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LIGUAGEM DE DESENHO ANIMADO
VOLUME 1
Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0
Internacional
Grafia atualizada respeitando o novo
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Organização: Ariane Holzbach
Revisão: Jackson Jacques
Diagramação: Jackson Jacques
Capa: Laila Arêde / Camila Queiroz
HOLZBACH, A. D.
Linguagem de Desenho Animado - volume 1 /
Ariane Diniz Holzbach – Niterói, 2016.
1. Desenho animado 2. Infância 3. Televisão. I. Tí-
tulo. II. Holzbach, A. D.
Ariane Holzbach
Professora Adjunta de Estudos de Mídia
Universidade Federal Fluminense
arianeh@id.uff.br
ARIANE DINIZ HOLZBACH (org.)
Linguagem de Desenho
Animado
volume 1
Ao Departamento de Estudos Culturais e Mídia, da
UFF, formado por uma equipe incansável na busca
pelo novo.
A Jackson Jacques, editor e diagramador, Laila
Arêde e Camila Queiroz, ilustradoras da capa,
alunos dedicados que toparam dar concretude a este
livro comigo.
A todos que, de alguma forma, mantêm os olhos de
uma criança.
Sumário
Desenhos são mágicos 9
1. DESENHOS ANIMADOS NA HISTÓRIA
1.1 O Incrível Mundo de Gumball: o legado da “era de ouro” da
animação nas novas produções animadas 11
1.2 Entre a Disney e o túmulo: a morte nos filmes de anima-
ção 20
1.3 Como Walt Disney driblou as críticas e como a influência
da literatura lovecraftiana em Gravity Falls é sintoma de seu
sucesso 39
1.4 Problemáticas da representação da mulher na mídia e seus
desdobramentos nas Princesas da Disney 48
2. DESENHO ANIMADO PARA MULHERES 
2.1 As Meninas Superpoderosas e o feminismo 60
2.2 Representação feminina nos desenhos animados: um estu-
do sobre As Meninas Superpoderosas 80
2.3 Análise da série animada Kim Possible 86
2.4 Três Espiãs Demais e os desenhos para meninas – Girl
Power 93
2.5 Análise da animação Três Espiãs Demais 102
2.6 A espionagem enquanto trabalho em Três Espiãs
Demais 107
2.7 Análise do filme A princesa e o sapo 118
2.8 Valente: as disputas discursivas acerca do lugar da mulher
nos desenhos animados 126
2.9 Sakura Card Captor e o gênero shojo 137
3. DESENHOS ANIMADOS PARA ADULTOS?
3.1 South Park: uma outra visão sobre a sociedade 147
3.2 South Park: uma série em desenho animado de humor
pesado 151
3.3 Hora de Aventura: um desenho que viaja gerações 163
3.4 A temática adulta de Hora de Aventura como ferramenta na
construção do imaginário infanto-juvenil 173
3.5 Analisando o caráter de maturidade de temas sociais em
Apenas um Show 180
3.6 Over The Garden Wall 189
3.7 A realidade inserida na produção audiovisual de
animação 195
4. DESENHOS COMO FENÔMENO SOCIAL
4.1 Irmão do Jorel e a abordagem de temas de importância
social 201
4.2 F is For Family: representação e complexidade narrativa na
série animada do Netflix 210
4.3 Lilo & Stitch: o filme e a série 220
4.4 Imaginário Infantil e Interlocuções na franquia A Era do
Gelo 228
5. DESENHOS ANIMADOS PARA ALÉM DO HORIZONTE
5.1 Análise do anime Samurai X no contexto da violência nos
desenhos animados e influência do público infantil 236
5.2 Avatar: a lenda de Aang 245
5.3 Dobrando a Sociedade: Um estudo sobre A Lenda de
Korra 254
5.4 One-Punch Man e a desconstrução e afirmação do
shonen 261
9
DESENHOS SÃO MÁGICOS
	 Além de fazerem crianças sonharem e sorrirem – o que já
justificaria a sua importância social – os desenhos animados con-
tam uma espécie de história alternativa do mundo contemporâneo
para a qual, infelizmente, poucas pesquisas até hoje dão a devida
atenção. Acompanhar o desenvolvimento dos desenhos animados
é ter uma boa noção das mudanças tecnológicas vivenciadas pelas
mídias nos últimos 200 anos. É entender a complexidade que é fa-
lar para crianças, encontrando o dificílimo equilíbrio entre apren-
dizado e diversão. É entender de que maneira narrativas dialogam
com adultos e com crianças, mesmo que seu direcionamento inicial
seja para um público ou para outro. É perceber como um mundo
conectado em rede tem o poder de emanar conteúdo que, a despeito
de ser produzido no Oriente e no Ocidente, produz resultados sem
fronteiras. E, muitas vezes, sem limite de idade.
	 É por causa dessas e de várias outras consequências que
esta coletânea foi estruturada. Os textos são resultado de um se-
mestre regado a muitas leituras e debates realizados na primeira
vez que ministrei a disciplina Linguagem de Desenho Animado para
os graduandos do curso de Estudos de Mídia, da Universidade Fe-
deral Fluminense, e versam sobre temáticas variadas desenvolvidas
em lindas e longas sextas à tarde. Os autores-alunos escolheram os
assuntos que mais lhes chamaram atenção, selecionaram um dese-
nho animado específico e se debruçaram em análises que mostram
o quão fascinante e o quão desafiador é entender os significados
sociais existentes por trás das narrativas animadas.
10
	 Os artigos exploram, por exemplo, o poder e a força dos
desenhos animados para meninas, o deslumbrante universo dos
animes, os significados existentes por trás dos desenhos para adul-
tos e a história da tecnologia que possibilitou diferentes avanços na
criação dos desenhos animados. Ao final da leitura, nossa inten-
ção é que você, incauto leitor, também sinta vontade de entender
melhor um dos produtos mais complexos e mais divertidos que os
últimos séculos produziram.
Ariane Holzbach
12
O Incrível Mundo de Gumball
O legado da era de ouro da animação nas novas produ-
ções animadas
João Victor Gonzalez
Juliana Chaves
Luis Gustavo Souza
	 O Incrível Mundo de Gumball é uma série de animação
criada em 2011 pelo cartunista Benjamin Bocquelet para o canal
de TV a cabo Cartoon Network, inicialmente para transmissão
na Europa, depois estendida à rede completa. A série foi indica-
da a cerca de 25 prêmios e ganhou 11, entre eles o British Acade-
my Children’s Awards e o Annecy International Animated Film
Festival. Ela segue a personagem principal Gumball, um gato
azarado, e sua família na fictícia cidade de Elmore. Em cada
um dos episódios acompanhamos Gumball e seu irmão adotivo,
Darwim, anteriormente seu peixe de estimação que passou por
um processo de “evolução” ganhando pernas e se tornando um
novo membro da família Watterson, em suas aventuras cotidia-
nas que, modificadas por seus pontos de vista infantis, parecem
enormes sagas épicas nonsense.
	 O estudo tem como foco o episódio 40 da terceira tem-
porada da série, intitulado “The Money”1
. O episódio trata de
mais um dia do cotidiano de Gumball, no qual a família Watter-
son se vê falida após tentar comprar um Cheeseburguer e palitos
de cenoura e com isso o seu mundo desmorona, literalmente,
afinal toda a história gira em torno de Gumball, logo, do seu
1 Em tradução livre, “O Dinheiro”.
13
ponto de vista, todo o mundo deixa de existir. O episódio inicia
com um discurso ideológico inflamado anticapitalista da per-
sonagem principal, Gumball, direcionado a um funcionário do
fast food Joyful Burguer com o objetivo de fazer o seu pedido de
batatas fritas. Em seguida descobrimos que toda a família está
falida pelo fato do pai, Richard, ter pego todo o dinheiro e ter
jogado numa conta offshore, aqui usado como um trocadilho2
.
Vendo que a família está com problemas financeiros, Larry, o
atendente, lhes faz uma proposta de participar em um comer-
cial da rede Joyful Burguer, devido a seu aspecto medíocre. A
família, seguindo o idealismo de Gumball, não aceita a proposta
retornando à casa sem dinheiro algum, o que gera problemas
como a luz ser cortada, falta de comida, chegando ao ponto de,
no dia seguinte, perderem a casa. Logo em seguida, há a utiliza-
ção de metalinguagem, o desmoronamento do mundo de Gum-
ball é retratado por meio da “falha” da animação, como metáfo-
ra da crise monetária que a família vive, forçando-os, assim, a
aceitar a proposta feita por Larry no início do episódio. Este é
finalizado com eles atuando no comercial.
	 O desenho utiliza diferentes artifícios para contar a his-
tória, emprega diversas técnicas de animação, além da narrativa
complexa com várias camadas de entendimento. Usando pia-
das visuais voltadas ao público infantil e críticas ao capitalismo
e à crise financeira vigente, dando uma profundidade maior à
discussão, atraindo assim o público adulto. As piadas visuais
empregadas no episódio analisado remetem ao período inicial
da animação, conhecido como “era de ouro”, no qual era vincu-
lada principalmente em cinemas, por isso também chamada era
cinematográfica. As técnicas empregadas na série remetem aos
2 O pai confunde uma conta offshore, que é uma conta “clandestina” que benefi-
cia o investidor de forma legal, com o significado literal do termo, jogar no mar.
14
primórdios da animação, principalmente ao conhecido illusion
of life3
, que são mecanismos desenvolvidos para dar mais realis-
mo e a impressão da vida à animação.
O QUE É ANIMAÇÃO
	 Desde sua alvorada, a humanidade busca representar
a sua visão de mundo, seja em pinturas nas cavernas ou po-
lígonos tridimensionais por meio de computação gráfica. Dessa
maneira, tornava-se inexorável criar meios de reprodução do
movimento. A partir disto, desenvolveu-se várias artes, entre
elas a animação e o cinema. “Animação não é a arte do dese-
nho que se move; ao invés disso, é a arte do movimento que é
desenhado” (MCLAREN,1940). A animação é uma arte trans e
interdisciplinar, passando por vários aspectos da criação huma-
na, tendo como principal técnica a animação de desenhos (cell
animation, também conhecida como animação tradicional). À
capacidade de criar movimento a partir de imagens levemente
diferentes dá-se o nome de stopmotion. O desenvolvimento des-
ta técnica é a base do cinema e da animação. Este constitui-se de
imagens sequenciais que causam o movimento. As experiências
do fotógrafo inglês Eadweard J. Muybridge ajudaram a enten-
der como o movimento se constitui. Ele usava várias câmeras
para decompor o movimento em instantes; a justaposição dessas
imagens e o fenômeno ótico faz com que vejamos a imagem em
movimento. No entanto, não são os quadros estáticos que geram
o movimento, mas sim seu fluxo. Como destaca McLaren, “o que
acontece entre cada frame é mais importante do que acontece
em cada frame” (MCLAREN, 1940). Portanto, a animação tem
3 Em tradução livre, “A ilusão da vida”.
15
por base as imagens contidas em cada frame e a sua sucessão,
assim como dito por Deleuze a animação não são os desenhos e
sim o movimento que descreve a figura (DELEUZE, 1983, p.10).
