1. TESE DE DOUTORADO
Catálise Assimétrica Heterogênea. Preparação
de alfa-N-acilamino ácidos e de alfa-N-acilamino
amidas
Ricardo Hernández Valdés
Tutores:
Dr.
Octavio
Augusto
Ceva
Antunes
Dr.
Donato
Alexandre
Gomes
Aranda
Setembro 2003
2. 2
1. Introdução.
Durante muitos anos o homem tem observado a natureza e aproveitado
os compostos e produtos que ela oferece na sua forma natural, ou após
transformações químicas. A maioria das moléculas que se encontram na
natureza (aminoácidos, carboidratos, hormônios, proteínas e ácidos nucleícos,
dentre outros) são óticamente ativos e usualmente existem como arranjos
moleculares definidos.
Os aminoácidos são os blocos de construção fundamentais na química
da vida; através destes são formadas as proteínas que são macromoléculas
presentes em todas as células vivas. A seqüência dos aminoácidos numa
proteína influencia suas propriedades estruturais e funcionais desta que
constitui o núcleo central de toda atividade celular. Somente 20 aminoácidos
são preparados biosintéticamente por muitos organismos vivos e são
considerados aminoácidos naturais, embora recentemente tenha sido isolado o
amino ácido 21, a p-aminofenilalanina, (LIFE SCIENCE NETWORK, 2003) via
engenharia genética a partir de uma bactéria.
A obtenção de compostos enantiomericamente puros é um propósito
urgente devido, fundamentalmente, a sua grande importância no
desenvolvimento de novos compostos, e.g. fármacos, agroquímicos e
substâncias intermediárias muito uteis em síntese orgânica. Diferentes
métodos existem para a preparação de compostos óticamente ativos e dentre
eles a hidrogenação catalítica assimétrica ocupa um lugar de destaque.
A questão hoje não é somente como preparar estes compostos de forma
pura em escala de laboratório mas, também, como prepará-los de forma
economicamente viável industrialmente.
A tecnología dos processos quirais é um termo que envolve uma grande
variedade de técnicas empregadas na produção de compostos puros
óticamente. O domínio destas técnicas não só permite sua aplicação na
industria farmacéutica, como também em processos bioquímicos e em outras
3. 3
áreas de interesse. Os químicos sintéticos têm descoberto uma variedade de
métodos para complementar os processos biológicos e de síntese de
compostos quirais. Existem, básicamente, 3 princípios para introduzir
quiralidade na preparação de qualquer molécula (esquema 1).
COMPOSTOS
QUIRAIS
RESOLUÇÃO
QUÍMICA
FÍSICA
ENZIMÁTICA
AMPLIFICAÇÃO QUIRAL
“POOL” QUIRAL SÍNTESE AMPLIFICAÇÃO QUIRAL
AUXILIARES QUIRAIS
CATÁLISE QUIRAL
ENZIMAS
SÍNTESE
ASSIMÉTRICA
Esquema 1. Métodos para a produção de compostos quirais.
RACEMATOS
COMPOSTOS
PRÓ-QUIRAIS
• Nos métodos de resolução quiral, o precursor está como mistura ou
racemato (R,S ou D,L) e o enantiômero desejado pode ser separado vía
métodos físicos (cristalização, CLAE quiral), métodos químicos (adição
de reagente quiral) ou vía enzimática. Em muitos casos, é um processo
bastante simples, mas na maioria das vezes mais do que 50% do
produto é jogado fora.
• Uma grande variedade de materiais de partida se encontram disponíveis
no que se denomina “pool” quiral, ou seja o material de partida possui a
configuração requerida a qual vai ser mantida ao longo de qualquer
transformação ou síntese posterior para produzir o composto quiral
desejado.
• A técnica mais ambiciosa é a preparação de compostos quirais através
de materiais de partida pró-quirais utilizando a síntese assimétrica com
catalisadores quirais. Nesta área da química, nos últimos anos, se
4. 4
concentram as atenções do estudo de diferentes reações tanto no setor
académico como industrial. (BECK 2002, p. 838)
Este trabalho pretende fazer uma revisão da literatura sobre a
preparação de aminoácidos e sobretudo dar ênfase na catálise heterogênea
com a utilização de catalisadores metálicos suportados em materiais porosos
como alumina e carvão, assim como a utilização de modificadores quirais como
os alcalóides da cinchona na indução assimétrica.
O trabalho está estruturalmente dividido em seis partes. A primeira parte
introdutória reune uma série de informações sobre catálise assimétrica, os
processos de hidrogenação catalítica heterogênea, uma revisão recente sobre
a hidrogenação do piruvato de etila tomado como substrato padrão do
processo de hidrogenação heterogêneo e uma pequena revisão sobre o
processo de indução diastereosseletiva. A segunda parte focalizará os
objetivos do trabalho. A parte subsequente resume os resultados experimentais
e a caracterização dos produtos preparados. A quarta parte refere-se à
discussão dos resultados obtidos, que inclui a aplicação prática da catálise
assimétrica heterogênea na produção da L-Dopa, amino ácido importante no
tratamento do mal de Parkinson. Finalmente, os resultados em forma de
conclusões do trabalho. Na parte final, são apresentadas as referências
bibliográficas e os espectros correspondentes da caracterização dos produtos
no capítulo de anexos.
5. 5
2. Revisão Bibliográfica.
2.1. Origem da vida.
Poderiam as moléculas orgânicas ter evoluido em lugares diferentes do
universo, de forma tão elaborada quanto na Terra? Poderiam os blocos de
construção orgânica simples para a vida terem vindo para a Terra embutidos
em meteoritos de outras esferas do espaço? Como surgiu e multiplicou-se a
atividade ótica, diga-se quiralidade, no planeta? Estas questões, e muitas
outras, são motivo de pesquisas atuais interessantes.
A origem dos seres vivos intriga o homem desde que o fenômeno da
vida ganhou, no século XIX, uma ciência inteiramente dedicada a ele, a
biologia. O estudo dessa questão baseou-se, por muito tempo, na idéia de que
a vida teria surgido a partir de ‘moléculas precursoras’, sejam elas proteínas ou
ácidos nucléicos (ADN/ARN). O dilema tem sido abordado através de
diferentes linhas de pesquisas hoje em dia. (ANDRADE, SILVA 2003, p. 16)
Varias teorias são tratadas atualmente para dar uma explicação aceitável sobre
a origem da vida e a maioria delas está relacionada a quiralidade.
2.1.2. Quiralidade.
Muitos compostos biologicamente ativos, como fármacos, agroquímicos,
aromas e fragrâncias e, também, materiais avançados como os cristais líquidos
são indispensáveis em nossa vida diária. A maioria das respostas biológicas e
funções físicas geradas por estas moléculas-chaves se origina do
reconhecimento molecular e específico. Portanto, a preparação de substâncias
óticamente ativas constitui uma tarefa desafiadora para os químicos sintéticos.
A síntese de tais compostos vitais se sustenta sobre a base de blocos quirais
de construção, os quais devem ser dotados de funcionalidade satisfatória,
configuração, e rigidez conformacional ou flexibilidade para produzir a
estereosseletividade desejada em determinada molécula.
6. 6
A vida, do ponto de vista biológico estrutural, está baseada na existência
de aminoácidos de configuração –L e açúcares de configuração –D. O
reconhecimento molecular está relacionado, fundamentalmente, a capacidade
das bio-moléculas biológicas em distinguir dentre dois enantiômeros
específicos; isômeros que representam as imagens especulares não
superponíveis um do outro. A quiralidade é, portanto, um aspecto fundamental
na química biológica e de importância vital na farmacologia (Figura 1).
Figura 1. Exemplo de enantiômeros, moléculas de imagem especular.
Os enantiômeros são molèculas quirais. O termo quiral vem da palavra
grega “cheiros”, que significa mão.
Nos sistemas biológicos as enzimas e os sítios receptores têm a
capacidade de diferenciar entre dois enantiômeros de um composto através de
ligações diferenciadas, e desta forma, produzir respostas biológicas diferentes.
Por exemplo, durante muitos anos a talidomida (Figura 2) foi administrada a
mulheres grávidas na forma de racemato. Entretanto, o isômero R é um
sedativo que alivia mal estar matinaies como naúseas e vômito, o isômero S é
um agente teratogênico que produz teratogenia.
7. 7
NH
H
O O
O
N
O NH
H
O O
O
N
O
R (+) talidomida
Hipnótico
S (-) talidomida
Teratogénico
Figura 2. Estrutura dos enantiômeros da talidomida.
A tragédia do fármaco talidomida levou a retirada deste medicamento do
mercado e a incrementar as exigências no estudo das propriedades biológicas
dos enantiômeros e do racemato. Em 1992 a FDA regulamentou a venda de
racematos exigindo que, para se registrar um novo fármaco, seja necessário
realizar estudos correspondentes com os enantiômeros puros. (CENTER FOR
DRUG EVALUATION AND RESEARCH 2003)
A origem da quiralidade preocupou pesquisadores como Louis Pasteur
que em 1848 separou cristais de um sal do ácido tartárico racêmico e
demonstrou que a atividade ótica observada é resultado da assimetria
molecular correspondente, ou seja, à presença de duas moléculas de formas
cristalinas e com orientação oposta. Ele percebeu que a assimetria molecular,
a presença de somente uma das duas formas moleculares (enantiômeros), é
geralmente característica dos organismos vivos. (FARLEY, GEISON 1974, p.
161)
Em 1846, com a descoberta de Faraday sobre a rotação do plano de
polarização de um raio de luz (linearmente polarizado) sob aplicação de um
campo magnético paralelo à direção do feixe luminoso, foi mostrado
conclusivamente, a relação estreita entre o eletromagnetismo e a luz, e
juntamente com a atividade ótica natural, descoberta 3 décadas antes, originou
uma seria confusão entre muitos cientistas sobre a diferença entre rotação
ótica magnética e rotação ótica natural em fluidos e certos cristais em solução.
(BARRON 2000, p. 895)
8. 8
Apesar disto, Pasteur tentou induzir excesso enantiomérico em cristais
pelo seu crescimento sob aplicação de um campo magnético. (MASON 1984,
p. 19) Embora seus resultados tenham sido negativos, ele atribuiu a existência
de uma força externa assimétrica de origem natural que levasse a tal
assimetria molecular e neste sentido considerou a luz circularmente polarizada
como uma das forças assimétricas importantes. (CRONIN, PIZZARELLO 1999,
p. 293). Isto poderia explicar bem a fonte de homoquiralidade (presença de
unidades monoméricas com a mesma configuração numa molécula polimérica)
na vida, mas para isso era necessário realizar experimentos que
comprovassem tal consideração.
2.1.3. Principais fontes de quiralidade.
Existem duas teorias propostas para explicar a origem da quiralidade na
vida: biótica e abiótica. Em relação à primeira, a vida foi inicialmente baseada
em moléculas não quirais e/ou racematos e o uso de enantiômeros específicos
veio através da evolução. A segunda teoria propõe a quiralidade como inerente
à evolução química. (BONNER et al. 1981, p. 119)
A segunda teoria tem encontrado explicações razoáveis. Dentre elas, a
indução de quiralidade pode ter sido originada no espaço cósmico, pela ação
da luz circularmente polarizada. Esta poderia ter certo efeito sobre a simetria
molecular, descrita por Pasteur, em determinadas moléculas. Ou seja, no início
da formação do planeta, a ação específica sobre o acúmulo de matéria
orgânica, seja aminoácidos, compostos quirais, pó cósmico, meteoritos e
outros materiais vindo do espaço interestelar, provavelmente, propiciou um
pequeno excesso enantiomérico (ee) suficiente para amplificação por evolução
química futura. (CRONIN, PIZZARELLO 1999, p. 297)
Rubinstein et al. propuseram (RUBINSTEIN et al. 1983, p. 118), com
base nos experimentos e análise de Louis Pasteur, que a ruptura da simetria
pode ser explicada no contexto astrofísico através da luz circularmente
polarizada. Esta pode ser emitida por um nêutron estelar que permitiria tanto a
9. 9
síntese preferencial como a degradação de enantiômeros específicos de
compostos quirais em nuvens moleculares ou em corpos planetários primitivos.
Esta hipótese permitiu a busca de excessos enantioméricos em aminoácidos
presentes em “carbonaceous chondrites” (condritos carbonáceos), uma rara
classe de meteoritos enriquecidos de carbono que possuem informações vitais
para a evolução de compostos orgânicos em nosso sistema solar, prévios a
origem da vida. (CRONIN, COOPER, PIZZARELLO 1995, p. 92) Isto já havia
sido comprovado em trabalhos anteriores com meteoritos Murchison
(KVENVOLDEN et al. 1970, p. 923) e que deram os mesmos resultados em
meteoritos Murray, (LAWLESS et al. 1971, p. 626) um ligeiro ee em alguns
aminoácidos como alanina, prolina, ácido glutâmico, leucina e ácido aspártico,
favorecendo o isômero –L.
Outros estudos realizados com estes meteoritos permitiram observar
que também existe um pequeno ee (7-9%) para os pares de enantiômeros dos
ácidos 2-amino-2,3-dimetilpentanóico, 2-amino-2-metilbutanóico (Isovalina) e 2-
amino-2-metilpentanóico. (CRONIN, PIZZARELLO 1999, p. 294) Estes
resultados sustentam, portanto, a segunda teoria.
