Versão PDF da apresentação efetuada por Filipe Leal no 11º Encontro ETerna Biblioteca, realizado a 13 e 14 de Setembro de 2013 em Sintra. Sob o título PNL: discursos & práticas são abordadas as temáticas do Plano Nacional de Leitura, promoção da leitura, discursos sobre a leitura
1. Não vale a pena o voluntarismo, é inútil, ler sem-
pre foi e será coisa de uma minoria. Não vamos
exigir a todo o mundo a paixão pela leitura.
José Saramago | Biblioteca Municipal Oeiras | 31 Maio 2006
3. Plano
Nacional
de Leitura
Chegámos a um patamar em que a Leitura, ou
mais precisamente a Não Leitura, se tornou factor
de exclusão. Esta constatação exige dos gover-
nantes uma tomada de posição, uma atitude. Em
defesa de valores tão altos quanto a paz social, a
qualificação dos portugueses, o desenvolvimento
sustentado da nossa sociedade. A atitude que to-
mámos tem um nome: chama-se Plano Nacional
de Leitura.
Isabel Pires de Lima, Ministra da Cultura
Discurso de apresentação do PNL (1 de Junho de 2006)
4. Plano
Nacional
de Leitura
Não dei o meu apoio ao Plano Nacional de Leitura
para depois o retirar. Recordei na Biblioteca Muni-
cipal de Oeiras as várias campanhas de promoção
de leitura que foram lançadas no pais em tempos
recentes e menos recentes, e a prática inutilidade
de todas elas, como é facilmente demonstrável,
tanto pelo elevadíssimo número de analfabetos
funcionais existente como pelas altas taxas de in-
sucesso escolar e abandono do estudo.
José Saramago, Prémio Nobel da Literatura
Entrevista ao JL (7 de Junho de 2006)
10. Discursos
A primeira parte desta comunicação baseia-se
na dissertação de mestrado intitulada Discur-
sos sobre a leitura: análise da polémica em
torno do Plano Nacional de Leitura, que foi
por mim apresentada à FPCE da UL em 2006.
12. Francisco José
Viegas
Uma das notícias da semana passada
foi, sem dúvida, a apresentação das
ideias gerais que hão-de presidir ao
Plano Nacional de Leitura. O país in-
teressou-se vagamente pelo assunto,
porque chegou à conclusão de que se
atingiu – nas escolas e na vida famili-
ar – uma espécie de ponto de não-re-
torno, cujo diagnóstico é certamente
pessimista.
13. José Manuel
Fernandes
Não são só os nossos maus resulta-
dos nos testes de literacia: todos os
índices revelam, de alguma forma, que
estamos na cauda da Europa, e por
vezes chegamos a estar mal clas-
sificados quando nos comparamos
com países muito mais pobres. Os
portugueses lêem, por dia, propor-
cionalmente, pouco mais de metade
dos jornais que os espanhóis, um ter-
ço dos franceses, um quinto dos in-
gleses, um décimo dos nórdicos ou
dos japoneses. Não lemos, ponto.
Nem jornais, nem livros. Quem, mes-
mo assim, anda com um diário des-
portivo debaixo do braço corre o risco
de passar por um intelectual.
14. Vasco
Graça Moura
Outros países têm problemas seme-
lhantes [iliteracia], mas em percenta-
gem muito menor, e por isso é que o
caso português é tão grave. Deixa-nos
irremediavelmente no fim da tabela e
prepara-nos para um futuro sem saí-
da.
15. Vasco
Pulido Valente
Não conheço muita gente, gente da
minha idade, que leia, apesar de uma
educação tradicional. Porquê? Porque
ler implica um esforço: de atenção, de
inteligência, de memória. Ler é uma
actividade e a nossa cultura é quase
inteiramente passiva. A televisão, o
DVD, a música popular ou a conversa
de computador não exigem nada, dei-
xam a pessoa num repouso impertur-
bado e bovino. Mudar isto equivale a
mudar o mundo. Não se faz com um
"plano".
16. O fenómeno
da não-leitura
(crise leitura)
Temática da leitura é abordada pela negativa
Ideia da crise da leitura é dominante
Situação nacional pior que situação internacional
Situação presente pior que situação passado
Identificação clara causas fenómeno não-leitura
18. Inês
Pedrosa
Não se pode obrigar ninguém a ler,
mas o que se tem feito nas últimas
décadas é obrigar as crianças e jovens
a não ler - porque instrumentalizar a
leitura (ler «a matéria» ou ler «para a
disciplina A ou B») ou banalizá-la
(considerando equivalentes não só
literatura e a notícia de jornal, como
Camões e as novelas «light») é a
melhor maneira de a matar. Mesmo
assim, e ao contrário do que se diz, as
crianças e os adolescentes gostam de
ler; vão perdendo esse prazer à
medida que percebem que os adultos
não leem, ou só leem «a matéria»
(que é o mesmo que, efectivamente,
não ler).
