza, raiva e reorganização.
2) A teoria da vinculação de Bowlby e Ainsworth mostra que os padrões de vínculo estabelecidos na infância influenciam a forma como as pessoas lidam com o luto na vida adulta.
3) A psicodinâmica de Freud descreve o luto como um processo de retirada da libido do objeto perd
1. A VIVÊNCIA DO LUTO NA VIDA ADULTA
Morte de um Filho
Ana Sofia Costa 21001430
Anabela Pereira 20094184
Gina Santos 20090046
Universidade Lusófona
Unidade Curricular: Psicologia Clínica
Mestre: Fátima Gameiro
1
2. Menino da Sua Mãe
No plaino abandonado Caiu-lhe da algibeira
Que a morna brisa aquece, A cigarreira breve.
De balas trespassado- Dera-lhe a mãe. Está inteira
Duas, de lado a lado-, E boa a cigarreira.
Jaz morto, e arrefece. Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Raia-lhe a farda o sangue.
Ponta a roçar o solo,
De braços estendidos,
A brancura embainhada
Alvo, louro, exangue,
De um lenço… deu-lho a criada
Fita com olhar langue
Velha que o trouxe ao colo.
E cego os céus perdidos.
Lá longe, em casa, há a prece:
Tão jovem! Que jovem era! “Que volte cedo, e bem!”
(agora que idade tem?) (Malhas que o Império tece!)
Filho único, a mãe lhe dera Jaz morto e apodrece
Um nome e o mantivera: O menino da sua mãe.
«O menino de sua mãe.»
Fernando Pessoa
2
3. P’ra falar de luto e morte
Dispensa-se a Introdução
Traduzem rutura e corte
Que levam à desrazão
O pensamento da morte é para muitos uma obsessão. A morte
está presente como pano de fundo das nossas angústias surdas
e no entanto, mesmo pensando nela frequentemente não
sabemos o que representa.
Na realidade vida e morte são irmãs, são ambas uma realidade
de uma única e mesma face. É o que nos mostra a mitologia da
humanidade, onde a deusa da vida é a irmã da rainha dos
infernos na mitologia da Babilónia.
A razão principal pela qual o homem se vira para as religiões é
precisamente a angústia da morte.
3
4. O Luto é preto ou é branco
A cor não está em questão
Não há cor que enxuge o pranto
Que inunda o coração
A separação definitiva de um ente querido é uma prova
avassaladora.
As diversas etapas apresentadas pelo luto são reações normais
cuja duração varia consoante a vivência do indivíduo e não são
obrigatoriamente patológicas.
As fases do luto são incontornáveis. Cada um passa por elas de
uma forma mais ou menos rápida. O luto pode durar um a dois
anos, mas por vezes anos a fio. Tudo depende da vinculação, da
história e da capacidade que cada um tem para reagir.
4
5. O Luto não é Normal
Não é justo nem é lógico
É um sofrimento brutal
Mesmo sem ser patológico
Os sintomas de um luto normal caracterizam-se por sentimentos
de raiva, tristeza, culpa, autorrecriminação, ansiedade, solidão,
fadiga, desamparo e choque.
Ao nível fisiológico, poderá sentir-se aperto no peito, nó na
garganta, vazio no estomago, falta de ar, fraqueza muscular,
falta de energia e despersonalização.
Mentalmente poderá surgir descrença, confusão, preocupação,
sensação da presença da pessoa que morreu podendo mesmo
surgir alucinações visuais ou auditivas.
No comportamento podem-se verificar distúrbios do sono e do
apetite, esquecimento, isolamento, sonhos, suspiros,
hiperatividade, choro, visita a lugares especiais, bem como o
transporte de um objeto que fomente a criação de memórias.
5
6. O inicio do luto é o choque
Que nos leva à negação
A tristeza e raiva dão o mote
P’ro equilíbrio e reorganização
Segundo Antunes & Patrocínio (2007), no decurso de
luto podem existir as seguintes fases:
Fase 1. Choque: caracteriza-se por uma fase muito curta.
Anuncia a rutura conduzindo a uma constatação. Aparentemente a
pessoa fica sem emoção, manifestando sentimentos de
incapacidade em conviver com a situação e até mesmo de não ser
capaz de lhe sobreviver.