Segundo Cronin et al., a formação dos aminoácidos meteoríticos tem
sido vista como um processo em duas etapas, aonde os precursores (aldeídos,
cetonas, HCN e amônia) foram formados na nuvem pré-solar e, após
incorporação ao gelo, fontes primitivas voláteis enriquecidas destes compostos
experimentaram reações de Strecker durante o seu processamento aquoso.
(CRONIN, COOPER, PIZZARELLO 1995, p. 94)
Embora os α-metil aminoácidos não tenham importância na bioquímica
terrestre, são considerados importantes na origem da vida. Eles foram
encontrados em abundancia em “carbonaceous chondrite” e através da sua
presença pode-se explicar muito bem a amplificação de seu ee. Por exemplo, a
polimerização acompanhada pela formação de estruturas secundárias
regulares, α-hélices e β-folhas, tem mostrado ser uma forma efetiva para
amplificar o modesto e inicial ee. (BONNER et al. 1981, p. 119; BRACK,
10. 10
SPACH 1981, p. 135) Uma forte indução a dobra hélice e efeitos estabilizantes
foram observados nos α-metil aminoácidos. (FORMAGGIO et al. 1995, p. 6)
Outra explicação bastante coerente surgiu no ano 1982. Wagnière e
Meier predisseram (WAGNIÈRE, MEIER 1982, p. 78) que a luz poderia ser
absorvida ligeira e diferentemente através de uma solução de moléculas quirais
quando o feixe luminoso viaja em paralelo ou antiparalelo à direção de um
campo magnético estático aplicado. Esta pequena diferença na absorção seria
completamente independente do estado de polarização da luz e poderia
funcionar com luz não polarizada. O fenômeno foi denominado dicroísmo
magneto-quiral (figura 3). (BARRON 2000, p. 896) A existência deste efeito é
importante para o entendimento das interações fundamentais entre a luz e a
matéria e também para a espectroscopia molecular.
Figura 3. Dicroísmo magneto-quiral. (B(J)=campo magnético paralelo, B(E)=campo
magnético antiparalelo; ε=coeficiente de absorção)
Este fenômeno foi realmente observado no ano 1997 por Rikken e
Raupach através de medições de intensidade luminosa em complexos de
tris(3-trifluoroacetil-±canforato) de európio (III) na forma de racemato.
(Eu((±)tfc)3). Estes complexos em solução mostraram um considerável
dicroísmo magnético circular e, portanto, foram considerados como fortes
candidatos a apresentar um significante efeito magneto-quiral. (RIKKEN e
RAUPACH 1997, p. 493) O experimento propriamente dito foi realizado
fazendo medições da diferença na intensidade de luminescência nas direções
paralela e antiparalela ao campo magnético aplicado B. A sensibilidade foi
incrementada por alternância do campo magnético e a diferença de intensidade
11. 11
foi medida através de métodos de detecção apropriados. O valor resultante é o
fator de anisotropia magneto-quiral g, definido pela fórmula:
( Ι Ι
)
Ι Ι
− Β
ˆ ˆ ˆ ˆ
Β↑↑Κ Β↑↓Κ
+
Β↑↑Κ Β↑↓Κ
∂
∂Β
=
ˆ ˆ ˆ ˆ
g
aonde I é a intensidade luminosa, B(J)=campo magnético paralelo,
B(E)=campo magnético antiparalelo e k=vetor de onda da luz. O valor de g
será então de sinal oposto para cada enantiômero.
Com estes resultados Rikken e Raupach assumiram, por relações entre
os coeficientes de Einstein nos processos radioativos, que se existe anisotropia
magneto-quiral na emissão, automaticamente existe na absorção.
Estudos posteriores foram realizados por eles utilizando o racemato de
complexos de Cr(III), onde o efeito magneto-quiral foi empregado na produção
favorável de um dos enantiômeros numa reação fotoquímica. O complexo de
trisoxalato de Cr(III) é instável em solução e, de forma espontânea, se dissocia
e re-associa. Portanto, no equilíbrio existem concentrações iguais de cada
enantiômero, –R ou –S, respectivamente. O processo dissociativo é acelerado
pela absorção da luz não polarizada. Desta forma, a aplicação de um campo
magnético paralelo ao feixe luminoso induziu um aumento na concentração de
um enantiômero evidenciado pela manutenção do pequeno ee, entretanto
quando foi alternada a direção do campo magnético se obteve uma
concentração igual ao enantiômero oposto. (RIKKEN, RAUPACH 2000, p. 933)
Este estudo, em particular, confirmou a necessidade de uma nova definição de
quiralidade, diferente aquela postulada por Lord Kelvin (BARRON 2000, p. 896)
e baseada unicamente na reflexão especular, para incluir a inversão no tempo.
Assim, esta definição prediz uma base rigorosa das características
fundamentais que um campo físico externo deve possuir para induzir
enantioseleção absoluta em qualquer circunstância.
12. 12
Segundo Barron (BARRON 2000, p. 896), em relação a esta nova
definição o dicroísmo magneto-quiral possui verdadeira quiralidade e, junto
com a luz circularmente polarizada e as interações eletrônicas fracas, é capaz
de induzir absoluta enantioseleção. Estas são atualmente as explicações mais
favoráveis para a homoquiralidade da vida.
Embora, estas bases teóricas e experimentais estejam bastante sólidas
ainda existem dúvidas relacionadas ao surgimento e evolução de moléculas
complexas nos inícios da formação do planeta. A origem de moléculas
poliméricas como o ADN, constituído por unidades monoméricas quirais, pode
encontrar explicação através destas teorias. Em particular, desde que foi
comprovada a existência de alguns aminoácidos apresentando um ligeiro ee (–
L), a formação das unidades monoméricas encontra uma explicação lógica
através da teoria abiótica.
Por outro lado, apesar de Cronin et al. terem determinado a presença de
aminoácidos em alguns meteoritos (encontrados na Australia) para elaborar ou
explicar a possível preferência de um enantiômero, recentes estudos realizados
em outro meteorito, caido no Lago Tagish no Canadá e do mesmo tipo
“carbonaceous chondrite”, revelaram a ausência desses aminoácidos.
(MULLEN 2001) Realmente, poucos meteoritos têm sido estudados em detalhe
e, portanto, pouca informação tem sido coletada até hoje para concluir sobre a
origem verdadeira da quiralidade na vida.
Enquanto isso se debate no marco da teoria da evolução e a origem da
vida nós pretendemos enfocar nosso trabalho na preparação de aminoácidos
não naturais.
13. 13
2.2. Aminoácidos.
Os aminoácidos são substâncias importantes para várias funções
biológicas de cada organismo vivo. Eles estão presentes nas cadeias
peptídicas que formam as proteínas. Dos 20 aminoácidos naturais que existem
e formam parte de aproximadamente 50,000-100,000 proteínas no corpo
humano, 9 deles são considerados essenciais (importantes em diferentes
funções biológicas), são eles: fenilalanina, histidina, isoleucina, leucina, lisina,
metionina, treonina, triptofano e valina. (GREENSTEIN, WINITZ 1961, p. 299)
Estes podem ser encontrados em fontes alimenticias como aves domésticas,
ovos, leite, queijo, carne, iogurt, soja e peixe. Estes alimentos são
considerados proteínas completas. Os restantes aminoácidos incluem o ácido
aspártico, ácido glutâmico, alanina, arginina, asparagina, cisteína, glicina,
glutamina, prolina, serina e tirosina (Anexo 1).
Muitos destes aminoácidos tem sido isolados como componentes das
proteínas desde há muito tempo. A leucina foi isolada do trigo fermentado e da
caseína por Proust no ano 1819. A tirosina foi isolada por Liebig em 1846 a
partir de um hidrolizado alcalino de chifre de vaca. Mas, a asparagina foi o
primeiro composto natural desta classe reconhecido como amino ácido 80 anos
após o seu isolamento. Este amino ácido foi isolado por cristalização do
Asparagus por Vaquelin e Robiquet no ano 1806. (WIELAND 1995, p. 2)
Os primeiros estudos sintéticos com aminoácidos começaram no ano
1882 quando Theodor Curtius utilizou a glicina, na forma de glicinato de prata,
e a fez reagir com cloreto de benzoila para produzir ácido hipúrico (N-benzoil
glicina) e outros produtos que ele caracterizou como benzoilglicilglicina e
benzoilhexaglicina. Curtius também inventou o procedimento de esterificação
de aminoácidos em etanol e ácido clorídrico e observou a fácil formação da
dicetopiperazina e ésteres poliméricos da glicina. (WIELAND 1995, p. 3)
Consequentemente, os compostos naturais que possuem na estrutura
unidades destes aminoácidos encontram grande utilidade tanto na indústria
14. 14
farmacêutica como na agricultura. Também, outras áreas como a química
orgânica e a catálise utilizam os aminoácidos como fonte de matéria prima
quiral na síntese assimétrica. Atualmente a síntese orgânica está relacionada à
preparação e isolamento de diferentes derivados de aminoácidos,
considerando que muitos deles possuem notáveis propriedades
conformacionais e farmacológicas tanto como amino ácido livre ou como
unidade monomérica de peptídios bioativos.
A luta para controlar as enfermidades infecciosas é uma das guerras
mais antigas que registra a história da humanidade. Milhões de pessoas têm
sucumbido face a agentes microscópicos que se reproduzem e evoluem a uma
velocidade impressionante. Antes de começar o século XX, a metade das
mortes se deviam a epidemias de tuberculose, meningite, pneumonia, peste
bubônica e malária. Não obstante, o vertiginoso desenvolvimento científico do
presente século tem permitido frear um número importante destas pragas. A
AIDS, que tem o HIV como agente etiológico, foi identificada há pouco mais de
vinte anos mas a escala da epidemia continua aumentando em relação à
década passada.
Dentre os compostos ou fármacos que possuem resíduos de
aminoácidos em sua estrutura encontramos os inibidores de protease do HIV-1.
Os inibidores de protease desenvolvidos até hoje na terapia anti-AIDS
possuem diferentes resíduos de aminoácidos, que podem ser adequados ou
não à interação com a enzima nas posições ou sítios catalíticos. Os inibidores
já comercializados, (anexo 2) como o Saquinavir (Ro 31-8959, Invirase®),
Ritonavir (ABT-538, Norvir®), Amprenavir (VX-478, Agenerase®) e o Lopinavir
(ABT-378, Kalera®) possuem todos um resíduo de fenilalanina (Phe). Embora
todos eles, incluindo o Indinavir (MK-639, Crixivan®) e o Nelfinavir (Ag-1343,
Viracept®), apresentem unidades de hidroxietileno, onde a configuração das
hidroxilas é fundamental para atividade inibitória, a presença de resíduos de
aminoácidos é importante na interação com a enzima, figura 4. (PEÇANHA,
ANTUNES, TANURI 2002, p. 1113)
15. 15
O
S N
S
N
CH3
H C 3
N NH
N H
NH
O
CH3
O OH
O
CH3 H3C
N
OH
N
N H
NH
O
NH2
O
O
O NH
Val Phe
Ritonavir
Asn Phe
Saquinavir
Figura 4. Estruturas dos inibidores de protease e resíduos de aminoácidos presentes.
Muitos métodos de preparação de aminoácidos estão estreitamente
relacionados à síntese de peptídeos. A obtenção destas moléculas passa
necessariamente pela preparação dos aminoácidos que constituem as
unidades monoméricas. Varios nomes de destacados pesquisadores, além de
Curtius, se relacionam à síntese de peptídeos e, portanto, à preparação de
aminoácidos.
Desta forma podemos encontrar os métodos realizados por Emil Fischer
e Max Bergman. Ambos cientistas estudaram o processo de derivatização de
aminoácidos. Fischer descreveu a hidrólise ácida da 2,5-dicetopiperazina para
obter o correspondente dipeptídeo (GREENSTEIN, WINITZ 1961, p. 287)
enquanto Bergmann relatou em 1926 um novo principio de síntese de
peptídeos que envolve a abertura do anel da azalactona por um amino ácido na
presença de uma base. (WIELAND 1995, p. 10) A azalactona pode ser
preparada facilmente pela reação de Erlenmeyer (ERLENMEYER, FRÜSTUCK
1894, p. 41) a partir da N-acilglicina e um aldeído aromático (Figura 5).
16. 16
Z-HN
HOOC R
CHO
+
N
O
O
R
Z
N-acilglicina Azalactona
H2N
HOOC
R'
O
NHCOZ
ReaÁ„ o de Erlenmeyer.
R
NH
R'
COOH
O
NHCOZ
R
NH
R'
COOH
Pt/H2
Figura 5. Síntese de Bergmann via formação de azalactona de Erlenmeyer. (Z=grupo
protetor)
Outros métodos (DUTHALER 1994, p. 1540), como a síntese de
Strecker (DAVIS, REDDY, PORTONOVO 1994, p. 9351), são encontrados na
literatura para a preparação de aminoácidos. No método de Strecker se realiza
o tratamento de um aldeído com amônia e cianeto de potássio para produzir
uma α-aminonitrila que após hidrólise ácida do grupamento nitrila é
transformada no α-amino ácido correspondente (Figura 6).
