Este documento discute a inclusão de crianças autistas na escola inclusiva. Primeiro, aborda o histórico da inclusão e das instituições manicomiais. Em seguida, descreve os critérios diagnósticos e características do autismo. Por fim, discute os desafios e estratégias para a inclusão de crianças autistas na escola.
1. INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO ANÍSIO TEIXEIRA
FUNDAÇÃO HELENA ANTIPOFF
O Autista na Escola Inclusiva
Rosemary Furtado
Ibirité – Minas Gerais
Março 2005
2. O Autista na Escola Inclusiva
Rosemary Furtado
Monografia apresentada na 1ª Turma do Curso de
Pós-graduação Latu sensu Educação Especial na
Escola Inclusiva, do Instituto Superior de Educação
Anísio Teixeira, Fundação Helena Antipoff, da
cidade de Ibirité, Estado de Minas Gerais, como
exigência para a conclusão do curso, sob orientação
da Profa. Vanêssa Tôrres de Oliveira.
Ibirité – Minas Gerais
Março 2005
3. À
Vanêssa Tôrres de Oliveira
por me transmitir conhecimento
e a importância da pesquisa e
trabalho científico.
4. Agradeço o apoio imensurável de
minha família e meus amigos que
compreenderam minha ausência
em diversos momentos.
5. ÍNDICE ANALÍTICO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 6
HISTÓRICO ................................................................................................................... 8
História da Inclusão................................................................................................. 8
História das Instituições Manicomiais ................................................................... 10
Sujeitos de Direito e Dever ................................................................................... 13
Estatuto da Criança e do Adolescente .................................................................. 13
Educação Inclusiva ............................................................................................... 15
A Questão Humanista na Inclusão........................................................................ 18
AUTISMO .................................................................................................................... 22
Critérios Diagnósticos para F84.0 – 299.00 – Transtornos Autistas ..................... 26
Possíveis Fatores de Autismo............................................................................... 28
Os Tipos de Autismo............................................................................................. 29
O Autista e a Noção de “Eu” ................................................................................. 30
Dados Estatísticos ................................................................................................ 33
O Desenvolvimento segundo Wallon .................................................................... 34
Dados Biográficos ................................................................................................. 34
A Escola de Wallon ............................................................................................... 37
Afetividade ............................................................................................................ 37
O Amor.................................................................................................................. 39
A Criança Autista e o Desejo Paterno................................................................... 40
A Fase do Espelho................................................................................................ 42
Cognição e Linguagem ......................................................................................... 47
INCLUSÃO DO AUTISTA ................................................................................................ 52
Inclusão e Emoção................................................................................................ 54
Cognição e Emoção.............................................................................................. 56
Escola ................................................................................................................... 57
A Escola e a Construção do Sujeito...................................................................... 61
Os Objetos em Sala .............................................................................................. 62
O Professor........................................................................................................... 63
As Várias Linguagens da Criança......................................................................... 64
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 66
ANEXO I – QUESTIONÁRIO ........................................................................................... 69
Perguntas.............................................................................................................. 69
Respostas ............................................................................................................. 70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 73
6. INTRODUÇÃO
Às vezes me pergunto: O que tanto assusta quando o tema é “criança autista e
inclusão”? Muitos professores vêem o trabalho como dom de quem com estas
crianças trabalha e dizem que não dariam conta, que não saberiam lidar com elas.
É preciso vencer as barreiras e preconceitos instalados nas pessoas e na escola
para que seja feito um trabalho satisfatório e eficiente, sem pré-conceituar a criança
e o potencial investido nela, seja pela família ou pela escola.
O tema aqui discutido é novo e polêmico dentro da escola e na sociedade, mas
para que possamos entender um pouco mais sobre o autismo hoje é preciso
retroceder a um tempo em que a sociedade excluía o “diferente” em favor de uma
“normalidade” imposta pelo próprio homem que o encarcerava.
Existem, hoje, políticas de direito em favor daqueles, até então excluídos
sociedade e grupos de luta (incluindo as famílias de portadores de necessidades
especiais), que procuram o bem-estar para todos aqueles sujeitos discriminados por
não serem produtivos ou “interessantes” para o sistema capitalista dominante.
7. 7
O primeiro passo para que estas pessoas se caracterizarem membros atuantes
de um grupo é através da escola. É ela quem indica o caminho, que mostra o
mundo, e onde as pessoas podem participar de uma vida que transcende a restrição
e o isolamento que a patologia impôs como condição a tais crianças.
Foi através de movimentos filosóficos em contrapartida à psiquiatria que
surgiram grupos de interesse pela causa humana (humanismo), a quem se deve
muito pela luta em favor do excluído em valorização ao tempo e a particularidade do
ser humano.
É nessa situação de impasse que se encontra a criança autista: presa a seu
mundo de isolamento e objetos, que não se enquadra nem no mundo do Outro, nem
no seu próprio mundo.
Sua noção de temporalidade é comprometida e, enquanto estiver atuo-centrada,
não será capaz de alcançar níveis maiores de relacionamento afetivo ou de
cognição, tornando-se alheia e desinteressada pelo mundo à sua volta.
É preciso trabalhar a noção da criança autista consigo mesma; seu corpo com o
corpo do outro e com o “corpo” (espaço físico) da escola. É preciso compreender
seu desejo para um melhor enquadramento no ambiente educacional e,
conseqüentemente social. Tratar e acolher o autista é um constante construir e
reconstruir o sujeito pela presença efetiva e eficaz referenciada no Outro. É preciso
vencer a barreira do sujeito-objeto possibilitando seu contato com o Outro (em quem
estas crianças já não investem mais emocionalmente), o que só será possível
através da satisfação dos desejos primários, da estimulação do imaginário e da
aquisição e ampliação da linguagem.
8. HISTÓRICO
História da Inclusão
Aqueles que conhecem a história do “O Corcunda de Notre Dame” de Victor
Hugo sabem que o personagem Quasímodo (“Aranha”) é um relato que delineia o
perfil da história do deficiente na Idade Média.
No século XV, os deficientes foram isolados da sociedade por sua aparência
física nada agradável aos olhos e pela peculiaridade de seu comportamento. Nesse
período, eram apartados do convívio social e desempenhavam, no máximo, funções
secundárias – como tocar o sino da torre da catedral de Paris, atividade exercida
pelo personagem Quasímodo. Segundo Foucault, a anormalidade, por si só, fazia
pressupor o período.
Dos séculos XVI ao XIX, os deficientes não eram tutelados pela igreja e foram
institucionalizados em asilos e albergues.
Na Europa, constam os primeiros relatos sobre hospitais psiquiátricos que
funcionavam como presídios, sem que houvesse, entretanto, uma assistência formal
ou um programa terapêutico de cuidados planejados para os pacientes. Neste
9. 9
período, no Brasil, o atual Instituto Benjamim Constant, no Rio de Janeiro, foi um dos
precursores da educação especial.
No século XX, aos deficientes são atribuídos alguns direitos ainda de cunho
religioso, mas não sistematizados nos planos clínico, pedagógico ou educacional.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, os
direitos conquistados por pais e parentes de pessoas portadoras de deficiência,
vieram se caracterizar como crítica à segregação e em busca de melhores
condições de vida social e moral.
No Brasil, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de n° 4.024 de 20 de
dezembro de 1961, decreta a primeira lei que ratifica a educação aos excepcionais,
se possível, em ambiente educacional formal, consolidada em 1978 pela
Constituição Brasileira, dando direito à gratuidade materializada, isto é, sem ônus
financeiro para a educação da criança deficiente, desde que a condição social e
econômica da família seja comprovada como deficitária ou insuficiente.
Após dez anos, a nova constituição notifica atendimento preferencial ao
deficiente na rede regular, sendo este reforçado, em 1990, pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente.
A Lei Federal 7.853/89 garante a gratuidade de acesso à rede pública de ensino
regular ao aluno portador de deficiência física ou mental e prevê punição de um a
quatro anos a quem negar ou cancelar matrícula de qualquer aluno deficiente.
A Conferência Mundial de Educação para Todos de 1990, em Jountien, na
Tailândia, formaliza a proposta de acesso universal à educação para homens e
mulheres de igual modo, assim como para grupos minoritários (camponeses,
10. 10
refugiados, negros, índios, presos e deficientes em geral) promovendo o senso de
igualdade de direito à escolarização e estabelece a adequação de uma maior
abrangência de conteúdo informativo, visando conseqüente e significativa melhora
no ambiente educacional.
A grande alavanca educacional inclusiva se deu em junho de 1994, quando
representantes de oitenta países se reuniram e assinaram a Declaração de
Salamanca, na Espanha, firmando compromisso no sentido de garantir a
escolarização básica, reforçando a idéia de que todas as crianças, inclusive as
portadoras de deficiência física e/ou mental, deveriam ser acolhidas, sendo este
princípio considerado como eficaz na luta contra a discriminação.
No Brasil, a LDB 9.394/96 Art. 58 e 59, em consonância com Legislação Federal
Art. 74, determina que a educação de PNEE (Portadores de Necessidades
Educacionais Especiais) deve se dar, de preferência, na rede regular de ensino.
História das Instituições Manicomiais
A terminologia adotada para tais instituições decorre com o contexto social e
histórico. Asile, madhouse, asylum, hospizio são alguns deles. A palavra manicômio
aparece no Século XIX para identificar o que hoje são os hospitais psiquiátricos.
Michel Foucault, em 1961, publica “A História da Loucura” em um estudo
retrospectivo em que mescla psicologia, filosofia, história e prática clínica. Trata-se
de uma obra com o olhar ao passado sobre uma concepção presente de loucura e
sua mudança conceitual. Segundo esse estudo, na era medieval, os loucos eram
considerados como santos e caminhavam livremente pelas ruas. Com o advento do
renascimento e do humanismo, a santificação se tornou sabedoria, um reflexo da
11. 11
insanidade social. Na idade da razão, a loucura, presente entre os filósofos da
época, separa o que é “razão” de “não razão”.
Na cultura árabe, surge o primeiro hospício. Enquanto que na Europa, só após a
morte de Descartes (um dos principais filósofos deste período), é criado o Hospital
Général, em Paris, para os excluídos sociais, tais como: loucos, indigentes,
mendigos, homossexuais, alcoólatras e criminosos. O louco passa do estatuto de
sábio para a condição de “objeto circense” da época.