Fase 2. Negação: não-aceitação da veracidade da informação,
para tal são utilizados inúmeros argumentos e contestações. A
rejeição dá lugar a uma discussão intrínseca ou/e extrínseca. Apesar
de breve esta fase é de extrema importância, uma vez que algumas
pessoas se fecham num estado de recusa que serve como refúgio,
nomeadamente preservando intacto o quarto do falecido ou
continuando a colocar o seu prato na mesa.
6
7. Fase 3. Tristeza e Raiva: início da adaptação psíquica, a
confrontação com os factos gera uma atitude de revolta, contra o
próprio ou contra os outros. Nesta fase a intensidade da raiva e revolta
pode ser variável consoante a maturidade efetiva da pessoa, o seu
pensamento alimenta-se de fortes contradições. A pessoa é
confrontada com um “sem-retorno”, situação que lhe proporcionará
emoções desagradáveis que inevitavelmente irão afetar o seu
equilíbrio. Convém salientar que estes sentimentos são naturais e que
a melhor forma de os superar é consciencialização da sua existência.
Fase 4. Equilíbrio: a ansiedade tende a diminuir quando se
adquire suporte emocional e quando se consciencializa a perda. A
compreensão da situação pode aumentar, sendo mais presumível uma
adequada adaptação. A perda é aceite e são guardados os bons
momentos, o indivíduo fica mais confiante em si e vê o futuro com
mais otimismo.
Fase 5. Reorganização emocional: A fragilidade inicialmente
demonstrada dá lugar a um sentimento de capacidade crescente para
enfrentar a situação. Segundo os autores, esta fase varia mediante a
intensidade e duração, algumas pessoas não conseguem desfazer-se
da fase de negação, originando de forma obsessiva comportamentos
desajustados. Outros ainda, poderão ficar cristalizados na tristeza,
deprimindo-se muito para além da morte. 7
8. Para se superar a dor
A melhor medicação
É o apoio da família
E a sua compreensão
As pessoas em processo de luto não o querem viver, recorrendo a
medicação antidepressiva.
A existir medicação, esta deverá ser prescrita para curtos períodos
de tempo e dirigida para a ansiedade e insónias.
A medicação antidepressiva tem consequências negativas, pois o
luto tem de ocorrer de forma normal apesar do enorme sofrimento
que possa causar.
O efeito da medicação só vai atrasar o processo e fazer com que a
pessoa não viva cada fase do luto de forma normal, suprimindo a
vivência das emoções mais negativas, dando a sensação que se
está a chegar à reorganização.
Parando a medicação as fases não vividas desencadeiam-se de
forma caótica, levando a pessoa a ter de recorrer a apoio
psicoterapêutico que a ajudará reviver assim todas as fases do luto
não vivenciadas
8
9. Se a perda de interesse e a tristeza
Vão para além do normal
É Luto Patológico de certeza
Pedir ajuda é vital
Segundo Rebelo (2006), existem várias formas de viver o luto
patológico:
O luto negado através da ausência das emoções normais de
tristeza e raiva, onde a pessoa nega a realidade
O luto por reações físicas, quando o enlutado vivencia o
mesmo tipo de reações físicas que o falecido sentia, sendo que
este comportamento é uma incorporação plena do ente querido
O luto com reações comportamentais desmedidas de angústia
e choro compulsivo irreprimível.
Podem surgir outros lutos patológicos, manifestados em
comportamentos psicóticos, em que o enlutado assume a
personagem do morto acreditando ser este, ou sente que está a
morrer da mesma forma que o falecido, ou ainda afirma ouvir e
ver o falecido constantemente no quotidiano.
9
10. Tipos de luto patológico (Rebelo,2006):
Luto esquizoparanóide, quando existem delírios e alucinações
auditivas
Luto depressivo, quando se prolongam, para além do normal, os
sentimentos de tristeza, insónia, perda de apetite e perda de
interesse
Luto obsessivo, quando ocorrem constantemente imagens,
pensamentos, causando ansiedade e mal-estar
Luto compulsivo, quando a pessoa se recusa a aceitar que o
outro faleceu e está constantemente a ver se este já chegou a casa
ou por exemplo o que lhe poderia contar assim que este chegasse
Luto maníaco, quando se vivencia um humor anormal,
persistente e irritável. Pode ocorrer a diminuição da necessidade de
dormir e surgir o discurso apressado ou a fuga de ideias.
