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III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA             18>19 OUTUBRO 2012




                                    "A cadalivro o seuleitor"

Falar    de   leitura     e    de      leitores       é      muitocomplexo.         No     fundo,    é
construirumanarrativasobre o que, emdeterminadomomentohistórico, se entende,
institucional e socialmente, comolegítimoemtermos de leitura.


Guerra Junqueiro, autor de ContosparaaInfância, aodarconselhossobre o que as
criançasdeviamler e aprender, escreveu:
“Se a tuafilha tem 9 anos, compra-lhelivrosinstrutivos e agradáveis: ensina-
lhelínguas, geografia e princípios de história natural. De arte, sóamúsica, e
essapouca     e boa. A arte            é um        excitantepoderosíssimoquetranstorna e
desequilibraumaorganizaçãomelindrosa.                 Não       se      dá       um      poema       a
umacriançapelomesmomotivoporque se lhenãodáumagarrafa de vinhoaojantar.”
[Prefácio à 2º edição de A Morte de D. João, um ano antes dapublicação das
suasobraspara a infância]


Eça de Queirós: “Eupergunto a mimpróprio o que é queem Portugal lêem as
pobrescrianças.                 Creioque                       se                 lhesdáFilintoElísio,
Garçãoououtroqualquerdessesmazorrossensaborõesquandoosinfelizesmostramincli
naçãopara a leitura.”


A       verdade       é       quequando           o          livrochegaàsmãos                doleitor,
jápassouporinúmeroscrivosquesão             as        tais     ‘censuras’    querestringem          as
suaspossibilidades de escolha. Porque se publicaeste e nãoaquelelivro? A
quelivrosdá       o   livreirograndedestaque?Porque                 a   bibliotecaadquireeste        e
nãoaquelelivro?       Porquerazãoo        professor          sugereeste      e      nãoaqueletítulo?
Porquemotivoo                                         paioumãe                                      se
pronunciafavoraveloudesfavoravelmentesobredeterminadaobra                                            e
aconselhaoudesaconselha a sualeitura?
O editor tem umapolítica editorial definida. O livreironãoatentocompraporcatálogo
do editor, emfunção dos pedidos dos clientes, pedidosdependentesdaoferta e


                                                                                 Angelina Maria Pereira
III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA                 18>19 OUTUBRO 2012


estáinstalado um ciclovicioso. Algunslivreirosrestringem as suasofertasàsnovidades,
aos ‘best-sellers’ e, nestaperspetiva, nada oferecem de novo, de diferente do
quiosquedaesquina.            A         forma              comooslivrossãodispostos,            exibidos,
destacadosnumalivrariatambémcondiciona,                      direciona,      ‘obriga’,      restringe    a
liberdadeescolha. A ‘qualidade’ é aferidapelacapabonita, vistosa, pelotipo de papel,
pelaencadernação, pelotamanho…
As bibliotecas, cujo principal papel é o de atrairleitores, tambémfazem as
suasescolhas, selecionando ‘bons’ livros ‘adequados’ àsdiferents ‘faixasetárias’
(umadivisãobaseadanasidades e que é tãosubjetivaquantosabemosquenãohá 2
crianças de 4, 6 ou 8 anos com desenvolvimentosafetivos, intelectuais e
culturaisidênticos, nemo facto de se ter 13 anossignificaquetodososrapazestêm um
derminado           ‘gosto’             e             as          raparigasoutrodiverso…).               E
tãopreocupadosestãoemorientarosleitoresquechegam                                                         a
colocarsinaléticanessesentido:               ‘PrimeirasLeituras’,          ‘Iniciação       à    Leitura’,
‘LivrosInfantis’, Livrospara a Infância’, Livros dos 8-10, Livros dos 10-12,
LivrosparaAdolescentes            e     poraífora.          Numabiblotecaescolar,            acresce     o
‘filtropedagógico’ que, nãoraramente, retiradaofertaobrasquesugeremestarfora do
âmbitopedagógico. Os temasmaisfraturantessãoevitadosparaprevinir as críticas dos
pares e/ouencarregados de educação…
Queespaço      de     liberdaderestaentãoaojovem?Pouca.                      É      aalturaemque         se
tornanaquiloqueconsensualizámoschamar                       ‘nãoleitor’.    Nãolê       nada.Nãovai       à
biblioteca,     oumelhor,             nãorequisitalivros.Masseráquenãolêmesmo                         nada?
Ouseráquenãoencontraoslivros                 e       ossuportesque,         agora        (nestafase     do
seudesenvolvimento) quelhesuscitamcuriosidade? Como se explicaesteparadoxoque
é de haverumaoferta brutal (comonuncahouveemépocaspassadas) de obraspara o
denominado ‘públicojuvenil’?
De facto, o quecausaentropianesteaparenteparadoxo, é umaconcertadaopinião do
que é cultura, do quesãolivros ‘bons’ emoposiçãoaoslivros ‘maus, ou de
qualidadeliteráriamuitoduvidosa… A bandadesenhada é boa?Uhmmmm… Talvez o
Tintin, o     Astérix… Não            vale       a   penacomprar…É          leiturasemconteúdo. Os
livrossãodemasiadoscaros.Os jovensnãogostam, também se ouve.Revistas?Jornais?