No final desse período, a sociedade viu o encarceramento como crime bárbaro,
passando a definir os deficientes como doentes e não como criminosos. Desta
forma, a sociedade agrega os valores morais à lei. Os loucos são encaminhados a
cuidados médicos e tornam-se sujeitos de outra espécie de aprisionamento: o
medicamentoso. Sob a tutela do psiquiatra. Com o advento da Psicologia e da
Psicanálise amplia-se a noção de saúde e a loucura passa a ser assistida.
Rever a história das instituições psiquiátricas faz-nos refletir sobre os erros do
passado e sobre a concepção histórico-social da loucura e remete-nos a avaliar
sobre as tentativas de humanização do atendimento, tanto ao doente mental quanto
ao deficiente. Como exemplo tem-se a declaração do direito fundamental de
liberdade e igualdade de direitos, descrita no Código Civil de 1916.
A clínica do isolamento é uma instituição falida pela falta de cuidado com a
subjetividade e humanização nas relações com os pacientes. A tendência atual é a
inserção do paciente psiquiátrico no meio social, visando promover sua inclusão.
“Os sujeitos que sofrem psiquicamente nem sempre têm clareza sobre
aquilo que os faz sofrer. Geralmente não sofrem sós, ou a dois, ou a quatro
paredes. Os sujeitos adoecem na vida, e a vida está em toda parte,
estruturada em instituições.” (Paulon)
12. 12
“Podemos nesta medida pensar que o corpo que adoece, sofre, goza não é
uma abstração de um certo ramo científico. O corpo que indica um
sofrimento está marcado por várias instituições: quando atinge alguns
desses espaços organizados para "cuidar" dele já chega marcado por uma
educação autoritária, por uma sexualidade moralista, por uma produção
econômica exploradora, por uma sociedade, enfim, que exige adaptação a
inúmeras instituições.” (Paulon)
Tem-se como exemplo da realidade psiquiátrica no Brasil o filme “O Bicho de
Sete Cabeças” que retrata as instituições de isolamento moldadas por interesses
econômicos e aponta os maus-tratos realizados dentro de seus portões. O
personagem principal figura como um dependente químico que passa por diversas
clínicas, convivendo com vários tipos de pessoas que sofrem com inúmeras
patologias e problemas. Esbarra em conceitos sociais e preconceitos da família e
com a falta de informação, ficando tanto a margem da sociedade quanto da loucura.
A negação da identidade do sujeito em nome de uma suposta reabilitação é
refletida nas estereotipias e afastamento do real. A esse estado a sociedade deu o
nome de Insanidade Mental, sendo que seu maior causador é a própria instituição,
que exclui, isola, cerceia e violenta.
Como marco na construção da mudança deste cenário, no final da década de 70,
a partir da redemocratização e fim do militarismo, deu-se início no Brasil à luta
antimanicomial, através de denúncias de violências e maus-tratos a doentes
mentais.
Nos anos 80, ocorreram as primeiras tentativas de implementação e melhorias
das instituições psiquiátricas, mesmo sob grande polêmica e movimentos de
resistência. Surgem movimentos individuais pela Reforma Sanitária e a pela
Reforma Psiquiátrica, culminando com o projeto de lei 3657/89.
13. 13
“Navegarmos pela subjetividade em tempos de novos dilúvios requer,
talvez, ainda, uma sabedoria trágica, um certo amor pelo que virá, pelo que
a vida nos reservará. O que podemos amar no homem é ser ele transição. E
naufrágio...“ (Paulon)
Sujeitos de Direito e Dever
Segundo Santos:
“Uma política de igualdade genuína é a que permite a articulação horizontal
entre as identidades discrepantes e às diferenças que se acentuam a ela. O
novo imperativo categórico que deve presidir uma articulação pós-moderna
e multicultural das políticas de igualdade e identidade é termos o direito de
ser igual sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser
diferente sempre que a igualdade nos descaracteriza.”
De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal de 1988:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, descriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.”
Ainda segundo Sá:
“É direito incondicional a escolarização de todos os alunos nos mesmos
espaços educativos, transformando a escola, para que recebam as
diferenças individuais com adequação, aparelhamentos e capacitação
docente. Reconstruir uma escola exige a revisão de posturas e concepções
voltadas em estruturas includentes.”
Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 13 de julho de 1990, promulgado
pela Lei 8069/90, determina uma nova forma de garantir os direitos da criança e do
adolescente.
O Estatuto leva em consideração o fator humano da criança e seu processo de
crescimento, sendo ela considerada um sujeito em desenvolvimento e dependente
14. 14
de necessidades, de cuidados por parte dos pais e da sociedade. Inclui-se aí a
União, os Estados e Municípios sobre a supervisão do Conselho Tutelar.
É incumbência do Estado, ainda:
Reservar parte de seus recursos, tais como impostos, à proteção da criança e do
adolescente.
Garantir oportunidade e facilidade para que as crianças possam se desenvolver
em todos os aspectos (físico, mental, moral, espiritual e social) livre e dignamente de
forma saudável e suave.
Protegê-las de maneira absoluta.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) valoriza e agrega a família
remetendo a ela o processo educativo/pedagógico/preventivo por ser a primeira
responsável pelo sustento e manutenção dos filhos na escola.
Para qualquer forma de descuido seja por parte da escola, família ou sociedade
haverá punição de acordo com a lei, seja por ato ou omissão ao que lhe assegura a
constituição, quanto ao direito: de brincar, ao lazer, à prática de esportes, a
participação na vida social e familiar, a assistência da família ou sociedade, e
sobretudo direito a terem respeitados o corpo, a alma, a moral e a imagem
(identidade, valores e espaço).
(Observação: Para fins deste estatuto, criança é todo cidadão com idade inferior
a 12 anos completos; adolescente é todo aquele entre 12 e 18 anos incompletos.)
15. 15
O artigo 10, inciso III assegura à futura mãe a gratuidade pelo SUS (Sistema
Único de Saúde) de exames preventivos que possam detectar anomalias no bebê e
assistência à família.
O artigo 11, parágrafos 1º e 2º favorece a criança e ao jovem deficiente a
gratuidade e garantia de acesso a todo e qualquer serviço que tem por fim a
promoção, proteção e recuperação da saúde de maneira especial.
Fica a cargo do poder público o fornecimentos de medicamentos ou quaisquer
outros recursos para garantir a adaptação da criança, se assim for necessário.
À criança é garantida, como condição plena de desenvolvimento, seja qual for
seu potencial, uma escola que a valorize, iguale e respeite.
É assegurada no artigo 57 a inclusão, mas estabelece uma garantia àqueles que
com elas estejam envolvidas, que tenham preparo para poder recebê-los, sendo que
esta lei garante efetiva fiscalização.
Educação Inclusiva
Entende-se por Educação Inclusiva o processo pelo qual todos os Portadores de
Necessidades Especiais ou de Distúrbios de Aprendizagem, na rede regular de
ensino, em todos os seus graus possam ser atendidos por uma escolarização global
(normal) com objetivo de integrá-los à comunidade, de forma a buscar o máximo de
seu potencial como os outros colegas.
A escola é o lugar onde, de forma ideal, o ambiente educacional torna possível a
articulação do processo educativo com o processo de socialização.
16. 16
Os agentes de ensino deverão ser facilitadores do processo de inserção da
criança deficiente junto ao grupo de colegas, avaliando suas necessidades e
possibilidades de forma a favorecer sua integração.
O professor, consciente das dificuldades e limitações de tal aluno, deve estar
apto a aproximar-se deste, adequando seus objetivos pedagógicos de forma
particularizada, formando com os pais e a equipe interdisciplinar uma parceria
saudável que viabilize o processo de ensino/aprendizagem.
Assim como se fazem necessárias adaptações no aspecto físico do ambiente
escolar de modo a facilitar e atender as necessidades dos alunos especiais, tornam-
se necessárias mudanças na forma de avaliação e investimento na formação
continuada da equipe técnica e de suporte.
O “Princípio de Normalização”, elaborado nos anos 70, diz respeito a uma
“colocação” do portador de necessidades especiais na sala de aula comum,
acompanhado particularmente por um professor da área de educação especial com
finalidade de sustentar e promover a permanência do deficiente na classe regular
pelo máximo período de tempo possível.
Até aqui o que se apresenta formalmente em termos de suporte ao portador de
deficiência são “políticas públicas” fragmentadas, pretendendo uma tríplice ação:
Na Saúde: através do suporte ao tratamento medicamentoso e de reabilitação
aos portadores de déficit por patologias motoras.
Na Assistência Social: por meio da distribuição de benefícios e recursos, mas
ainda de forma inespecífica e não particularizada.
17. 17
Na Educação: sendo este o fator mais desprovido de recursos essenciais a sua
efetivação, eficácia e sustentação.
Nos anos 80, houve um movimento de pessoas portadoras de deficiência para
mudar este quadro. O aluno especial passou a ser visto como pessoa que demanda
recursos, equipamentos, técnica de abordagem e especificidade de atenção
pedagógica de acordo com sua condição física, sensorial ou mental.
Com a LDB 9394/96, projetos referentes ao portador de deficiência surgem como
novo reflexo e nova proposta para uma educação realmente inclusiva. A proposta de
inclusão é mais abrangente porque visa a inserção e interação do aluno deficiente
junto à classe regular desde o início da sua escolarização, sem mediação de ensino
especial.
A inclusão escolar busca mudanças de pontos de vista sobre os portadores de
deficiência revertendo qualquer forma de exclusão que possa abranger também
aquelas que possuem altas habilidades, crianças de rua ou trabalhadoras, as
nômades ou membros de minoria (étnica, religiosa ou cultural).
Para que seja possível sua permanência na escola regular é preciso que garantir
uma educação de qualidade com currículo apropriado, conforme a Declaração de
Salamanca (1994):
“... o desafio que confronta a escola inclusiva é no que diz respeito ao
desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança capaz de ser bem-
sucedidamente educada como todas as crianças, incluindo aquelas que
possuem desvantagens severas (grifo meu). O mérito de tais escolas não
reside somente no fato de que elas sejam capazes de prover uma educação
de alta qualidade a toda criança. O estabelecimento de tais escolas é um
passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar
comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva”.
18. 18
Na escola inclusiva os projetos pedagógicos são construídos coletivamente pelos
alunos e equipe técnico-pedagógica, através de um currículo aberto e natural capaz
de refletir e possibilitar a ampliação e expansão das experiências vividas, numa
organização branda e receptiva às mudanças que se fizerem necessárias nos
tempos e nos espaços escolares, com arranjos organizacionais e modalidades de
ensino adaptadas às necessidades dos alunos.