A INCRÍVEL ANÁLISE DE GUMBALL – A ESTÉTICA
DE GUMBALL
	No Incrível Mundo de Gumball temos uma arte que se
baseia em uma mistura de diversas técnicas de animação, tendo
em um mesmo episódio, personagens e objetos animados em 2D,
3D ou até mesmo o uso de fotos e texturas reais. Gumball e sua
família são animais antropomórficos, assim como o Gato Félix
(criado por Otto Messmer e Pat Sullivan), ou seja, são animais
que agem como seres humanos. Esta característica remete a ar-
tifícios para a fácil identificação com a personagem, a capacida-
de de um animal representar de forma neutra aspectos humanos
e a facilidade de criação de situações cômicas. A semelhança
com Félix vai para além disso, Gumball também é um gato e
no episódio analisado ele se transforma, assim como Félix. Este
fazendo parte do hall dos personagens criados na era de ouro
da animação, usa de muitas gags visuais e transformações para
contar a sua história.
	 Apesar de Gumball ter semelhanças visuais com Félix,
seu traço remete aos tempos atuais feito em vetor de maneira
simples, além da predominância de linhas retas e da quase au-
sência de volumes. O que por um lado é uma escolha estética,
por outro é uma escolha técnica. A animação das personagens
da família Watterson é feita, principalmente, por meio da técni-
ca cut-out, que consiste em animar peças que são as partes dos
corpos das personagens, o que poupa tempo de animação, tendo
em vista que não é necessário redesenhá-los quadro-a-quadro,
basta mover e trocar as peças para formar cada frame da anima-
ção.
16
	 A técnica de cut-out desenvolveu-se principalmente com
Hanna-Barbera em suas produções televisivas, quando era ne-
cessário que as animações saíssem rápido. Hoje essa demanda
de velocidade continua e com o avanço das tecnologias temos o
cut-out digital (empregado em Gumball), que consiste em peças
vetoriais ligadas a armatures, esqueletos digitais aos quais as
peças vetoriais são presas para simular uma estrutura e contro-
lar a animação.
	 Uma parte importante da estética de Gumball é a utili-
zação das cores. O desenho conta com uma paleta baseada em
cores saturadas e claras, conhecidas como candy colors. Esse
tipo de cor torna o desenho atraente para as crianças, além de
destacar as personagens do fundo, pois são utilizados cenários
reais. Em toda série são usadas fotos de locais reais como textu-
ra e background, as cidades utilizadas são Londres e São Fran-
cisco.
POR DENTRO DO INCRÍVEL MUNDO DE GUMBALL
	 Observamos no início do episódio uma predominância
do diálogo, assim como nas animações de Hanna-Barbera. O
que por um lado facilita o processo de animação, pois esta se re-
sume a trocar as peças de boca da personagem, tendo em vista
que eles são recortes, e por outro dá uma maior profundidade
a narrativa. O discurso inicial gira em torno de uma questão
capitalista claramente direcionada aos possíveis espectadores
adultos.
	 Logo no início do episódio, nota-se a primeira mistu-
ra de técnicas de animação, já que os Watterson são cut-out e
Larry, o atendente, é feito em animação 3D - isto é algo que se
repete ao longo de toda a série. Em seguida vemos a técnica
de full animation (animação tradicional) usada em Nicole, mãe
17
de Gumball, enquanto ela se transforma. Essa técnica consiste
em animar toda ação quadro a quadro, empregando os 12 prin-
cípios da animação desenvolvidos na era de ouro, que tinham
como objetivo dar maior realismo ao movimento e potencializar
o que Walt Disney chamou de “ilusão da vida”.
	 Neste episódio, há uma sequência na qual Gumball can-
ta uma música remetendo aos clássicos musicais do cinema e
também as animações do Disney, que foi o pioneiro em introdu-
zir a música diegética nas animações, tornando-as assim mais
atrativas para o público.
	 Vemos também a inserção de outros estilos para além
do cartoon, como por exemplo o anime: animação tipicamente
japonesa que consiste em personagens de olhos grandes, narra-
tivas complexas, economia de animação e estética própria. Este
estilo é utilizado na mãe de Gumball, dentro do episódio como
uma gag visual remetendo a propagandas feitas em outros pa-
íses, neste caso Japão; como eles são cartoons, o equivalente
nipônico seria o anime.
	 No decorrer da trama do episódio relacionada com a
falta de dinheiro, há um momento em que a família percebe
que sem capital sua existência é posta em risco. Isso constitui
uma metalinguagem dentro do episódio, pois a desconstrução
da animação é usada para explicar o desmoronamento do mun-
do deles. Dentro deste contexto, o processo de desconstrução
ocorre de maneira a parecer que faltou dinheiro para pagar os
profissionais de cada área da produção da animação, fazendo
assim com que ocorram problemas, como a ausência de cor, des-
sincronização de áudio, problemas de rig, levando a animação
ao estágio conhecido como animatic (em algumas bibliografias
conhecido como cinematic). Este é o layout básico de cena, ou
seja, é uma versão técnica do storyboard, colocada em movi-
mento para que se tenha uma ideia dinâmica de toda a ação,
18
sequências, cenários, iluminação e estilo da animação. Foi um
processo estabelecido durante a era de ouro da animação, entre
os anos 1920 e 1940, sendo aplicado efetivamente como modelo
de produção industrial nas animações do estúdio Disney.
	O storyboard é uma peça de pré-produção que tem um
papel chave no desenvolvimento da obra, ele está subordinado
diretamente ao roteiro, ilustrando as ações contidas neste, co-
municando de forma visual a história, de maneira a representar
por desenhos os momentos principais dos movimentos a serem
animados do ponto de vista da câmera, indicando também os
enquadramentos, movimentos de câmera e o ângulo do qual a
cena será mostrada auxiliando, assim, na edição.
	 A desconstrução avança até o processo de concept, isto
é, a concepção da ideia, usando apenas de esboços simples feito
em blocos de papel autoadesivo com a finalidade de comunicar a
base da ideia, trazendo-a para o material. Ele contém desenhos
não convencionais que servem apenas para direcionar e comu-
nicar os pontos chaves da animação de maneira clara.
	 Neste episódio, podemos notar o legado da era de ouro
da animação por meio das técnicas empregadas, evidenciando
que elas não ficaram presas às produções cinematográficas, se
estendendo às animações televisivas e digitais. Em determinado
momento, podemos observar o uso de animação 3D e computa-
ção gráfica, que apesar de ser um meio novo, também se utiliza
das técnicas aqui apresentadas. O uso do 3D fica mais perceptí-
vel na desconstrução do mundo, quando as texturas são retira-
das e percebemos que todo o mundo é disposto em um ambiente
virtual.
	 Portanto, a forma de criar movimento por meio da ani-
mação desenvolveu-se, principalmente, durante a era de ouro e
continua sendo aprimorada até hoje. Esta permanência eviden-
cia que a produção de animação está vinculada a estas técnicas,
19
sendo impossível renegá-las sem perder a ilusão da vida. “A arte
desafia a tecnologia e a tecnologia inspira a arte ”4
(LASSETER,
2001).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRIER, M. Hollywood Cartoons: American Animation in the
Golden Age. Oxford University Press, ed. 1, New York, 2003.
DELEUZE, G. A Imagem-Movimento: Cinema 1. Editora Brasi-
liense, 1983.
NAPIER, S. J. Anime from Akira to Howl’s moving Castle: Expe-
riencing Contemporary Japanese Animation. St. Martin’s Griffin,
ed. 2, New York, 2005.
WELLS, P. The Fundamentals of Animation. Fairchild Books
AVA, London, 2006.
WILLIAMS, R. The Animator’s Survival Kit. Faber and Faber,
2009.
4 Tradução livre
20
Entre a Disney e o túmulo:
De que forma e por quais razões a questão da morte está
tão presente em grande parte dos filmes de animação da
Disney
Laura Spíndola
Luiz Filipe Paz
	 É pertinente afirmar que o mundo da animação vem
passando por intensas transformações a partir dos incríveis
avanços tecnológicos que testemunhamos desde o seu advento.
Tendo se manifestado em diferentes mídias e nas mais variadas
formas, pode-se estabelecer, como bem referenciam Carol Sta-
bile e Mark Harrison em sua obra “Primetime Animation: Tele-
vision Animation and American Culture”, de 2003, as matrizes
concernentes à animação ramificadas em 3 principais vieses: ci-
nematográfico, televisivo e digital, respectivamente. Cada uma
dessas fases vem sendo cada vez mais ponderadas e exploradas
através de incontáveis estudos e pesquisas, que têm o principal
objetivo de contemplar suas principais fundamentações, desem-
penhos e processos.
	 Ao decorrer desta análise, nos debruçaremos acerca
de um referencial fílmico composto por obras pertencentes aos
estúdios Disney, que se tornou extremamente importante nes-
te contexto devido às mudanças visionárias que implementou
em termos práticos e estéticos; por exemplo, industrializando e
compartimentando processos produtivos e, portanto, facilitan-
do a viabilização de produtos do gênero (STABILE; HARRISON,
2003). Mas, indo além dos meros aspectos técnicos, iremos ana-
lisar a profundidade e complexidade das narrativas desenvolvi-
21
das em suas produções, sendo suas temáticas fundamentais para
o estabelecimento da marca Disney como um dos mais impor-
tantes legados não só para o mundo da animação, mas para a
própria indústria cinematográfica em geral.
	 Até o início do século XX, muito por causa das limita-
ções tecnológicas da época, as animações, em seu estágio inicial,
não apresentavam, necessariamente, verossimilhança interna e
nem uma construção detalhada e crível a níveis de personagens.
Foi somente a partir da “Era Disney”, na década de 1920, que
protagonistas mais próximos da realidade em termos de dese-
jos e motivações passaram a integrar ambientes convincentes
ao público e a tecer tramas que apresentassem certo grau de
credibilidade (STABILE; HARRISON, 2003). Desta maneira, tais
figuras começaram a possuir estórias mais profundas e a serem
representadas de forma complexificada.
	 No entanto, ainda hoje, quando se fala em desenhos
animados ou em longa-metragens de animação, uma rápida as-
sociação entre estas formas de narrativas e o espectro infantil
invade nosso imaginário. Alguns fatores talvez sejam capazes
de explicar esta curiosa ponte: a palheta de cores mais viva, a
linguagem descomplicada pela qual se dão os diálogos - geral-
mente puxando para um caráter bem cômico -, elementos lúdi-
cos e até fantasiosos em evidência em suas estórias, a presença
de músicas que embalam cenas e eternizam instantes, o próprio
fato da representação de personagens e de suas ações serem ex-
pressados através de traços e não de corpos, entre outros.
	 Tais aspectos estruturais e artísticos, muitas das vezes,
levam à crença de que os conteúdos abordados e evidenciados
por obras deste gênero são frívolas e banais, a fim de atender
exatamente ao público para o qual seria voltado, no caso o in-
fantil. Porém, muito além de se restringir a um mero fator de
entretenimento, os exageros e elementos devaneadores são esta-
22
belecidos, sempre em diálogo com a narrativa, a fim de eviden-
ciar, problematizar e até mesmo ironizar diversos aspectos de
nossa sociedade.