                                                                                    Angelina Maria Pereira
III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA     18>19 OUTUBRO 2012


Tambémnão         se    investenestessuportesou,      pelomenos,     não    de       forma
assumidaatravés de umaofertavariadaemtemas e ematualidade.
Os            ‘clássicos’           sãobonsporqueresistiramaochoque                    das
geraçõesmascomopodemosnóspreverquaissão                                                 as
obrasquehojepublicadasvãoperdurar e aquelasquesãoesquecidasparasempre?


“Um dos primeiros e maisemocionanteslivrosquelifoi A Vida Sexual, de Egas Moniz,
quedescobri, aos 9 ou 10 anos, numagaveta do meupai. Aossábados, lia, no
Cavaleiro Andante históriasinesquecíveis, como o Tartarin de Tarasconou o Beau
Geste. No restodasemana, oslivrosqueapanhavaem casa dos amigos dos meuspais e
naBibliotecaItinerantedaGulbenkian: romances aoacaso (Tom Sawyer, Huck Finn, Os
Maias, O HomemInvisível, policiais…), livros de poemasaoacaso (Pessoa, Augusto Gil,
Alexandre O ‘Neil, Thomas Kim, MárioCesariny…) e também Alice no País das
Maravilhas,              A           ViagemMaravilhosa                de              Nils
HolgerssonatravésdaSuéciaouentradasavulsasdaEnciclopédiaVerbo. Em boa parte,
eusoufeito de todosesseslivros e de muitosmaisquevieramdepois” [Manuel
AntónioPinanumaentrevista a JA Gomes e publicadanarevistaMalasartes nº 2 de
2000]


“Hácadavezmaisescritores, grandesescritores, a produzirobrasparajovensleitores.
Classificarosescritores, comoquemordenainsectos, emdiferentesgéneros, parece-me
umatarefaaindamaisvã          e    maisárdua        do     queclassificarinsectos.      As
fronteirassãodacompetencia das polícias.Os grandesescritorescostumamignorá-las.
(…) também é verdadequenemtodososclássicos de literature infantilsão boa
literatura.   É        precisoreformar   o         Lobo    Mau.Nãoproponhoque           se
escrevamversõespoliticamentecorretas         dos    velhoscontosinfantis   (…)parece-me
natural que as criançasprefiramhistórias do seupróprio tempo. Aprendicom o
meufilhoque se podechegar à grande literature pormuitasportas. Mas a melhor,
semdúvida, é através dos primeiroslivros” [Agustinanumaentrevista a J E
AgualusapublicadanarevistaPúblicaemjunho de 2002]




                                                                    Angelina Maria Pereira
III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA      18>19 OUTUBRO 2012