São adotadas estratégias educacionais de respeito e valorização das diferenças
e do modo de se expressar de cada sujeito, dos ritmos pessoais de aprendizagem,
dos princípios e valores culturais, dos talentos e habilidades individuais.
A denominação “necessidades especiais” vem sendo cada vez mais difundida
nos meios educacionais e acadêmicos, por tentar conter e diminuir o aspecto
negativo trazido pela denominação de pessoas “excepcionais” ou “especiais”. Tal
rótulo ignora o fato de que todo aluno é especial e toda escola é especial em sua
singularidade. A denominação é o que menos importa, o que interessa é o sujeito e
sua educação.
A escola não pode ser um fator de homogeneização. Deve-se estar atento às
diferenças físicas e culturais encontradas nas crianças, observando-as sob a ótica
da singularidade em sua forma de avaliar e reagir ao mundo e ao outro através de
suas experiências pessoais.
A Questão Humanista na Inclusão
Surgido nos anos 50 nos Estados Unidos e na Europa, o humanismo é um
movimento filosófico que reflete a insatisfação com os caminhos tomados pela
psicologia (que construía uma imagem de homem parcial, incompleta e desumana,
19. 19
excludente dos valores) e, em contrapartida, à visão marxista vigente (exclusa às
ciências sociais, à biologia, à educação e à filosofia da ciência).
O humanismo destina-se a todos os interessados no estudo e na ciência do
humor, da criatividade, dos valores humanos, da autonomia, do crescimento, da
auto-realização e do uso pleno de suas potencialidades.
Sua principal preocupação é com a pessoa e seus valores, tal como a dignidade
em seu desenvolvimento e potencial, vendo a pessoa como sujeito desejante de
descoberta dele próprio e como um ser ligado a outras pessoas e grupos.
A filosofia humanista pretende oferecer solução para problemas que ficaram
abandonados por muito tempo e auxilia o homem com visas a contribuir para a sua
saúde psicológica, reconhecendo seu espírito e sua necessidade de encontrar e
buscar significado para a vida. Na visão humanista, a maior responsabilidade de
cada um implica em éticas, religiosidade e legalidade.
Um grande contingente de grupos sociais discursa e valoriza a diversidade,
estimulando a troca e a luta por direitos, tendo como base a família. Para que tais
direitos sejam reivindicados faz-se necessário que haja outras pessoas vivendo a
mesma questão, preferencialmente em etapas mais avançadas, para produzir as
bases teóricas a partir de experiências parciais e vivenciais.
Segundo autores como Decroly (1871-1932), importa respeitar a criança como
ser total, concreto e ativo; como um ser individual e social, plenamente firmado e
situado. Makarenko (1888-1932) diz que o ser humano é diferente dos outros
animais em relação às noções de tempo e espaço, por entender a singularidade
humana, aplicando a cada situação um tratamento especial.
20. 20
O grande desafio da sociedade está, idealmente, em vencer as barreiras
padronizadas de viver e pensar de nossa cultura televisiva e globalizada. A inclusão
vem como fator de humanização e de crítica frente ao preconceito e respeito ao
direito do outro, não apenas de tolerância frente ao diferente.
A forma como o professor informa e conduz o aluno, positiva ou negativamente,
pelos objetivos escolhidos pela escola ou pela sociedade, está nas mãos do
professor. Ele é um dos sujeitos que mais influência, cabendo a ele construir uma
boa impressão sobre si mesmo, seja de ordem física e/ou emocional, e sobre o
mundo, de modo que possa influir significativamente na construção da criança.
O professor interessado em realizar seu trabalho, considerando as questões
humanitárias tais como respeito, receptividade e compreensão, visa o
amadurecimento da pessoa e precisa levar em conta os interesses do educando e
trabalhar em busca de uma boa técnica pedagógica, atentando-se para os aspectos
pessoais e humanos da educação.
Não há como falar em Humanismo deixando de lado uma questão tão discutida
como o Existencialismo, que tem no homem o princípio fundamental de todo modo
de pensar e de proceder sem preconceitos e limitações biológicas e morais de
acordo unicamente com a existência de sua natureza (Grande Dicionário da Língua
Portuguesa, livro 7).
O Existencialismo está centrado no homem como pessoa situada no mundo do
tema (relação pessoa-pessoa, a liberdade, a responsabilidade, a escala individual de
valores, o sentido de vida, a ansiedade, o sofrimento, a angústia e a morte) e no
processo (o enfoque das experiências humanas subjetivas e de conscientização).
21. 21
A ideologia de Maslow, um dos mais importantes humanistas, diz que é preciso
que todos trabalhem em prol do desenvolvimento da humanidade, para seu pleno
potencial, sem preconceito, livre, buscando uma identidade individual e coletiva,
fazendo uso da experiência construída como base do seu conhecimento.
O homem humanista valoriza a solidão e sua sólida comunicação intuitiva tanto
quanto as conceituações abstratas, como formação do “eu” e da autonomia do
homem, conseqüente de seus atos presentes, reflexos no futuro.
Conceitos como igualdade, desigualdade, preconceito são discussões freqüentes
dentre os humanistas. Em nossa cultura vem associada à igreja e
conseqüentemente ligada à diferença. Ao longo do tempo, veio a igualdade
democrática, perante a lei e, de fato, com direitos e deveres.
Segundo Moraes:
“A igualdade perante a lei, a igualdade de participação política e a igualdade
de acesso a condições que preocupam o conjunto da humanidade, como a
paz, o desenvolvimento, o meio ambiente, etc.”
22. AUTISMO
De acordo com Jiménez, “... autismo representa uma alteração nas diferentes
áreas evolutivas em uma idade temporária e que gera uma disfunção permanente.”
A origem da palavra Autismo vem do grego, eaftismo, que quer dizer “fechar-se
em si mesmo”.
Este termo é utilizado para definir um dos sintomas de esquizofrenia de
separação da realidade e aversão externa e interna, de excitação, ânsia e obsessão,
a tal ponto que gera nos portadores de tal nosologia uma descarga motora que se
caracteriza com movimentos em torno de si, utilizando-se ou não de objetos para
manter-se num estado emocional de equilibração.
Desconhece-se toda e qualquer verdade sobre o autismo, possuindo-se somente
embasamento teórico e clínico do que ele é de fato. Há na descrição de muitos
autores, diferenças de definições, onde o discurso médico e o discurso psicanalítico
divergem em vários pontos.
Para a psiquiatria, o autismo trata-se de um quadro de ausência de interação
social e déficit no desenvolvimento. Já para a psicanálise, o modo pelo qual a
23. 23
resposta da criança autista é dada com relação ao Outro é refletida nas relações
com rompimento, isolamento e ausência de laço social.
Kanner descreve o autismo como um quadro de isolamento e não interação
antes de um ano de idade e de retração emocional com prejuízos cognitivos e
possível disfunção cerebral orgânica. Segundo este autor, o quadro apresentado é
de incapacidade de estabelecer contato, atraso no desenvolvimento de linguagem,
que mesmo quando existente não funciona como comunicação (ecolalia, inversão de
pronomes), jogos e brincadeiras repetidas vezes, falta de imaginação, aparência
normal com a primeira infância não equivalente a seus pares.
Há, porém, relatos anteriores a Kanner que retratam uma série de
comportamentos característicos do autismo, como dos meninos selvagens de
Aveyron e Kasper Hauser, os meninos lobos de Hesse e os meninos ursos da
Lituânia.
Asperger e outros vieram redefinir o quadro até então apresentado
acrescentando: a relação de fascínio com objetos eleitos; a presença de potencial
cognitivo relativamente bom; isolamento desejante e obsessivo.
Atualmente, o Autismo é denominado por muitos autores como ausência de
interação social no desenvolvimento e déficit da comunicação com limitações
interativas.
O autista se comporta de forma não-verbal através de: contato visual indireto,
expressão facial, postura e gestos corporais. Sua relação com o outro é restrita e
sem interação, pois não a compreende. Sua noção de outro também é lesada tanto
em sua essência quanto aos sentimentos.
24. 24
No diálogo, quando existe alguma forma de comunicação, mesmo que exista
fala, esta pode ser alterada em sua qualidade sendo apresentada de forma bizarra e
repetitiva. A incapacidade de estabelecer relação social faz com que os autistas
tratem o outro com relativa indiferença, como um objeto passivo a ser substituído ou,
do contrário, apegam-se de forma exagerada a alguém.
Com freqüência, rejeitam o toque e são sensíveis ao som, à luz, a odores fortes
e apresentam gostos restritos na alimentação. Apresentam comportamentos
bizarros, muitas vezes sendo evidentes oscilações de humor, com risadas ou choros
sem motivo aparente. Crianças autistas têm pouca noção de riscos (altura, trânsito
de automóveis, etc.). Paradoxalmente, sentem pavor sem sentido por coisas
corriqueiras. Costumam dormir mal e não se orientam bem no tempo e no espaço.
Kaplan (1997), Newcombe (1999) e outros definem retardo mental como um
funcionamento intelectual geral abaixo da média que se origina durante o período de
desenvolvimento e está associado a prejuízo no comportamento adaptativo. Citam
que cerca de 40% das crianças autistas apresentam retardo mental e grande parte
das crianças retardadas tem sintomas comportamentais que incluem características
autísticas.
Bebês autistas apresentam comprometimento na relação primordial com a mãe
respondendo de forma apática a qualquer estímulo tátil ou afetivo. Um olhar vago
(“não olhar nos olhos”) interfere no diálogo tônico-corporal entre a mãe e a criança.
Parecem tristonhos e demonstram pouco interesse por qualquer atividade que seria
normal para uma criança saudável da sua idade.
25. 25
Na sua relação com o outro, a linguagem da criança autista é responsiva ou
ecolálica, isto é, completa ou simplesmente repete a fala do outro. Por isso, são
incompetentes para compreender uma linguagem mais abstrata ou interpretativa.
Possuem demasiada preocupação com objetos, tais como botões, estampas em
tecidos, cabelos, óculos, etc.
Apresentam estereotipia de pensamento que se manifesta em atitudes tais como
enfileirar objetos ou guardar brinquedos de forma ordenada. Como tentativa de
garantir sua segurança, crianças autistas criam rituais de comportamento. Pequenas
mudanças nesta ritualização podem provocar um estado de sofrimento e
irritabilidade desproporcionais.