	 É através da correlação de todos estes aspectos e dimen-
sões que são construídas histórias extremamente abrangentes,
que de fato têm a capacidade de fascinar as mais variadas fai-
xas etárias e contextos socioculturais. A autora Juliane Odinino
(2004), ao elaborar constatações sobre determinados desenhos
televisivos que são capazes de abranger públicos diversificados,
faz uma consideração cuja ideia básica é pertinente e pode ser
relacionada ao objeto de estudo deste presente trabalho:
A fusão desses públicos se dá na apresentação de uma lingua-
gem não tão direta e presumível como em muitos dos outros
desenhos animados anteriores, mas remetendo a figuras e ima-
gens enraizadas neste imaginário, aos quais os adultos também
encontram ponto de apoio para se empatizarem. (ODININO,
2004, p.112).
	 Para entender um dos temas mais recorrentes nas pro-
duções da Disney e um fundamental mecanismo de envolvimen-
to em relação a um público tão diversificado, vamos analisar e
tecer reflexões acerca da questão da morte e como ela é traba-
lhada ao longo destas obras.
	 A noção de morte é essencial para entendermos intrin-
cadas relações presentes em vários filmes da Disney (e essencial
para ilustrar o argumento destas narrativas animadas cada vez
mais multiformes e surpreendentes). Desde quando o pequeno
Bambi perde sua mãe, vítima de um cruel caçador (Bambi, 1942),
até o violento assassinato de Mufasa pelo seu irmão Scar, em O
Rei Leão (1994), é possível observar nestas estórias o discurso
de perda e ausência. Embora densos de serem contextualizados
com os pequenos, estes temas constituem-se na força motriz de
muitas animações do estúdio e são pertinentes ao objetivarem
23
oferecer novas nuances e contornos a personalidades que pro-
curam fugir da estética simplista e chapada no que se refere à
construção de personagens.
	 Dividimos nosso trabalho em 4 bases categóricas funda-
mentais para discutirmos o óbito (bem como suas implicações)
por entre as tramas do estúdio em questão. São elas, respectiva-
mente: “morte de pais ou parentes das personagens principais
como força motriz da narrativa”, “morte ou ausência de pais
como um elemento de desenvolvimento e construção de caráter
das personagens”, “morte de vilões” e, por fim, “tentativas de
assassinato e experiências de quase morte”.
TIPOS DE MORTES E AS INTENÇÕES POR TRÁS DE
CADA UM DESTES PADRÕES
Morte de pais ou parentes dos personagens principais
como força motriz da narrativa
	 Nesta primeira categoria, procuramos abordar as ani-
mações que, de alguma forma, trabalham com a passagem de
entes queridos como uma maneira de sustentar os principais
plots da narrativa. Muitas das vezes, a perda de um esteio ou
referencial, faz com que as personagens principais do enredo
tenham de amadurecer para encararem desafios e obstáculos
que serão interpostos em suas jornadas, mudando seus compor-
tamentos na medida em que passam a ter de assumir responsa-
bilidades e superar traumas.
	 Além disto, a morte neste contexto assume um impor-
tante papel, pois é a grande responsável por guiar e dar sentido
à narrativa dos heróis da trama, muitas vezes encaminhando as
personagens e tornando-se a causa por trás de suas tomadas de
decisão (como, por exemplo, vingar a morte dos pais ou honrar
24
os ideais dos entes queridos).
	 É interessante observar, ainda, como nos identificamos
em relação ao sofrimento das personagens que se veem órfãs,
projetando nossas subjetividades e sentimentos no que está
sendo contado na tela. A perda da figura da mãe, por exemplo,
apela para nossas emoções, mesmo quando a personagem se
apresenta numa outra forma que não a humana.
	 Conforme argumenta Katia Perea, em seu artigo “Girl
Cartoons Second Wave: Transforming the Genre”, de 2015, é
justamente porque as representações gráficas das animações
possuem certa aura fantasmagórica que sua representação pode
acontecer sob a forma de um humano, animal ou objeto que
ela terá sua essência feminina ou masculina explícita (como o
instinto maternal, por exemplo, no caso das mulheres); dessa
forma, faz com que nos identificamos e soframos junto ao longo
dos minutos de filme. Isto acontece, por exemplo, em Procuran-
do Nemo (2003), quando a mãe do protagonista e seus irmãos
morrem logo no início da estória, chocando a todos que assistem
à película, mesmo que estes personagens sejam peixes.
	 Como exemplos de personagens que veem na morte de
pais ou parentes sua principal motivação ou maior trauma a ser
superado, podemos citar: Bambi (Bambi), Simba (O Rei Leão),
Tarzan (Tarzan), Lilo e Nani (Lilo & Stitch), Kenai (Irmão Urso),
Tiana (A Princesa e o Sapo), Anna e Elsa (Frozen), Hiro Hamada
(Operação Big Hero), Marlin (Procurando Nemo), Carl (Up! Al-
tas Aventuras).
Morte ou ausência de pais como um elemento de de-
senvolvimento e construção de caráter dos personagens
	 Em relação a esta segunda categoria, é demonstrado
que a morte de pessoas importantes para os personagens prin-
25
cipais (especialmente os pais, pela grande quantidade de per-
sonagens órfãos que podem ser listados) é uma questão ainda
que, de certa maneira, secundária, por não fazer parte necessa-
riamente do arco narrativo principal. Ao longo destas histórias,
estas ausências não são um trauma a ser superado, ou seja: sua
superação não são elementos determinantes para a transposição
de obstáculos ou resolução de conflitos.
	 De fato, podem ser classificados como acontecimentos
de grande importância para a trajetória pessoal destes persona-
gens e construção de caráter e personalidade dos mesmos; além
disso, geralmente (mas nem sempre) são um elemento catalisa-
dor que leva tais personagens a serem inseridos em determina-
dos contextos, sendo estes normalmente problemáticos. As prin-
cipais inseguranças e questões de personagens como Cinderela
(1950), Ariel (1989), Bela (1991), Jasmine (1992) e Pocahontas
(1995) e o fato de estas se sentirem tão perdidas e deslocadas
em determinados ambientes, por exemplo, talvez possam ser
explicadas graças à ausência de suas mães em seus respectivos
períodos de crescimento e amadurecimento.
	 Um dos casos mais emblemáticos para demonstrar a
morte como fator de superação e amadurecimento dos perso-
nagens é o destino do personagem Bing Bong (Divertida Mente,
2015), amigo imaginário da personagem principal Riley, que
cai no chamado abismo das lembranças apagadas e cuja perma-
nência contínua lá o faz desaparecer com o tempo, literalmente
“caindo no esquecimento”. O fim do personagem é uma metáfora
para a etapa em que jovens em fase de crescimento têm que
atravessar, que no caso é deixar lembranças e comportamentos
relativos à infância para trás a fim de se desenvolverem como
pessoas e chegarem a novas etapas da vida.
	 Exemplos de personagens cujas ausências de pais são um
elemento de construção de caráter e provavelmente o principal
26
fator que os deixou em determinado contexto: Cinderela (Cin-
derela), Peter Pan e os Meninos Perdidos (Peter Pan), Arthur (A
Espada era a Lei), Mogli (Mogli, o menino lobo), Penny (Bernar-
do e Bianca), Dodó (O Cão e a Raposa), Ariel (A Pequena Sereia),
Bela (A Bela e a Fera), Aladdin e Jasmine (Aladdin), Pocahontas
(Pocahontas), Quasímodo (O Corcunda de Notre Dame), Milo e
Kida (Atlantis: O Reino Perdido), Remy (Ratatouille), Bing Bong
(Divertida Mente).
Morte de vilões
	 Já nesta terceira categoria, buscamos raciocinar em
cima das mortes referentes a uma peça fundamental e de ex-
trema importância para o desenrolar de todo enredo: os vilões.
Tendo em vista que a maior parte do público consumidor das
animações da Disney ainda é infantil, há a necessidade de rei-
teração do caráter moralista nestas narrativas, visando a dar o
exemplo aos mais novos e a fazer, até, com que o mais velhos
encontrem nestas estórias alguma forma de alívio - se compa-
rado às injustiças e à violência que testemunham externamente
à trama. O triunfo do bem sobre o mal pode ser ilustrado, por
exemplo, a partir da emblemática morte da bruxa dos mares,
Úrsula, em A Pequena Sereia (1989). Muito maior do que seu
tamanho original, ali ela era a representação do mal encarnado,
a vilania em sua mais perversa e temível forma. A feiticeira é
morta, no entanto, pelo príncipe da narrativa, Eric, que está de
branco (reafirmando e demarcando, claramente, quem está cor-
reto e quem não está, em uma fácil assimilação).
	 Muitas das vezes, ainda, o próprio mocinho se vê na
iminência de matar o vilão, mas acaba optando por não fazê-lo
em decorrência de sua bondade (lamentando-se se o “malvadão”
é levado à morte por outros fatores). Em contrapartida, também
27
é possível acontecer o oposto: o mocinho tem de matar o vilão,
pois sua sobrevivência e a de outras pessoas depende deste ato
que, a nível diegético, é definido como de bravura e/ou honra.
Como exemplo, pode ser citada a morte de Malévola (A Bela
Adormecida, 1959) em sua forma de dragão (a partir de uma
simbologia extremamente destrutiva e feroz) pelo príncipe do
conto, Phillip. Ali, era necessária a morte da Rainha dos Corvos
em prol do bem-estar de toda uma comunidade, que estava ame-
açada.
	 No entanto, e mesmo quando ocasionada pelo mocinho,
a morte do vilão é sempre resultado das más ações que ele pró-
prio cultivou, mesmo que indiretamente, ao longo de sua traje-
tória e do recorte de sua trama que está sendo divulgado a nós.
Mais uma vez, encontra-se a ocorrência do aspecto moralista e,
de certa forma, “resolutivo” da narrativa.
	 Como exemplos de personagens antagonistas cujas mor-
tes no final da narrativa são causadas direta ou indiretamente
por suas próprias ações e intenções malignas, pode-se elencar:
Rainha Má/Madrasta da Branca de Neve (Branca de Neve e os
Sete Anões), Malévola (A Bela Adormecida), Úrsula (A Pequena
Sereia), Gaston (A Bela e a Fera), Scar (O Rei Leão), Juiz Frollo
(O Corcunda de Notre Dame), Shan-Yu (Mulan), Clayton (Tar-
zan), Comandante Rourke (Atlantis: O Reino Perdido), Dr. Faci-
lier (A Princesa e o Sapo), Gothel (Enrolados), Rei Doce/Turbo
(Detona Ralph), Hopper (Vida de Inseto).
Tentativas de assassinato e experiências de quase morte
	 Por fim, chegando à quarta categoria, analisaremos al-
guns aspectos e dilemas das tentativas de assassinato e experi-
ências de quase morte ocorridas durante as produções da Disney.
Se as mortes por causas naturais ou acidentais já são uma ques-
28
tão naturalmente problemática e de implicações extremamente
complexas e diversas, é válido traçar considerações acerca das
tentativas de mortes intencionais.
	 As tentativas de assassinato, como poderiam ser tam-
bém descritas, são encaradas como uma forma de resolução de
problemas e conflitos, geralmente intencionalizadas e ocasio-
nadas pelos vilões dos filmes. Nestes casos, eles creem que so-
mente com o fim da existência de determinado personagem é
que terão plena possibilidade de alcançar seus objetivos de vida.