R
O
H R
NH2
CN
H+
R
NH2
COOH
Cl H2O
α-aminonitrila α-amino ácido
KCN
NH
4
Figura 6. Preparação de α−aminoácidos via síntese de Strecker.
A reação de Erlenmeyer de formação da azalactona (Figura 5) é
considerada uma reação bastante útil na preparação de aminoácidos devido à
baixa toxicidade dos reagentes ou materiais de partida utilizados em
comparação àquelas usados na síntese de Strecker. Após abertura do anel
oxazolônico da azalactona é produzido o correspondente desidroamino ácido, o
17. 17
qual é transformado em α-amino ácido via hidrogenação catalítica homogênea
ou heterogênea (Figura 7).
N
O
O
R
Z
COOH
NHCO-Z
Azalactona R
N-acilamino · cido
H2
COOH
NHCO-Z
R
HCl
COOH
NH2
R
α-amino · cido
HidrÛlise
N-acil desidroamino · cido
Figura 7. Hidrólise da azalactona. Obtenção de α-aminoácidos.
A síntese ideal de um amino ácido, é claro, seria aquela que produzisse
o L-amino ácido de ocorrência natural. E isto pode ser alcançado, hoje em dia,
através da catálise assimétrica, ou seja, com o uso de catalisadores ou
reagentes quirais. De todas as reações existentes hoje, aquelas que envolvem
quantidades mínimas de ligantes quirais (reações catalíticas assimétricas) são
geralmente as de preferência.
2.3. Catálise Assimétrica.
A catálise é um pilar fundamental da química ambiental, do desenho de
produtos químicos e processos que permitam eliminar a produção de
substâncias indesejáveis. Muitos exemplos existem na literatura que se referem
à catálise como processo que oferece grandes vantagens econômicas, de
beneficio a saúde humana e ao meio ambiente. Varias reações podem ser
destacadas nas quais a catálise serve como uma ferramenta de prevenção à
polução ambiental e na preparação de componentes substituintes de
indispensável valor industrial. (CORMA et al. 1998 p. 315) Mais de 90% dos
processos industriais utilizam a catálise. Consequentemente, o amplo uso de
18. 18
processos catalíticos pela indústria reflete os beneficios econômicos e
ambientais através dela. (ANASTAS, KIRCHHOFF, WILLIAMSOM 2001, p. 8)
Por exemplo, a biocatálise em química orgânica combinada com a
catálise heterogênea permitiu utilizar a bactéria E. Coli1 na transformação da D-glucose
em ácido cis,cis-mucônico que, por hidrogenação com
platina/hidrogênio a 50 psi, produz o ácido adípico, monômero importante na
preparação do nylon-6,6. (Figura 8). Este processo substituiu o método
tradicional que utiliza benzeno (carcinogênico), sob altas temperaturas e
pressões além de levar a formação do gás de estufa, CO2, como produto
colateral. (ANASTAS, KIRCHHOFF, WILLIAMSOM 2001, p. 6)
O
OH
OH
OH
OH OH
CO2H
O
OH
OH
HO2C
CO2H
HO2C
CO2H
E. coli E. coli Pt/ H2
50 psi
D-glucosa 3-deidroshiquimato Ácido cis, cis
mucónico
Ácido adípico
Figura 8. Síntese biocatalítica do ácido adípico.
Ao falarmos de catálise temos necessariamente que fazer alguns
comentários históricos e interessantes relacionados ao surgimento do conceito.
No século XIX, as contribuições de Berzelius, Faraday, Davy,
Döbereiner, Dulong, Thénard, Philips, Ostwald, Henry, Wilhelmy e Kuhlmam
estiveram relacionadas ao desenvolvimento da catálise, sendo o conceito
atribuído a Berzelius.
Em 1835, Berzelius notou que uma série de observações isoladas,
realizadas por vários pesquisadores no inicio do século, poderiam ser
resumidas em termos do que ele chamou “poder catalítico”. O conceito de
catálise foi definido por ele como “a capacidade de uma substância para
1 Cepa não virulenta, manipulada por engenharia genética da Klebsiella pneumoniae.
19. 19
estimular afinidades, as quais estão inativas a uma determinada temperatura,
pela sua simples presença e não pela sua própria afinidade.” Muitas foram as
investigações feitas nesse período. Kirchhof estudou a conversão de amido à
açúcar pela ação de ácido, Thénard realizou a decomposição de peróxido de
hidrogênio por metais e Davy descobriu que quando a platina é completamente
molhada em conhaque ocorre a conversão de álcool etílico a ácido acético.
Outros experimentos foram realizados na época por Priestley, Döbereiner,
Dulong, Payen e Persoz que junto com Thénard mostraram como a amônia se
decompõe quando é passada através de um tubo de porcelana incandescente,
na presença de ferro, cobre, plata, ouro ou platina. (ROBERTS 2000, p. 1)
Antes que Berzelius definisse o conceito de catálise outro pesquisador
realizou uma contribução importante. Mitscherlich, no ano 1833, resumiu as
reações onde tinha ocorrido contato de substâncias. Estas incluem a formação
de éter, a oxidação do etanol a ácido acético, a fermentação do açúcar e a
formação de eteno a partir do etanol por aquecimento. Mas, foi Berzelius que
sem ter realizado pesquisas sobre catálise, sistematizou esta área da química
como havia feito com o conceito de isomerismo, descrevendo o conceito de
catálise através do relato de fenômenos que outros observaram. (ROBERTS
2000, p. 3)
Posteriormente, no ano 1895, Ostwald (premio Nobel 1909) introduziu o
conceito de velocidade de reação como critério de um processo catalítico. Ele
definiu, “catalisadores são substâncias que mudam a velocidade de uma
reação sem modificação dos fatores de energia da reação.” (ROBERTS 2000,
p. 4)
Desde aqueles anos até hoje, a catálise está relacionado,
fundamentalmente, aos processos industriais heterogêneos e muitos deles
como o processo de síntese e oxidação de amônia, que foi considerado um
grande triunfo da física moderna e engenharia química, a síntese de Fischer-
Tropsch e a hidrogenação catalítica, dominaram o cenário dos anos 1860-
1940. (ROBERTS 2000, p. 5) Após a descoberta, nos anos 1940, de jazidas
20. 20
ricas em petróleo na Arabia Saudita, a catálise esteve envolvida em aplicações
tecnológicas fundamentalmente relacionadas à produção de detergentes,
alquilação e isomerização de parafinas para a obtenção de combustível de
aviação. Outros processos como o craqueamento do petróleo também foram
desenvolvidos com o objetivo de incrementar o valor comercial dos produtos da
reação. (ROBERTS 2000, p. 15)
No periodo compreendido entre os anos 1945-1965 o destaque veio
para o processo de catálise de superficie, a qual com o rápido crescimento da
física de superficie permitiu o desenvolvimento da industria dos
semicondutores. As questões relacionadas à adsorção e dessorção sobre
superficies sólidas estiveram vinculadas a diferença na reatividade dos
catalisadores. Processos como a quimissorção do hidrogênio receberam
bastante atenção. Os estudos sobre a adsorção física e quimissorção foram
considerados importantes nos anos 1950 para a caracterização dos
catalisadores. (ROBERTS 2000, p. 21)
Muitos processos catalíticos são encontrados na literatura, dentre eles a
hidrogenação catalítica que é utilizada na maioria das reações químicas
orgânicas, principalmente aquelas envolvidas na síntese assimétrica. A
hidrogenação catalítica assimétrica homogênea e heterogênea são dois
métodos que tem recebido bastante atenção quando se trata de preparar
compostos enantiomericamente puros, sejam estes fármacos, aromatizantes,
agentes agroquímicos e outros, devido as vantagens de se trabalhar com uma
fonte barata como o hidrogênio para realizar a redução de vários substratos.
21. 21
2.3.1. Hidrogenação catalítica assimétrica homogênea.
Na década dos anos 60 a hidrogenação assimétrica homogênea foi
muito desenvolvidada e incentivou à síntese de substâncias biologicamente
ativas como aminoácidos.
Em sistemas homogêneos os catalisadores são solúveis no meio
reacional e todas as moléculas estão disponíveis para interagir com os
reagentes. Desta forma o processo tende a ser potencialmente mais efetivo em
termos de catalisador que o processo heterogêneo o qual ocorre
necessariamente sobre a superfície do catalisador que estará exposta aos
reagentes.
Muitas reações de catálise homogênea são realizadas através de
complexos organo-metálicos com metais de transição. Os ions metálicos
presentes no complexo estão coordenados aos ligantes e a molécula vai
possuir propriedades na estrutura eletrônica que permitem o desenho de um
sistema catalítico eficiente. Dois ligantes podem estar coordenados em
posições adjacentes ao íon metálico, incrementando enormemente a
possibilidade de reações entre eles, particularmente de uma forma
estereoquímica definida. Por exemplo, ligantes em posição cis um ao outro,
geralmente, estão envolvidos em reações de inserção. As reações em geral
são reversíveis, sendo que um dos reagentes (X), estrutura A, pode ser uma
molécula insaturada como olefina, acetileno ou monóxido de carbono. A ligação
M-Y deve ser lábil e Y pode ser H, C ou O, estrutura A (Figura 9).
M
Y
inserção
X M X Y
sitio vacante
A B
Figura 9. Reação de inserção.
22. 22
A inserção de olefinas em ligações metal-hidrogênio é comumente
encontrada nas reações de hidrogenação e hidroformilação. Na hidrogenação,
a maioria das vezes, é provável que a olefina se coordene primeiro como um
complexo-π no sítio vacante do metal e, em seguida, ocorra a inserção cis para
formar o complexo alquil metálico (Figura 10).
PEt3
Cl M H
Et3P
H C 2 CH2
PEt3
Cl M H
Et3P
PEt3
M C2H5 Cl
Et3P
C2H4 inserção
Figura 10. Reações de inserção envolvendo olefinas.
As reações de inserção cis são importantes para muitos processos
catalíticos já que o produto é formado através do intermediário por combinação
de duas moléculas reagentes dentro da esfera de coordenação do metal. Este
complexo metálico permite um sítio vacante de coordenação no qual outra
molécula reagente pode ser ativada. A importância de sítios vacantes ou de
insaturação coordenativa é considerada como o fator de maior influência sobre
o comportamento catalítico homogêneo. Isto lembra muito bem o conceito de
sítios ativos nos sistemas heterogêneos. Particularmente, as reações
homogêneas são muito mais simples de estudar em detalhes que aquelas que
ocorrem heterogeneamente. (OSBORN 1967, p. 145)
A hidrogenação de olefinas utilizando complexos de metais de transição
tem sido bastante estudada. Muitos complexos metálicos ativam o hidrogênio
molecular e são capazes de catalisar a hidrogenaçâo de moléculas
insaturadas, em particular duplas ligações não conjugadas.
O sistema catalítico homogêneo formado por complexo de Ródio (I) é
bastante efetivo na hidrogenação de ligações duplas e triplas isoladas. Este
complexo em solução, Rh(PPh3)3Cl, aonde Ph= -C6H5, é dissociado com a
perda de uma molécula de trifenilfosfina. A perda leva a um sítio vacante que
pode estar ocupado ou não por uma molécula do solvente, S.
23. 23
O mecanismo descrito para este catalisador é representado pelo ciclo da
Figura 11. A etapa determinante da reação é o deslocamento competitivo do
solvente da espécie diidro pela olefina. A molécula de solvente fracamente
ligada se encontra cis em relação aos dois ligantes hidretos, e portanto a
transferência de hidrogênios à olefina sobre o catalisador conduzirá a uma
adição cis. A espécie complexo solvatado (I) reage rápidamente com o
hidrogênio molecular para formar espécies diidro (II) que contem duas ligações
cis Rh-H. Esta espécie intermediária ainda possui um sítio vacante de
coordenação ou ocupado pelo solvente que confere importância na reatividade
catalítica, permitindo à olefina ser ativada por deslocamento do solvente.
(OSBORN 1967, p. 146)
C C
H
Rh
Cl
Ph3P
PPh3
H
S
CICLO
CATALÍTICO
PPh3
H
Ph Rh S 3P
Cl
C C
H H
PPh3
Rh PPh3
Ph3P
Cl
Rh
H
Cl
Ph3P
PPh3
H
Rh S
Cl
PPh3
Ph3P
H
sitio vacante ou
ocupado pelo solvente
C
C
H2
S
C
C
S
PPh3 I
II III
IV
Figura 11. Ciclo catalítico para a hidrogenação de olefinas com o catalisador de
cloreto de ródio (I)-trifenilfosfina.
A hidrogenação assimétrica homogênea é considerada hoje como uma
poderosa ferramenta para preparar moléculas orgânicas óticamente ativas. Na
literatura podemos encontrar vários livros e artigos de revistas especializadas
que relacionam os avanços da catálise nesta área. Muitos deles fazem uma
abordagem histórica que se remonta a utilização por Knowles, Kagan e outros
de complexos quirais quelantes de difosfinas com Rh (I). (TAKAYA, OHTA,
NOYORI 1994, p. 1)
24. 24
Alguns complexos foram utilizados com êxitos na hidrogenação
assimétrica de ácidos α-acilamino acrílicos. Inicialmente, os complexos de
Rh(I) e fosfinas quirais estiveram limitados a hidrogenação destes substratos.