Como afirma NicoleRobine: “É ignorar a amplitude do campo das suas leituras (dos
jovens) e recusar o estatuto de leitura a todos os suportes que não estejam no
âmbito da literatura ‘legítima’. Na realidade os jovens lêem, lêem até muito mais do
que os adultos. Mas asleituras deles não são reconhecidas como tal porque o livro
não ocupa, necessariamente, o 1º lugar. Outros suportes (imprensa, ecrãs...outras
formas de escrita – BD, programas informáticos) contam. Enfim, é tão falso falar de
leitura no singular como considerar a juventude uma entidade... Há literaturas para
jovens, há leituras sempre em evolução, há crianças, e tudo e todos vivem fases
sucessivas.”
Há adolescentes que lêem para além do plano institucional. São as chamadas
‘leituras selvagens’ como lhes chama BernadettePoulou. “Trata-se de 2 circuitos
paralelos e sem qualquer comunicação e que coexistem em perfeita ignorância um
dos outro: um existe em função dos professores ou dos pais, o outro é autónomo.
Embora não circulem debaixo de mão, o prazer que reside na sua circulação tem
contudo este registo e suscita a sua ‘magia’...
A liberdade de ler, a liberdade de escolher o que ler é fundamental ser respeitada. O
jovem é um ser em busca da sua autonomia, está em processo de crescimento e as
leituras oferecem-lhe essa fantástica oportunidade de se descobrir e construir a si
próprio.


E a terminar...
“ um livro é feito de papel e tinta. Ah! Claro e também de cola... Mas isso não é tudo.
É feito de muitas outras coisas. Um livro pode ser algo completamente distinto. Um
rio que te leva, uma nuvem em movimento na qual podes viajar, uma janela para
outros mundos. Num livro podes-te perder, podes olhar-te como num espelho,
podes reconhecer-te. Há livros que esquecemos de imediato e livros que levaremos
connosco por todo o lado. Cada livro é um começo, diferente para cada leitor. A
mim agrada-me mas a ti não te agrada. Para mim é perfeito, para ti completamente
inútil. E isto está bem assim. Porque os leitores são diferentes. Cada livro procura o
seu leitor e cada leitor procura o seu livro. Um leitor que se aborrece, um leitor
indeciso ou dececionado, é um leitor que ainda não encontrou o livro que lhe
convém. Mas esse livro está aí algures. À espera do seu leitor. E quando o livro e o


                                                                  Angelina Maria Pereira
III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA    18>19 OUTUBRO 2012


leitor se encontram, é fantástico. Às vezes os livros precisam de algumas pessoas
para chegarem às mãos dos seus verdadeiros leitores, pessoas como o pai, a mãe, os
avós, os bibliotecários, os amigos... É preciso ajudar os livros porque eles não têm
pés para sair em passeio. Mas, em contrapartida, têm asas, e emprestam-tas
enquanto os lês, durante o tempo que quiseres. Há muito boas razões para ler:
porque é fascinante, porque ‘te remueve’, porque te levam longe, porque... e outra,
e outra pelo menos 101 razões...”BeatriceMasini