As motivações por trás de tais atos podem ser diversas, desde
o desejo para criar um casaco de peles com pelo de filhotes de
dálmatas, como é o sonho da personagem Cruella de Vil (101
Dálmatas, 1961), até um mero ato de retaliação, sem vantagens
reais além de satisfazer desejos de vingança, como é o caso da
tentativa por parte do Juiz Frollo de matar a personagem Es-
meralda, depois de ela o rejeitar (O Corcunda de Notre Dame,
1996).
	 Se, em alguns dos casos, estas tentativas são nulas e não
chegam a atingir os personagens “marcados para morrer” de
maneira nenhuma, por outro, várias vezes eles de fato são atin-
gidos e chegam muito perto de morrer (ou até de fato morrem,
mas são capazes de voltar à vida). Estas experiências de quase
morte, que podem ou não ser causadas pelos antagonistas, po-
dem ser definidas como um recurso narrativo para levar os per-
sonagens principais a momentos de extrema tensão logo antes
de reverterem a situação e “darem a volta por cima”, resolvendo
assim o conflito principal de todo o arco narrativo.
	 A morte “temporária” de Branca de Neve (1937) depois
de comer a maçã envenenada presenteada pela Rainha Má, por
exemplo, é um processo que leva os espectadores a terem senti-
mentos de profunda tristeza e desolação para, quando a prince-
sa é acordada pelo Príncipe Encantado, serem alçados imedia-
29
tamente à felicidade plena, concluindo-se assim a narrativa de
maneira positiva e intensa. Outro caso válido de se mencionar é
a morte da personagem Mégara (Hércules, 1997), que empurra
Hércules no momento em que uma pilastra está para matar o
herói e toma o seu lugar no último segundo. Ela, então, mor-
re, mas logo Hércules, incrivelmente desolado e determinado a
trazê-la de volta à vida, é capaz de trazer sua alma do submundo
fazendo com que ele mesmo ganhe imortalidade devido ao seu
ato de bravura, o que era seu principal objetivo durante a maior
parte do filme. Nesse caso, a morte e o retorno de Mégara é fun-
damental para a conclusão da jornada do personagem principal.
	 Exemplos de personagens cuja superação da morte
“temporária” (ou somente o escape da morte) é um elemento
fundamental para o desenvolvimento e conclusão da narrativa:
Branca de Neve (Branca de Neve e os Sete Anões), Aurora (A
Bela Adormecida), Filhotes de dálmatas (101 Dálmatas), Fera
(A Bela e a Fera), Simba (O Rei Leão), John Smith (Pocahontas),
Esmeralda e Quasímodo (O Corcunda de Notre Dame), Mégara
(Hércules), Mulan (Mulan), Tarzan (Tarzan), Milo (Atlantis: O
Reino Perdido), Kenai (Irmão Urso), Flynn Ryder (Enrolados),
Elsa e Anna (Frozen), Remy (Ratatouille), Woody e seu grupo de
amigos (Toy Story 3).
CONCLUSÃO
	 A partir desta breve análise, tomando por base grandes
clássicos da Disney e a ideia de morte tão presente em suas nar-
rativas (influenciando, também, na construção do perfil ideoló-
gico e identitário de suas personagens), procuramos buscar um
novo caminho a ser discutido quando filmes de animação são
colocados em pauta, para além da tão difundida dicotomia con-
ceitual entre desenho animado e infância, somente. Buscamos,
30
a partir de nossa contextualização, mostrar que estas narrativas
possuem um caráter mais complexo e intrigante do que aparen-
tam, a princípio.
ANEXOS
LISTA DE MORTES OCORRIDAS, MENCIONADAS OU VELADAS
NOS FILMES DE ANIMAÇÃO CLÁSSICOS DA DISNEY/PIXAR
	 Foram compilados filmes de animação da Disney per-
tencentes às companhias Disney Animation Studios e Pixar Ani-
mation Studios, sendo esta compilação uma seleção das obras de
maior sucesso e de maior relevância para o desenvolvimento do
presente trabalho.
	 As produções foram organizadas em ordem cronológica
e, em cada uma delas, foram descritas as cenas/situações para
se entender de que forma a questão da morte é evidenciada e
trabalhada ao longo destas obras.
Clássicos da Disney Animation Studios:
• 1937 - Branca de Neve e os Sete Anões
• Mortes ocorridas durante o filme: Madrasta/Rainha Má,
no final do filme, que caiu de um penhasco enquanto fugia
dos anões.
• Ausências/mortes veladas: Rei e Rainha/Pais da Branca de
Neve, causa desconhecida.
• Tentaivas/experiências de quase morte: Tentativa de assas-
sinato da Branca de Neve a mando da Rainha pelo Caçador;
Morte “temporária” de Branca de Neve depois de comer a
maçã envenenada.
31
• 1942 - Bambi
• Mortes ocorridas durante o filme: Mãe do Bambi, no início
do filme, morta por um caçador.
• 1950 - Cinderela
• Mortes ocorridas durante o filme: Pai da Cinderella, no
início do filme, por alguma doença não mencionada.
• Ausências/mortes veladas: Mãe da Cinderela, causa desco-
nhecida.
• 1953 - Peter Pan
• Ausências/mortes veladas: Pais de Peter Pan e dos Meninos
Perdidos.
• 1959 - A Bela Adormecida
• Mortes ocorridas durante o filme: Malévola, no final do
filme, morta pelo Príncipe Phillipe.
• Tentativas/experiências de quase morte: Aurora (Bela
Adormecida), que é amaldiçoada e cai em um sono sem fim
até ser salva pelo Príncipe Phillipe.
• 1961 - 101 Dálmatas
• Tentativas/experiências de quase morte: Tentativa de fazer
um casaco de peles com pelo de filhotes de dálmata pela
Cruella de Vil.
• 1963 - A Espada Era a Lei
• Ausências/mortes veladas: Pais de Arthur, causa desconhe-
cida.
• 1967 - Mogli - O Menino Lobo
• Ausências/mortes veladas: Pais de Mogli, causa desconhe-
cida.
32
• 1977 - Bernardo e Bianca
• Ausências/mortes veladas: Pais da Penny, causa desconhe-
cida.
• 1981 - O Cão e a Raposa
• Mortes ocorridas durante o filme: Mãe de Dodó, a Raposa,
por um caçador.
• 1989 - A Pequena Sereia
• Mortes ocorridas durante o filme: Úrsula, no final do filme,
morta pelo Príncipe Eric.
• Ausências/mortes veladas: Mãe de Ariel, cuja morte é cau-
sada por humanos.
•1991 - A Bela e a Fera
• Mortes ocorridas durante o filme: Gaston, no final do filme,
depois de sua tentativa de assassinar a Fera, que cai em um
abismo.
• Ausências/mortes veladas: Mãe de Bela, causa desconhe-
cida.
• Tentativas/experiências de quase morte: Fera, que é ferido
por Gaston mas é salvo magicamente pelo amor de Bela.
•1992 - Aladdin
• Ausências/mortes veladas: Pais de Aladdin, causa desco-
nhecida; mãe da Jasmine, causa desconhecida.
• 1994 - O Rei Leão
• Mortes ocorridas durante o filme: Mufasa, no meio do fil-
me, causada por seu irmão Scar; Scar, morto pelas hienas
que antes eram suas aliadas.
33
• Tentativas/experiências de quase morte: Tentativa das hie-
nas de assassinar Simba a mando de Scar; “Morte” de simba
durante a maior parte do filme para seus amigos e parentes.
• 1995 - Pocahontas
• Mortes ocorridas durante o filme: Kocoum, morto a tiros
por Thomas, quando este estava tentando proteger John
Smith.
• Tentativas/experiências de quase morte: John Smith, pri-
meiro atacado e quase morto por Kocoum e depois senten-
ciado à morte pelo pai de Pocahontas e chefe de sua tribo,
Cacique Powhatan; declaração de guerra entre os índios da
tribo de Pocahontas e os compatriotas de John Smith.
• 1996 - O Corcunda de Notre Dame
• Mortes ocorridas durante o filme: Mãe de Quasímodo, no
início do filme, a mando do juiz Frollo em sua perseguição
a grupos ciganos; Juiz Frollo, no final do filme, que caiu do
alto da igreja de Notre Dame.
• Tentativas/experiências de quase morte: Esmeralda, sen-
tenciada à morte na fogueira por bruxaria; Quasímodo, que
foi perseguido e quase assassinado pelo juiz Frollo em sua
tentativa de proteger Esmeralda.
• 1997 - Hércules
• Tentativas/experiências de quase morte: Mégara, que é
morta ao salvar Hércules de ser atingido por uma pilastra
que o mataria e depois é trazida de volta à vida por ele;
Hércules, que chega perto da morte em sua tentativa de
trazer Mégara à vida.
• 1998 - Mulan
34
• Mortes ocorridas durante o filme: Shan-Yu, no final do fil-
me, morto por Mulan depois de sua tentativa de assassinar
o Imperador.
• Ausências/mortes veladas: Habitantes de um vilarejo ata-
cado pelo exército huno.
• Tentativas/experiências de quase morte: Mulan, quando
sua verdadeira identidade é descoberta pelo exército chinês,
é quase morta por desrespeitar as leis do país, mas poupada
pelo General Shang.
• 1999 - Tarzan
• Mortes ocorridas durante o filme: Pais de Tarzan e o filhote
de Kala, no início do filme, mortos por Sabor, um leopardo;
Kerchak, líder dos gorilas e “pai adotivo” de Tarzan, alve-
jado por Clayton; Clayton, em sua tentativa de assassinar
Tarzan, morto asfixiado acidentalmente.
• Ausências/mortes veladas: Mãe de Jane, causa desconhe-
cida.
• 2001 - Atlantis: O Reino Perdido
• Mortes ocorridas durante o filme: Kashekim, pai de Kida
e rei de Atlantis, morto pelo Comandante Rourke; Coman-
dante Rourke, no final do filme, morto por Milo.
• Ausências/mortes veladas: Rainha de Atlantis e mãe de
Kida, que deu a vida para salvar seu povo; pais de Milo,
causa desconhecida.
• 2002 - Lilo & Stitch
• Ausências/mortes veladas: Pais de Lilo e Nani, devido a um
acidente não mecionado.
• 2004 - Irmão Urso
35
• Mortes ocorridas durante o filme: Sitka, no início do filme,
morto enquanto lutava com um urso; Urso morto por Kenai
em vingança pela morte de Stika, que mais tarde se revela
ser a mãe de Koda.
• Tentativas/experiências de quase morte: Kenai, transfor-
mado em urso, é perseguido durante a maior parte da nar-
rativa por seu irmão Denahi, que acredita que ele é o urso
que teria matado seus irmãos.
• 2009 - A Princesa e o Sapo
• Mortes ocorridas durante o filme: Dr. Facilier, no final do
filme, levado à morte pelos seres do submundo que ante-
riormente eram seus aliados.
• Ausências/mortes veladas: Pai de Tiana, no início do filme,
morto durante a Primeira Guerra Mundial.