Porém, após o desenvolvimento de uma nova geração de catalisadores
homogêneos, utilizando Ru(II) e difosfinas quirais, é possível hidrogenar uma
ampla variedade de olefinas e cetonas funcionalizadas alcançando
enantiosseletividades mais altas (ee>95%) do que aquelas obtidas quando se
utilizam os complexos de Rh(I). (TAKAYA, OHTA, NOYORI 1994, p. 32) O
desenvolvimento dos ligantes quirais de fósforo tem crescido após a utilização
do primeiro complexo quiral de difosfina, o cloreto de metilpropilfenil fosfano de
ródio (I), figura 12, que resultou em ee de 15%.
OH
H C 2 O
OH
H C 3 O
C3H7
P CH3
C6H5
L = :
*
H2
RhClL3
15 % ee
Figura 12. Primeiro ligante quiral utilizado na hidrogenação do ácido-α-fenilacrílico.
Historicamente os complexos de ródio (I) com trifenilfosfina, descobertos
por Wilkinson, abriram estudos que culminaram em sua utilização na
hidrogenação assimétrica homogênea. (KNOWLES 2003, p. 5). Muitos destes
complexos possuem ótimas propriedades catalíticas quando se encontram
coordenados a algum ligante de fosfina, Anexo 3 (KAGAN 1985, p. 1). Como
exemplos iniciais de complexos quirais quelantes que ofereceram excelentes
rendimentos óticos temos o complexo de Rh(I)-DIOP, preparado por Kagan e
Dang (KAGAN, DANG 1972, p. 6430), o qual forneceu ee de 83% do produto
(S) na hidrogenação assimétrica do ácido (Z)-N-acetamidocinâmico. Da mesma
forma Vineyard et al. prepararam (VINEYARD et al. 1977, p. 5947) o complexo
Rh(I)-DIPAMP para a hidrogenação de ácidos α-acilamino acrílicos de
25. 25
configuração (Z) e (E). A enantiosseletividade mais alta foi observada com
isômeros (Z) e os produtos formados apresentaram configuração absoluta (S).
Para desvendar a origem da enantiosseleção, Halpern realizou estudos
cinéticos e mecanísticos baseados em trabalhos anteriores que utilizavam,
inicialmente, um ligante aquiral como o DIPHOS e como substrato o éster
metílico do ácido N-acetamidocinâmico (MAC). Neste estudo foi estabelecido
que, após análise de RMN 31P, 13C e 1H e por difração de raios-X do sal de
BF4, a formação do aduto ou intermediário (2 e 2’, Figura 13) é rápida. A
estrutura deste aduto revelou que o substrato forma uma coordenação com o
átomo de Rh através do oxigênio da carbonila do grupamento amida e com a
dupla ligação de forma simétrica ao metal. (HALPERN 1985, p. 47)
As pesquisas feitas até então permitiram fazer uma comparação com os
processos catalíticos quirais e desenhar um mecanismo similar ao proposto
para catalisadores de fosfina aquirais. Um dos sistemas mais estudados foi do
éster metílico do ácido cinâmico (MAC) como substrato e o complexo Rh(I)-
CHIRAPHOS como catalisador quiral (Figura 13).
26. 26
Rh
P
P
S
S
H COOCH3
Ph NHCOCH3
Rh
P
P
ETAPAS
k-1' k1' k-1'' k1''
H
N
O
H C 3
Ph
CO2CH3
H
2'
H2 H2
CO2CH3
Rh
P
H
N
O P
H C 3
Ph
H H
Rh
P
P
H
H
H
N
CH3
Ph O
H3CO2C
3'
S P
Rh
P
H
CH3
HN O
H3CO2C
Ph
P S
Rh
P
H
CH3
O NH
CO2CH3
Ph
(III)
N
CH H C N
COCHH
3 3 H
23 O
Ph
H
O
Ph
H
H3CO2C
- [ Rh(P * P)S2 ]+ - [ Rh(P * P)S2 ]+
Rh
P
P
N
CH3
O
H3CO2C
Ph
(I)
* +
*
k2' (II)
* *
k3' S k3'' S
* *
k4' k4'' (IV)
(R) (S)
*
k2'
1
2
3
4 4'
Figura 13. Esquema mecanístico para a hidrogenação do MAC com catalisadores de
ródio e difosfinas quirais. (S=metanol)
27. 27
No mecanismo anterior a etapa (I) depende da facilidade com que o substrato
desloca a molécula do solvente S no complexo de Rh. Neste ciclo a etapa
irreversível (II) é a determinante, ou seja, a reação do complexo ou aduto 2, 2’
com o hidrogênio vai governar a enantiosseletividade da reação. A preferência
na formação de um enantiômero sobre o outro está relacionada à formação do
aduto ou complexo substrato-catalisador minoritário, o qual é muito mais
reativo frente ao hidrogênio que o complexo intermediário majoritário. Isto
permite predizer a estrutura predominante do produto da reação. Estudos
espectroscópicos de RMN 31P, 13C e 1H mostraram que a transferência de
hidreto do complexo de Rh, durante a terceira etapa, ocorre ao carbono β da
dupla ligação enquanto o carbono α está ligado ao Rh. (HALPERN 1985, p. 47)
Isto também foi deduzido para o complexo [Rh(I)-DIOP]+ (DETELLIER,
GELBARD, KAGAN 1978, p. 7559).
A reação de hidrogenação de EAC (éster etílico do ácido cinâmico)
catalisada por Rh-(S,S)-CHIRAPHOS produz o éster etílico da (R)-N-acetilfenilalanina
(ee>95%). Quando é utilizado o (R,R)-DIPAMP como ligante
na hidrogenação do MAC se produz o éster metílico da N-acetil-(S)-fenilalanina
com o mesmo rendimento ótico. A alta enantiosseletividade que o complexo
catalítico Rh(DIPAMP) pode alcançar dependerá da rápida interconversão dos
dois diastereoisômeros [Rh(DIPAMP)(MAC)]+, comparada com a reação frente
ao hidrogênio. Os estudos cinéticos e de cristalografía de raios-X permitiram
elucidar a estrutura do composto diastereomérico majoritário nesta reação e
que resultou ser pouco reativo frente ao hidrogênio. (HALPERN 1985, p. 52)
Como conclusão importante deste mecanismo foi observado que não é o modo
preferencial de ligação entre o substrato e o catalisador que determinam a
enantioseleção do produto, tal como se pensava previamente, e sim a
velocidade com que o intermediário diastereomérico substrato-catalisador
reage frente ao hidrogênio. (CHAN, PLUTH, HALPERN 1980, p. 5954)
Como regra geral, a enantiosseletividade aumenta com o aumento da
temperatura, mas sem exceder os 100ºC. O incremento da temperatura é
marcadamente efetivo em contrapartida ao efeito negativo que exercem as
28. 28
altas pressões de hidrogênio sobre a seletividade da reação. (HALPERN 1985,
p. 61)
Recentemente Lagasse e Kagan (LAGASSE, KAGAN 2000, p. 319)
fizeram uma revisão sobre os principais ligantes quirais de monosfosfina
aplicadas na catálise assimétrica. Uma das reações destacadas por eles foi a
hidrogenação de N-acil desidrofenilalanina, onde se utilizam catalisadores de
monofosfinas quirais. Os ee alcançados oscilam entre 46 e 90% (Figura 14).
CO2H
NHCOR'
CO2H
NHCOR'
P
CH3
Ph
OMe P
P
Ph
Ph Ph
P
Ph
+ H2
Rh/ 2 L*
R'= Ph, L1, 85 % ee
R'= Me, L2, 76 %ee
R'= Me, L3, 49 %ee
R'= Me, L4, 90 %ee
L1 L2 L3 L4
Figura 14. Utilização de diferentes ligantes de fosfinas quirais e Rh para a
hidrogenação de ácidos N-acilcinâmicos.
Na década do 90 Döbler et al. reportaram uma serie de trabalhos
relacionados com a hidrogenação assimétrica de derivados do ácido N-acetamido
e N-benzamidocinâmico e também dos derivados N-Boc e N-Cbz. A
hidrogenação foi realizada utilizando diferentes complexos catiônicos de ródio
[(R,R-DIOP), (2S,4S-BPPM) e (S)-PROPRAPHOS-Ph] como catalisadores,
Anexo 3. Os resultados mostraram que o PROPRAPHOS-Ph é muito eficiente
na hidrogenação dos derivados dos ácidos heteroarilcinâmicos protegidos com
N-Boc e N-Cbz, Figura 15 sob condições normais (pressão atmosférica e
temperatura ambiente), mas a atividade e enantiosseletividade são geralmente
menores em comparação com os acetil e benzoil derivados. Eles também
encontraram que substratos protegidos com Boc conduzem a menores tempos
29. 29
de hidrogenação e a elevados valores de ee. (DÖBLER, KREUZFELD,
MICHALIK 1999, p. 23)
H COOH
S
NH-P
S COOCH3
NH-P
S
COOH
NH-P
NH-P
H
S
COOCH3
P, ee(%): Cbz, 79
Boc, 86
O N
O
Ph2P
CH(CH3)3
PPh2
Rh
S- PROPRAPHOS
+
BF4
-
H2/ S-PROPRAPHOS
H2/ S-PROPRAPHOS
Produtos com
configuração R
P, ee(%): Cbz, 61
Boc, 79
Figura 15. Hidrogenação de derivados dos ácidos heteroarilcinâmicos com S-PROPRAPHOS-
Rh(I).
Muitos processos de preparação de substâncias ativas na indústria
farmacêutica, entre outras, envolvem reações de hidrogenação assimétrica
homogênea. (BECK 2002, p. 849). Nos anos oitenta, um grupo de
pesquisadores da Monsanto desenvolveu um processo industrial para a
preparação da L-Dopa (anti-parkisoniano) a partir da vanilina. A etapa chave do
processo foi a hidrogenação assimétrica da enamida pró-quiral correspondente
utilizando complexos de Rh(I) com ligantes quirais, figura 16. (KNOWLES 2003,
p. 7).
30. 30
CHO
HO
CH3O
AcNH COOH
AcO
Ac2O N
O
O
CH3
CH3O
O
OH
NHAc
AcO
CH3O
AcO COOH
NHAc
CH3O
HO COOH
NHHO 2
L
CAMP 88% ee
Vanilina
H2O
Enamida pro-quiral
H2 [Rh(cod)L2]+ BF4
-
HBr
L- DOPA
DIPAMP 95% ee
cod: ciclooctadieno
Figura 16. Processo de síntese da L-Dopa desenvolvido pela Monsanto.
Embora a hidrogenação assimétrica homogênea seja um processo que
permite altas porcentagens de ee e boa reprodutibilidade, muitos trabalhos hoje
em dia são discutidos innúmeros de exemplos de hidrogenação assimétrica
heterogênea com a finalidade de se entender corretamente o mecanismo de
interação entre catalisador-substrato e modificador quiral, e de aproveitar as
vantagens que este processo oferece sobre o processo homogêneo. (BLASER,
JALETT, SPINDLER 1996, p. 93)
2.3.2. Hidrogenação catalítica assimétrica heterogênea.
Os estudos sobre a hidrogenação catalítica heterogênea tem sido
fundamentalmente realizados usando α- ou β-cetoésteres como substratos de
eleição e, como principais catalisadores Nickel-Raney modificado por ácido
tartárico/NaBr (IZUMI et al. 1963, p. 21; IZUMI 1983, p. 215) e platina
modificada por alcalóides da cinchona (ORITO, IMAI, NIWA 1979, p. 1118).
Ambos sistemas permitem alcançar ee próximo aos 94%. Os interessantes
resultados obtidos na hidrogenação assimétrica heterogênea destes subtratos
tem cativado muitos pesquisadores. Vários grupos de pesquisa que lideram
esta área se encontram na Suiza (Baiker e Blaser), Japão (Nitta, Osawa, Izumi
e Harada), Estados Unidos da América (Sachtler e Augustine), Inglaterra
31. 31
(Webb, Wells, Thomas, Catlow, Hutchings e Whyman) e na Holanda (Sheldon).
(ROBERTS 2000, p. 61)
Stewart e Lipkin, no ano 1939, foram os primeiros a utilizar catalisadores
heterogêneos para facilitar as reações assimétricas. Eles utilizaram Nickel-
Raney e óxido de platina (IV), este último conhecido como catalisador de
Adams, para a redução do ácido-β-metilcinâmico e compararam os resultados
com a redução enzimática. O pré-requisito para atividade assimétrica neste tipo
de catalisadores é a presença de um ambiente quiral sobre a superficie
metálica, o qual se consegue seja: a) suportando o catalisador sobre um
suporte quiral ou b) pela adsorção de um modificador quiral na superficie.
(STEWART, LIPKIN 1939, p. 3295; 3297)
Consideráveis esforços experimentais e teóricos têm sido desenvolvidos
para esclarecer a estrutura aproximada da enantiodiferenciação do estado de
transição diastereomérico do piruvato de metila (MP). A hidrogenação
assimétrica dos ésteres do ácido pirúvico utilizando platina modificada por
alcalóides da cinchona é um dos sistemas modelos para o estudo da
enantiosseletividade no processo heterogêneo. Para este propósito, foi
necessário considerar todas as interações cruciais no sistema catalítico e
analisar o seu efeito sob a estrutura do estado de transição do complexo
formado entre metilpiruvato e o derivado da cinchona como modificador. A
Figura 17 representa esquematicamente as interações que podem afetar a
estrutura e estabilidade do estado de transição dos complexos, assumindo que
o estado de transição envolve o modificador quiral adsorvido e o substrato,
numa relação estequiométrica 1:1 e a interação destas espécies na superficie
da platina.