19. Vasco
Pulido Valente
O Estado não gosta da escolha? Uma
pena, mas não cabe ao Estado ori-
entar o gosto do bom povo. No inte-
rior, não há livrarias? Verdade. Só que
a escola e a biblioteca, ainda por cima
“orientadas”, não substituem a livra-
ria. E um hipermercado, se me permi-
tem a blasfémia, promove a leitura
mais do que qualquer imaginável in-
tervenção do Estado.
20. Francisco José
Viegas
Certamente que "ler muito" é bom -
mas "ler bem" é muito melhor. É cla-
ro que ninguém, no seu perfeito juízo,
está em condições de definir o que é
"ler bem", embora se perceba que se
trata de ler bons autores, de conhecer
a grandeza dos clássicos da nossa
língua e das outras línguas, da nossa
cultura e das outras culturas. Ninguém
é melhor cidadão por ter lido Fernan-
do Pessoa ou João de Barros. Mas a
capacidade de entender o mundo mel-
hora consideravelmente. Ler bem é,
também, aproveitar a felicidade de
ler, se se é feliz ao ler um livro que se
amou. Mas não se trata de uma
virtude cívica.
21. Vasco
Pulido Valente
Com eterno retorno, em que se tor-
nou a vida portuguesa, volta a leitura,
desta vez com um "plano". Pôr a cri-
ançada a ler e o público em geral.
Muito bem. A ler o quê? Os clássicos,
dizem. Mas que espécie de clássicos?
Gil Vicente, Camões, Vieira, Garrett,
Camilo, Eça, Oliveira Martins, Cesário,
Pessoa? Infelizmente, não há clássi-
cos que se possam ler: tirando a poe-
sia (um caso complicado), um pouco
de Eça, de Camilo e Oliveira Martins,
quanto muito. E o inevitável Júlio
Dinis, se conseguir passar por clássico
e se alguém hoje o aturar. O facto é
que a literatura portuguesa é pobre.
22. Francisco José
Viegas
Penso que o conhecimento dos clás-
sicos é um dos melhores caminhos
para conhecer a nossa história, a
nossa língua e a nossa cultura. E que a
leitura de um clássico é melhor do que
a leitura de um regulamento do Big
Brother, um artigo de jornal ou cartaz
publicitário. Se o Plano Nacional de
Leitura não devolver os clássicos da
nossa língua à escola, não terá su-
cesso.
23. Eduardo
Prado Coelho
Tanta coisa a fazer, e meia-dúzia de
espíritos conservadores a rosnarem
contra a iniciativa! Não se trata de
dizer às pessoas o que devem ler
(leiam o que quiserem), nem de nen-
hum voluntarismo (ao contrário do
que me dizem que Saramago terá
afirmado, mas eu não acredito). É
preciso muita imaginação na promo-
ção da leitura. Mas garanto-lhes que
vale a pena. E se hoje se lê mais, o
que é um facto, há duas observações
que é preciso avançar: será que os
esforços que já têm sido feitos não
têm grande influência nisto? E ainda:
têm a noção do que lê normalmente
um jovem estudante universitário?
24. Os estatutos
das leituras e
dos leitores
Boas leituras (cânone literário) / Más leituras (best-sellers)
Boas leituras = bons leitores / Más leituras = maus leitores
Estabelecimento de um cânone escolar:
• Leituras obrigatórias e prescritas
• Cânone escolar = cânone literário
• Padrão de gosto e referencial cultural
26. Vasco
Graça Moura
Os livros, pois. Levar a população, so-
bretudo os jovens, a ler mais. Tornar
obrigatória a leitura de um conjunto
de livros para cada ano escolar. Em
França, os miúdos do secundário são
obrigados a ler sete a oito livros por
ano, para além das matérias que inte-
gram a disciplina de Francês. E têm de
falar deles nas aulas...
27. José Manuel
Fernandes
Mas não chega, pelo que o Plano on-
tem anunciado procura ir mais longe
e criar hábitos (forçados) de leitura
nos diferentes graus de ensino. Como
ideia é positivo, corresponde mesmo
a uma ruptura com a aceitação passi-
va de que "não se pode fazer nada".
28. Francisco José
Viegas
Mas a escola cumpre um papel essen-
cial, razão porque há a esperar algu-
ma coisa desta iniciativa, uma vez
que na sua base está também o tra-
balho de uma das pessoas que mais
fez pela qualidade das bibliotecas es-
colares, Teresa Calçada, além de uma
autora que pôs muitos adolescentes
no caminho da leitura, Isabel Alçada.