• 2010 - Enrolados
• Mortes ocorridas durante o filme: Gothel, no final do fil-
me, quando Rapunzel perde a mágica proveniente de seus
cabelos e os encantos de rejuvenescimento que Gothel usou
durante décadas se acabam.
• Tentativas/experiências de quase morte: Flynn Ryder, mor-
talmente ferido por Gothel, mas trazido à vida por Rapun-
zel.
• 2012 - Detona Ralph
• Mortes ocorridas durante o filme: Rei Doce/Turbo, atraí-
do inevitavelmente para a explosão de um vulcão de Coca-
-Cola com Mentos na Terra dos Doces.
• 2013 - Frozen: Uma Aventura Congelante
• Mortes ocorridas durante o filme: Pais de Anna e Elsa, em
36
um naufrágio.
• Tentativas/experiências de quase morte: Elsa, que é quase
morta pelo Príncipe Hans mas salva por sua irmã; Anna,
que vira gelo graças aos poderes de sua irmã Elsa, mas volta
à vida depois de salvá-la de Hans.
• 2014 - Operação Big Hero
• Mortes ocorridas durante o filme: Tadashi, irmão de Hiro,
morto em um incêndio ao tentar salvar seu professor.
• Ausências/mortes veladas: Pais de Hiro e Tadashi, causas
desconhecidas.
Clássicos da Pixar Animation Studios:
• 1998 - Vida de Inseto
• Mortes ocorridas durante o filme: Hopper, no final do fil-
me, é mlevado à morte por um pássaro que o dá de alimen-
to para seus filhotes.
• 2003 - Procurando Nemo
• Mortes ocorridas durante o filme: Coral, esposa de Marlin
e mãe de Nemo, e todos os outros filhotes de Marlin e Coral,
no início do filme, mortos por uma barracuda.
•2007 - Ratatouille
• Mortes ocorridas durante o filme: Chef Auguste Gusteau,
que morre depois que seu restaurante é duramente critica-
do e perde prestígio.
• Ausências/mortes veladas: Mãe de Remy, causa desconhe-
cida; ratos atingidos por armadilhas, quando o pai de Remy
tentava demonstrar os perigos de se misturar entre os hu-
manos.
37
• Tentativas/experiências de quase morte: Remy, que é quase
morto por Alfredo Linguini, pelo fato de ser um rato e ser
encontrado em um restaurante.
• 2008 - Wall-E
• Ausências/mortes veladas: Grande parcela da humanida-
de que não foi capaz de evacuar o planeta, provavelmente
morta pelo que levou a Terra a ser praticamente extinta.
• 2009 - Up - Altas Aventuras
• Mortes ocorridas durante o filme: Ellie, esposa de Carl, no
início do filme, de velhice.
• Ausências/mortes veladas: Filho não-nascido de Carl e
Ellie.
• 2010 - Toy Story 3
• Tentativas/experiências de quase morte: Todo o grupo de
brinquedos amigos de Woody, que chegam perto de ser
mortos quando se encontram por acidente dentro de um
incinerador de lixo, mas conseguem escapar no último se-
gundo.
• 2015 - Divertida Mente
• Mortes ocorridas durante o filme: Bing Bong, o amigo ima-
ginário de Riley, que é “morto” por ter caído no abismo do
esquecimento.
38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HARRISON, M.; STABILE, C. Primetime Animation: Television
Animation and American Culture. Londres e Nova York: Rou-
tledge, 2003.
PEREA, K. Girl Cartoons Second Wave: Transforming the Genre.
In: Animation: an interdisciplinary journal, SAGE Journals, Vol.
10(3) 189-204, 2015.
ODININO, J. Imaginário infantil e desenho animado no cenário
da mundialização das culturas. Dissertação de Mestrado. Cam-
pinas, SP: 2004.
39
Como Walt Disney driblou as críti-
cas e como a influência da literatu-
ra lovecraftiana em Gravity Falls é
sintoma de seu sucesso
Caio Coelho
Tassiana Benamor
	 No que se pode conferir por meio da historiografia hu-
mana, o ser humano utiliza como um de seus diferentes meios
de comunicação, a ilustração. Conforme a humanidade se de-
senvolveu, as ferramentas e recursos de aprimoramento desses
meios fizeram com que os desenhos caminhassem de mãos da-
das a eles. Seguindo essa linha histórica, o que antes era uma
imagem estática, hoje é possível assisti-la animada e atrelada a
uma trilha sonora.
	 Porém, cursar essa trajetória foi uma tarefa difícil aos
que buscaram realizá-la. Walt Disney é um nome de peso nesse
quadro, podendo ser considerado o pioneiro a realizar esse tra-
balho durante o século XX até os dias de hoje. Além disso, desde
as críticas recebidas no longa-metragem de 1940, Fantasia, até
Gravity Falls, de 2012, a inserção social desse formato dependeu
não somente de seu aprimoramento técnico como também de in-
fluências externas, incluindo a essa lista de influentes o escritor
de horror H. P. Lovecraft.
	 Sendo assim, o ato de desenhar pode até ser um ato ins-
tintivo para o homem, mas cair no gosto do público e o caminho
até conquistá-lo é seu maior desafio.
40
H.P. LOVECRAFT E OBRA
	 Howard Phillips Lovecraft (1890-1937) foi um autor es-
tadunidense que conquistou a fama póstuma por meio de suas
obras ficcionais. De origem pobre, era praticamente desconheci-
do e havia publicado somente em pulp magazines. Todavia, hoje
é considerado um autor de grande peso do século XX no gênero
do horror. Em meio a muitos outros contos, The Call of Cthulhu
está na sua lista de títulos mais conhecidos ao redor do mundo.
O impacto gerado por este, por sua vez, é conhecido por “Mitos
de Chtulhu” e também responsável por inspirar inúmeros artis-
tas, escritores e obras – como é o caso de Gravity Falls.
	 Famoso por articular diversos elementos - como a fan-
tasia e o realismo especulativo - a revolução no gênero literário
que suas obras proporcionaram consiste em transcender os li-
mites do que se entendia como horror e transformá-lo em um
híbrido com ficção científica. Ademais, Lovecraft também funda
uma mitologia profundamente ancorada não somente no horror
mas também na estranheza. Em vez de seres antropomorfizados,
isto é, vagamente humanos – por exemplo elfos, hobbits e orcs
- o autor cria seu próprio bestiário. Sendo não somente o oposto
retrato do ser humano, essas criaturas são disformes, horríveis
e monstruosas. Um universo habitado por criaturas de dimen-
sões monstruosas de milhões de anos de idade e com tentáculos
saindo de diferentes partes do corpo, o grotesco, o repulsivo, os
odores nada agradáveis e as gosmas pegajosas são marcas do
autor que escorrem de cada página. Infelizmente, durante muito
tempo alguns críticos não reconheceram o trabalho de Lovecraft
como horror. Em contrapartida, foi durante parte de sua vida e
após sua morte que seu nome se consolidou no gênero.
	 A influência de Lovecraft é tamanha atualmente, que
perpassou o mundo da leitura e hoje notamos referências a mi-
41
tologia criada pelo mesmo em séries de televisão, filmes, jogos,
chaveiros, desenhos animados e em muitos outros produtos.
Pode parecer radical afirmar, porém é quase impossível viver
nos tempos atuais e não esbarrar com alguma influência de Lo-
vecraft, e o desenho animado Gravity Falls não é uma exceção.
DA ÁGUA PARA O VINHO: COMO A DISNEY SUPE-
ROU OS DESAFIOS VIVIDOS NA TRANSIÇÃO EN-
TRE FANTASIA E GRAVITY FALLS.
	 É importante situar-se acerca do surgimento e da inser-
ção do desenho animado na sociedade para então prosseguir
sobre a influência dessa literatura em Gravity Falls. Para isso, é
preciso entender que a introdução da consagrada arte literária
nos desenhos animados é consequência de um longo processo
de aceitação tanto por parte da sociedade quanto de desenvolvi-
mento técnico por parte dos produtores.
	 Walt Disney se destacou como o pioneiro - em muitos
sentidos - na produção das animações. Pensando em suas produ-
ções iniciais e de grande destaque, uma animação que marcou
a história da Disney foi o longa-metragem Fantasia, de 1940. A
superprodução que mistura música erudita, animação e inspira-
ção artística europeia, apesar do grande apelo técnico e investi-
mento em marketing, não repercutiu de forma positiva - muito
menos na dimensão esperada - no seu ano de estreia. Para além
das céticas e pesadas críticas de muitos especialistas quanto ao
“desperdício” da música erudita em uma animação, muito tam-
bém foi comentado - e permanece até os dias de hoje - quanto ao
caráter artístico escolhido em determinadas partes do filme.
	 Uma das principais temáticas abordadas em Fantasia é
a bruxaria, em que Mickey Mouse surge como o aprendiz do
mago Merlin. Não fugindo de uma das marcas mais pertinentes
42
às produções animadas, o humor surge no longa nas variadas
situações onde os feitiços do famoso rato acabam saindo erra-
do. Porém, isto não é o que chamou a atenção da crítica e de
parte do público, mas sim algumas atitudes interpretadas como
possíveis mensagens subliminares e cerimônias presentes nesta
produção.
	 A primeira parte da produção a receber críticas - quanto
ao seu caráter “pesado” para a faixa etária destinada - se dá no
momento em que Mickey concede vida a uma vassoura para que
ela lhe poupe do trabalho de carregar água de um poço. Essa
vassoura ganha vida e começa a se comportar como um perso-
nagem, com braços e todo um conjunto de características típicas
de um ser humano. Neste momento, Mickey adormece e quando
acorda, uma verdadeira desordem está instalada.
	 A vassoura inunda o ambiente com água e não há como
fazê-la parar. É então que o ícone da Disney, no intuito de pará-
-la, utiliza-se de um machado para literalmente matá-la. A cena,
que é ilustrada num jogo de sombras, ganha um ar ainda mais
pesado, lúdico e propício a diferentes interpretações. Considera-
da inapropriada para crianças, na leitura de muitos, o que ocor-
re é um verdadeiro esquartejamento da vassoura humanizada.
	 Tendo em vista essa interpretação, esse dado momento
foi visto como inapropriado ao psicológico do público infantil,
pois os mesmos supostamente não seriam capazes de discernir a
fantasia da realidade e, para eles, o que Mickey cometeu foi um
assassinato. Para os que assistiriam ao filme nas salas de cinema,
a experiência dessa cena seria ainda mais intensa, como conta
Pegaro (2012, p.5):
A ideia era que o filme fosse visto em uma tela larga e ou-
vida com som dimensional. Deste modo, durante O Apren-
diz de Feiticeiro, quando as vassouras escapam do con-
trole do Mickey e marcham para a fonte com seus bal-
des d’água, o som cercaria o público espectador, e as
sombras das vassouras alcançariam os lados do teatro.
43
	 A experiência, muito provavelmente, resultaria em crí-
ticas ainda mais duras.
	 O segundo momento na referida animação digna de
fortes críticas é a parte chamada, em inglês, de Night On Bald
Mountain. Nesta narrativa específica, um grandioso e escuro
monte que aparece na paisagem do desenho, ao anoitecer, mos-
tra ser na realidade um monumental monstro tão poderoso e
aterrorizante quanto Chtulhu, de Lovecraft. Ao despertar de seu
sono, a monstruosidade invoca uma multidão de almas dos mor-
tos para adorá-lo e prestar uma espécie de culto. A passagem é
ilustrada como um ritual de sofrimento e opressão a essas almas,
que são torturadas pelo monstro e lançadas ao fogo.