Pode ainda verificar-se o aumento de atividades dirigidas para
determinado objetivos como por exemplo a igreja e o envolvimento
excessivo em atividades que possam trazer consequências
desagradáveis 10
11. Quando um filho te agarra a mão
Liga-te de forma sentida
Com amarras do coração
Que prendem p’ra toda a vida
A palavra vínculo, deriva do latim “vinculum” e significa união,
caracterizada como sendo uma ligação duradoura
A teoria da vinculação de Bowlby baseia-se numa perspetiva
evolucionista, que postula que quando alguém experiencia uma
perda significativa, a ansiedade desencadeia um comportamento
de cariz instintivo.
Esta teoria é baseada na origem e na natureza do amor, em que é
estabelecido o vínculo primário na relação entre mãe e filho, cuja
função principal, num contexto evolutivo, visa a sobrevivência do
indivíduo e acompanha-o desde o nascimento até à morte e resulta
da necessidade deste se sentir seguro e protegido
Para Bowlby, o que cria os laços afetivos entre os sujeitos, é a
familiaridade e a proximidade com as figuras parentais nos
primeiros tempos de vida e que são de vital importância para a sua
saúde mental futura
11
12. Mary Ainsworth ao definir os vínculos afetivos como seguros,
inseguros e ambivalentes, coloca os laços afetivos como uma forma
especial de vinculação a uma figura, sendo que a separação
inexplicável tenderia a causar estresse, e a separação permanente
causaria luto.
As formas de vinculação, ou o molde como os laços afetivos são
formados e mantidos entre pais e filhos podem ser correlacionados
com comportamentos face à perda na situação de luto. A forma como
se rompe o vínculo e os sentimentos vivenciados por rompê-lo, por
certo, está relacionada ao padrão de vínculo do enlutado, assim
como, ao padrão da relação que essas pessoas tinham antes da
morte.
A Teoria da Vinculação de Ainsworth e o uso dos padrões de vínculo
concederam um grande avanço ao estudo do rompimento desse
mesmo vínculo e à possibilidade de nomear e relacionar sentimentos
e atitudes relacionados à perda
12
13. Bowlby considera o luto como um processo adaptativo tanto nos
humanos como nos animais, sendo por isso um mecanismo
universal que se encontra em várias espécies.
Com base nas pesquisas de Darwin e de Lorenz, Bowlby infere que
a procura e o choro são comportamentos adaptativos desenvolvidos
para recuperar a figura de vinculação perdida. Como estes
mecanismos tiveram sucesso no reencontro com as figuras de
vínculo, eles perduraram como uma resposta involuntária e natural à
privação.
A resposta ao sofrimento oriundo da perda tem uma base biológica e
que essa mesma resposta se encontra presente nas mais diversas
culturas e espécies apesar de cada indivíduo ter uma forma
exclusiva e única de a manifestar
O luto caracteriza-se por padrões de comportamento como o
desinteresse e o atordoamento, a saudade e a busca da figura
perdida, a desorganização e o desespero e posteriormente uma
maior ou menor capacidade de reorganização
13
14. Diz a psicodinâmica
Que a líbido objetal
Sofre uma perda tirânica
Do vínculo libidinal
A teoria freudiana, do modelo psicodinâmico, explicativa do
processo de luto está direcionada para os processos
intrapsíquicos, associada à melancolia e ao afeto
Apesar de admitir que o luto espoleta sintomas físicos e
psicológicos aparentemente nocivos e doentios, insistiu no
caráter saudável do mesmo. Descreveu o luto como “um
processo emocional normal”, pois o luto efetuado por
determinada pessoa, mede o bem-estar que ela nos
proporcionava através da vinculação
Definiu o luto como uma reação à perda de um ente querido ou
à perda de uma abstração que ocupou o lugar desse ente
querido, nomeadamente o país, a liberdade ou um ideal
14
15. Freud caracterizou o luto como um estado depressivo que não
deve ser considerado como patologia, mas como uma etapa de
inibição do Ego que, geralmente se manifesta por um sentimento
doloroso motivado pela reação à perda do objeto libidinoso, até
que em determinado momento, o Ego fique novamente livre e
desinibido.