29. Vasco
Graça Moura
Há décadas que, mais ou menos de
seis em seis meses, novos relatórios,
novos estudos e novas análises vêm
sistematicamente concluir pelo fal-
hanço total do nosso sistema de en-
sino e pela impreparação clamorosa
dos que o frequentam ou frequenta-
ram.
30. Francisco José
Viegas
Precisamente, alguns ideólogos es-
tapafúrdios do ensino do Português
(aqueles que dizem que a matéria
curricular trata do "ensino do portu-
guês" e não do "ensino da literatura")
garantem que interessa acabar com a
iliteracia e que a literatura não tem
nada a ver com o assunto.
31. Vasco
Graça Moura
O choque de que o nosso país preci-
sa nessa matéria reconduz-se à varre-
dela: é preciso varrer radicalmente do
sistema a maior parte dos actuais
programas, manuais, livros de estu-
do, métodos de ensino, teorias peda-
gógicas, talvez mesmo as próprias ba-
ses em que funcionam as escolas su-
periores de educação, formando pro-
fessores cuja actuação, a despeito de
boas classificações, de empenhamen-
tos sinceros, das maiores boas von-
tades e dedicações, redunda global-
mente nos famigerados resultados re-
feridos.
32. O papel da
escola e do
professor
O sistema de ensino é responsabilizado pelos baixos níveis literacia
Existe uma apreciação negativa em relação aos professores
Necessidade de introduzir profundas alterações na escola
34. Eduardo
Prado Coelho
Para dar alguns exemplos, podemos
lembrar que é possível racionalizar o
que se passa nas bibliotecas públicas,
poupando esforços e dinheiro do Or-
çamento do Estado, fazendo circular
exposições, ou criando ciclos comuns
de conferências e debates, ou desen-
volvendo essa excelente ideia que foi
o lançamento das comunidades de
leitores.
35. José Manuel
Fernandes
É natural e salutar que isto preocupe
as autoridades e é notável que nos
últimos anos se tenha desenvolvido
um esforço continuado, teimoso, de
criar redes de bibliotecas municipais
e de bibliotecas escolares. Ter um
livro à mão é, pelo menos, um
começo. Sejam pois bem-vindas as
iniciativas previstas no Plano Nacional
de Leitura - mas sejam ainda mais
bem-vindos todos os que tirarem
proveito dos livros que têm come-
çado a estar ao alcance de um em-
préstimo, à distância de um braço
capaz de escolher a leitura que em
centenas de bibliotecas públicas lhes é
ou será oferecida.
36. Vasco
Pulido Valente
Parece que as criancinhas do básico e
do secundário não lêem, apesar do
dinheiro já desperdiçado no ensino e
em bibliotecas. O Plano Nacional da
Leitura não passa de uma fantasia
para uns tantos funcionários justi-
ficarem a sua injustificável existência
e espatifarem milhões, que o Estado
extraiu esforçadamente ao contri-
buinte. O Estado missionário não leva
com certeza a parte alguma. Ou leva,
leva a uns milhares de empregos para
burocratas, bibliotecários, "mediado-
res de leitura" (um truque novo) e pa-
ra a tropa fandanga do costume.
37. Reconhecimento importância bibliotecas (BP e BE)
Importância papel BP na promoção da leitura
Bibliotecas podem ser suportes para o PNL
Bibliotecários geradores de dinâmicas culturais e sociais
Vasco Pulido Valente: tem um opinião totalmente contrária
O estatuto
do bibliotecário
e da biblioteca
39. Francisco José
Viegas
Essa ideia é, além de irritante ("bons
cidadãos, bons leitores"), perversa e
ruim para a própria leitura. A leitura é
fonte de inquietação, de ruína, de
descalabro - e também de felicidade e
de preguiça. Nenhuma destas coisas
faz bons cidadãos. Ninguém é melhor
cidadão por ter lido Fernando Pessoa
ou João de Barros. Mas a capacidade
de entender o mundo melhora consi-
deravelmente. Ler bem é, também,
aproveitar a felicidade de ler, se se é
feliz ao ler um livro que se amou. Mas
não se trata de uma virtude cívica.
40. Inês
Pedrosa
É curioso observar como as mesmís-
simas pessoas que fazem vida de
zurzir no analfabetismo crónico do
país se abespinham quando surge
uma medida de combate a esse anal-
fabetismo - vide o agora enunciado
Plano Nacional de Leitura. Da Esquer-
da à Direita, várias vozes doutas se
prontificaram a futurar a inutilidade
do Plano, alegando que a leitura sem-
pre foi e será coisa de minorias. Ou-
tras, mais arrevesadas, chegam a ale-
gar que a democratização da leitura
é, em si mesma, perniciosa, porque
faz crescer a interpretação de grau
zero e a submissão ao senso comum.