	 Não é muito recente que as diversas mensagens subli-
minares e referências apocalípticas são relacionadas a obras do
universo Disney; o mesmo ocorre com Hércules, Branca de Neve
e os Sete Anões, Cinderela e muitas outras produções. Porém,
em meio a tantas, Fantasia continua sendo lembrada como uma
das criações com as maiores insinuações obscuras e míticas. Boa
parte do público e crítica especializada não têm o conhecimento,
mas muito dos traços nas animações Disney são inspirados no
“estilo gótico da Idade Média, ao surrealismo, a arte de Gustave
Doré, Daumier, os pintores do Romantismo alemão, simbolistas,
pré-Raphaelistas ingleses e expressionistas” (Girveau, 2005).
Todas essas referências explicam muito da estética adotada pela
marca de Disney em suas criações e nos mostram o porquê de
críticas e interpretações tantas vezes embasadas em discursos
relacionados ao horror e ao subliminar.
	 Apesar dos aprimoramentos desenvolvidos por Walt Dis-
ney não terem sido plenamente aceitos pelo público no século
XX, hoje elaboradas estéticas, narrativas e influências externas
são vistas por outros olhos pela sociedade. Gravity Falls não so-
44
mente utiliza de refinada tecnologia para sua produção - poden-
do atribuir essa característica à trilha sonora, à animação em si,
entre outros aspectos - como também é acolhida pelo público
de maneira profundamente positiva por motivos como este. Em
meio a uma enorme variedade de desenhos animados ofertados
pela indústria, ser autêntico é um desafio cada vez maior. Por
esse motivo, exibir em seus produtos esse rebuscamento é sinô-
nimo de ostentação. Sua relação a literatura lovecraftiana é uma
prova profunda disso.
COMO A LITERATURA LOVECRAFTIANA IN-
FLUENCIA DIRETAMENTE A SÉRIA ANIMADA
GRAVITY FALLS
	 Novamente tratando-se do objeto de estudo em questão,
Gravity Falls é a série animada da Disney que traz em seu en-
redo as experiências vividas pelos gêmeos de doze anos Dipper
Pines e Mabel Pines durante suas férias de verão na cidade de
Gravity Falls. Porém, nem tudo é o que parece ser nesse lugar
e, com o auxílio de um diário que Dipper encontra na floresta,
inicia-se a busca pela solução dos enigmas dessa cidadezinha.
	 Ao longo da narrativa, é introduzido Bill Cipher à atmos-
fera de mistérios, demônio triangular, amarelo e ciclope vindo
de uma dimensão paralela. Sua aparência - e principalmente o
olho no centro de seu corpo - é uma nítida referência ao olho da
providência e assemelha-se a magnitude dos seres construídos
na obra Os Mythos de Lovecraft, os quais estão acima da ordem
natural.
	 Compreender sua complexidade é uma tarefa árdua,
pois assim como os monstros de Lovecraft, tanto a descrição
escrita quanto imagética não são capazes de captar e transmitir
seus limites dimensionais, seus poderes e suas fraquezas. Apesar
45
de não ter sua história como personagem narrada em Gravity
Falls, é evidente sua periculosidade e seu caráter megalomaní-
aco, o que se comprova por meio do sumiço de alguns dos per-
sonagens na trama e da constante tentativa de dominar tudo e
a todos. Além disso, Bill personifica o tempo-espaço e não habi-
ta o nosso universo e sim sua própria dimensão. Nos episódios
finais da série, Cipher invoca com seus poderes sobrenaturais
monstros um tanto inspirados na estética lovecraftiana para lu-
tar contra os moradores de Gravity Falls.
	 Assim como o medo do desconhecido é uma das carac-
terísticas presentes nas obras de H. P. Lovecraft, Gravity Falls
também utiliza essa ferramenta para impulsionar sua trajetória.
Partindo dessa lógica, é possível notar que os personagens são
movidos por diversos medos - como da perda, da solidão, de
memórias, de traumas e até mesmo da insignificância humana
frente a um universo imenso e indiferente. Entretanto, diferen-
temente de Lovecraft, que utilizava o seu terror movido a ódio
e intolerância, Gravity Falls subverte essa lógica ao escolher,
assim como a maioria dos programas voltados para o público
infantil, o amor e a aceitação como caminho para a solução das
problemáticas vividas em sua narrativa. Sendo assim, a série
promove um comportamento positivo nas crianças.
	 Os autores dessa série animada, ao introduzirem o hor-
ror cósmico em um formato palpável para o telespectador da
Disney, souberam dosar de maneira equilibrada o aterrorizante
e o divertido, adaptando os elementos da literatura lovecraftia-
na à infância atual. Seguindo essa linha de pensamento, Gravity
Falls é um exemplo que comprova que os impactos de Lovecraft
na cultura contemporânea não se restringem a uma faixa etária
específica, mas sim palatável aos mais diferentes públicos e pre-
sente nos mais diversos produtos midiáticos.
	 A reprodução de conceitos e referências aos livros e con-
46
tos de H. P. Lovecraft surgem como um fenômeno atemporal no
mundo contemporâneo. As constantes alusões feitas à Lovecraft
nos mais diferentes campos alimentam um ramo do horror que
carece de pensadores e gênios como ele. Esta constante reprise
de sua mitologia mantém vivas suas obras, seus antigos e fiéis
fãs. E, mais do que isso, alimentam a imaginação de uma nova
geração de artistas que hoje pode entrar em contato com as suas
mais diferentes referências, desde as mais clássicas até as mais
improváveis, como nos desenhos animados.
CONCLUSÃO
	 Apesar de as obras de H. P. Lovecraft não terem efe-
tivamente conquistado significativo sucesso na época em que
foram escritas, hoje é indiscutível o fato de referências às suas
obras estarem em muitos lugares, não somente limitadas ao gê-
nero horror. Lovecraft inspirou outras obras dentro e fora do
seu gênero, no ocidente e no oriente. Para desavisados, essas
referências podem passar despercebidas na maioria das vezes,
mas a partir do momento que se conhece o estilo e a mitologia
lovecraftiana, é possível enxergar esses traços muito presentes
na cultura contemporânea, seja em séries, livros, filmes, mú-
sicas, games ou desenhos animados. Nem sempre essas obras
inspiradas contém o tom que o autor dava a suas histórias. Por
essa razão, grande parte do que é produzido hoje ainda trabalha
com as dicotomias bem vs. mal, luz vs. trevas. Apesar disso, é in-
teressante perceber como um autor que publicou suas histórias
em pequenas revistas de nicho e morreu sem alcançar sucesso
mundial, é hoje tão importante para ficção de modo geral, inclu-
sive para a ficção animada.
	 Seguindo essa linha de raciocínio, a força e solidez que
os desenhos animados conquistaram nas mais diversas plata-
47
formas e formatos é notória e inegável. Disney parece usar do
mesmo clima de misticismo e horror, que há tempos a fez alvo
de duras críticas, na sua série Gravity Falls. Com isso, atinge
o sucesso ao articular com sabedoria o rebuscamento técnico
às influências da arte literária contemporânea, caindo na graça
de seu público ao redor do mundo. Assim como H. P. Lovecraft,
Gravity Falls não se limita à sua vã estética ou filosofia. Vai
além, pois por meio da arte e do lúdico, transgride os limites
do entretenimento e torna-se mais um marco para a história do
desenho animado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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KHAW, C. Disney’s Gravity Falls is weird Americana meets Lo-
vecraft for kids. In Arstechnica. Disponível em <http://arste-
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gência de linguagens musical, artística e cinematográfica. In
Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Gra-
duação, 2012.
SIMMONS, D. New Critical Essays on H. P. Lovecraft. Nova York:
Palgrave Macmillan, 2013.
48
Problemáticas da representação da
mulher na mídia e seus desdobra-
mentos nas Princesas da Disney
João Pedro Pinho
Luiza Costa
	 A representação midiática da mulher sempre foi proble-
mática por refletir a imagem que o patriarcado e uma socie-
dade machista mantinham do papel feminino e por ajudar a
preservá-lo e difundi-lo cada vez mais, criando novos estere-
ótipos, “tipos” de mulheres e subclassificações que difundidas
massivamente acabavam - e ainda o fazem, até hoje - educando
mulheres e meninas de várias gerações a agirem de maneiras
“corretas” e homens e meninos a como eles deveriam tratar e
olhar para a figura feminina.
	 Em seu artigo “Mas por que, afinal, as mulheres não sor-
riem?: jornalismo e as razões da (in)felicidade feminina”, João
Freire e Talita Leal discorrem sobre como o papel da mulher na
sociedade é pautado pela imprensa como um ser submisso, que
deve sempre atentar-se às necessidades de sua família e de seu
marido, que nunca deve colocar sua vontade própria acima da
vontade do patriarcado e deve estar sempre feliz, dócil, arruma-
da, perfumada e perfeita.
	 Já o autor Edgar Morin, em seu livro “Cultura de Massas
no Século XX”, no capítulo “A Promoção dos Valores Femininos”,
discorre sobre o papel da cultura de massa nessa propagação de
uma feminilidade também passiva e submissa. O autor analisa
a imprensa feminina e a imprensa sentimental, emergidas no
séc. XX, e a maneira como elas abordam por um lado a casa e o
49
bem-estar e por outro a sedução e amor, pautando os interesses
e a existência das mulheres sempre sobre esses dois prismas: o
lar e a família e o romance e a sensualidade.
	 O objetivo desse trabalho é desdobrar estes conceitos
e aplicá-los, junto a outros, à representação da mulher nos lon-
gas-metragens animados de princesas da Disney, destacando a
maneira como da mesma forma em que a imprensa e o jornalis-
mo feminino doutrinam as mulheres da sociedade propagando
estereótipos e valores machistas, grande parte da indústria de
desenhos animados também ocupa um papel doutrinador das
meninas mais jovens, ensinando-as como se portar e sacrificar
suas vontades e interesses próprios a favor de um homem e da
família, procurando conquistar o príncipe “encantado”, e não
abrir mão de sua fragilidade e passividade, que se manifestam
disfarçadas como doçura e atitude de “princesa educada”. As-
sim, da mesma maneira que a mídia e a imprensa constroem
e perpetuam tipos ideais de mulher, as princesas da Disney re-
presentam um tipo ideal de menina: dócil, frágil, bela, educada,
arrumada e sempre feliz.
BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DOS
DESENHOS ANIMADOS PARA MENINAS
	 A década de 1980 é conhecida, na história dos desenhos
animados, como o momento da consolidação dos desenhos ani-
mados como um produto midiático infantil e comercial: nessa
época, várias foram as animações que surgiram de produtos que
já existam, funcionando como uma espécie de propaganda deles.
Isso foi possível através da determinação da Federal Communi-
cation Commission’s (FCC) que permitiu a produção de dese-
nhos animados baseados em brinquedos. É nesse contexto dos
anos de 1980, de animações baseadas em produtos já comercia-
50
lizados, que os desenhos animados para meninas começaram a
ser veiculados nos Estados Unidos (PEREA, 2015).
