1. Envelhecimento e qualidade de vida em
Portugal: algumas evidências e outras
tantas inquietações
António M. Fonseca
Universidade Católica Portuguesa & Unifai
afonseca@porto.ucp.pt
I Congresso Internacional
Envelhecimento e Qualidade de Vida
2. 1. Um olhar bio-ecológico sobre o
conceito de qualidade de vida
O factor individual surge como determinante para se afirmar a
inexistência de um caminho único de envelhecimento, podendo
diferentes pessoas percorrerem diferentes percursos de
envelhecimento com uma idêntica “qualidade de vida”.
Há diferenças sensíveis quanto ao modo como o processo de
envelhecimento decorre, de acordo:
Quer com o contexto cultural de referência (a velhice tanto poderá
constituir sinónimo de mais-valia e prestígio social como ser
sinónimo de dependência e menor importância social),
Quer de pessoa para pessoa relativamente a diversos aspectos
tidos geralmente como determinantes para a sua qualidade de vida:
condições económicas, saúde física, redes sociais de pertença e de
apoio, satisfação de necessidades psicológicas.
3. 2. Dinâmica biologia-cultura
ao longo do ciclo de vida
Influência
Biologia-Genética
Sociedade-Cultura
18 50 Envelhecimento
Ciclo de Vida
4. 3. O que significa envelhecer “com
qualidade” ?
Estudo da Fundação MacArthur (1984-1998)
destaca três condições para envelhecer “com
qualidade”:
Manter um baixo risco de doença (estilo de
vida saudável)
Manter um funcionamento físico e mental
elevado
Manter um envolvimento/compromisso
activo com a vida
5. Indicadores de “qualidade de vida” associados
ao envelhecimento (Castellón, 1998-2003):
autonomia, actividade, recursos económicos,
saúde, habitação, intimidade, segurança,
pertença a uma comunidade, relações
pessoais
Num estudo realizado em Espanha, Castellón
verificou que 2/3 dos entrevistados
valorizavam sobretudo a saúde e a autonomia
6. Um estudo realizado com 502 reformados
(Fonseca, 1999-2004) destaca as seguintes
categorias de “boa adaptação” à condição de
reformado:
Vida conjugal e familiar
Ocupação gratificante do tempo livre
(Re)definição de objectivos
Envolvimento em actividades de cultura e lazer
Enriquecimento da rede social (amigos)
8. 4.1 De novo a “ecologia do
envelhecimento”…
Em Portugal, quando se coloca a questão do
envelhecimento bem ou mal sucedido estamos a
definir padrões de adaptação do idoso às suas actuais
capacidades de funcionamento, no seu contexto de
vida, implicando com isso quer critérios externos-
sociais (relativos ao que se espera do idoso em cada
cultura), quer critérios internos-individuais (o sentir e a
vontade subjectiva).
O conceito de envelhecimento “com qualidade de
vida” só faz sentido numa perspectiva ecológica,
visando o indivíduo no seu contexto socio-cultural,
integrando a sua vida actual e passada, ponderando
uma dinâmica de forças entre as pressões ambientais
e as suas capacidades adaptativas.
9. 4.2 A “resignação”
Ao contrário certamente daquilo que sucede
nos países do norte da Europa –, Paúl,
Fonseca et al. (2003) verificaram que “a
resignação com a vida e com o destino é um
sentimento muito comum entre os
portugueses, especialmente entre os idosos.
Este sentimento, em conjunto com uma
profunda atitude religiosa, define a imagem
dos idosos que envelhecem com sucesso”.
Poderá a resignação ser tomada como critério de
envelhecimento bem sucedido?
10. 4.3 Qualidade de vida versus satisfação de vida
Retrato dos idosos portugueses quanto à qualidade
de vida (Paúl, Fonseca et al., 2005) :
27% “boa” / “muito boa”
41% “nem boa nem má”
32% “má” / “muito má”
Retrato dos idosos portugueses quanto à satisfação
de vida (Paúl, Fonseca et al., 2005) :
58% “insatisfeito” / “muito insatisfeito”
Porquê a diferença de avaliação verificada entre
satisfação de vida (negativa) e qualidade de
vida (razoável)?
11. 4.4 Viver na comunidade versus viver numa
instituição
Idosos residentes em lares tendem a sentir-se sós e
insatisfeitos, afastados das suas redes sociais num
dia-a-dia monótono; em contrapartida, vivem menos
agitados (Paúl, 1997)
Idosos residentes na comunidade vivem mais
satisfeitos; os que experimentam um reduzido bem-
estar, tal fica a dever-se ao “sentir-se só” e à falta de
apoio adequado mesmo para a realização de tarefas
de rotina (Paúl, 1997)
Será a solidão uma consequência universal do
envelhecimento?