Esta etapa é caracterizada pela retirada de toda a libido das
ligações com o objeto amado perdido e pela eventual
transferência para outro objeto. Declara que “a perda de um filho
parece produzir uma ferida narcísica”.
Esta afirmação é o reconhecimento de que o investimento libidinal
no outro é o reflexo do investimento em si mesmo, através do
outro, ou seja, a ferida narcísica representa o reconhecimento de
que uma parte de si, investida no outro através da libido objetal se
perdeu com a perda do objeto.
Uma parte de si, que representa o narcisismo dos pais morre
junto com o objeto amado
15
16. No adulto já é pesado
Se perder pais ou avós
Mas morrer um filho amado
Torna o sofrimento atroz
O nascimento de um filho não se reduz à conceção, incluem-
se também, as motivações conscientes e inconscientes, como
o duradouro amor do casal, a continuação geracional e a
transmissão dos valores familiares e culturais. Os pais creem
que o filho lhes dê continuidade, vendo-o até como uma
extensão sua, com comportamentos e projetos semelhantes
(Sousa, 2003).
A morte de um filho é considerada a pior perda que os pais
podem sofrer, na medida em que é uma situação não
normativa que vai contra a ordem natural do ciclo vital. Para
além de se encerrar uma vida precocemente, é suposto que
os filhos morram depois dos seus progenitores, pois só assim
poderá existir uma continuidade biológica dos seus pais
(Silva, 2009).
16
17. A morte inesperada de um filho numa etapa precoce do ciclo de
vida é considerada a mais difícil de ultrapassar, na medida em que
deixa uma lacuna irreparável no núcleo familiar que dificilmente
será preenchida. Pode despedaçar o equilíbrio da família e deixar
os familiares vulneráveis aumentando o risco de dissolução
Quando um filho morre durante a vida dos seus pais, o futuro
interrompe-se. A morte de um filho acaba com o futuro, quer do
filho, quer dos pais. Quando a vida de um filho é interrompida, os
pais são violentamente afetados e sentem que perderam uma
parte de si. Perdem perspetivas num futuro em que projetaram os
seus sonhos e planos com grande investimento em amor, cuidado
e atenção
Os pais consideram o seu apego à dor como um ato de fidelidade
ao filho morto e o ceder ao passar do tempo como uma
deslealdade. Alguns pais passam a recear investir afetivamente
nos filhos sobrevivos pois têm receio de também os vir a perder, ou
têm uma reação inversa e passam a superprotegê-los motivados
pelo mesmo medo de os perder, experienciando assim,
sentimentos ambivalentes 17
18. A perda de um filho no Homem
Devasta e é doloroso
Abala a vida a um jovem
Derruba vida ao idoso
O impacto da morte de um filho numa pessoa idosa causa,
frequentemente, um sentimento de culpa por lhe sobreviver,
exacerbado pela dificuldade emocional em encarar a eminência da
sua morte.
Normalmente, num idoso, ocorrem alguns distúrbios relacionados
com o sono, alimentação e manifestações somáticas. É normal
sentirem falta de ar, falta de energia, insónia, alucinação e estados
de ansiedade. Em fases de relaxamento é normal os pensamentos
mais negativos surgirem provocando assim diferentes sensações
A dificuldade sentida pelo idoso em viver o processo de luto pode
dever-se à incapacidade de falar sobre o que sente e sobre a sua
perda. Geralmente estas pessoas poderão não assimilar tão bem a
perda como as mais novas, tudo depende da vida e das perdas
vivenciadas. O acompanhamento e a amizade das pessoas
queridas são fundamentais, pois na vivência do luto o principal
tratamento é a presença de pessoas, para que o idoso partilhe o
que sente. 18
19. Ver um filho a definhar
Só um fio o prende à vida
E não o poder amarrar
Para evitar a partida
No caso de uma doença fatal, o processo de luto dos pais
inicia-se no preciso momento em que lhes é comunicado o
diagnóstico
Durante o luto, os sentimentos de culpa por não terem dado a
real importância aos primeiros sintomas da doença, são
recorrentes, sentindo muitas vezes a necessidade de
responsabilizar terceiros e de se culpabilizarem a si mesmos
Durante a fase do luto, muitos pais exacerbam as suas
crenças pessoais sobre a morte e aumentam o sentimento de
religiosidade durante a doença e morte, passando a acreditar
que irão reencontrar o filho perdido, independentemente da
religião professada. Outros há que se revoltam com a religião
e passam a nutrir certo ressentimento em relação a Deus,
quer rejeitando-o, quer postulando a evidência que Ele não
existe
19
20. A intervenção junto destas famílias deve focar-se primeiramente
na sua adaptação e na atribuição de um significado à morte. Esta
adaptação é fundamental, por forma a se conseguirem criar
estratégias de coping adequadas à família. Nunca se deve
descurar a comunicação, seja na fase inicial da descoberta da
doença seja durante todo o processo de luto, esta é fundamental
para que todos se compreendam, sendo necessário expressar
verbalmente as emoções
Podem ser aplicados dois tipos de intervenção com os
progenitores, intervenção educacional ou de suporte ou uma
combinação das duas.