	 Segundo Katia Perea, em seu artigo “Girl Cartoons Se-
cond Wave: Transforming the Genre”, essa primeira onda de
desenhos animados para garotas acabou definindo parâmetros
normativos de gêneros que mais do que caracterizar, rotulam
um desenho animado como um programa para garotas. Essas
animações, imprescindivelmente, trabalham com as opções es-
téticas de cor – com predominância do rosa – e com ideologias
como amizade e construção de uma comunidade através da re-
solução de conflitos por meio da comunicação e de uma lideran-
ça feminina motivacional. As garotas, assim, são apresentadas
como líderes e transmitem confiança, determinação e experi-
ência no processamento de emoções e na resolução de conflitos
através da comunicação. Entretanto, por outro lado, nos dese-
nhos para meninos, onde imperam a dicotomia entre bem e mal,
os conflitos são resolvidos sempre à base de violência.
	 Essas representações são problemáticas tanto para as
meninas quanto para os meninos. Elas enraízam e reiteram a
ideia de que mulheres são mais sentimentais do que racionais,
reforçando, ainda, o estereótipo do instinto materno que des-
perta nas mulheres o impulso de proteger todos que estão à sua
volta, e de que os homens são fortes e viris, reiterando o estere-
ótipo de que “meninos não choram”.
AS PRINCESAS DA DISNEY
	 Muito antes de 1980, Walt Disney já trabalhava com os
estereótipos femininos. O estúdio, fundado em 1923, época da
fase cinematográfica dos desenhos animados, foi de extrema im-
portância para as animações, uma vez que foi responsável pelos
principais avanços tecnológicos dessa fase do desenho animado:
51
o primeiro filme com som e o primeiro filme em cores foram
produções da Disney - com Mickey Mouse (1928) e Flores e Ár-
vores (1932), respectivamente. Sendo assim, a Disney é vista,
hoje, como pioneira na indústria de animação.
	 Seu primeiro grande sucesso foi uma de suas princesas:
Branca de Neve e os Sete Anões, lançado em 1937 (depois de 3
anos de produção), foi a primeira animação de longa-metragem
da Disney. Branca de Neve, depois de perder seu pai, passou a
viver com sua madrasta, uma mulher má, invejosa, vaidosa e
amargurada, que fazia de sua enteada uma servente. Tomada
pelo desejo de ser a mulher mais linda e pela inveja ao saber que
a mulher mais na linda, na verdade, era Branca de Neve, a Rai-
nha Má ordena que um Caçador mate sua enteada. Entretanto,
prestes a matar Branca de Neve, o Caçador fica encantando com
sua beleza e a deixa escapar. Fugindo pela floresta, a princesa
acaba encontrando os Sete Anões, que a abrigam em sua casa,
onde a Rainha Má, disfarçada de bruxa, encontra Branca de
Neve e a envenena. A moça, então entra em sono profundo e
acaba sendo salva pelo beijo do amor verdadeiro dado por um
príncipe que ela havia encontrado durante sua fuga.
	 O beijo do amor verdadeiro é um elemento intrínseco às
narrativas das princesas da Disney. Depois de Branca de Neve e,
assim como ela, Aurora, de A Bela Adormecida (1959), foi enve-
nenada por Malévola e, então, entrou um profundo sono, sendo
acordada pelo beijo do amor verdadeiro de um príncipe. Esse
elemento, então, reitera a ideia de que as mulheres precisam
de um homem para serem salvas e que seu propósito de vida é
conseguir se casar.
	 Além do amor verdadeiro, outro elemento que comu-
mente aparece nessas narrativas é a figura de uma madrasta má.
Assim como Branca de Neve, em Cinderela (1950), a protagonis-
ta perde seu pai e, então, passa a ser explorada pela madrasta.
52
No caso de Cinderela, ela, ainda, sofre com mais duas figuras
femininas: as filhas de sua madrasta. Essa presença constante
de figuras femininas como vilãs reforça a ideia de que mulheres
são rivais umas das outras.
	 Um fator também muito recorrente nas representações
das princesas que podemos relacionar com o artigo de João Frei-
re Filho e Talita Leal é a questão da felicidade performática na
representação midiática da mulher. No artigo, referindo-se à im-
prensa feminina estabelecida no passado e sua representação da
mulher:
Para elas [autoras das revistas] a mulher que ostentava uma
face preocupada ou revelava tons de raiva e de ansiedade em
sua voz destruía a vida da família, enquanto que a esposa que
sorria e comunicava-se de modo gentil espalhava ânimo por
toda a sua casa. A felicidade era, portanto, mais do que uma
emoção: representava uma ‘performance’ que deveria ser rea-
lizada ininterruptamente.
	 Assim como as revistas da imprensa feminina retrata-
vam as mulheres com a obrigação de estar sempre felizes por
carregar a responsabilidade de manter um clima e uma atmos-
fera mais leve e descontraída, negando e reprimindo emoções
como raiva, tristeza, tédio e decepção, a maioria das princesas
da Disney são retratadas como mulheres dóceis que estão sem-
pre com semblantes felizes, descontraídos e apresentam um tom
de voz tranquilo e aconchegante. A maioria delas é negada a
expressão de sentimentos como raiva, revolta, instinto de luta,
determinação e outros sentimentos que a tornariam menos deli-
cadas e “afeminadas”, fazendo-as perder uma determinada pos-
tura de princesa em apuros, que necessita de um príncipe para
resgatá-la. Emoções como tristeza e indeterminação são até re-
tratadas, mas na maioria das vezes puxadas para um lado mais
dócil, manifestando-se como tristeza, colocando a personagem
em um papel de vítima – como o caso de Cinderela. Raras são
53
as vezes que esses tipos de emoções servem como gatilho para
ações mais ativas e emblemáticas. Essas representações, vale
apontar, não ocorrem somente nos filmes, mas também em ima-
gens promocionais das princesas, que as trazem sempre lindas,
maquiadas, arrumadas e sorridentes.
	 Ultimamente, contudo, a Disney tem trabalhado com
personagens femininas fortes em tramas que não giram em tor-
no de conseguir um homem ou ser salva por eles. Os mais re-
centes filmes, como Valente (2012), Frozen (2013) e Malévola
(2014) – um live-action de A Bela Adormecida, onde a narrativa
é contada do ponto de vista da vilã, título esse que é problema-
tizado no filme –, são histórias de amor verdadeiro entre mu-
lheres – entre irmãs ou entre mãe e filha – que se ajudam e se
salvam.
	Em Malévola, filme live-action que é uma das mais re-
centes produções do universo das princesas da Disney, muita
coisa é desconstruída: a clássica vilã do conto de A Bela Ador-
mecida é transformada em uma personagem multidimensional,
complexa e com uma história profundamente tocante. Violen-
tada e traída pelo homem que amava, Malévola encontra em
outra figura feminina a descoberta do amor verdadeiro e a sua
redenção. Assim como em Frozen, o príncipe é deixado para o
final, como uma espécie de complemento para que o desfecho
seja feliz em todos os aspectos, mas certamente há muito para
ser apontado como avanço.
	 Por muito tempo, a imagem da mãe foi colocada de lado,
substituída por madrastas cruéis e invejosas. Essa tendência foi
rompida com Valente, que, além de contar com uma princesa
fora dos padrões estéticos e de submissão, passividade e fragi-
lidade, apresentou um relacionamento entre mãe e filha como
foco do enredo. Já em Frozen, a narrativa gira em torno da
amizade de duas irmãs, quebrando um dos maiores paradigmas
54
das narrativas de contos de fadas da Disney: o fechamento da
trama não se dá através do beijo do amor verdadeiro dado por
um príncipe e, sim, pela coragem de uma irmã em arriscar sua
vida pela outra.
	 A mensagem que fica é que mulheres também podem
ser fortes, guerreiras e capazes de enfrentar monstros – tanto os
fictícios quanto os simbólicos, como relacionamentos abusivos
e crises existenciais. Esse quadro é extremamente positivo para
garotos e homens, que agora têm a possibilidade de passar a
enxergar as mulheres como seres humanos independentes que
podem ser tão fortes quanto eles. Assim, a formação desses me-
ninos pode se tornar menos machista e dominadora, o que, in-
clusive, abre espaço para que esses homens escapem dos rígidos
padrões de masculinidade.
	 Assim, percebe-se que a identidade das princesas e he-
roínas da Disney tem estado em constante mudança. Princesas
como Branca de Neve, Cinderela e Aurora, as primeiras prince-
sas da Disney, eram menos do que mulheres, mas meninas doces,
meigas, inocentes e ingênuas que viviam à espera de um prín-
cipe encantado para salvá-las das maldades, representadas pela
imagem feminina de uma vilã. Ao longo de suas produções, a
Disney foi alterando esses perfis numa gradativa evolução: Ariel,
de A Pequena Sereia (1989), queria conhecer além do mar em
que vivia e se tornar humana; Bela, de A Bela e a Fera (1991),
queria mudar o homem frio e bruto que a aprisionava; Jasmine,
de Aladdin (1992) desafiava o pai para ser livre e lutar pelo seu
povo; e Tiana, de A Princesa e o Sapo (2009), queria montar
seu próprio restaurante. Dentre essas princesas heroínas, está
Mulan: representação da mulher moderna, mesmo na época do
império chinês, onde os casamentos eram arranjados e a única
função da mulher era ter filhos e cuidar do seu marido.
55
MULAN: A “PRINCESA” GUERREIRA
	 Além das narrativas sobre o amor verdadeiro entre mu-
lheres, há aquelas em que a protagonista é uma mulher forte e
independente. Mulan (1998), história baseada numa das lendas
mais populares da China, se passa na época da Dinastia Han,
450 d.C., quando a construção da Grande Muralha despertou a
fúria dos Hunos que acabam invadindo o território chinês. O Im-
perador da China, então, ordena que um homem de cada família
se apresente ao exército para lutar na guerra e defender seu país.
Mulan, que havia sido rejeitada pela casamenteira, desonrando
sua família, vê seu pai, velho e debilitado, ser convocado para
guerra. Ela, então, corta os próprios cabelos e se transfigura
em homem, fugindo de casa em direção à batalha no lugar do
seu pai. Ao chegar ao campo de concentração, Mulan passa a
treinar para ser um soldado, fazendo tarefas típicas de homens
e ainda tentando esconder seu disfarce. Contudo, como o amor
verdadeiro é um elemento intrínseco nas narrativas de conto
de fada da Disney, Mulan acaba encontrando, no exército, seu
par romântico. Mas, assim como em Frozen e Malévola, esse é
apenas um ponto complementar pra o fechamento da trama.
	 Mesmo fazendo parte da franquia “Disney Princesa”,
Mulan não é uma princesa nem por direito de nascimento, como
Branca de Neve e Aurora, nem por meio do casamento, como
Cinderela, uma vez que ela se casa com o guerreiro Li Shang,
que nada tem a ver com a realeza. Em Mulan 2 (2005), a guer-
reira chinesa chega perto de ganhar status de princesa, toman-
do o lugar de uma das filhas do Imperador em um casamento
arranjado, mas ela não vai até o fim.