Num quadro de autismo grave, as crianças apresentam comportamento bizarro
ou um estado catatônico, ausência de linguagem verbal autônoma, desinteresse
pelo ambiente que a circunda, restrição ou inibição da fala ou movimentos de
balanços repetitivos com o próprio corpo ou com objetos.
Na verdade, o comportamento da criança severamente autista parece sem
objetivo. Tentativas no sentido de promover seu interesse por outra coisa, que não
aquilo que a prende, são geralmente recusadas ou ativamente repelidas, podendo
produzir graves explosões temperamentais ou tentativas de escapar à situação.
Crianças autistas são, por vezes, diagnosticadas equivocadamente como surdas
por sua inexpressividade, ar melancólico ou olhar dispersivo. Em geral, agarram-se
em objetos colhidos de forma aleatória, aos quais não atribui nenhum significado,
simplesmente mantendo-os apertados contra a palma da mão.
26. 26
Segundo Bleuler apud Cuxart, o pensamento caracterizado pela necessidade de
simbolização do autista é substituído por fantasias entre o real e o ilusório. Sua
dificuldade em generalizar situações, assim como o processo de aprendizagem
tendem a um diálogo literal que mantém a fonética e a articulação das palavras sem
alteração.
Critérios Diagnósticos para F84.0 – 299.00 – Transtornos Autistas
A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2) e (3), com pelo menos dois de (1), um
de (2) e um de (3):
(1) prejuízo qualitativo na interação social, manifestado por pelo menos dois
dos seguintes aspectos:
(a) prejuízo acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais,
tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e
gestos para regular a interação social.
(b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados
ao nível de desenvolvimento.
(c) falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou
realizações com outras pessoas (por ex., não mostrar, trazer ou
apontar objetos de interesse).
(d) falta de reciprocidade social ou emocional.
(2) prejuízos qualitativos na comunicação, manifestados por pelo menos um
dos seguintes aspectos:
27. 27
(a) atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não
acompanhado por uma tentativa de compensar através de modos
alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímica).
(b) em indivíduos com fala adequada, acentuado prejuízo na capacidade
de iniciar ou manter uma conversação.
(c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem
idiossincrática.
(d) falta de jogos ou brincadeiras de imitação social variados e
espontâneos apropriados ao nível de desenvolvimento.
(3) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades,
manifestados por pelo menos um dos seguintes aspectos:
(a) preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e
restritos de interesse, anormais em intensidade ou foco.
(b) adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais específicos e não-
funcionais.
(c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex., agitar ou
torcer mãos ou dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo).
(d) preocupação persistente com partes de objetos.
B. Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com
início antes dos 3 anos de idade: (1) interação social, (2) linguagem para fins de
comunicação social, ou (3) jogos imaginativos ou simbólicos.
28. 28
C. A perturbação não é melhor explicada por Transtorno de Rett ou Transtorno
Desintegrativo da Infância.
Possíveis Fatores de Autismo
Alguns dos fatores que predispõe ao surgimento do autismo são descritos como:
¾grande stress emocional sofrido por mães no período de gestação, no
momento do parto ou após o nascimento da criança;
¾alcoolismo e drogadicção da mãe;
¾seqüelas de doenças, tais como: rubéola e catapora;
¾parto difícil ou traumático, nascimento muito rápido sem dilatação;
¾febre sem diagnóstico específico, seguido por quedas de pressão arterial e
convulsão;
¾infecções;
¾anóxia (falta de oxigênio) ou toxemia (dificuldade respiratória). De acordo
com Papalia e Olds (2000) apud Cintra, a anóxia poderá afetar as células
nervosas do cérebro provocando danos mecânicos. Este tipo de trauma no
nascimento ocasiona danos cerebrais irreversíveis como retardo mental,
problemas de comportamento ou até mesmo a morte.
¾mães adolescentes ou primíparas com mais de 35 anos de idade;
¾hemorragias durante o segundo trimestre da gestação
29. 29
Segundo Ornitz (1977) e Newcombe apud Cintra, o estado físico e emocional da
mãe exerce influencia no desenvolvimento fetal da criança assim como o estado
físico do pai.
Os Tipos de Autismo
Segundo Kanner, os tipos de autismo podem ser provocados por fatores
psicodinâmicos, familiares, ambientais e sociais. São classificados como:
Autismo de Origem Genética – Há uma possível falha descoberta no
cromossomo de número 11, que apresenta uma deformação em forma de um
“braço”, mas sem comprovação efetiva. Há também a observação de uma falha no
cromossomo X.P 22 que faz supor uma preponderância a maior retardo mental
verificado por Rett. A origem é significativa dentro dos estudos sobre autismo,
principalmente pela existência de casos em gêmeos monozigóticos de quase
totalidade em oposição a gêmeos dizigóticos com autismo e a possível ocorrência de
distúrbios consangüíneos entre pais ou avós.
Autismo de Origem Psíquica – Segundo autores como Tustin, a criança que
passa por uma gestação ou um nascimento traumáticos e que por determinada
razão não conseguiu se separar da mãe pode desenvolver uma sintomatologia
autística, caracterizada primordialmente por isolamento e indiferença.
Autismo de Origem Neurológica – Caracterizado por mal formação congênita
que promove um alongamento da 4ª cavidade craniana, provocando uma assimetria
encefálica em relação ao eixo hemisférico. O sistema perceptivo (visão, audição,
paladar e tato) é preservado, entretanto, retardo mental e convulsões são
identificados. Em condições de stress elevado podem ocorrer alterações
30. 30
neurobiológicas com aumento de serotonina e catecolamina, surgindo rituais e
estereotipias de forma inflexível.
Autismo no Aspecto Físico – O autista apresenta desenvolvimento fisiológico
normal, corpo bem formado, mãos e pés pequenos e, ocasionalmente, deformidades
ocasionais nas orelhas e manchas na pele do tipo “café-com-leite”.
Autismo no Aspecto Motor – Déficit de motricidade larga, andar desajeitado,
possuindo boa coordenação motora fina. Presença de hiperatividade e movimentos
rítmicos e repetitivos.
Autismo no Aspecto Personalidade – Freqüente expressão agressiva, auto-
dirigida ou heterodirigida com ocasionais acessos de fúria. O isolamento e o apego a
objetos inanimados surgem como fatores de tentativas de preservação da
integridade física e emocional.
Autismo no Aspecto Familiar – As crianças autistas são, em geral, filhas de
pais inteligentes de classe média alta com formação superior e não há diferenças
significativas em sua criação com relação a crianças normais, por isso, muitas vezes
o diagnóstico ocorre de forma tardia, surgindo apenas após o primeiro ano quando a
criança apresenta dificuldades no desenvolvimento da linguagem.
O Autista e a Noção de “Eu”
A criança autista citada por Tustin não reconhece a mãe assim como não
reconhece a si mesma. Sua noção de identidade pessoal é comprometida no
princípio da experiência relacional e na instalação deficitária do narcisismo primário,
sem lugar no campo do Outro.
31. 31
Danos psíquicos fazem com que ela se desvie de coisas que geralmente
interessam a uma criança normal em desenvolvimento. Considerando perigosa e
aterrorizante qualquer coisa que não lhe seja familiar.
Comporta-se de forma evitativa por medo de sofrer com uma separação
semelhantemente ameaçadora como a do desmame. Em condições de normalidade,
a separação afetiva da mãe contribui para o desenvolvimento emocional, fornecendo
à criança a experiência psíquica da frustração.
A dificuldade de simbolização do autista é traduzida corporalmente em
movimentos repetitivos resultantes da privação da possibilidade de construir uma
linguagem efetiva.
Segundo Winnicott, o autista apresenta terrores experimentados em um estado
pré-verbal, de pré-imagem e, ainda, pré-conceitual. São temores de
descontinuidade, de medo de morrer, de não pertencer, de desintegrar-se, de cair,
de explodir ou de perder a garantia de sua existência. Presos a uma forma de
funcionamento baseada na concretude do pensamento e no domínio das sensações.
O autista não tem consciência de sua humanidade nem das dos outros seres
humanos que a circundam. De fato este tipo de conduta parece significar que o
desenvolvimento emocional e cognitivo da criança sofreu uma desaceleração ou
virtualmente parou.
Brezelton (1969) diz que, quando as primeiras diferenciações estão
prosseguindo normalmente, é possível que haja somente oscilações de consciência
da separação física da mãe, mesmo nos primeiros momentos de vida.
32. 32
Na criança “normal” a ruptura feita ao nascer foi devidamente cicatrizada pela
interação respondível entre mãe e bebê. Na criança autista, esta consciência traz a
dor de um processo de diferenciação de um ser humano vivo.
Sua ligação com os objetos é feita através dos sentidos, em substituição ao
objeto primordial libidinal, isto é, a mãe que nutre ao seio.
A medida em que o autismo se cristaliza os objetos externos, como fezes, urina
e a língua por exemplo, passam a ser instrumentos de uma manifestação patológica
sem função objetiva, servindo como meros produtores de sensação de consistência
ou de segurança. Objetos macios produzem formas reconfortantes para tranqüilizar
a criança que se encontra isolada no contato humano.
O objeto autista, erotizado e manipulado como se fizesse parte do próprio corpo
da criança, serve como um tranqüilizador e uma referência artificial. É através dele
que a criança se comunica.
Também, segundo Tustin, a dentição é considerada um marco de sofrimento no
desenvolvimento da criança autista. Resulta na passagem da experiência de sugar
para a experiência de morder, o que inspira o aparecimento de primitivas fantasias
de incorporação, isto é, “ataques” dirigidos ao não eu – primordialmente a mãe
biológica ou substituta – e que normalmente vem acompanhada de depressão
infantil.
No quadro autístico, as pessoas não desenvolveram o senso de “self”, tendo
apenas uma construção egóica neurológico-mental.
Na primeira experiência de amamentação do bebê é que as relações
interpessoais e afetivas se iniciam, sendo a sensação do seio na boca o foco para o
33. 33
desenvolvimento da psique concomitantemente ao toque, ao olhar da mãe e a
mútua atenção. Estes são os fundamentos do núcleo do “self”. A forma como o seio
é oferecido, como ele é percebido e recebido pela criança influenciam em seu
desenvolvimento. Esta será afetada pelas respostas da criança e pela qualidade de
relações da mãe com o pai do bebê e pelas circunstâncias da infância dos próprios
pais.