                                                                Angelina Maria Pereira

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A cada livro o seu leitor

  • 1. III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA 18>19 OUTUBRO 2012 "A cadalivro o seuleitor" Falar de leitura e de leitores é muitocomplexo. No fundo, é construirumanarrativasobre o que, emdeterminadomomentohistórico, se entende, institucional e socialmente, comolegítimoemtermos de leitura. Guerra Junqueiro, autor de ContosparaaInfância, aodarconselhossobre o que as criançasdeviamler e aprender, escreveu: “Se a tuafilha tem 9 anos, compra-lhelivrosinstrutivos e agradáveis: ensina- lhelínguas, geografia e princípios de história natural. De arte, sóamúsica, e essapouca e boa. A arte é um excitantepoderosíssimoquetranstorna e desequilibraumaorganizaçãomelindrosa. Não se dá um poema a umacriançapelomesmomotivoporque se lhenãodáumagarrafa de vinhoaojantar.” [Prefácio à 2º edição de A Morte de D. João, um ano antes dapublicação das suasobraspara a infância] Eça de Queirós: “Eupergunto a mimpróprio o que é queem Portugal lêem as pobrescrianças. Creioque se lhesdáFilintoElísio, Garçãoououtroqualquerdessesmazorrossensaborõesquandoosinfelizesmostramincli naçãopara a leitura.” A verdade é quequando o livrochegaàsmãos doleitor, jápassouporinúmeroscrivosquesão as tais ‘censuras’ querestringem as suaspossibilidades de escolha. Porque se publicaeste e nãoaquelelivro? A quelivrosdá o livreirograndedestaque?Porque a bibliotecaadquireeste e nãoaquelelivro? Porquerazãoo professor sugereeste e nãoaqueletítulo? Porquemotivoo paioumãe se pronunciafavoraveloudesfavoravelmentesobredeterminadaobra e aconselhaoudesaconselha a sualeitura? O editor tem umapolítica editorial definida. O livreironãoatentocompraporcatálogo do editor, emfunção dos pedidos dos clientes, pedidosdependentesdaoferta e Angelina Maria Pereira
  • 2. III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA 18>19 OUTUBRO 2012 estáinstalado um ciclovicioso. Algunslivreirosrestringem as suasofertasàsnovidades, aos ‘best-sellers’ e, nestaperspetiva, nada oferecem de novo, de diferente do quiosquedaesquina. A forma comooslivrossãodispostos, exibidos, destacadosnumalivrariatambémcondiciona, direciona, ‘obriga’, restringe a liberdadeescolha. A ‘qualidade’ é aferidapelacapabonita, vistosa, pelotipo de papel, pelaencadernação, pelotamanho… As bibliotecas, cujo principal papel é o de atrairleitores, tambémfazem as suasescolhas, selecionando ‘bons’ livros ‘adequados’ àsdiferents ‘faixasetárias’ (umadivisãobaseadanasidades e que é tãosubjetivaquantosabemosquenãohá 2 crianças de 4, 6 ou 8 anos com desenvolvimentosafetivos, intelectuais e culturaisidênticos, nemo facto de se ter 13 anossignificaquetodososrapazestêm um derminado ‘gosto’ e as raparigasoutrodiverso…). E tãopreocupadosestãoemorientarosleitoresquechegam a colocarsinaléticanessesentido: ‘PrimeirasLeituras’, ‘Iniciação à Leitura’, ‘LivrosInfantis’, Livrospara a Infância’, Livros dos 8-10, Livros dos 10-12, LivrosparaAdolescentes e poraífora. Numabiblotecaescolar, acresce o ‘filtropedagógico’ que, nãoraramente, retiradaofertaobrasquesugeremestarfora do âmbitopedagógico. Os temasmaisfraturantessãoevitadosparaprevinir as críticas dos pares e/ouencarregados de educação… Queespaço de liberdaderestaentãoaojovem?Pouca. É aalturaemque se tornanaquiloqueconsensualizámoschamar ‘nãoleitor’. Nãolê nada.Nãovai à biblioteca, oumelhor, nãorequisitalivros.Masseráquenãolêmesmo nada? Ouseráquenãoencontraoslivros e ossuportesque, agora (nestafase do seudesenvolvimento) quelhesuscitamcuriosidade? Como se explicaesteparadoxoque é de haverumaoferta brutal (comonuncahouveemépocaspassadas) de obraspara o denominado ‘públicojuvenil’? De facto, o quecausaentropianesteaparenteparadoxo, é umaconcertadaopinião do que é cultura, do quesãolivros ‘bons’ emoposiçãoaoslivros ‘maus, ou de qualidadeliteráriamuitoduvidosa… A bandadesenhada é boa?Uhmmmm… Talvez o Tintin, o Astérix… Não vale a penacomprar…É leiturasemconteúdo. Os livrossãodemasiadoscaros.Os jovensnãogostam, também se ouve.Revistas?Jornais? Angelina Maria Pereira
