O documento descreve aspectos do urbanismo ribeirinho na Amazônia, incluindo características arquitetônicas comuns de construções à beira-rio, como telhados de duas águas, varandas e postes elétricos. Também discute a necessidade de planejamento urbano nestas comunidades dispersas ao longo dos rios, para melhorar a qualidade de vida e reduzir problemas sociais.
10. Além do telhado de duas águas com protuberância para ventilação, ela é toda avarandada Com entrada central ladeada por duas varandas, olhando o rio, como é costume. Notável trabalho de conforto térmico e ventilar.
11. Apenas duas águas, mas prolongadas, obtendo um delicado efeito oriental. Duas varandas generosas, uma oposta ao rio, coisa rara.
12. Implantação incomum, até pela escassez de orla elevada. O inconveniente é o acesso, longe do rio. Note que mesmo ali, há palafitas.
13. Os etílicos são bem recebidos nessa bodega graciosa, de aberturas arredondadas.
14. Podemos supor: loja à frente e casa do lojista atrás, confirmando nossa teoria do rio como uma rua singular. Difícil será cobrar os fiados!
15. Muitas comunidades ordenam-se ao lado de igrejas. Notei algo curioso: quase sempre a igreja é alvo de um arrojo construtivo; uma audácia criativa rara nas residências.
16. Um centro de eventos aberto nos 3 lados, solução incomum, mas muito funcional neste clima. Outro resultado é que obtém um espaço mais informal para uso civil da comunidade. Edícula se revela pelas portas de serviço, nos lados. Provavelmente banheiros. O suave arquear do frontão, em 3 momentos, conferem graça e leveza à obra.
17. À esquerda o salão formal, feito com arte: varanda com colunas e, em cada uma, um capitel elementar, mas proporcional e com ritmo.
18. Simples, de presença forte, usando os símbolos clássicos: cruz no ápice e falsa bandeira sobre as aberturas, simulando arcos tradicionais, porém cegos.
19. Igrejas Como todas as outras construções, as igrejas olham para o rio. Esta implantação parece chamar o navegante, característica histórica dos prédios religiosos: conclamar a todos, se oferecendo como centro de reunião público. Ainda assim é curioso que nenhuma construção surge implantada lateralmente. Uma vez que o solo seco é muito reduzido, em algumas comunidades, seria razoável que surgisse, aqui e acolá, uma variação na direção da planta. Tal não ocorre. O que equivale a dizer que a posição do sol jamais é levada em conta, sendo a única orientação confrontar frontalmente o rio. Mesmo o letreiro denuncia essa obsessiva comunicação com o viajante: são grandes e postos bem altos, em detrimento do usuário local, que em sua posição não é favorecido para ler a informação. Naturalmente ele já sabe que ali é a igreja daquela comunidade. Esse desprezo pela escala humana do usuário local reflete-se na ausência de largos ou praças, ainda que pequenos, onde as famílias possam descansar ou se reunir. Fico imaginado quão isolado se sente um morador incrédulo, ou de outra fé, que por acaso se veja morando numa dessas comunidades. Em que grau se respira a liberdade e tolerância nesses núcleos tão reduzidos e herméticos?
20. A construção ribeirinha depende bem pouco da indústria de materiais de construção. O telhado, quase sempre de fibro-cimento, não é artesanal. Aqui uma exceção.
21. Muito comum um pequeno galpão aberto, para serviços. Este parece ser o caso, à direita. Sendo mais alto que o normal, temos uma área sombreada para depósito ou trabalho com maior frescor.
22. O rio é o acesso. A implantação se dá numa gamboa, assim é preciso manter desobstruídas as entradas. Lembra um condomínio fechado, ou não?
23. As faixas revelam envolvimento com quem passa. A comunidade, aqui, convida.
24. Apesar de dispor de uma boa ribanceira atrás, a opção foi ficar à margem. Chalé bem resolvido: varandas, acesso lateral e muita sombra.
25. O flutuante às vezes é residência, mas normalmente é prestador de serviço ou comércio de estiva (secos e molhados).
26. Boa solução com ventilação e sombra. Pé direito alto; ventilação cruzada; varanda recuada. Pilares com capitéis, dando leveza e rítmo. Provavelmente, uma escola.
27. Cor, até na canoa! Há uma apreço pelo jogo visual de duas cores, Sempre em contraste.
30. Além de graciosa, um detalhe: a entrada se dá com a porta na lateral, da sombra. Algo inusitado por aqui.
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33. Algumas cabeças de gado e uma trave de futebol! Tudo bem, mas quem vai pegar a bola quando o chute for exagerado?
34. A cor de barro é típica do Solimões. Nas lagoas e afluentes a água é preta e mais transparente, como no Rio Japurá.
35. Não é comum que haja uma grande árvore à beira do rio. A próxima foto mostra uma, maravilhosa. Veja a rês descansando à sombra.
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37. Garças se alimentam dos insetos que perturbam o gado. Assim o boi a tolera como amiga.
38. Por um Planejamento Urbano Rural Por mais paradoxal que pareça ser esta expressão, sinto-me inclinado a usá-la, especialmente em virtude do que notei no Solimões. A definição clássica de Benévolo, que separa o urbano do rural fracassa aqui e, portanto, deve ser abandonada. O flutuante é uma casa ou comércio feito sobre uma balsa que fica estacionada em determinados pontos do rio, sendo um elemento de encontro e compras, característica mais própria de cidade do que de aldeia. Vemos flutuantes surgirem esparsamente em todo o rio, o que a meu ver significa uma fragmentação urbana, ou seja, a construção de uma cidade que explodiu e se espalhou numa área gigantesca. Entendo que o rio se tornou uma avenida monumental onde o viajante encontrará igrejas, bares, oficinas, venda de grãos, frutas e peixes. Sendo assim, podemos esperar encontrar problemas típicos de qualquer rua ou avenida convencional, como: lixo, esgoto, acesso etc. Compreender a orla como uma rua ímpar nos moverá a pensar no planejamento e regulação de sua ocupação, o que impedirá termos no futuro uma situação caótica causando efeitos devastadores em termos sócio-ambientais.
39. Osório Barbosa, amazonense e intelectual, contou-me sobre a cidade flutuante que havia em Manaus, à beira do rio, quando os flutuantes se multiplicaram, formando uma aldeia muito grande, intricada e de difícil acesso. Ali se tornou um centro de criminosos, como nas favelas urbanas, pois o labirinto era tal que a polícia tinha dificuldades em localizar os bandidos. Foi necessário eliminar a cidade flutuante e assim Manaus respirou aliviada. O que demonstra ser necessário regular e restringir o uso dos flutuantes. Outro dado relevante: Maraã é um município gigantesco, com 124 comunidades ribeirinhas. Podemos imaginar o desafio que é levar assistência médica, ambulância, vacinação, eletricidade, água e esgoto a tantos centros espalhados. Isso reforça a tese do planejamento urbano ribeirinho. É necessário aglutinar tais comunidade, e reduzir seu número. É necessário lutar contra a tendência de se achar que o rio não tem dono e todo mundo pode construir sua casinha isolada do mundo. Tal isolamento, diga-se de passagem, tem muito a ver com o abuso de crianças, pedofilia e incesto, como descobri conversando com Gerliane, gestora na secretaria da saúde de Maraã. Depois desta conversa passei a ver com outros olhos a lenda do boto e seu folclore: o peixe certamente não tem ideia de que serve de justificativa a tantos canalhas ribeirinhos.