Segundo Mahler, pelas dificuldades inerentes ao processo de separação e
individuação, a criança autista denota frágil consciência de sua própria identidade,
sendo carente de empatia e imaginação. A vida fantasmática da criança autista é
empobrecida, daí a sua dificuldade de comunicação.
Tanto para compreender o processo autístico como para promover o tratamento
e a inclusão da criança com este tipo de afecção relacional, torna-se necessário um
grande investimento da parte do cuidador na tentativa de comunicação e interação
sócio-afetiva.
Dados Estatísticos
A incidência é de 2 a 5 casos por 10.000 indivíduos. As perspectivas de autismo
são 4 a 5 vezes maiores em meninas com retardo mental do que em meninos. No
Brasil, calcula-se que existam atualmente aproximadamente 600 mil pessoas
autistas, apesar de não haver nenhum dado formal.
34. 34
O Desenvolvimento segundo Wallon
Dados Biográficos
Henri Wallon (1879-1962) nasceu na França em um período de instabilidade e
insegurança política. Viveu intensa produção intelectual atuante e ética, engajado
politicamente na sua época, integrando atividades científicas e ação social.
Formou-se em filosofia no ano de 1902, trabalhou como professor no ensino
secundário e contestou os métodos de controle disciplinar da época. Mobilizado
como médico do exército francês em 1914, dedicou-se ao atendimento dos feridos
entrando em contato com pessoas vítimas de lesões cerebrais do pós-guerra.
Fundou em 1925 um centro de pesquisa que funcionava em conjunto com
escolas de periferia. Em 1931, trabalhou como médico de crianças com deficiências
neurológicas e distúrbios de comportamento. Presidiu a Sociedade Francesa de
Pedagogia de 1937 a 1962.
Segundo Wallon, a criança passa por estágios de desenvolvimento como
resposta às necessidades e interesses pessoais e sociais, manifestando
organicamente expressões de afeto mutáveis de acordo com o momento social.
Trata-se do processo através do qual o homem se desenvolve, à medida da
maturação orgânica e idade cronológica. O aspecto biológico é determinante, mas
por vezes submete-se ao aspecto social, pois o Sistema Nervoso Central (SNC) não
oferece garantia quanto o amadurecimento de habilidades específicas que
demandam treinamento e aprendizagem.
35. 35
O bebê, ainda não dotado de linguagem e incapaz de sobreviver sem o outro,
desencadeia reações orgânicas através de descargas motoras, sinalizando sua
necessidade de ser alimentado, limpo, abrigado, etc.
A impulsividade motora é um ato de alívio de tensão em resposta a ações
passadas ou causadas por incômodo, angústia e ansiedade. É uma forma primitiva
de se comunicar e dizer que algo está errado.
Com a aquisição da linguagem, seu leque de expressões se amplia e a criança
passa a manifestar seus sentimentos e pensamentos de outra forma, ou seja,
através de gestos e palavras.
O bebê, a princípio, não se percebe como pessoa separada do outro, parece
estar fundida à mãe. A medida em que interage com ela e com o meio, desprende-
se desse vínculo de dependência e diferencia-se chegando a um estágio de
individualização.
O corpo se forma na distinção entre espaço, corpo e ambiente. É ação integrada
ao corpo que se vê em Oposição; Sedução; Imitação.
Oposição: busca de auto-afirmação em relação ao outro, percebida a princípio
em relação ao objeto e na luta por sua posse;
Sedução: necessidade de aceitação do outro para sua auto-aceitação. A criança
reconhece a possibilidade de sucesso ou fracasso das emoções através do
potencial investido.
Imitação: a pessoa admirada é incorporada. Assim, através da imitação e
assimilação das qualidades e méritos da pessoa modela-se e se projeta no outro. A
36. 36
capacidade de interiorizar e exteriorizar possibilita que a criança se diferencie do
outro.
Para Wallon, expulsão e incorporação são mudanças importantes para a
“formação do eu” e oposição é um bom meio de se construir a “diferenciação do eu”.
A criança se importa em identificar que lugar ocupa no núcleo familiar e qual o
grau de importância representa para os pais. Quer ser objeto desejado e faz uso da
linguagem para representar seu desejo.
A criança quer ser tudo aquilo que a mãe desejar e assim leva ao longo da vida
sua busca pelo “desejo do outro” ou “desejo que o outro deseja”.
Em seus estudos, Wallon separou o desenvolvimento infantil em etapas, onde:
¾A criança aos 3 anos se relaciona com o mundo de forma específica: seu
desejo é pelo objeto. O conceito de “meu” confunde-se com o de “eu”, como
se estivesse tomando para si sua personalidade (Estágio da Personalidade).
Desenvolve as funções simbólica e de linguagem (Estágio de Tensão Motora
e Estágio Projetivo).
¾A criança aos 6 anos, evolui intelectualmente em interesses interpessoais e
sociais, buscando o conhecimento do mundo. (Estágio Categorial).
¾A criança aos 11 anos, passa por mudanças do seu corpo e lapidação da
personalidade. Este estado de mudança faz com que ela reflita sobre si como
persona, num eterno conflito de questionamento e emoções em busca pelo
par ideal.
37. 37
Todos estes estágios são construídos em movimentos dialéticos de ir e vir, entre
ação e interação com o ambiente em fases de maior oscilação da criança no seu
aspecto afetivo e cognitivo.
A Escola de Wallon
Fazendo uso da psicologia e da genética, a escola walloniana qualifica e objetiva
métodos pedagógicos visando obter sucesso no processo utilizado.
Wallon diz que é preciso enxergar a criança como um todo (físico, emocional e
cognitivo) para melhor entender sua conduta. Isso se dá forma análoga a uma
proposição matemática, em que fala de “ações + postura = estado íntimo” e “postura
inconstante + estado mental + musculatura tônica = estado constante”.
A pedagogia de Wallon não valoriza a intelectualidade. O “meio” pelo qual a
pessoa desenvolve o intelecto ocorrerá através da compreensão e incorporação do
Eu.
O que acontece na escola é a elevação ao máximo de separação e
confrontamento entre o Eu e o outro. A criança toma posse destas distinções através
da linguagem.
A eficácia da mente está em um bom ordenamento das palavras que valorizam
todo o real expressado no sujeito, sendo este objeto de estudo.
Afetividade
O autismo afeta áreas como comunicação, linguagem, interação social e
imaginação além da capacidade de interpretar expressões faciais e emoções das
outras pessoas tais como tristeza, raiva, alegria, entre outras.
38. 38
O objetivo do isolamento autístico é diminuir as emoções e manter o sujeito em
seu mundo interior de emoções acanhadas. Apesar de ocorrer de forma superficial
em sua maneira de se relacionar com o mundo, o isolamento também ocorre de
forma incondicional somente nos casos mais graves.
Segundo Baron apud Polaino, emoções como medo, alegria, tristeza são
situacionais, pois as observamos nos outros e as atribuímos a uma situação real.
Emoções como surpresa e perplexidades são atribuídas a uma essência ou uma
possibilidade que nada tem de real, que vem a ser a cognição sócio-emocional do
autista.
A expressão facial é um meio pelo qual falamos de nossas emoções e nos
comunicamos com os outros. Através da percepção das emoções é possível abordar
a criança autista numa tentativa de estabelecer um vínculo comunicacional, seja
através de sensações visuais, táteis ou auditivas.
As crianças normais reconhecem as emoções dos outros devido a mecanismo
inatos e lhes permite desenvolver relações de afetividade.
Ao longo do desenvolvimento da criança autista, os aspectos característicos da
patologia da linguagem, como ecolalia e estereotipia, são instrumentos precários
que têm como fim canalizar sua melhor relação com as emoções, em sua maioria
frustradas, por causa da dificuldade inerente ao autista em decifrá-las. Em outras
palavras: o fracasso do autista em lidar com as emoções se deve a uma deficiência
crônica para o desenvolvimento das relações com o outro.
Em contrapartida, quanto mais perceber as emoções, melhor será sua
capacidade de interação social.
39. 39
As perturbações autísticas são expressas em sentimentos de:
Hipotonia: queda da excitação afetiva e aumento de sentimentos melancólicos.
Atimia: ausência de sentimentos.
Apatia: perda da capacidade de experimentar emoções e sentimentos.
Estupor Emocional: inibição de curta duração causada por traumas seguido de
escurecimento da realidade.
Destimia: desequilíbrio afetivo que oscila entre depressão e excitabilidade.
Habilidade Afetiva: não estabelecida afetiva e internamente.
Inconsistência Emocional: perda do controle emocional sob forma de pranto ou
riso excessivo.
Neotimia: não aceitação de novos sentimentos que são vividos de forma
angustiante.
O Amor
O amor é o sentimento através do qual o sujeito age sobre a sua subjetividade. É
a interação com o outro agindo para além dos cuidados básicos. Segundo Freire é
“a verdadeira dimensão de cura a ser reclamada....
É a renovação sem propriedade do outro. É carinho, atenção e compaixão. É
colocar o ser, o saber e o poder de forma correta, íntegra, ética. É ver a criança
autista como pessoa com suas particularidades e não como coisa.
40. 40
O amor é forma divina do desejo e não um meio de satisfazer o sujeito. É através
do amor que a criança amadurece e se torna sujeito desejante pelo outro. É através
do amor que podemos trabalhar com nossos alunos.
A Criança Autista e o Desejo Paterno
Crianças autistas ou vítimas de algum distúrbio bio-psico-fisiológico provocam
uma ferida narcísica e fogem ao desejo e à imagem construída idealmente pelos
pais.
A criança se constitui primeiramente no desejo da mãe que lhe confere, desde o
ventre, um nome, um significado e, na medida em que as relações de afeto se
estabelecem, o sujeito vai conquistando na relação com o Outro sua individualidade
e autonomia, reconhecendo-o e fazendo-se conhecer através da linguagem.
O desenvolvimento global da criança vai além do real do corpo e alcança o
simbólico ao ser olhado, tocado, cuidado, nomeado e afetado pela mãe que investe
na criança como objeto de amor e cria com ela um vínculo de dependência afetiva
fundamental para o estabelecimento de sua imagem narcísica.
A criança com patologia manifesta aponta um furo no desejo dos pais
transportando-o do lugar ideal a um campo desconhecido.