32. 32
Figura 17. Interações importantes a serem consideradas na hidrogenação
enantiosseletiva sob metais quiralmente modificados.
2.3.2.1. Fatores a considerar na reação de hidrogenação dos ésteres
do ácido pirúvico.
Existem vários fatores como solvente, temperatura, pressão e estrutura
dos modificadores que continuam sendo muito estudados devido à influência
que eles exercem sobre o excesso enantiomérico e a velocidade da reação.
Qualquer proposta mecanística deverá conter explicações que satisfaçam
estes fatos.
Ø Solvente: Geralmente, solventes relativamente apolares como tolueno
ou benzeno e/ou com constantes dielétricas, ε, na faixa de 2-10 são os
mais efetivos. O ácido acético (ε= 6,2) leva a excessos enantioméricos
acima de 91% em condições otimizadas. (BLASER, JALETT, WIEHL
1991, p. 218). Solventes supercríticos como tolueno, CO2 e etano,
também tem sido experimentados na hidrogenação do piruvato de etila,
observando que o último é melhor solvente para esta reação. Os ee
alcançados foram de 55-75%, dependendo da temperatura e a
concentração de H2. (WANDELER et al. 2001, p. 674.)
33. 33
Ø Temperatura: Temperaturas acima de 50oC causam uma diminuição na
velocidade de reação e do excesso enantiomérico (MEHEUX,
IBBOTSON, WELLS 1991, p. 387)
Ø Catalisador: Diferentes suportes como Al2O3, SiO2, TiO2 e zeolitas têm
sido adequados e ampliamente utilizados na hidrogenação heterogênea.
(BLASER et al. 1997, p. 448) Metais de transição como o irídio (Ir),
paládio (Pd), rutênio (Ru) e ródio (Rh) também têm sido utilizados como
catalisadores na reação de hidrogenação de α-cetoésteres (WELLS,
WILKINSON 1998, p. 39). Os catalisadores preferenciais para a redução
de dupla ligação (C=C) são os de Pd suportados sobre TiO2, Al2O3 ou
SiO2, como por exemplo, na hidrogenação de ácidos α,β-insaturados e
hidroximetilpironas. (BORSZEKY, MALLAT, BAIKER 1997, p. 3747;
HUCK, MALLAT, BAIKER 2000, p. 2) A reação do piruvato de etila sobre
paládio modificado com Cinchonidina mostrou ser mais lenta que a
reação não modificada e os excessos enantioméricos mais baixos. O
produto de reação apresentava uma configuração inversa em relação ao
obtido nas reações catalisadas por platina com o mesmo modificador.
(BLASER et al. 1997, p. 443) Isto também foi observado na
hidrogenação do ácido-2-metil-2-pentenóico com a utilização de
Pd/Al2O3 modificado com alcalóides da cinchona. (KUN et al. 2000, p.
77)
A platina tem sido o metal mais eficiente na hidrogenação
enantiosseletiva de cetonas funcionalizadas, além de ser um dos
melhores metais para a hidrogenação de anéis aromáticos.
A platina sobre alumina (Pt/Al2O3, 5%), é um dos catalisadores que pré-tratado
com fluxo 40 ml.min-1 de hidrogênio a 373-673 K durante 2 horas,
forneceu excessos enantioméricos maiores que 80% (WEHRLI et al.
1990, p. 225). Isto foi explicado pela eliminação de oxigênio ou algumas
impurezas da superficie do catalisador (ORITO, IMAI, NIWA 1979, p.
1118) ou por uma alteração favorável na morfologia das partículas de
platina, na distribução das faces, extremidades e cantos expostos ou por
34. 34
um aumento do tamanho médio das partículas, favorecendo a uma
maior enantiosseletividade (BAIKER 1997, p. 476). O pré-tratamento
deste catalisador com ar também rendeu altos ee e aumentos de
velocidade da reação de hidrogenação do piruvato de etila em acetato
de etila (AUGUSTINE, TANIELYAN 1997, p. 86) e da 1-fenil-1,2-
propanodiona em diclorometano. (TOUKONIITTY et al. 2000, p. 176)
Uma outra forma de aumentar o desempenho do catalisador foi relatado
pelo grupo de Bartók. Eles fizeram tratamento ultrassônico de vários
catalisadores de Pt na presença do modificador cinchonidina (CD) ou da
10,11 dihidrocinchonidina (HCD), obtendo ee maiores do 90% (TÖRÖK
et al. 1999, p. 101). Neste caso o efeito positivo foi atribuído à uma
possível re-estruturação que “sofre” o catalisador para obter partículas
de Pt de tamanho ótimo e a uma densidade superficial incrementada do
modificador.
Em geral, altas dispersões do metal são prejudiciais para alcançar altas
enantiosseletividades. Embora o fato de que superfícies planas são
requeridas para catalisadores efetivos, isto ainda não tem sido realmente
estabelecido através de experimentos.
Ø Modificadores: Um requisito necessário, mas não suficiente, para um
modificador que favoreça uma alta enantiosseletividade é possuir um
átomo de nitrogênio básico próximo a um ou mais centros
estereogênicos e conectado a um sistema aromático expandido. A
extensão do anel aromático é essencial na eficiência do modificador. Até
agora, os melhores resultados foram obtidos com anéis horizontalmente
planos interconectados como anéis da quinolina e de naftaleno.
Os modificadores que tem sido mais estudados na hidrogenação de
piruvato de etila são os diferentes derivados da cinchona (Figura 18).
35. 35
N
R'
N
R''
OH
H
H
9
1
2
3
4
5
6
7
8
N
R'
HO
H
N
R''
9
1
2
3
4
5
6
7
8
8 (R), 9 (S) R’ R’’ 8 (S), 9 (R)
Cinchonina (CN) CH2=CH H (CD) Cinchonidina
10,11-Dihidrocinchonina (HCN) CH3-CH2 H (HCD) 10,11-Dihidrocinchonidina
Quinidina (QD) CH2=CH OCH3 (QN) Quinina
10,11-Dihidroquinidina (HQD) CH3-CH2 OCH3 (HQN) 10,11-Dihidroquinina
Figura 18. Estruturas da familia de alcalóides da cinchona.
Todos os alcalóides da cinchona apresentados anteriormente contém cinco
centros assimétricos, C3, C4, C8, C9, e o nitrogênio quinuclidínico;
diferenciando-se somente em C8 e C9. Acredita-se que estes carbonos (C8
e C9) são os responsáveis pela enantiosseletividade da reação. Na Figura
19 se representam os três elementos estruturais que afetam a velocidade e
ee da hidrogenação enantiosseletiva de α-ceto ácidos e/ou α-cetoésteres.
36. 36
Determina a estereoquímica
do produto.
Responsável pela interação
com a molécula de piruvato
de etila.
A
Parte aromática extendida
Pode fixar-se ao metal
ou atuar na interação π−π
stacking com o piruvato
de etila
B
C
Figura 19. Elementos estruturais da cinchonina que afetam a velocidade e
enantiosseletividade na hidrogenação do piruvato de etila.
Os maiores excessos enantioméricos na hidrogenação de piruvatos são
obtidos com a cinchonidina (CD), dihidrocinchonidina (HCD), dihidroquinina
(HQN) ou norcinchol (R’= CH2OH, Figura 18) como modificador. (BLASER et al.
2000, p. 12681)
Várias investigações estão direcionadas ao esclarecimento das
conformações preferenciais dos alcalóides da cinchona e a interação com o
catalisador e o substrato, pela via dos cálculos computacionais
(MARGITFALVI, HEGEDÜS 1996, p. 281; MARGITFALVI, TFIRST, 1999, p.
81; BÜRGI, BAIKER 2000, p. 451; BÜRGUI et al. 2000, p. 5953; ARANDA et al.
2001, p. 287; CARNEIRO et al. 2001, p. 235), assim como por estudos
espectroscópicos de , UPS, RMN, IV e dicroismo circular. (BÜRGUI, BAIKER
1998, p. 12920; FERRI, BÜRGUI, BAIKER 1999, p. 1305)
Nestes estudos a conformação aberta (A) é geralmente aceita como a
preferencial (Figura 20). Esta se encontra em maior concentração em solventes
com baixa constante dieléctrica. O método semiempírico AM1, utilizado no
trabalho de Aranda et al. (ARANDA et al. 2001, p. 287), visualizou a
conformação aberta A2 como a mais estável, reproduzindo os resultados de
37. 37
experimentos cristalográficos e cálculos ab initio já feitos anteriormente por
outros pesquisadores. (MARGITFALVI, TFIRST 1999, p. 81)
Figura 20. Conformações preferenciais dos alcalóides da cinchona.
Como pode-se observar, as formas abertas (A) são aquelas cujo
nitrogênio quinuclidínico, em azul na figura, aponta para fora do anel
quinolínico enquanto nas formas fechadas (C) apontam para o anel quinolínico,
(Figura 20).
Para obter mais informação sobre as conformações mais eficientes dos
alcalóides da cinchona, Bartók et al. sintetizaram e testaram vários derivados
que apresentam conformacões rígidas (Figura 21) e os resultados não foram
melhores que com CN. (BARTÓK et al. 1998, p. 2605; 2002, p. 1130)
N
N
H
H O
3(R) CH3
N
H H
H
O
CH3
H
N
10(R)
α-ICN
(HOAc, S-lactato, 69%ee)
β-ICN
(50%ee)
tolueno, R-lactato
HOAc, S-lactato
Figura 21. Derivados da cinchona com rigidez conformacional utlizados na
hidrogenação do piruvato de etila com Pt/Al2O3.
38. 38
Outros compostos, como os amino álcoois, têm sido desenvolvidos
como modificadores (PFALTZ, HEINZ 1997, p. 232; BAIKER 2000, p. 217) com
a finalidade de mimetizar também as principais caractéristicas dos alcalóides
da cinchona (Figura 22).
HO N NH HO N 2
ees (%) 75 82 87
Figura 22. Amino álcoois que imitam a cinchona (melhores ee para a hidrogenação do
piruvato de etila, Pt/ Al2O3).
Estes estudos sobre a estrutura dos alcalóides da cinchona, assim como
na preparação de outros compostos com características similares permitiram
compreender melhor as propriedades destas substâncias relacionadas à
indução assimétrica na reação.
Ø Pressão: Existem divergências sobre o efeito que causa a pressão nas
reações de hidrogenação utilizando Pt/Al2O3 como catalisador. Para
modificadores que apresentem um anel quinolínico (alcalóides da
cinchona) em sua estrutura, um aumento da pressão (20-100 bar)
provoca um aumento tanto no ee como na velocidade de reação
(BLASER et al. 1998, p. 286). Contudo, modificadores que apresentem
anel naftila como grupo de ancoragem no lugar do anel quinolínico
causam um efeito inverso nos ee, Figura 23. (PFALTZ, HEINZ 1997, p.
232). Recentemente, ee de 94% foram alcançados quando se utilizaram
baixas pressões de H2 (1–6 bar) junto com mínimas concentrações do
modificador, HCD. (LeBLOND et al. 1999, p. 4920)
39. 39
HO N N
N
HO
ee (%) ee (%)
68
(1 bar)
47
46
(75 bar)
66
Figura 23. Amino álcoois utilizados como modificadores quirais e efeito da pressão na
hidrogenação do piruvato de etila.
As principais conclusões que se derivam do estudo detalhado da
hidrogenação do piruvato de etila, tendo em consideração os fatores
anteriormente analisados e a grande variedade de derivados da cinchona,
podem ser resumidas da seguinte forma:
Ø Alguns tipos de modificadores têm se mostrados prometedores neste
tipo de reações. As características gerais que eles apresentam são um
átomo de nitrogênio próximo a um ou mais centros esterogênicos
conectados a um anel aromático extendido. Os melhores resultados
foram obtidos com CD, ou com derivados que apresentem pequenas
alterações em sua estructura como HCD ou HQN levando à formação do
(R)-lactato de etila, já os derivados da cinchonina produzem o
enantiômero-(S).
Ø Os três elementos estruturais na molécula da cinchona que afetam a
velocidade e o ee da reação de hidrogenação de α-ceto ácidos são: i) a
parte aromática extendida; ii) o padrão de substitução da quinuclidina
(configuração absoluta do C8 que controla o sentido da indução; uma N-alquilação
produz racemato); iii) os substituintes no C9 (OH ou OCH3)
são ótimos substituintes, grupos maiores reduzem a
enantiosseletividade.
Ø A seleção do solvente tem um efeito significativo na enantiosseletividade
e na velocidade da reação. HQN em ácido acético e HCD em tolueno
foram os modificadores mais efetivos nesta combinação de solventes.
40. 40
Aditivos básicos (MARGITFALVI, TÁLAS, HEGEDÛS 1999, p. 645) e
ácidos também podem ser efetivos.
Ø O catalizador Pt/Al2O3 tem sido o mais estudado e deve apresentar
baixa dispersão para produzir melhores enantiosseletividades.