12. 4.5 Viver em meio rural versus em meio urbano
As enormes diferenças entre o campo e a cidade no que diz
respeito ao ambiente físico e social, à história de vida e ao estilo
de vida dos indivíduos, parecem não influenciar o sentimento
predominante de solidão que se verifica nas populações idosas
das duas comunidades (Fonseca, Paúl et al., 2005).
Para além desse factor em comum, as atitudes face ao próprio
envelhecimento são significativamente mais negativas nos idosos
urbanos e o mesmo acontece com a ansiedade/agitação, que é
mais acentuada nos residentes metropolitanos.
Tomando como critério de envelhecimento “com qualidade” a
autonomia, os idosos rurais apresentam uma condição superior:
são mais activos, mais autónomos, as principais transições de
vida têm sido suaves, sem provocar roturas assinaláveis.
Mas conhecendo de perto as aldeias portuguesas, isoladas e
desertificadas, qual de nós pensa envelhecer aí?
13. 5. Da 3ª à 4ª idade
As “idades da velhice”: jovens-idosos; idosos;
muito idosos
Distinção entre 3ª e 4ª idade: diminuição da
importância da idade cronológica e aumento
da importância da idade funcional
Não há uma idade para se passar à 4ª idade,
tudo depende do grau de funcionalidade
Existência de descontinuidades e de
diferenças qualitativas entre as “idades da
velhice”
A relação entre ganhos e perdas na 4ª idade
torna-se desfavorável
14. 5.1 As “boas notícias” da 3ª idade
(Baltes & Smith, 2003)
Aumento da expectativa de vida
Elevado potencial de manutenção de
boa forma (física e mental)
Reservas cognitivas e emocionais
Níveis elevados de bem-estar pessoal
Estratégias eficazes de gestão de
ganhos e perdas
15. 5.2 As “más notícias” da 4ª idade
(Baltes & Smith, 2003)
Perdas consideráveis no potencial
cognitivo
Reduzida capacidade de aprendizagem
Aumento de sintomas de stresse crónico
Considerável prevalência de demências
Níveis elevados de fragilidade,
disfuncionalidade e multimorbilidade
16. 5.3 Da 3ª à 4ª idade: do envelhecimento diferencial à
diminuição da variabilidade inter-individual
3ª Idade (ca. 60-80 Anos) 4ª Idade (ca. 80-100 Anos)
Self/ Vida social
Conhecimento
Cognição
Condição
física
Plasticidade elevada Plasticidade reduzida
60 75 80 100
Idade Idade
Baltes (2002)
17. 6. 4ª Idade e dignidade humana
A 4ª idade não é simplesmente uma
continuação da 3ª idade…
A 4ª idade testa as fronteiras da
adaptabilidade humana
Viver mais tempo será um factor de risco
acrescido para a dignidade humana?
Daqui saem dilemas e desafios…
18. dilemas…
6.1 Os dilemas…
A tentação para estender os
limites do envelhecimento de
forma artificial, incrementando
formas de “mortalidade
psicológica” susceptíveis de
ameaçar a intencionalidade, a
preservação da identidade
pessoal, o controlo sobre o
futuro, uma vivência digna da
fase terminal da vida.
19. desafios…
6.2 Os desafios…
Face a menores capacidades
e/ou a problemas de saúde, a
adaptação pode resultar
dificultada e exigir a optimização
do meio físico e social, tendo em
vista aumentar a qualidade de
vida do sujeito que envelhece.
A institucionalização deve
responder à necessidade de ser
restabelecido um equilíbrio mais
favorável entre ganhos e perdas
(compensação).
21. Qual o objectivo?
Promover o envelhecimento activo
Envelhecimento
Activo
Participação Saúde Autonomia
22. Que estratégias (individuais)?
Procurar que a transição da vida
profissional para a reforma não se faça
“do 80 para o 8”
Cultivar sempre projectos
Evitar a “ditadura” do relógio social
Não cair na “armadilha” da idade
Investir em modalidades de participação
social, voluntariado, etc.
23. Estimular as capacidades cognitivas
Evitar o isolamento e promover a ligação
aos outros
Investir nas relações inter-geracionais
Manter um estilo de vida saudável
Ter uma atitude positiva e optimista face
à vida
24. Para aprofundar…
AM Fonseca (2005). Desenvolvimento humano e
envelhecimento. Lisboa: Climepsi.
AM Fonseca (2004). O envelhecimento, uma
abordagem psicológica. Lisboa: UCatólica Editora.
C Paúl, AM Fonseca (2005). Envelhecer em Portugal.
Lisboa: Climepsi.