Margareth Mahler teoriza a respeito da substituição do vínculo simbiótico entre a
mãe e o bebê neonato, essencial à sua sobrevivência no primeiro estágio da vida
extra-uterina, por uma espécie de “simbiose social” à medida do desenvolvimento da
criança.
41. 41
A libido do bebê se transfere de um estágio de narcisismo fetal para um
narcisismo corporal primário, estágio no qual a representação do corpo materno
desempenha importante papel. Segundo a autora, nas psicoses infantis precoces
tanto quanto no autismo, graves distorções do relacionamento da díade mãe-filho
parecem constituir a causa essencial de uma alienação da realidade por parte do
ego.
No autismo ocorre uma retração do sujeito que recusa contato com o mundo
exterior e pode ser concebido como o efeito de um fracasso radical na instalação da
imagem do próprio corpo. Por conseqüência, caracteriza-se na criança autista,
desde os primeiros contatos, uma inaptidão em estabelecer relações afetivo-
corporais e simbólicas com as pessoas desde o início da vida.
Crianças autistas são “prematuros psicológicos” se considerarmos que sua
tomada de consciência da separação do objeto ocorreu antes que suas capacidades
de integração fossem suficientes neuro-fisiologicamente. São particularmente
inclinadas à separação oral traumática. A natureza depressiva dos pais e sua
rejeição pelo estado da criança tornam mais difícil a emersão do autista do estado
de choque e afastamento em que se encontra. Uma vez desencadeado o estado de
autismo patológico tende a auto-perturbar-se e auto-agravar-se acabando por tornar-
se quase irreversível.
De acordo com a teoria lacaniana, pais com dificuldades de ordem simbólica
vêm o bebê real em seu desnudamento. A ausência de dimensão simbólica e
imaginária dessa imagem real deixa o filho sem imagem no próprio corpo, tornando
problemática sua vivência de unidade corporal, bloqueando a possível
reversibilidade da libido do próprio corpo para a libido do objeto.
42. 42
A Fase do Espelho
A construção da imagem do corpo como unidade é feita através da experiência
da identidade quando a criança se descobre como um Eu. Esta estrutura que a
criança reconhece é, a princípio, parcial. É o que Lacan chama de fantasia de um
corpo parcial feita através do espelho. A função do espelho é de amenizar a
angústia das partes e integrá-las num todo.
Ocorre na criança, quando está em fase de organização do esquema corporal,
sua fundamentação no corpo como algo passível de descoberta. Mas esta
descoberta também gera confusão entre a noção do que é o Eu e do que é o outro.
Subitamente, a criança é levada a descobrir que o outro presente no espelho não
é o outro real e sim uma imagem, passando a distinguir a pessoa real da imagem. A
criança passa a ter consciência de sua imagem no espelho, de que aquela imagem
é ela própria, recuperando a noção de totalidade do corpo agregando numa
estrutura única, subjetiva e identitária.
A busca de sua identidade, sustentada no imaginário é devida ao fato visível da
óptica. Reconhecemos o mundo através da imagem; fatos objetivos que antes não
eram amadurecidos o suficiente e depois passam a ser.
O espelho simboliza e antecede a formação do Eu. É com ele que a criança se
imagina, se recria e cria novamente através da observação do outro, na busca de
sua identidade.
A criança que vem ao mundo é fruto do desejo dos pais, seja por prazer ou
desejo de um ou dos dois. Tais motivos continuam a influenciar sua vida como
43. 43
“sujeito” dentro da linguagem causada pelo desejo do outro. “A linguagem é
permeada pelo desejo e o desejo é inconcebível sem a Linguagem”. (Fink).
Ao estudarmos em Freud a brincadeira do Fort-da, deparamo-nos com a noção
de investimento libidinal. É nos movimentos de presença-ausência da mãe, objeto
primeiro de amor, que a criança estabelece a noção de Eu, distinto de não-Eu,
simbolizado no jogo de perder e achar.
A base dessas observações está, na teoria lacaniana, sedimentada em um
estágio fundamental do desenvolvimento: o Estágio do Espelho.
Pode-se situar o autismo em um lugar psíquico aquém da alienação, como uma
recusa de estabelecer um vínculo narcísico com a mãe, primitivo e primordial,
impossibilitando a dinâmica simbólica especular. Não haverá ausência se ainda não
tiver havido presença. O bebê autista, apesar de ter sido gerado e criado por sua
mãe e não apresentar nenhum distúrbio orgânico, não olha para ela, não sorri nem
vocaliza e nunca a chama num momento de aflição.
O “não olhar” entre uma mãe e seu filho e o fato de a mãe não se dar conta
disto, constitui um dos principais sinais, no começo da vida, que permitem formular a
hipótese de um autismo.
A partir do segundo ano de vida, mesmo que o “não olhar” não culmine numa
síndrome autista característica – com estereotipias e auto-mutilações – este tipo de
vínculo fragilizado em sua origem aponta para uma grande dificuldade na relação
especular com o Outro. Se não houver intervenção efetiva, seja por parte dos pais,
da família, etc., nesse momento do desenvolvimento, a fase do espelho não se
44. 44
constituirá convenientemente e, conseqüentemente, não ocorrerá a instalação da
relação simbólica fundamental.
Como desdobramento desta falta primitiva ocorrerá o fracasso da construção da
imagem integrada do corpo e da constituição do Eu, pois a ausência de uma
imagem do corpo especular, bloqueia a transposição do narcisismo primário para o
narcisismo secundário e a criança se encerra em seu próprio corpo na “solidão
autística”.
“A dor faz parte da imagem do corpo, como lugar sensível onde o sujeito
pode conter seu eu, ou mesmo seu corpo, pois, para nós, o corpo é ao
mesmo tempo uma parte inconsciente do eu e o lugar de onde o sujeito
pode dizer: eu” (Dolto).
A “Imagem do Corpo” ou como define Dolto “imagem inconsciente do corpo” é o
que se diz da formação da identidade através do outro definido como “IMAGE”. Num
jogo de palavras e fonemas feito pela autora, o “I” representa identidade; o “MA” a
primeira sílaba dita quando começamos a falar e o “GE” atribuído à terra, à base ou
ainda ao corpo que remete a “JE” ou “EU”.
A “imagem inconsciente do corpo” desaparece à medida em que o sujeito se
identifica e se relaciona com a linguagem como o sujeito reflexo através do espelho.
A imagem do corpo pode se revelar sob a forma de sonho ou através de desenhos.
Na representação gráfica através do desenho, a criança se retrata e se define como
imagem inconsciente do corpo.
Francis Tustin aponta algumas características do autismo infantil primitivo
citando:
¾Manifestações Corpóreas Características
45. 45
• Geralmente são crianças que gozam de excelente saúde desde o
nascimento, podendo a eventual incidência das doenças características da
infância ser encarada como sinal de progresso.
• Pode haver uma história de ataques de choro e raiva desde a primeira
infância.
• Apresentam corpos rígidos que não respondem à solicitações externas.
Não se adaptam a uma posição confortável quando postas no colo.
• São graciosas, ágeis e geralmente destras.
• Fazem girar objetos habilmente.
• Tocam levemente os objetos que manipulam.
• Podem denotar hipossensibilidade dos dedos das mãos e dos pés
• Apresentam hipersensibilidade dos órgãos dos sentidos.
• Objetos mecânicos invariavelmente as fascina.
¾Relações Objetais e Ambiente
• Parecem avessas a toda e qualquer forma de contato com os outros.
• A criança é inorientada, desligada das pessoas, desinteressada do que
acontece a sua volta, distante e esquecida no ambiente.
• O ambiente familiar é caracterizado em geral por altos padrões educativos
e intelectuais.
46. 46
• Baixa incidência familiar de doença mental.
• Perseveração no uso de objetos autísticos. Tendem a dividir o objeto se as
assusta e depois procuram juntar os pedaços afim de torná-los novamente
manejável.
• Do ponto de vista da criança, a mãe parece ter-se fechado ao contato por
três motivos:
1º – porque a criança afastou-se dela;
2º – por ser a mãe uma pessoa remota e distante por natureza;
3º – por estar a mãe deprimida ou preocupada.
¾Linguagem, Fase do Espelho e Psiquismo
• Evitam olhar as pessoas.
• Denotam inibição do pensamento.
• Revelam ausência virtual de vida fantasmática.
• Podem não falar ou ser ecolálicas.
• Não possuem a noção de uso do “sim”, “não” e “eu”.
• Afirmam-se pela linguagem da repetição.
• Apresentam potencial intelectual alto ou superior.
• Denotam marcada capacidade para reconhecer padrão e forma.
• Retiram-se precocemente da arena da vida.
47. 47
• Cessam o desenvolvimento lógico.
• Funcionam com base em uma dicotomia entre um ego prematuro e o
objeto externo.
• Denotam persistência e excesso dos processos de envolvimento
(extrusivo e intrusivo) em sua forma de lidar com a experiência traumática
da separação.
• Parecem estar absorvidas por si mesmas, isto é, vivem na convicção
delirante de que estão “embrulhadas em seu próprio corpo” e no corpo dos
outros, experimentados como prolongamentos do seu próprio corpo.
Cognição e Linguagem
Uma criança normal aprende nos primeiros anos de vida a comer, andar, falar,
brincar. Ocorre também desta forma com a criança autista durante o primeiro ano de
vida, até que ela comece a apresentar os sintomas de impedimento da relação com
o próximo, quando começa a dispersar o olhar, a não responder quando solicitada,
e, tampouco, a se interessar pelo outro.
O autismo pode ser detectado antes dos três anos de idade pelo prejuízo na
interação social, um não uso de brincadeiras de forma simbólica e um não
desenvolvimento totalmente natural.
No que diz respeito ao atraso no desenvolvimento, considera-se importante a
teoria do desenvolvimento de Piaget que estabelece quatro estágios, pelos quais, o
indivíduo teria que passar: Estágio Sensório-motor (0 a 18 meses); Estágio Pré-
48. 48
operatório (18 meses a 7 anos); Estágio Operatório Concreto (7 a 12 anos); Estágio
Operatório Final (12 anos ou mais).
Segundo Piaget, a seqüência dos estágios é invariável, isto é, todas as crianças
atravessam os estágios na mesma ordem estabelecida. Cada estágio pelo qual a
criança passa é necessário para as próximas construções do estágio seguinte,
desde que se façam adequadamente. As diferenças em termos da velocidade com a
qual cada criança atravessa tais estágios também devem ser observadas. Assim,
algumas crianças atingem determinado estágio mais cedo do que outras.