2.3.2.2. Principais modelos mecanísticos.
Nos processos heterogêneos ainda existe uma grande discussão sobre
o mecanismo das reações, ao contrário do que é observado nos processos
homogêneos onde mecanismos formais têm sido propostos e aceitos. Entender
o modo de ação de um sistema composto por catalisador-modificador-substrato
é uma tarefa fascinante mas também muito difícil.
Na literatura são três os sistemas catalíticos (combinação de catalisador-modificador
quiral-substrato) que tem sido profundamente estudados.
ü Ni-ácido tartárico/(NaBr) ⇒ β-cetoéster
ü Pt- modificadores da cinchona ⇒ cetonas α- funcionalizadas
ü Pd-modificadores da cinchona ⇒ Dupla ligações ativadas (C=C)
O mecanismo da reação de hidrogenação com Ni-Raney/ácido tartárico-
NaBr se encontra bem elucidado. O grupo de Tai foi o primeiro a trabalhar
neste modelo nos anos 80 (TAI et al. 1983, p. 1414), que foi aperfeiçoado anos
depois. (OSAWA, HARADA, TAKAYASU 2000, p. 155) Izumi também estudou
intensamente este sistema chegando a obter elevados excessos
enantioméricos e rendimentos com alta reprodutibilidade. (IZUMI 1983, p. 215)
O grupo de pesquisa japonês propôs um modelo relativamente simples
para este sistema, capaz de explicar a preferência para β-cetoéster (distância
entre os grupos hidroxilas no ácido tartárico- A, a configuração absoluta
observada do produto- B, o efeito estérico do substituinte em β-cetoéster- C, e
para metil cetonas, o efeito bloqueador de ácidos orgânicos volumosos- D
(Figura 24). A única discrepância neste modelo concerne o modo de ligação do
41. 41
tartarato na superficie do niquel, Ni. Osawa et al. (OSAWA, HARADA,
TAKAYASU 2000, p. 163) assumiram que somente um dos grupos carboxilas
está ligado ao Ni. O trabalho de Tai e Sugimura (NAKAGAWA, SUGIMURA,
TAI 1998, p. 1257) considera que os dois grupos carboxilas se encontram
ligados ao Ni.
O
H OH
H OH
O
O
O
O
H
O H O
O OR´´
R´
O H
O H
O
R´
OR´´
O
O
H O
OH
O
R
O H
Ni
sitio2
sitio 1
Ni
A B
Ni
C
Ni
D
Figura 24. Hidrogenação catalisada por Ni/tartarato. A-sítio ativo do modificador, na
forma de monotartarato, B- pontos de interação com β-cetoéster-maior
diastereoisômero, C- pontos de interação com β-cetoéster-menor diastereoisômero
com interação repulsiva, D- Interação com 2-alcanona e com um ácido orgânico
volumoso.
As investigações do mecanismo da hidrogenação utilizando
catalisadores de Pt e Pd modificado com derivados da cinchona começaram a
ser estudadas extensivamente nos últimos anos. (MARGITFALVI,. HEGEDÜS
1995, p. 175; 1996, p. 281; BAIKER 1997, p. 473; BORSZEKY, MALLAT,
BAIKER 1997, p. 3745; MARGITFALVI, TFIRST 1999, p. 81; BAIKER 2000, p.
205; ARANDA et al. 2001, p. 287; CARNEIRO et al. 2001, p. 235) Já no ano
1986 aparece a primeira aplicação técnica do sistema catalítico Pt modificado
com alcalóides da cinchona (HCD ou CD) na preparação do éster R-2-hidroxi-
4-fenilbutanoato (éster-HPB). Este composto é um intermediario chave na
síntese do benazepril, inibidor da ACE (Figura 25). (BLASER, JALETT,
SPINDLER 1996, p. 86; HEROLD et al. 2000, p. 6498)
42. 42
O OH
Ph COOEt
O
OH
Ph COOEt
OH
Ph COOEt
O
Ph COOEt
Ph
N COOEt
O
N H
CH2COOH
1. Pt/Al2O3-HCD
ee 70-87%
2. Cristalização
ee > 99% Pd/C, EtOH, HCl
ee > 99%
Pt/Al2O3-Cd
ee 80-85%
Benazepril
éster-HPB
(I)
(II)
(III)
Figura 25. Duas rotas para a síntese do éster-HPB via hidrogenação catalizada por
Pt-modificado com alcalóides da cinchona.
A hidrogenação do α-cetoéster correspondente (II) ao éster-HPB foi
escalonada dentro do processo de produção (10–200Kg), obtendo-se
rendimentos químicos maiores ao 98% e ee de 79-82%. (SEDELMEIER,
BLASER, JALETT 1986) Uma das grandes vantagens deste processo foi a alta
quimiosseletividade alcançada na hidrogenação com Pt/Al2O3-HCD, assim
como a possibilidade de remover o grupo carbonilo via hidrogenação com Pd
sem racemização. (HEROLD et al. 2000, p. 6498)
Atualmente existem quatro modelos principais que tratam de explicar a
enantiosseletividade neste tipo de reações através da interação da platina
modificada com o substrato. Estes modelos são o de Wells (WEBB, WELLS
1992, p. 319), o de Augustine (AUGUSTINE, TANIELYAN, DOYLE 1993, p.
1823; AUGUSTINE, TANIELYAN 1996, p. 101), o de Margitfalvi
(MARGITFALVI, HEGEDÜS, TFIRST 1996, p. 577; MARGITFALVI, HEGEDÜS
1996, p. 281); e o de Baiker e Blaser (BAIKER 1997, p. 473; BLASER, IMHOF,
STUDER 1997, p. 175; BLASER et al. 1997, p. 441). Todos consideram uma
interação 1:1 entre o modificador e o substrato. Na Figura 26, são
apresentados os intermediários mais importantes de alguns destes modelos
propostos, tendo em consideração a conformação mais estável da cinchonidina
43. 43
(modificador) e a adsorção deste e do substrato (α-ceto éster) sob a superfície
da platina.
N
Pt Pt
HO
N
H
H
Pt Pt
Pt
RO
O
H
O
N
Pt-adatom
HO
N
H
H
Pt Pt
Pt
O
O
OR
N
N
HO
H
OR
O
O
N
N
OH
H
H
Pt
RO
O
O
O OR
O
N
O
N
H
(B)-Agustine (C)-Margitfalvi
(D)-Baiker e Blaser
Pt
(A)-Wells
Pt
Pt
Pt
Figura 26. Modelos propostos na literatura para a interação catalisador (Pt)-
modificador-substrato.
Os modelos de Wells, Augustine, Baiker e Blaser consideram o
modificador adsorvido na platina. A maior divergência entre estes modelos é
quanto a interação do modificador com o piruvato. Embora Margitfalvi et al.
rejeitem a possibilidade da cinchonidina adsorvida ter importância na
enantiosseletividade da reação, introduzindo a idéia de que esta não atua como
modificador e sim como um ‘hospedeiro’ numa interação supramolecular na
catálise heterogênea (Figura 26). (MARGITFALVI et al. 2000, p. 190)
Wells et al. foram os primeiros pesquisadores a sugerir que o piruvato de
metila, numa conformação “trans”, adsorve fortemente sobre a superfície do
catalisador através de interações dos grupos carbonilícos, assim como o
alcalóide através do anel quinolínico na forma “L” (WEBB, WELLS 1992, p.
44. 44
328), criando um ambiente geométrico favorável para a acomodação do
piruvato. Assim sendo, a CD adsorvida sobre a superfície da platina proveria
um ambiente geométrico adequado para a forma R, enquanto que a cinchonina
criaria um arranjo necessário para a forma S. Eles propuseram que o piruvato
de metila semi-hidrogenado interage com o alcalóide através de uma ligação
hidrogênio aumentando assim à velocidade de formação do produto. Esta
etapa é considerada determinante no processo (Figura 26-A). (BOND et al.
1991, p. 377)
Augustine e Tanielyan, baseados nos estudos feitos por Wells,
propuseram, formalmente, o primeiro modelo sobre o mecanismo.
(AUGUSTINE, TANIELYAN 1996, p. 101) Eles postularam que a molécula de
CD é adsorvida tanto via sistema π ou pelo nitrogênio (N) da quinolina próximo
ao átomo de platina, sobre o qual ambos átomos de hidrogênio e o piruvato de
etila também são adsorvidos. Nesta proposta o átomo de N da quinuclidina
interage com o grupo ceto do piruvato (numa interação de tipo dipolo-dipolo),
entanto que a carbonila do éster interage com o par de eletrons da hidroxila do
modificador, sendo um arranjo de 6 membros o qual é considerado importante
para o controle estereoquímico (Figura 26-B). Eles ignoraram qualquer possível
protonação do modificador.
Margitfalvi et al., baseando-se nos resultados experimentais de
Augustine e Tanielyan, e na existência de efeitos de proteção do tipo estérico
(“shielding effect”) propuseram que o piruvato de etila em solução forma um
complexo (Pró-R e Pró-S) com a parte aromática do modificador quiral do tipo
‘host-guest’ (hospedeiro-convidado), onde o modificador (CD), na sua
conformação fechada, interage através do N quinuclidínico com o carbono da
carbonila do piruvato, simultaneamente numa interação π-π stacking entre
ligações duplas conjugadas do piruvato e o sistema π do anel quinolínico
(Figura 26-C). As duas interações teriam um efeito sinergetico, aumentando a
reatividade da carbonila com um conseqüente aumento da velocidade de
hidrogenação. (MARGITFALVI, HEGEDÜS, TFIRST 1996, p. 575). Este
segundo ponto de ancoragem foi considerado improvável por muitos
45. 45
pesquisadores para a enantiodiferenciação, já que os cálculos para sistemas
mais simples (formaldeído-benzeno) não revelaram alguma interação entre os
sistemas π.
Outros argumentos contra o modelo de Margitfalvi foram apresentados
por Baiker. (BAIKER 2000, p. 208) Segundo ele, o aumento da velocidade de
10 a 100 vezes, quando comparada com a reação não modificada, não pode
ser razoavelmente explicada por este modelo.
Baiker considera a interação, básicamente, por um ponto, através de
uma ligação do nitrogênio quinuclidínico, protonado previamente, e o oxigênio
do grupo carbonila da cetona do piruvato (ligação de hidrogênio). A
enantiosseletividade é exercida via efeito estérico que leva o piruvato a ser
adsorvido preferencialmente por uma das faces.
Cálculos realizados pelo grupo de Baiker mostraram que a situação
provavelmente é mais complicada considerando as diferentes conformações
que pode adotar o piruvato de etila. A forma trans do piruvato de etila é mais
estável na fase gasosa, ração pela qual foi escolhida para modelar interações
com o alcalóide da cinchona (Figura 27). Os novos cálculos mostraram que o
piruvato na forma cis é melhor estabilizado em solução devido a uma ligação
bifurcada do hidrogênio entre N- da quinuclidina protonada e ambos grupos
C=O do piruvato (Figura 26-D). (BÜRGUI, BAIKER 2000, p. 448) Diante desta
dificuldade, os autores levantaram a hipótese de um possível controle cinético,
no qual o complexo pró-R é hidrogenado mais rápido que o pró-S, isto
considerando o fato de as distâncias calculadas entre o nitrogênio
quinuclidínico e oxigênio da cetona ser mais curta nos complexos pró-R,
levando a um aumento de sua velocidade de hidrogenação (Figura 28).
46. 46
N
N
H
H C 3
H OH
Si
OR
O
O
N
N
H
H OH
CH3
RO
O
O
H H H H H H
N
N
O
H
H C 3 OR
H OH
O
H
N
N
H OH
H
CH3
RO
O
H
O
H H H H H H
Pt
+
Pro R
+
Pro S
Pt
rápido
R- lactato
lento
S- lactato
Re
Re Si
A B
Figura 27. Resolução cinética do confôrmero trans piruvato de alquila, utilizando CD
como modificador quiral.
O grupo de Baiker concluiu que enquanto a cinchonidina e o piruvato de
etila podem interagir, o complexo ativado mais favorável é formado pelo
modificador N-protonado, no meio reacional (ácido acético), (CARNEIRO et al.
2002, p. 143) adsorvido em sua conformação aberta, facilitando a interação
com o oxigênio do grupo carbonila da cetona do piruvato o que poderia
provocar um aumento na velocidade da reação e na enantiodiferenciação.
Resultados e conclusões semelhantes foram reportadas por Wells et al.,
apesar de existir grandes diferenças de energia entre o complexo ativo pró-R e
pró-S.
Na Figura 27 se representam as estruturas de adsorção do complexo
substrato-modificador, propostas por Baiker, que indicam a resolução cinética
de α-cetoéster na conformação trans. (BAIKER 1997, p. 483) Enquanto os
47. 47
cálculos parecem predizer o modo de adsorção preferido da ligação C=O,
ainda não queda claro que interações do tipo repulsivas são responsáveis
específicamente pela discriminação enantiotópica.
N
N
Si Re
H
O OR
H OH
O
CH3
N
N
H
H OH
O
O CH3
OR
H H H H H H
N
N
H OH
H
N
N
H OH
H
O
O CH3
OR
O
O H
OR
CH3
H H H H H H
Pt
+
Pro R
+
Pro S
Pt
rápido
R- lactato
lento
S- lactato
Si
Re
Figura 28. Resolução cinética do confôrmero cis piruvato de alquila, utilizando
CD como modificador quiral.