41. Eduardo
Prado Coelho
A minha ingenuidade é ilimitada. Eu
pensei que um Plano Nacional de Lei-
tura era um projecto que suscitaria
um aplauso unânime. Existe há muito
nos outros países e corresponde no
nosso caso a uma necessidade pre-
mente. Mas logo um conjunto de vo-
zes se alevantou com as objecções
que qualquer coisa, seja ela qual for,
suscita neste país: que é inútil, que é
para uns tantos ganharem uns dinhei-
ros, que é uma intervenção na vida
social que deve ser livre como um
passarinho, que cada um deve ler o
que lhe apetece, e assim por diante,
na extensa imaginação que o dispara-
te sempre tem.
42. Leitura,
desenvolvimento,
cidadania
A leitura contribui para o desenvolvimento integral da pessoa
O combate à iliteracia é fundamental para o desenvolvimento do país
A relação bom leitor = bom cidadão é fortemente contestada
O papel do Estado é alvo de opiniões muito extremadas
44. Práticas
A segunda parte desta comunicação baseia-se
no relatório Avaliação do Plano Nacional de
Leitura: Os primeiros cinco anos, que foi elabo-
rado pelo CIES do ISCTE sob coordenação de
António Firmino da Costa, em 2011.
45. O Plano Nacional de Leitura não é
um projecto-piloto, mas um instru-
mento de política pública de alcance
abrangente, vocacionado para a pro-
dução de efeitos de mudança positi-
va nas atitudes relativamente à leitu-
ra, nas práticas de leitura e nas com-
petências de literacia ao nível da so-
ciedade como um todo – em espe-
cial, no caso dos programas de apoio
à leitura orientada na escola, para a
produção desses efeitos no sistema
nacional de ensino básico e de edu-
cação pré-escolar.
Política pública de leitura
46. Após cinco anos decorridos é possível identi-
ficar com bastante segurança um conjunto de
impactos claramente positivos do Plano Na-
cional de Leitura:
• No desenvolvimento regular de activi-
dades de leitura num conjunto de con-
textos institucionais;
• No envolvimento, em iniciativas de pro-
moção da leitura e da literacia, de uma
diversidade de actores sociais;
• Nas práticas de leitura dos alunos,
assim como nas suas atitudes relativa-
mente à leitura e às bibliotecas e nas
suas competências de literacia;
• Na sensibilização da opinião pública a
respeito da importância da leitura e da
literacia e das acções que visam promo-
vê-las.
Impactos
47. Segundo a percepção dos
professores, com o PNL ocor-
reu um reforço significativo
das actividades de promoção
da leitura nas escolas. Pratica-
mente todas as escolas refe-
rem esse reforço; e um núme-
ro crescente delas assinala
mesmo que tais actividades
têm vindo a ser muito refor-
çadas.
Actividades promoção leitura
48. Não só o âmbito alargado dos impactos do PNL mas também a impor-
tância qualitativa desses impactos nas actividades de promoção da
leitura nas escolas assentam na articulação estreita entre o programa
Rede de Bibliotecas Escolares e o Plano Nacional de Leitura.
RBE
PNL
LER+
49. Estes protocolos [PNL e
CM] ilustram também
outro tipo de impactos
do Plano Nacional de
Leitura: o envolvimen-
to de uma pluralidade
de actores sociais (atrás
enumerados) na promo-
ção dos hábitos de lei-
tura e das competênci-
as de literacia na socie-
dade portuguesa.
Protocolos PNL / CM
50. As percepções dos vários actores sociais responsáveis pela aplicação dos programas do
Plano no terreno, particularmente os professores, são nitidamente positivas. As escolas
são praticamente unânimes em considerar que os professores promovem mais actividades
de leitura, as bibliotecas são mais frequentadas, os alunos lêem mais e melhor, os pais
estão mais atentos à importância da leitura para os filhos e a leitura recebe mais atenção
da sociedade em geral.
Actores
Sociais
51. Os resultados mostram, de forma muito clara, a melhoria das competências de leitura dos
alunos portugueses. Observa-se, entre 2000 e 2009, um aumento da pontuação média
obtida e uma aproximação ao valor médio do conjunto dos países da OCDE. Portugal con-
segue, assim, associar uma melhoria global dos resultados a uma diminuição na variação
do desempenho entre os alunos, devido a uma melhoria significativa dos resultados dos
alunos com níveis de competências mais baixos.
PISA
2000 / 2009
52. Entre os factores que terão contribuído para a
melhoria das competências de literacia dos alunos
portugueses encontra-se, sem dúvida, o PNL. Isso
mesmo é reconhecido pela OCDE quando enume-
ra, no relatório internacional sobre o PISA 2009, as
várias transformações ocorridas no sistema de en-
sino português a partir de 2005, fazendo referên-
cia explícita à importância do lançamento do PNL
para as melhorias registadas no domínio da leitura.
OCDE
reconhece
impacto
PNL