No caso da criança autista, ocorre um atraso no desenvolvimento da lateralidade
manual, uma incapacidade em apontar para objetos, simplesmente por não poder
desejar o que não é compreendido. Uma criança que não é capaz de compartilhar
com o outro um objeto de seu interesse ou de sequer apontar para solicitá-lo
(comunicação pré-verbal), não adquire uma base adequada para a aquisição da
linguagem e, conseqüentemente, não constrói um vínculo natural com a
comunicação. A criança que não é capaz de ler ou compreender, tecendo uma rede
de vocabulário consistente e plena de sentido, fica prejudicada em sua comunicação
e expressão.
Segundo Wing apud Jiménez, o educador deve ter sempre em mente o nível de
compreensão da criança e afim de adaptar sua própria linguagem, adequando-a e
modificando-a de forma progressiva, falando de forma clara e lenta para melhor
apreensão do significado da palavra, quando esta estiver interessada.
O autista com freqüência se fecha em um “casulo”. Isto se dá como defesa para
envolver e imobilizar a parte danificada da personalidade que diz respeito à
capacidade de compreensão. O pensamento concreto e a incapacidade de fazer as
49. 49
abstrações necessárias causa restrições para o autista, criando uma barreira entre
emoção e cognição. Ele evita a comunicação, seja através da linguagem verbal ou
manifesta através de jogos, desenhos ou modelagem. Tal comunicação apresenta-
se escassa e, freqüentemente, nem existe, pois ele se comunica de forma limitada e
anormal.
Ao educador cabe a tarefa de pelo menos tentar trazer o autista para dentro da
órbita da comunicação humana.
Segundo Angel apud Jiménez a criança autista possui uma variedade enorme de
linguagem, mas sempre encontra dificuldade de compreensão.
O mesmo autor cita que:
“As pessoas autistas têm dificuldade de integração dos canais sensoriais e
uma dificuldade de integração de informação dos distintos canais sensoriais
que serve para abstrair as regularidades do meio através da linguagem.”
Em se tratando de aprendizagem, o autista dificilmente apontará para um objeto
ou dirá algo. Quando a linguagem é ausente, basta tentar entender ou criar uma
forma de se comunicar e de brincar juntos, criando relações entre ele e o objeto, de
acordo com o seu desenvolvimento. O ideal é que se comece a trabalhar com a
criança desde os seus primeiros anos de vida, logo que o diagnóstico for confirmado.
Quando existente, sua fala é concreta e utilizada em forma de ecolalia, ocorrida
por um defeito na cognição e pela sua incapacidade de se colocar no lugar do outro,
estabelecendo um diálogo em que esta inversão lingüística inevitavelmente
aconteça.
50. 50
“Em pessoas autistas se davam e se dão, menos dificuldades na recepção
pura e simples dos estímulos, e se davam e se dão menos dificuldades de
coordenação motora, portanto é importante levar em conta que para que
possam adquirir um mundo de significados será necessário superar a
limitação que impõe o efeito de ter canais sensoriais distintos. É dizer que o
mundo dos sentidos foram mundos separados, não relacionados entre si,
não seria possível adquirir significados já que não são informações que
implicam na capacidade de associar e de transferir a informação”.
(Jiménez).
Há uma capacidade em crianças autistas de ordenar, classificar usando da
música e não da linguagem (vale lembrar que as estruturas usadas por um e outro
no cérebro são distintas).
A criança, incapaz de produzir linguagem, associa ao brincar uma significação.
Discursar sobre ela é refazer o que a incomoda, tomando posse e dando ao
brinquedo uma conotação de realidade através do qual se comunica de forma
primitiva. No caso da criança autista, o fato de não atribuir significado ao brincar,
dificulta a comunicação e expressão, ficando ela sujeitada ao Outro discursivo que
brinca.
Segundo Jiménez, o que deve ser trabalhado no contato terapêutico com
crianças autistas é:
¾linguagem comunicacional (percepção, compreensão e o gestual);
¾linguagem verbal (oral e gráfica);
¾a adequação do uso da linguagem no sentido de evitar ou corrigir as
manifestações costumeiras (ecolalia, mutismo, inversão pronominal);
¾linguagem postural (gestos, mímicas, expressões e posturas corporais);
¾a interrelação entre pessoas e a relação entre pessoa e objeto;
51. 51
¾a capacidade imitativa;
¾a formação de conceitos;
¾estimulação da memória;
¾a capacidade de classificar, ordenar e generalizar;
¾a cognição geral (verbal, auditiva e a resposta a elas);
¾o controle corporal (esfíncteres anal e uretral);
¾a coordenação visomotora;
¾o comportamento espacial;
¾o domínio das áreas da vida doméstica.
52. INCLUSÃO DO AUTISTA
Definição de Psicopatologia: “entende-se por Psi + Patologia onde se estuda
causas e natureza das doenças mentais. Psic de origem grega significa alma e
patologia dor, Pato também no grego Pathos doença, paixão, sentimento.” (Cunha,
1997 apud Moreira).
A compreensão do que é patologia e como ela interfere na vida destas pessoas
com o meio, vem ligada a conceitos e pré-conceitos, históricos e culturais, pelos
quais precisamos trabalhar na tentativa de humanizar o mundo, a sociedade e a
escola em que vivemos.
A escola, muitas vezes, recusa e reclusa tanto quanto a sociedade, pois é um
reflexo da mesma e a Inclusão do diferente vem como fator gerador de atrito em
nossa sociedade, pois implica em mudanças de concepção do sujeito e demanda
reflexão sobre valores que obstruem o ambiente educacional e o comodismo de
quem se encontra nele. A relação igualdade, desigualdade e preconceito estão
latentes em todo momento no ambiente educacional.
Vencer o preconceito e o rótulo dado ao autista é um grande passo a ser tomado
para vencer bloqueio da escola em se tratando de crianças autistas. Vemos cada
53. 53
vez maior o número de autista na escola e fora de instituições e próximos à família,
integrado ao contexto social.
Por que incluir crianças Autistas ?
“... existem também aqueles que necessitam de cuidados especiais para a
alimentação, o vestuário, a higiene pessoal e outros hábitos ou atividades
rotineiras. Em tais casos, essas pessoas necessitam desenvolver
habilidades, funções e aprendizados específicos. Algumas dessas
necessidades podem ser temporárias ou permanentes, dependendo da
situação ou dos circunstancias das quais se originam” (Sá/2002).
Inclusão é a única forma do quadro apresentado ser amenizado e modificado. É
pela interação com a vida e pelo uso mais espontâneo de suas próprias capacidades
inatas. Quando o acidente psíquico de uma perda aparentemente irrecuperável
ocorreu pela primeira vez, essas reações autistas foram necessárias, mas com o
passar dos anos eles se tornam obstáculo.
O autista é um sujeito em falta, por isso são mais sensíveis à aceitação do outro.
Para uma pessoa normal, o crescimento é um estado de independência. Já para o
autista, que é um sujeito centrado em si, esta independência representa a perda do
espelho. A escola entra como lugar de descoberta do Eu, de busca do que é bom e
agrada a criança.
A criança autista tem uma incapacidade inata de responder às emoções e lidar
com suas necessidades, por isso o atraso na aquisição de elementos.
Segundo Garcia Polaino, os autistas estão incapacitados para expressar através
de gestos, o que permite inferir que dispõe de certa capacidade para organizar e
expressar desejos ou idéias de forma não verbal.
54. 54
O Autista é, também, um sujeito aquém do seu desenvolvimento. Em suas
necessidades básicas, ele é sujeito à influência de diversos agentes, tais como a
maneira de ver, sentir, reagir, própria daqueles que o rodeiam desde os primeiros
anos de vida.
Já o autista, em idade adulta, quando a comunicação é precária entre ele e
outras pessoas, seu núcleo interno ou EU imperfeita pela não descoberta de uma
outra forma de criar e interagir com o mundo que o cerca.
É certo que crianças normais que hoje convivem com crianças autistas, seja qual
for a necessidade está preparada para uma sociedade de fato inclusiva. As crianças
autistas são vistas, aos olhos da sociedade, como “coitadinhas”. O que uma criança
“normal” que convive em ambiente inclusivo aprende é que, tanto quanto elas, as
outras crianças também são sujeitas de desejo.
Inclusão e Emoção
Como diz Maslow, é preciso conduzir e reduzir a distância entre as aspirações
humanas e suas limitações, isto é, entre o que o homem é efetivamente, o que ele
gostaria de ser e o que poderá ser, como realidade e com potencialidade. Só assim,
recairemos na questão da Inclusão de forma mais humana.
A frustração do não saber do professor e o pré-conceito o impelem a “escolher” a
experiência do aluno e a sua como professor.
O conflito entre o real e o ideal só faz causar mais desgosto e contentamento,
isto muitas das vezes pode ser devido ao erro educacional com relação ao que é do
que não é relevante àquela criança, naquele momento.
55. 55
Tumulto emocional e hiperatividade são conflitos constantes em sala de aula,
deixa qualquer professor sem reação, além de nunca virem sozinhos e sim
associados a outros destemperos emocionais (raiva, medo) ainda provam as crises.
É necessário que o professor se valha de informações e só por meio destas é
que podemos controlar as emoções, nossas e das crianças e reduzir a tensão entre
ambos e podendo, de forma mais objetiva, interferir e intervir positivamente.
É preciso trabalhar com nosso sofrimento de não sabermos ao certo que
caminho tomar diante da apatia do aluno como também com o estado de sofrimento
que ele se encontra.
O professor tem de se adequar ao aluno e o acolher quase que maternalmente
justamente por ele ver o estado de sofrimento da criança autista sem que se perca
para tentar instruir sobre as necessidades dele. É o professor que se angustia perde
tal capacidade e traz danos tanto para si quanto para a criança. É preciso também
cuidado ao formular ou falar algo para estas crianças.
É através do afeto que podemos transformar o professor e, conseqüentemente, o
aluno, pois ele se projeta na figura do professor e dá uma nova forma à relação. Mas
é necessário que ele se perceba fora do outro e não se prenda exclusivamente ao
aspecto sentimental.
Já nas crianças normais, este desenvolvimento ocorre entre 3 e 4 anos, onde
elas conseguem formular certas soluções às emoções a elas associadas, levadas
pelo desejo. Dos 5 aos 6 anos, conseguem identificar as crenças como fatores que
causaram certas emoções.