A maioria dos modelos analisados até agora mostram as formas A e B,
(Figura 27), como as mais favoráveis. Alguns cálculos predizem que os efeitos
estereoeletrônicos em A são muito mais favoráveis que em B. A transferência
de hidreto desde a face si em A conduz ao R-lactato como era esperado,
utilizando dihidrocinchonidina como modificador.
Finalmente, Blaser et al. (BLASER et al. 1998, p. 293) descreveram uma
sequência de reação para a formação do R-lactato de etila: i) a adsorção do
piruvato de etila sobre um sítio não modificado; ii) migração para um sítio
modificado devido a interações entre o oxigênio da cetona e o modificador da
48. 48
cinchona protonado (complexo de Baiker, Figura 26-D); iii) uma rápida
transferência do próton ao oxigênio (complexo Wells, figura 26-A) seguida de
uma adição lenta do segundo hidrogênio e uma dessorção. Eles propuseram
que para o catalisador não modificado e para a formação de S-lactato de etila a
adição do primeiro hidrogênio é a etapa limitante da velocidade da reação. A
velocidade de formação do enantiômero majoritário está claramente controlada
pela adição do segundo hidrogênio. A proposta foi realizada considerando a
origem da velocidade de reação assim como também a enantiodiscriminação
baseada nos modelos propostos por Baiker e Wells.
A hidrogenação enantiosseletiva de ácidos carboxílicos α,β-insaturados
sobre paládio, modificado pela cinchonidina, é outro dos sistemas mais
estudados atualmente na literatura. (BORSZEKY et al. 1999, p. 160; NITTA,
KUBOTA, OKAMOTO 2000, p. 2635; HUCK et al. 2001, p. 171).
O grupo de Baiker tem estudado experimental e teóricamente vários
sistemas, fazendo propostas de modelos bastante elaborados que incluem a
adsorção de complexos ativados formados por uma molécula do modificador e
uma ou duas moléculas de substrato ou de aditivo (Figura 29). (BORSZEKY et
al. 1999, p. 164; HUCK et al. 2001, p. 178)
N
N
H
O
H
O
O
O
H
Pd Pd
N
N
H
O
H
O
O
H
O
O
H
Pd
N
N
H
O
H
H
O
F
F F
O
O
O
H
O
Pd Pd
Pd
(A) (B) (C)
Pd
Pd
Figura 29. Complexos ativados propostos para a conformação da cinchonidina
adsorvida sobre a superfície do paládio. A) Com o dímero do ácido α,β-insaturado, B)
com hidroximetilpirona, C) com o aduto pirona-ácido trifluoracético.
49. 49
O modelo mecanístico proposto para a enantiodiferenciação na
hidrogenação enantioseletiva da 4-hidróxi-6-metil-2-pirona pseudo-aromática
ao correspondente 5,6-diidropirona (ee=77-85%, enantiômero-S) na presença
de Pd/Al2O3 e Pd/TiO2 modificados com cinchonidina (CD), Figura 29-B,
envolve duas interações de ligação H (N---H-O e O-H---O) entre o reagente
desprotonado e o modificador quiral protonado. O modelo permite predizer: i) o
sentido da enantiodiferenciação, ex., a formação do produto S na presença de
CD como modificador; ii) a completa perda de enantiosseletividade quando o
grupo OH ácido do reagente é desprotonado por uma base mais forte que o N-quinuclidínico
do alcalóide; e iii) o baixo ee obtido em solventes aceptores ou
doadores de H. Investigações de RMN, FTIR e cálculos ab initio, suportam o
modelo sugerido das interações do reagente-modificador.
Baiker determinou que pequenas quantidades de água, a presença de
bases e ácidos fortes e a concorrente hidrogenação da acetonitrila a etilaminas,
afetam a eficiência do sistema catalítico. (HUCK et al. 2001, p. 179)
Antagonicamente aos trabalhos feitos por Baiker, Nitta et al. sugerem
uma interação 1:1 (CD:substrato), mostram a importância da hidroxila (NITTA,
SHIBATA 1998, p. 161), e para o caso da hidrogenação do ácido E-α-
fenilcinâmico com catalisadores de Pd-modificado com CD estabelecem que a
enantiosseletividade depende fortemente do solvente. Solventes polares com
alta constante dielétrica solubilizam melhor o substrato e rendem maiores ee.
Outros experimentos mostraram que a adição de pequenas quantidades de
água a solventes apróticos ou a adição de uma amina como benzilamina,
aumenta a enantiosseletividade. Até hoje, os melhores ee (72%) obtidos foram
com Pd/TiO2 (5%) como catalisador modificado com CD, na hidrogenação de
ácido E-α-fenilcinâmico para formar o ácido S-(+)-2,3 difenilpropiónico. (NITTA
2000, p. 179)
Até o momento existe muita ambigüidade em relação ao solvente a ser
utilizado neste tipo de sistemas, entretanto muitos pesquisadores concordam
que uma maior quantidade de modificador (estequiométrica) aumenta o
50. 50
excesso enantiomérico nestas hidrogenações. Tanto para o sistema Pt-cinchona
como para o Pd-cinchona, ainda não foram bem identificadas as
interações que ocorrem nas reações de hidrogenação enantiosseletivas.
2.3.2.3. Ciclo catalítico da hidrogenação assimétrica heterogênea.
Geralmente, o mecanismo de hidrogenação enantiosseletiva se
representa através de dois ciclos, racêmico e enantiosseletivo. (STUDER,
BLASER, EXNER 2003, p. 61) Na Figura 30 se representa um ciclo catalítico
como modelo básico da reação de adição, por etapas, do hidrogênio ao grupo
carbonila e/ou grupo C=C, respectivamente. Este ciclo é compatível com a
descrição Langmuir-Hinshelwood e consiste numa adsorção rápida da cetona e
o hidrogênio sobre o sítio ativo, o passo de adição de dois átomos de
hidrogênio ao grupo C=O com um intermediário parcialmente hidrogenado e
finalmente a dessorção rápida do álcool ou produto da reação.
S
I O
Mmod
Mmod
Mmod
S
I O
S
I OH
H
H
S OH
I
S
I O
S
I O
O
S I
M
S H
I
OH
M
mod modificador
I substituinte volumoso
S substituinte pequeno
Ciclo - R
Ciclo - S
H2
H2
(R)
(S)
Pro-R
Pro-S
mod
Ciclo
Racêmico
H2
Figura 30. Ciclo catalítico para a hidrogenação de cetonas sobre um catalisador
parcialmente modificado.
51. 51
A reação sobre o metal não modificado conduz ao produto racêmico,
mas se o sítio ativo é modificado com ácido tartárico (provavelmente
irreversível) ou por cinchona (provavelmente reversível) a reação acontece com
uma certa enantiosseletividade intrínseca devido à diferente reatividade da
cetona adsorvida via face Re e Si respectivamente. (BLASER, GARLAND,
JALETT 1993, p. 576; BLASER et al. 1998, p. 288)
O conhecimento atual acerca do mecanismo das reações de
hidrogenação assimétrica sobre catalisadores heterogêneos ainda é
insuficiente para propiciar uma sistematização objetiva da estratégia desta
reação, o qual limita até certo ponto a utilização de outros substratos mais
complexos que os α e β-ceto ésteres. Contribuições importantes virão na
medida que o modelo mecanístico seja melhor compreendido.
2.3.3. Indução Assimétrica. Controle estereoquímico na
hidrogenação assimétrica heterogênea.
O controle esterequímico nas reações de hidrogenação assimétrica é um
fator importante para alcançar alta enantio ou diastereosseletividade. A
introdução de um centro assimétrico numa molécula, com a finalidade de que
este governe ou controle a formação do novo centro que vai ser introduzido
durante a reação de hidrogenação enantiosseletiva constitui um tema de
estudo que inicialmente esteve dirigido a aumentar a pureza ótica do composto
desejado.
As reações típicas de processos diastereosseletivos se encontram na
literatura (WHITESELL 1992, p. 953) e o composto que fornece o centro
estereogênico é comumente chamado de auxiliar quiral, exemplo dentre estes
é o sultan[10,2]bornano. (OPPOLZER 1987, p. 1970; OPPOLZER, TAMURA
1990, p. 991) A indução assimétrica é realizada pela introdução de um
composto quiral ao substrato que será hidrogenado. O produtro hidrogenado,
oticamente ativo é, então, separado do auxiliar quiral. Uma escolha adequada
52. 52
do indutor, do catalisador e das condições da reação resultará numa alta
diastereosseletividade.
Os auxiliares quirais mais comumente conhecidos são os do tipo
cicloexil, em particular, derivados do mentol, 8-fenilmentol de Corey e o trans-2-
fenilcicloexanol. Estes compostos têm sido utilizados em várias reações com o
objetivo de controlar a estereoquímica do novo centro quiral a ser formado.
(WHITESELL 1992, p. 954) Vários pesquisadores envolvidos nas investigações
relacionadas à indução assimétrica têm proposto modelos onde o controle
absoluto da estereoquímica se explica através de interações π-stacking
(TUCKER, HOUK, TROST 1990, p. 5465; HUNTER, SANDERS 1990, p. 5225)
que ocorrem durante reação entre a parte aromática do auxiliar quiral e o
substrato.
Compostos comumente utilizados como blocos de construção quiral
podem ser encontrados nos carboidratos, terpenos, aminoácidos, hidróxi
ácidos e alcalóides, mas (BLASER 1992, p. 935) também podem ser
preparados vía síntese assimétrica. Entretanto, o auxiliar quiral deve possuir
algumas propriedades básicas para que possa ser utilizado.
O composto formado entre o auxiliar quiral e o substrato deve permitir,
após tratamento com ácido mineral ou uma base, a recuperação do auxiliar
com alto rendimento (após completar a reação) e sem racemização. Deve ser
relativamente barato e disponível comercialmente em suas duas formas
enantioméricas, de tal maneira que permita preparar, à partir do substrato, os
enantiômeros correspondentes. O centro quiral deverá estar o mais próximo
possível do grupo a ser hidrogenado. (BESSON, PINEL 1998, p. 26)
Muitos dos procedimentos descritos na literatura sobre indução
assimétrica através de hidrogenação diastereosseletiva estão relacionados
fundamentalmente à síntese de aminoácidos e peptídeos. Sheehan e Chandler
reportaram (SHEEHAN, CHANDLER 1961, p. 4795) a preparação dos
enantiômeros –D e –L dos aminoácidos fenilalanina e valina. A reação de
53. 53
aminólise da azalactona com a L-α-feniletilamina como auxiliar quiral produz a
deidroamino amida que foi posteriormente hidrogenada, em metanol, utilizando
como catalisador Ni-Raney. A hidrólise da amida forneceu a D-valina e a D-fenilalanina
com purezas óticas de 39% e 6%, respectivamente, Figura 31. A
utilização da D-α-feniletilamina produziu o isômero oposto, L-.
Ph
NH2
CH3
Azalactona
R
H
H3C Ph
O
NH
R1
O NH
HOOC
NH2
RCH2
D-Amino · cido
H2
RCH2
H3C Ph
O
NH
R1
O NH
Ni-Raney/MeOH
Figura 31. Hidrogenação diastereosseletiva. Preparação de aminoácidos.
Sinou et al. utilizaram o procedimento de Bergmann para a preparação
dos desidroaminoácidos. As α-feniletilaminas (S e R) foram empregadas para
obter as desidroamino amidas correspondentes. Todos os desidroamino
compostos foram reduzidos posteriormente utilizando catalisadores de Rh (I) e
fosfinas quirais com DIOP, BPPM e DIPAMP. (SINOU et al. 1981, p. 121) Este
foi um exemplo de dupla indução assimétrica, onde os desidrodipeptídeos são
reduzidos com altas estereosseletividades e independentemente da
configuração do amino ácido ou amina quiral introduzida a configuração do
novo centro estereogênico formado é (S).
Ojima et al. realizaram estudos sobre a hidrogenação diastereosseletiva
de dipeptídeos com a finalidade de obter polipeptídeos análogos de hormônios
naturais como a encefalina, vasopresina, angiotensina II, gonadoliberina e
outras. (OJIMA et al. 1982, p. 1329) Eles observaram que a presença de um
centro quiral na molécula a hidrogenar não afeta a formação do novo centro
estereogênico, embora tenham tido considerável dupla indução em alguns
casos. Desta forma, eles determinaram que a correta seleção dos ligantes
quirais permitiria uma alta estereosseletividade junto com os isômeros
desejados.
54. 54
Harada realizou vários trabalhos relacionados a hidrogenação
diastereosseletiva de didesidroamino amidas quirais, di-desidrodipeptidídeos e
di-desidrotripeptídeos. (HARADA 1985, p. 347) Ele descreveu a obtenção de S-p-
aminofenilalanina com ee de 34% utilizando o éster do ácido (-) mentílico e
realizou a hidrogenação diastereosseletiva de N-acetildesidroalanilamidas
utilizando diferentes aminas quirais. Nos trabalhos realizados, a substituição da
α-metilbenzilamina (ou feniletilamina) pela α-etil rendeu uma diminuição da
pureza ótica do amino ácido formado. Por outro lado, esta aumentou quando foi
utilizado a R-naftilamina. (HARADA 1985, p. 262) A influência do solvente
também foi analisada e foi observado que uma diminuição da constante
dielétrica resultou em aumento na pureza ótica do produto. (HARADA 1985, p.