Na intervenção da educação deve-se trabalhar o controlo do
estresse e as atividades, focando o coping e a resolução de
problemas, educar para o manejo da dor.
Na intervenção de suporte deve-se focar como lidar com os
problemas de forma a possibilitar qualidade de vida e um maior
controlo quando exista sobrecarga emocional provocadas pelas
tarefas que competiam a cada um antes do desfecho fatal
20
21. É um sonho destroçado
P’ró descrever não há voz
Morre um filho desejado
E morre muito de nós
A perda de uma criança ”in útero” é vivenciada, pela mulher, de
igual modo à morte de um ente querido. Esta perda é vivida
com grandes dificuldades e com grande sofrimento emocional,
sendo necessário efetuar-se reajustes psicológicos, familiares e
individuais
É inevitável que, após a morte, se deprima e que se socorra de
mecanismos de defesa, como o luto normal. Fará forçosamente
o luto desse filho fantasiado que perdeu, revelando a sua dor,
angústia e até mesmo o seu sentimento de culpa, pois se na
perda do seu objeto amado, o luto estiver ausente será motivo
de preocupação. Só passando por uma situação de luto a
mulher poderá voltar a fantasiar e voltar a investir num novo
objeto de apego
Num estudo efetuado em 1987, concluiu-se que o significado
da perda por morte fetal, está correlacionado com desejo da
mulher em ser mãe e com o número de filhos já existentes. Os
estudos efetuados concluíram que as mulheres que cujas
gravidezes cessaram por morte fetal deprimiam-se menos,
21
durante o luto, se já tivessem filhos vivos
22. Quando surge um diagnóstico de mal formação ou de morte fetal, é
preciso haver uma coesão na intervenção da equipa multidisciplinar
para que o luto não decorra de forma patológica, devendo criar-se
condições que proporcionem um lugar calmo e seguro para que os
pais tenham a possibilidade de através da escuta empática
conseguirem projetar tudo o que sentem. Se o problema for uma
malformação do feto e for necessário provocar um aborto, é preciso
que estes possam exprimir tudo o que pensam e sentem de forma a
chegarem a uma tomada de decisão
conjunta, consciencializada, autónoma e realística a fim de evitar
acusações mútuas numa fase posterior.
Deve ser dedicada especial atenção à cultura, raça, religião e
valores do casal, pois cada um vive de forma especial o luto
É preciso explicar ao casal o processo do luto e as suas fases para
entenderem o que vão passar, bem como ajudá-los a reorganizar a
sua vida e as suas rotinas, atribuindo-lhes novos significados. É
fundamental restabelecer autonomia e segurança para
reencontrarem forças internas para assumirem o controlo e
incentiva-los a participar em terapias de grupo
22
23. Haja alguém que aos pais acuda
Se a vida perdeu a chama
Nada melhor que a ajuda
De quem viveu igual drama
Segundo Melo (2004), existem quatro tarefas essenciais na
terapia individual do luto:
Aceitar a realidade da perda, assim a primeira tarefa é
encarar que a pessoa morreu e que não irá voltar. Os funerais
e os rituais ajudam a encarar a perda.
Trabalhar a dor da perda, dor física, emocional e trabalhar
os comportamentos associados à perda.