56. 56
A capacidade de simular, imaginar e descrever a realidade é o caminho pelo qual
as crianças se dispõem a entender a opinião e crença dos outros tal como seu
estado emocional, sem precisar desejar o mesmo.
Assim, a aptidão em moldar internamente suas atitudes faz com que ela ganhe
lugar de destaque em relação a sua facilidade de compreender melhor as emoções
do que a criança autista.
É preciso que haja, para um desenvolvimento das condições psicológicas, a
“consciência do próprio eu”, “capacidade para simular ou simbolizar”, “capacidade
para distinguir entre ficção e realidade”.
Para os autistas sua dificuldade em relação a outro se dá pela incapacidade de
fazer repreensões internas das emoções, não compreendem as emoções dos
outros.
Cognição e Emoção
Segundo Angel apud Jiménez, o que realmente é relevante à educação é a
questão da inflexibilidade cognitiva e emocional e sua necessidade de ordenar e
estruturar o mundo. Isto ocorre por meios externos artificiais e pouco flexíveis por
falta de linguagem e interação, tanto em competência quanto a motivação.
É preciso correr na busca de desenvolver ao máximo as capacidades do sujeito
autista. Desenvolver sua potencialidade é também uma forma de amenizar seu
sofrimento, onde o autista, que agora está em busca de maturação social e
emocional possa trabalhar sua aceitação pelo grupo.
57. 57
Quanto mais cognitiva for à emoção maior difícil detectá-las nas crianças autistas
e compreender o real do mundo, compreender e manipular através da mente suas
atitudes com respeito às informações é inato (Leslie apud Polaino), abrir o mundo do
autista para estas percepções pela convivência com crianças “normais”.
Ao invés de tentar compensar nossos alunos pelo que achamos que eles
possam estar necessitando, limitamo-nos a um entendimento superficial de suas
práticas e esquecemos de começar a usar as capacidades que possuem. Para isso,
eles precisam sentir que acreditamos em sua capacidade de fazê-lo, a própria
natureza e sua capacidade de resposta, bem como as circunstâncias externas
durante seu crescimento, terão desempenhado seu papel.
Escola
O trabalho com criança autista é, com certeza, um dos grandes desafios da
escola por se tratar de alterações da linguagem e das emoções. Seu
acompanhamento vai além do escolar e o uso freqüente de medicamento pesa no
trabalho com a escola.
Às vezes o autista apresenta uma série de modificações no medicamento e este
processo de experimento psiquiátrico causa angústia e ansiedade, tanto na família
quanto na escola, por não se saber o efeito daquele medicamento para aquela
criança e o reflexo no ambiente educacional causado.
A criança autista é melhor quando sobre medicação específica; principalmente
quando há alguma patologia associada, fator de dificuldade em qualquer intervenção
feita com esta criança, seja psicológica, pedagógica ou familiar.
58. 58
Temos que levar a realidade sintomatológica para o trabalho pedagógico como
transtorno de linguagem, do pensamento, e das relações sociais e afetivas,
perceptivas e de atenção, da inteligência e motricidade além da personalidade e
conduta (Jimenez).
É preciso que a escola fique atenta à conduta destas crianças em relação à outra
criança. O parecer da escola é muito importante posto que a criança. Passa boa
parte do tempo e das suas relações dentro dela.
A escola é o melhor caminho para um desenvolvimento social sadio de acordo
com sua potencialidade educacional e emocional para lidar com atitudes e
atividades da vida acadêmica e principalmente fora dela de forma contínua.
O trabalho deverá ser definido também em individual, em dupla ou coletivamente
de acordo com o potencial do aluno ou do grupo e a capacidade de sucesso da
atividade.
O trabalho individual focaliza a aprendizagem da criança, o que é importante,
mas alguns momentos há que se trabalhar em grupo por ser com ele a criança que
ela si identifica e assume um papel e sendo maior a diversidade dentro dele, maior
será o modelo de relacionamento social e isto favorece ao desenvolvimento de sua
“persona”.
O trabalho não segue regra específica, posto que se trata de uma clientela plural
em seu desenvolvimento, mas sim a partir de uma observação para saber o que
fazer, a que ter em mente o autista a ser trabalhado e não o quadro nosológico
apresentado.
59. 59
Há uma pré-disposição à regressão da criança e o trabalho deve oscilar entre um
constante ir e vir. É de fundamental importância valorizar suas habilidades, se assim
podemos dizer de sua capacidade de ajudar em atividades rotineiras e de relacionar
objetivos. São geralmente ótimos ajudantes em sala e muito organizados.
Por ter uma noção difusa da realidade, temos que buscar limites, significação e
ordem, tentando estabelecer rotina e maneira especifica para tentar alcançar algum
objetivo e dar significação aos comportamentos sociais para que possam ser
entendidos, pois estamos biologicamente pré-dispostos a isso, desde com
estimulação apropriada. A fala é usada para compreensão dos sentimentos, e a
criança autista muitas das vezes não a compreende.
As tarefas devem ser coerentes e estabelecer início, meio e fim dentro de um
espaço temporal previsto (do tipo antes do recreio, saber onde estão sendo
guardados seus objetos escolares para facilitar seu acesso e manuseio, bem como
aquele CD que ela gosta de ouvir enquanto faz as atividades em sala).
Quando a escola for participar de eventos externos, o ideal é que seja
conversado com antecedência e, se possível, mostrar fitas de vídeo mostrando o
local e o tempo preciso de retorno como (antes do recreio). Se tudo for feito de uma
forma estruturada, há menos riscos da ocorrência de algum problema.
Quando a escola estiver se preparando para uma visita ao museu, mercado,
excursões, praça ou qualquer atividade que fuja da rotina é preciso uma conversa
prévia e específica.
Visões compartilhadas quase nunca coincidem. Daí a dificuldade de se saber
como trabalhar na escola com o autista. Em principio, trabalhamos com instinto e a
60. 60
vontade de acertar, usamos da paciência e do respeito para com o ser humano a ser
trabalhado, e, acima de tudo, com a vontade de buscar mais e saber mais a respeito
destes pares misteriosos que nos cercam.
Temos dúvida quanto ao caminho adequado a seguir, mas é evidente que a
posição de professores e profissionais que antes trabalharam com a criança seja de
suma importância. Ter a humildade de saber que pouco se sabe e muito há para
aprender em se tratando de um sujeito tão particular quanto o autista é um bom
caminho para a escola poder elaborar um material eficiente de trabalho.
Muitas das vezes o currículo comum é adequado à criança autista. Em outras
situações, teremos que adaptá-lo à realidade da criança. Quem nos dirá o caminho a
ser seguido é a própria criança e suas necessidades de desenvolvimento e
capacidade apesar de muito se pensa ao contrário.
“Os enfoques pragmáticos e os sistemas de signos têm que ser adaptados a
autista com uma esperança de comunicação desta criança”. (Jiménez).
Os objetivos devem ser estabelecidos, conteúdo e metodologia a ser utilizada
devem ser de acordo com cada caso particular, trabalhados em função da redução
de conduta inadequada e do desenvolvendo da função atrasada (linguagem,
cuidados pessoais).
Quanto mais cedo for a intervenção da escola maior as chances de sucesso e
melhor poderá evoluir o trabalho psicopedagógico no seu desenvolvimento, tanto
pedagógico quanto de interação.
61. 61
A Escola e a Construção do Sujeito
A escola, para satisfazer a sua demanda de trabalho precisa unificar trabalhos
pedagógicos como a reconstrução do Eu que este sujeito deixou se perder em
algum momento de sua vida.
A escola precisa seguir ao constante destruir e construir do sujeito em relação ao
outro, o meio do qual ela está incluída engloba as relações com os outros, objetos e
os meios de aquisição do conhecimento dentro de uma cultura.
É na escola que a criança põe em prática as condutas disponíveis e tira novos
meios para poder agir em sociedade. Esta ação, a principio, sobre a intervenção
através da linguagem para retornar ao social.
Mas para que um trabalho com autista seja satisfatório, é preciso que,
possamos, em um primeiro momento, somente receber estas crianças dentro da
escola para tentar familiarizá-la com o ambiente e com aqueles sujeitos que ali estão
inseridos para depois trabalharmos a noção que ela tem dela e do outro e quando
ela se separa deste outro.
Daí em diante precisa, a escola, trabalhar o corpo e como ela lida com seu corpo
em movimento, em contato com o outro corpo e com seu cuidado com o corpo.
Vimos com freqüência a presença de crianças grandes em processo de
alfabetização, justamente por estarem elas, anteriormente, neste conflito dela com o
mundo, com seus sentimentos, com o corpo.
Dentro da “Teoria da Motivação Humana” de Maslow, as aquisições de estágios
superiores do desenvolvimento, só poderão ocorrer, mediante satisfação secundária
62. 62
de outros, no topo da pirâmide estão às necessidades físicas ou fisiológicas
seguidas das necessidades de afeto e segurança e aceitação pelo outro. A pessoa
em dificuldade em tais necessidades básicas está centrada em sua segurança
pessoal e, portando em um estado de “motivação da deficiência”.
A educação não deve se limitar ao ensino de conteúdo e engloba o espaço que a
ele o sujeito está isento. O corpo da sala, espaço, precisa de maior mobilidade e
acesso e de uma forma lógica organizada para manuseio o espaço (tempo), também
para duração das atividades e o momento oportuno para sua realização.
O buraco negro pode ser restaurado por atividades cognitivas e atividades
criativas com o mundo exterior para estimular o crescimento e a busca por uma
restauração de sua capacidade psíquica através de uma experiência. Tais
experiências servem para que o autista se separe e elabore o mundo para, a partir
daí, possam começar a relacionar com as outras pessoas.
Os Objetos em Sala
Meltzer apud Tafuri, o pensamento da criança autista é atraído de forma
desordenada pela percepção dos objetos, as qualidades visuais, à audição dos
sons, a experiência corporal com os objetos, o paladar dos alimentos e nos objetos
em si e na voz. Atenção e postura são o que nos permitirá aproximação física com a
criança pelo toque, olhar que não são tão toleráveis.
Segundo Lecourt e apud Tafuri, o espelho sonoro antecede o espelho visual e
relação entre emissão sonora e a exigência de amor, a expressão de cinismo e o
reconhecimento do outro, ainda segundo Langer apud Tafuri linguagem e o corpo
caminham juntos, a criança não só ouve sons como os experimenta no próprio