364)
Em outro estudo, a utilização da S-prolina junto com a adição de sais
inorgânicos permitiu alcançar bons ed (66-80%) para diferentes dipeptídeos. A
adição de ions de Ca2+ e Mg2+ incrementou a diastereosseletividade na
hidrogenação de derivados da valina e a tirosina. (LISICHKINA et al. 1997, p.
333)
Tungler et al. também realizaram reações de hidrogenação
diastereosseletiva de derivados do ácido aminocinâmico. Os autores utilizaram
α-feniletilamina e S-prolina para a abertura da azalactona e posteriormente
hidrogenaram o desidroamino composto obtido. Os autores compararam a
reação enantiosseletiva e a diastereosseletiva de modo a conhecer qual
método estereosseletivo é melhor para a preparação dos derivados da
fenilalanina. (TUNGLER et al. 1999, p. 240) Desta forma, diferentes valores de
ee e ed foram obtidos na hidrogenação de alguns derivados do ácido
aminocinâmico usando vários catalisadores de Pd-suportados. A indução
assimétrica foi maior na hidrogenação diastereosseletiva que na
enantiosseletiva. A introdução de indutores como a prolina causou um aumento
na diastereosseletividade da reação, devido provavelmente, à estrutura mais
rígida dos substratos, estabilizada através de ligações de hidrogênio (Figura
32). (TUNGLER et al. 1999, p. 243)
55. 55
NH
OH
O
HN CH3
O
CH3
N
HN
CH3
O
O
HN
O
Z-N-acetil-α,β-didesidrofenilalanil- 2S-1-hidroxi-2-butilamida
H2 Pd/C (10%)
12,8% e.d.
Z-N-acetil-α,β-didesidrofenilalanil- S-prolinanilida
H2 Pd/C (10%)
68% e.d.
Figura 32. Didesidroaminoácidos hidrogenados por Tungler et al. (TUNGLER et al.
1999, p. 243)
Numa outra reação de hidrogenação diastereosseletiva, Beson et al.
realizaram a hidrogenação de derivados do ácido o-toluíco utilizando como
auxiliar quiral o ácido (S)-piroglutâmico e catalisadores de Rh e Ru suportados
sobre carbono ou alumina. (BESON et al. 1998, p. 1431) Este ácido mostrou
ser melhor indutor quiral que a S-prolina, Figura 32. Os ed incrementaram-se
quando se adicionou etildicicloexilamina (EDCA).
Outros trabalhos também reportam a utilização da α-feniletilamina
(MARQUES 1997, p. 43) e aminoácidos (BASTOS 1999, p. 107) como
auxiliares quirais nas reações de hidrogenação diastereosseletiva.
Indistintamente os catalisadores utilizados nestas reações são Pd
suportado sobre carvão ou alumina, assim como Rh e Ru. O desempenho na
seletividade destes metais está relacionada, fundamentalmente, a mudanças
no estado de oxidação, na morfologia ou na cobertura pela água, a qual
permitiría (ou não) uma ótima interação do substrato na superfície do
catalisador. (BESSON, PINEL 1998, p. 36)
56. 56
O
Cl
CH3
O COOMe
O
N
CH3
i
tolueno
i=Èster metÌlico do · cido S-piroglut· mico.
O COOMe
O
N
CH3
H2
Catalisador
O COOMe
O
N
CH3
O COOMe
O
N
CH3
+
1R, 2S, 2'S 1S, 2R, 2'S
H2
Catalisador
Figura 33. Hidrogenação diastereosseletiva de derivados do ácido o-toluíco.
O processo de hidrogenação diastereosseletivo heterogêneo oferece
uma ferramenta eficiente para a obtenção de compostos puros. No caso
específico da preparação de aminoácidos, onde em muitas ocasiões o
processo enantiosseletivo ainda não produz rendimentos semelhantes aqueles
obtidos para os α-cetoésteres, esta sería uma via interessante a ser explorada,
estudando os mecanismos de controle diastereosseletivo que se encontram
presentes no sistema. Mais uma vez, a escolha do catalisador, auxiliar quiral e
das condições de reação terão uma forte influência nos resultados de
estereosseletividade obtidas.
57. 57
3. Objetivos.
Devido à importancia prática que os aminoácidos possuem como blocos
quirais de construção, neste trabalho nós colocamos como objetivo principal a
produção de N-acilaminoácidos e N-acilamino amidas, utilizando catálise
heterogênea.
Outros objetivos parciais do trabalho foram:
Ø Preparar uma série de substratos pró-quirais susceptíveis a
hidrogenação heterogênea e considerados como potenciais inibidores
enzimáticos de cisteinil proteases e de outras enzimas.
Ø Estudar o comportamento dos catalisadores comumente utilizados na
hidrogenação heterogênea de duplas ligações, como Pd/C, Pt/Al2O3,
Ru/Al2O3 e PtO2, com a finalidade de escolher aquele mais adequado
para realizar a redução dos nossos substratos pró-quirais.
Ø Comprovar, através de experimentos, a interação de tipo π-planar entre
substrato-modificador quiral e entre substrato-catalisador, proposto
como favorável para efetividade da enantiosseletividade do processo de
hidrogenação.
Ø Estudar a reação de hidrogenação heterogênea diastereosseletiva como
via alternativa para a preparação de aminoácidos com boa
enantiosseletividade.
Ø Preparar a L-DOPA através de uma vía alternativa diferente às
encontradas atualmente na literatura via catálise heterogênea
assimétrica.
58. 58
4. Parte Experimental.
4.1. Materiais e Métodos.
Os solventes e reagentes utilizados foram fornecidos pelas empresas
VETEC, Merck e Aldrich Chemical Co. Os solventes foram utilizados sem
purificação prévia. Procedimentos de secagem foram efetuados de acordo com
a literatura. (PERRIN, ARMAREGO, 1988)
As reações de hidrogenação foram efetuadas em Reator Autoclave-Parr
de 200 mL (Figura 34). Pressão máxima de 10 bar/150 psi a 100°C de
temperatura e de 6 bar/90 psi/0,6 MPa a 150°C para o reator de vidro e 60
bar/870 psi/6 MPa para o reator de aço.
Figura 34. Reatores utilizados nas reações de hidrogenação.
A caracterização dos produtos de reação foi realizada,
fundamentalmente, pelas técnicas espectroscópicas de IV e RMN-1H e RMN-
13C. Os espectros de infravermelho foram registrados em aparelho FT-IR
Nicolet Magma-IR 460, utilizando a técnica de pastilha de KBr. Os espectros de
RMN-1H e RMN-13C foram realizados em aparelho UXNMR, Bruker Analytische
Messtechnik GmbH de 200 e 300MHz Ac-P e os solventes utilizados foram,
CDCl3 e DMSO-d6, fundamentalmente, além de D2O. Os espectros de RMN e
59. 59
IV foram processados através de programas de química (ACD/Specviewer,
versão 5.04) adquiridos gratuitamente via INTERNET da Advanced Chemistry
Development Inc. A temperatura de fusão (P.f.) dos compostos preparados foi
medida em aparelho Thomas Hoover Capillary Melting Point Apparatus e
comparado com o da literatura. As reações foram monitoradas por CCF,
utilizando placas cobertas com poliéster de gel de sílica (Merck 60 SI F254). Os
produtos de reação foram examinados pela fluorescência em espectroscopia
na região do UV e pela revelação por reação cromatográfica com ninhidrina. A
CLAE foi utilizada para medir excessos enantioméricos (ee) com coluna quiral
Chirobiotic-T em aparelho SHIMADZU LIQUID CHROMATOGRAPHIC, LC-
10AS. Como fase móvel se utilizaram diversos sistemas de solventes,
MeOH/HOAc/Et3N (100:1:1); EtOH/H2O (60:40) e H2O/MeOH (70:30). A análise
elementar foi realizada em aparelho PERKIN ELMER 2400 CHN Elemental
Analyzer. O ângulo de rotação, α, foi medido em polarímetro digital JASCO
DIP-370 para posteriormente calcular o ângulo de rotação específico, [α],
através da equação [ ] α
α = 10000
(aonde c, é a concentração, w/v% e l, o
cℓ
comprimento da cela, mm).
4.1.1. Preparação e caracterização dos catalisadores.
A hidrogenação dos desidro aminoácidos e desidro aminoamidas foi
realizada com catalisadores comerciais de óxido de platina (IV), PtO2 e Pd/C
(10%), (Aldrich Chemical Company, Inc.) e foram utilizados tal e como
recebidos. Os catalisadores de Ru/Al2O3 (5%), Pt/Al2O3 (5%) e Pd/C (9%)
foram preparados por impregnação úmida do sal precursor nos suportes e
caracterizados previamente. Os sais utilizados foram PdCl2, cloreto de paládio
(II), para o catalisador de Pd e para os da platina e rutênio foram utilizados os
sais PtCl2 e o RuCl2, respectivamente. Os suportes utilizados na preparação
dos catalisadores metálicos foram: A) Carvão vegetal ativado (V147), cedido
pela CARBOMAFRA (Paraná-Brasil); B) Alumina Al-3916 P cedido pela
Engelhard Co.
60. 60
Na caracterização (SABINO 2002, p.39) dos catalisadores preparados
foram utilizados dois métodos de análise.
Método A. Análise de Textura.
O método estático foi utilizado para caracterização tanto dos suportes,
como dos catalisadores. Este baseia-se em variações da pressão parcial de N2
gasoso em contato com a amostra, na temperatura de 77,3 K e medição da
quantidade de gás adsorvido, após atingido o equilíbrio termodinâmico em
cada pressão. A quantidade de gás adsorvido pode ser quantificada
volumetricamente ou gravimetricamente.
O equipamento utilizado foi um Micromeritics ASAP2000, que faz
medidas volumétricas.
A técnica mais tradicional e mais largamente empregada foi
desenvolvida por BRUNAUER, EMMETT e TELLER. (BRUNAUER, EMMET,
TELLER 1938, p. 309) Entretanto, a teoria desenvolvida por esses três
pesquisadores não tem boa aplicabilidade aos materiais microporosos, como é
o carvão. Os microporos tem dimensões (largura) da ordem de grandeza
molecular e, portanto, uma única molécula de adsorbato já ocuparia toda a
largura do poro, impossibilitando a formação de multicamadas. Para tentar
solucionar esse problema, DUBININ (DUBININ 1967, p. 487) desenvolveu uma
teoria baseada na suposição de que há uma variação da energia de adsorção o
que até então não era considerado pelas teorias anteriores. Desta forma, a
teoria de DUBININ prevê um aumento na adsorção a baixas pressões, antes
subestimado.
Método B. Quimissorção de CO.
Quimissorção Estática de CO. Baseando-se nos trabalhos de BENSON
e BOUDART (BENSON, BOUDART 1965, p. 704), foi calculado o volume de
CO adsorvido (VCO) pela diferença entre as duas isotermas correspondentes a
61. 61
adsorção total e adsorção reversível. Portanto o VCO obtido corresponde a
adsorção irreversível de CO.
4.2. Preparação dos intermediários para a obtenção dos α-
aminoácidos e α-amino amidas.
4.2.1. Procedimentos para a proteção da glicina.
A N-acetilglicina foi preparada segundo o procedimento descrito na
literatura. (HERBST, SHEMIN 1943, p. 11) Foram colocados em erlenmeyer de
1 L, 75 g (1 mol) de glicina e 300 mL de água. A mistura foi agitada
vigorosamente até quase dissolução da glicina e depois foram adicionados 215
g (2 moles) de anidrido acético (95%). Á agitação foi mantida durante,
aproximadamente, 15-20 minutos. Nesse tempo a mistura aquece e á
acetilglicina começou a cristalizar. A solução foi colocada na geladeira durante
á noite para completar o processo de cristalização. O precipitado foi filtrado e
lavado com água gelada para posteriormente secar em estufa. Rendimento: 88
g (P.f.: 205-206°C). As águas de filtrados foram coletadas e concentradas a
secura no rotoevaporador a pressão. O resíduo obtido foi recristalizado em 75
mL de água fervente para isolar mais 20 g.
N-acetilglicina (Ia): Rendimento total: 108g, 93%, P.f.: 205-206ºC; RMN-1H
(DMSO-d6), δ(ppm): 12,5 (1H, s, COOH), 8,16 (1H, s, NH), 3,71 (2H, d, CH2,
J=6,0Hz), 1,84 (3H, s, CH3); RMN-13C (DMSO-d6), δ(ppm): 172,0 (COOH);
170,0 (NHCO); 41,0 (CH2); 22,7 (CH3); IV (pastilha de KBr), νmáx (cm-1): 3352,
deformação axial de NH (amida); 1720 deformação axial de C=O, ácido
carboxílico; 1586-1500, superposição de bandas, C=O (amida) e deformação
axial de NH.
A N-benzoilglicina e a N-(α-naftoil)glicina foram preparadas através da
metodologia reportada na literatura. (INGERSOLL, BABCOCK 1943, p. 328)