Ajustar-se a um novo ambiente, funcionamento externo
onde as rotinas mudam, ajusta-se internamente onde se dá
um novo sentido ao self sem o outro e o ajustamento dos
valores, crenças e reflexões sobre o mundo.
Reconciliar-se com a pessoa falecida e prosseguir com a
sua vida.
23
24. Segundo a literatura, a terapia grupal é considerada uma das
melhores formas de superar a perda.
De acordo com Silva (2004), podem existir quatro tipos de grupos:
Grupo de tempo limitado em que existe um acompanhamento
de 6 a 8 semanas com um número fixo de participantes, sendo,
durante este tempo, vedada a entrada de outros elementos no
grupo
Grupo de apoio progressivo com encontros semanais ou
quinzenais, está sempre preparado para receber outras pessoas
que muitas vezes formam laços de amizade muito fortes
Grupo de apoio mensal, que aposta na intervenção
educacional, onde se colocam desafios aos seus elementos e
respetivos líderes
Grupos de autoajuda, criados por pessoas que já passaram por
processos de luto e que pretendem com as suas experiências
ajudar os outros.
24
25. Os grupos de entreajuda são uma forma de proporcionar aos pais
enlutados as manifestações de solidariedade que estes muitas
vezes procuram. A ajuda de outros através da escuta ativa, permite
aos pais enlutados expressarem o que sentem, terminando com a
solidão mental, partilhando sentimentos, dores e experiências,
recebendo a ajuda necessária para prosseguirem as suas vidas
“A Nossa Âncora”, fundada em 1996, é um grupo de entreajuda
português que tem como objetivo ajudar os pais em luto e as
famílias a regressarem a uma vida normal. Propõe-se apoiar os
pais enlutados prestando-lhes apoio psicológico, sociológico,
médico, psiquiátrico, religioso e jurídico, bem como administrar os
recursos necessários ao cumprimento dos seus objetivos,
promover formação pessoal, disponibilizar apoio moral e
informativo.
Os grupos têm um número limitado de participantes, entre 5 a 12.
Se os pais que chegam a esta instituição não estiverem ainda
preparados para participar em terapias grupais, receberão ajuda
individual. Esta instituição assenta num conjunto de normas e
regras para que tudo corra conforme o esperado
25
26. A morte de um filho destrói
Nem merece discussão
É uma realidade que dói
E nos retira a razão
A morte de alguém, nomeadamente de um filho é um momento
forte da vida pessoal, momento de rutura e de desordem que,
como nenhum outro deixará marcas indeléveis nos afetos, nas
emoções e nas vivências quotidianas
As perdas significativas ou traumáticas podem nunca ser
totalmente resolvidas. Para além disso, a adaptação não é
equivalente a uma resolução no sentido de ultrapassar
completamente e de uma vez por todas a perda. O luto e a
adaptação não têm um tempo fixo ou uma sequência linear
A aceitação partilhada da realidade da morte e experiência
partilhada da morte, bem como a reorganização do sistema
familiar e reinvestimento noutras relações e no seguimento da
vida, são fases fundamentais para promover a coesão e
ultrapassar com sucesso a fase do luto, na medida em que
partilhar o sofrimento e receber apoio na rede de suporte da
comunidade dos sobreviventes, é crucial para uma adaptação
bem-sucedida
26
27. Assim o luto deverá ocorrer de forma normal no tempo, permitindo
de forma saudável a restruturação do enlutado. O luto não é uma
doença. É preciso ter em conta se o enlutado pode ter uma
personalidade que leve ao patológico. É preciso uma avaliação das
circunstâncias em que o luto se torna patologia, é preciso uma boa
intervenção por parte de um psicólogo e psiquiatra
Quando se tem a capacidade de aceitar a realidade da perda, se
encara a forma de ajustamento a um novo ambiente e se encontra
um funcionamento externo onde as rotinas mudam, se consegue
trabalhar a dor da perda e existe uma reconciliação com a pessoa
falecida, começa a ser possível ao enlutado prosseguir com a sua
vida de forma normal, pensando no falecido com carinho e sem
dor.
A duração do processo varia mediante cada pessoa e sua forma
de encarar o luto mediante a vinculação com o falecido. O luto não
é um processo linear e é possível sofrer uma regressão para fases
anteriores durante o processo, por vezes despoletada por
situações, imagens, entre outros
27
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