  • 3. III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA 18>19 OUTUBRO 2012 Tambémnão se investenestessuportesou, pelomenos, não de forma assumidaatravés de umaofertavariadaemtemas e ematualidade. Os ‘clássicos’ sãobonsporqueresistiramaochoque das geraçõesmascomopodemosnóspreverquaissão as obrasquehojepublicadasvãoperdurar e aquelasquesãoesquecidasparasempre? “Um dos primeiros e maisemocionanteslivrosquelifoi A Vida Sexual, de Egas Moniz, quedescobri, aos 9 ou 10 anos, numagaveta do meupai. Aossábados, lia, no Cavaleiro Andante históriasinesquecíveis, como o Tartarin de Tarasconou o Beau Geste. No restodasemana, oslivrosqueapanhavaem casa dos amigos dos meuspais e naBibliotecaItinerantedaGulbenkian: romances aoacaso (Tom Sawyer, Huck Finn, Os Maias, O HomemInvisível, policiais…), livros de poemasaoacaso (Pessoa, Augusto Gil, Alexandre O ‘Neil, Thomas Kim, MárioCesariny…) e também Alice no País das Maravilhas, A ViagemMaravilhosa de Nils HolgerssonatravésdaSuéciaouentradasavulsasdaEnciclopédiaVerbo. Em boa parte, eusoufeito de todosesseslivros e de muitosmaisquevieramdepois” [Manuel AntónioPinanumaentrevista a JA Gomes e publicadanarevistaMalasartes nº 2 de 2000] “Hácadavezmaisescritores, grandesescritores, a produzirobrasparajovensleitores. Classificarosescritores, comoquemordenainsectos, emdiferentesgéneros, parece-me umatarefaaindamaisvã e maisárdua do queclassificarinsectos. As fronteirassãodacompetencia das polícias.Os grandesescritorescostumamignorá-las. (…) também é verdadequenemtodososclássicos de literature infantilsão boa literatura. É precisoreformar o Lobo Mau.Nãoproponhoque se escrevamversõespoliticamentecorretas dos velhoscontosinfantis (…)parece-me natural que as criançasprefiramhistórias do seupróprio tempo. Aprendicom o meufilhoque se podechegar à grande literature pormuitasportas. Mas a melhor, semdúvida, é através dos primeiroslivros” [Agustinanumaentrevista a J E AgualusapublicadanarevistaPúblicaemjunho de 2002] Angelina Maria Pereira
  • 4. III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA 18>19 OUTUBRO 2012 Como afirma NicoleRobine: “É ignorar a amplitude do campo das suas leituras (dos jovens) e recusar o estatuto de leitura a todos os suportes que não estejam no âmbito da literatura ‘legítima’. Na realidade os jovens lêem, lêem até muito mais do que os adultos. Mas asleituras deles não são reconhecidas como tal porque o livro não ocupa, necessariamente, o 1º lugar. Outros suportes (imprensa, ecrãs...outras formas de escrita – BD, programas informáticos) contam. Enfim, é tão falso falar de leitura no singular como considerar a juventude uma entidade... Há literaturas para jovens, há leituras sempre em evolução, há crianças, e tudo e todos vivem fases sucessivas.” Há adolescentes que lêem para além do plano institucional. São as chamadas ‘leituras selvagens’ como lhes chama BernadettePoulou. “Trata-se de 2 circuitos paralelos e sem qualquer comunicação e que coexistem em perfeita ignorância um dos outro: um existe em função dos professores ou dos pais, o outro é autónomo. Embora não circulem debaixo de mão, o prazer que reside na sua circulação tem contudo este registo e suscita a sua ‘magia’... A liberdade de ler, a liberdade de escolher o que ler é fundamental ser respeitada. O jovem é um ser em busca da sua autonomia, está em processo de crescimento e as leituras oferecem-lhe essa fantástica oportunidade de se descobrir e construir a si próprio. E a terminar... “ um livro é feito de papel e tinta. Ah! Claro e também de cola... Mas isso não é tudo. É feito de muitas outras coisas. Um livro pode ser algo completamente distinto. Um rio que te leva, uma nuvem em movimento na qual podes viajar, uma janela para outros mundos. Num livro podes-te perder, podes olhar-te como num espelho, podes reconhecer-te. Há livros que esquecemos de imediato e livros que levaremos connosco por todo o lado. Cada livro é um começo, diferente para cada leitor. A mim agrada-me mas a ti não te agrada. Para mim é perfeito, para ti completamente inútil. E isto está bem assim. Porque os leitores são diferentes. Cada livro procura o seu leitor e cada leitor procura o seu livro. Um leitor que se aborrece, um leitor indeciso ou dececionado, é um leitor que ainda não encontrou o livro que lhe convém. Mas esse livro está aí algures. À espera do seu leitor. E quando o livro e o Angelina Maria Pereira
  • 5. III JORNADAS DAS BIBLIOTECAS DA MAIA 18>19 OUTUBRO 2012 leitor se encontram, é fantástico. Às vezes os livros precisam de algumas pessoas para chegarem às mãos dos seus verdadeiros leitores, pessoas como o pai, a mãe, os avós, os bibliotecários, os amigos... É preciso ajudar os livros porque eles não têm pés para sair em passeio. Mas, em contrapartida, têm asas, e emprestam-tas enquanto os lês, durante o tempo que quiseres. Há muito boas razões para ler: porque é fascinante, porque ‘te remueve’, porque te levam longe, porque... e outra, e outra pelo menos 101 razões...”BeatriceMasini Angelina Maria Pereira