	 Além de sua importância como umas das “princesas”
que quebram os paradigmas das narrativas de conto de fada da
Disney, com o beijo do amor verdadeiro, ser salva por um prín-
56
cipe ou a presença de uma madrasta má, Mulan entra também
no time das “princesas” que propõe algum tipo de representa-
tividade. Mas ela não foi a primeira a quebrar essa barreira.
Antes dela vieram Jasmine, de Aladdin (1992), de origem árabe
– sendo assim, a primeira não-caucasiana princesa da Disney –,
a índia Pocahontas (1995) e a cigana Esmeralda, de O Corcunda
de Notre Dame (1996). Após Mulan, ainda temos Tiana, de A
Princesa e o Sapo (2009), a primeira princesa negra da Disney.
Entretanto, por mais importantes que essas princesas sejam, re-
presentativamente falando, elas ainda carregam algumas pro-
blemáticas: todas são magras e têm cabelos lisos – até mesmo
Tiana, que é negra.
	 Mulan pode também ser relacionada com a questão de
felicidade performática acerca da qual discutimos no capítulo
anterior deste trabalho. Ao contrário de várias das princesas
Disney, Mulan expressa e extravasa vários sentimentos diversos
(raiva, tristeza, decepção, senso de injustiça, bravura, determi-
nação) que se manifestam através de ações emblemáticas da per-
sonagem, que utiliza estes sentimentos como gatilho para suas
atitudes de guerreira.
CONCLUSÃO
	 É um fato que já a algumas gerações uma quantidade
enorme de crianças e pré-adolescentes consumem produtos das
princesas da Disney – sobretudo garotas, que além de assistir
aos filmes, consomem bonecas, fantasias e outros produtos ma-
teriais temáticos.
Essa exposição massiva às narrativas de princesas da Disney
tem o potencial de fazer com que se crie no imaginário das
crianças um código de conduta feminino que elas devem seguir
para se aproximar das princesas e dos contos de fadas, desejo
que se manifesta inclusive através de fantasias e festas temáti-
57
cas das princesas, um mercado bem lucrativo. Assim, surge uma
problemática que relaciona-se com as questões levantadas por
João Freire, Talita Leal e Edgar Morin: a representação de um
“tipo ideal” de mulher. Há, em grande parte das narrativas das
princesas Disney, a manutenção de um tipo ideal de garota dó-
cil, frágil, bela e com algumas característica mais problemáticas
como passiva e super feminina.
	 Como vimos, com algumas narrativas como Mulan, Fro-
zen e Valente, muitos desses problemas relacionados à passivi-
dade, fragilidade e grande dependência a uma figura masculina
já receberam a atenção do estúdio.
	 O que continua sendo muito problemático são os pa-
drões de beleza, a baixa diversidade racial e outras questões
que abordamos ao longo do trabalho. Isso não só faz com que
as crianças que assistem à narrativa que não se encaixam nos
padrões das princesas não se sintam representadas, como poten-
cializa a idealização desses tipos de beleza mais eurocêntricos.
	 Questões como amizade, valorização da família, honra,
moral, justiça, dentre outros tópicos pertinentes são debatidos
pelos filmes, que tem sim o potencial de passar mensagens po-
sitivas para as milhares de crianças e adolescentes que os con-
somem. O que continua precisando mudar e evoluir muito é a
diversidade (em vários níveis) dos tipos de mulheres e princesas
que são representadas.
58
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FREIRE FILHO, J.; LEAL, T. Mas por que, afinal, as mulheres
não sorriem?: jornalismo e as razões da (in)felicidade feminina.
59
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sas_da_Disney>. Acessado em: julho de 2016.
60
As Meninas Superpoderosas e
o feminismo
Eduarda Colombiano
Helena Araujo
	 Neste artigo relacionaremos feminismo e desenhos
animados, baseando-nos, principalmente, no texto “Girls
Cartoon Second Wave: Transforming the Genre“ de Katia
Perea e estudos sobre o feminismo, suas ondas, pós-feminismo
e backlash. Os exemplos trabalhados serão diversos, porém,
com foco no desenho animado As Meninas Superpoderosas, o
qual teve grande sucesso no fim dos anos 90 e início dos anos
2000 e um esperado relançamento em 2016, sendo esta última
temporada o centro de nossa análise. Outros desenhos animados
que utilizaremos neste artigo serão Três Espiãs Demais, Peppa
Pig, Os Padrinhos Mágicos, gêneros de desenhos animados de
princesas, super-heróis, entre outros.
	 Primeiramente, resumiremos a contextualização
históricadalutapelaigualdadedegêneros,depoisrelacionaremos
com o texto, a fim de entender como as questões de gênero e
modelos de feminilidade influenciaram os desenhos animados,
sejam eles voltados tanto para o público feminino, quanto para
o masculino.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA LUTA
FEMINISTA
	 O feminismo é uma luta constante pelos direitos das
mulheres e possui uma diversidade grande de conceitos, um
61
deles é de Chimamanda Ngozi Adichie, que enxerga o movimento
como busca por igualdade política, social e econômica (ADICHIE,
2014). Desde muito tempo houve opressão e resistência em cima
dos movimentos feministas. A Igreja Católica teve - e ainda tem
- grande influência na vida das mulheres. A submissão feminina
e a moralidade cristã eram vistas como modelo de vida: “bela,
recatada e do lar”. No decorrer de toda a história, os homens
se utilizavam de discursos médico e intelectual para justificar
cientificamente e ideologicamente que as mulheres eram seres
inferiores.
	 Em 1837 o termo “feminismo” foi usado pela primeira
vez, atribuído por Charles Fourier, um socialista francês, o
qual observou essa época como início de uma prática política
organizada. O contexto social era de movimentos operários na
Europa e nos EUA, como palco de importante ação de contestação
feminina.
	 Os estudos feministas são divididos em ondas,
exatamente por dar a ideia de movimento com avanços e
retrocessos, facilitando a compreensão de demandas de cada
momento. A partir do final do século XIX e início do século XX
podemos ver a primeira onda do movimento feminista, a qual foi
fruto de uma luta intensa por direitos civis na Inglaterra. É neste
contexto que aparecem as sufragistas, mulheres que lutavam
pela expansão do conceito liberal de cidadania, ou seja, elas
queriam ter o direito de votar. O direito ao voto das mulheres
foi conquistado no Reino Unido em 1918 (PINTO, 2010, p. 5).
	 A segunda onda feminista foi consolidada no início dos
anos 1960. Marcada pelo livro O Segundo Sexo (1949) de Simone
de Beauvoir, que analisava a mulher como apêndice do homem,
como “o outro do homem”. A política, a religião, o sistema jurídico,
a vida intelectual e artística, passam a ser compreendidos como
construções de uma cultura predominantemente masculina. O
62
masculino e o feminino passam a ser entendidos como criações
culturais: “não se nasce mulher, torna-se” (BEAUVOIR, 1970).
	 Enquanto a primeira onda é marcada por disputas em
lugares predominantemente públicos, a segunda é marcada
por práticas subjetivas - como relações de casamento, onde a
esfera doméstica entra definitivamente em questão: casamento,
mercado de trabalho, entre outros pontos. É nesta época que
os brinquedos femininos relacionados ao ambiente doméstico
e maternidade ganham força - como por exemplo brinquedos
de panelinhas, vassouras, bonecas, entre outros -, reforçando
a ideia de gênero como algo imutável e servindo diretamente à
manutenção das estruturas de poder.
	 Nos anos 1960 e 1970, a contracultura estava em alta,
questionando a ordem e a moral tradicionais. É nesse momento
que as pautas feministas ganham um viés libertário e começam
a se questionar sobre padrões de beleza e a autonomia da mulher
em relação ao corpo - tendo como marco o caso da “queima de
sutiãs” no Miss América, em 1968. Não é apenas sobre trabalho
e direitos civis, é sobre o direito ao corpo e à vida de forma
plena.
	 É importante lembrar que essas correntes de pensamento
tiveram predominância na Europa e EUA. Além disso, eram
defendidas por uma parcela de mulheres bem específica: brancas
e de classe média. Aqui no Brasil o contexto era outro, vivíamos
em uma ditadura militar, onde a repressão era muito grande e
por isso todos os movimentos de contestação eram clandestinos.
Os exílios tiveram grande importância nesse sentido, pois muitas
mulheres trouxeram para cá ideias feministas que estavam em
vigor nos países de onde foram exiladas.
	 A terceira onda do movimento feminista foi em
meados dos anos 1980 e 1990, na qual é possível observar uma
fragmentação radical no movimento, tornando-o interseccional.
63
As diferentes identidades femininas - mulheres negras e lésbicas,
por exemplo - não se viam representadas no feminismo. Começa
então o pensamento reflexivo sobre o movimento e a autocrítica
do feminismo.
	 Na década de 1980, o movimento feminista se apropria
do pôster Rosie the Riveter (1942) do artista gráfico Howard
Miller. Originalmente, o desenho foi feito apenas como um
discurso de uma empresa para suas funcionárias, com o intuito
de aumentar a produtividade delas. Hoje em dia, essa imagem
foi muito incorporada pelo movimento feminista e pela cultura
pop.
	 A partir dos anos 1980, também, teóricos começam a
chamar o movimento de pós-feminismo, usando frequentemente
otermobacklash(retrocesso),oqualéumarespostaconservadora
ao feminismo. Afirmavam que o movimento feminista havia
acabado, pois as mulheres já tinham conquistado “tudo” - direito
ao voto e de trabalho e, por isso, o termo utilizado passaria
a ser “pós-feminismo”. Novamente é importante lembrar do
recorte, pois as mulheres negras sempre trabalharam - só que
de maneira escrava, ou na pós-escravidão, para o sustento da
família; para elas o trabalho não era uma opção, muito menos
uma conquista. O pós-feminismo tem sido definido como “uma
despolitização do feminismo, em inerente oposição à política
feminista ativista e de coletivos” (GENZ & BRABON, 2009, p.
167). Para muitos teóricos, o pós-feminismo está relacionado
com a liberdade da mulher, sem necessariamente precisar de
um posicionamento político, basta que ela faça suas próprias
escolhas. Entretanto, o termo despolitização é problemático,
uma vez que qualquer atitude de empoderamento feminino, seja
ela em larga ou pequena escala, é um ato político! Uma mulher
que decide parar de se depilar ou aquela que luta por direitos
trabalhistas estão exercendo atos políticos. Corpo, moda e beleza
64
são vistos também como lócus de empoderamento e a partir
dos anos 1990 nasce o girl power, com um discurso otimista,
divertido e confiante, que influenciou direta ou indiretamente
vários desenhos animados dos anos 1990 em diante.
REPRESENTAÇÃO FEMININA NOS DESENHOS
ANIMADOS
	 O texto “Girls Cartoons Second Wave: Transforming
the Genre” de Katia Perea fala sobre o gênero de desenhos
americanos voltados para meninas, que se inicia a partir dos
anos 1980. Nessa época, a Comissão Federal de Comunicação
da Televisão passa a permitir desenhos animados baseados em
brinquedos infantis e foi a partir daí que houve uma separação
entre desenhos animados femininos e masculinos. Os brinquedos
para meninas seriam bonecas com tons claros e, principalmente,
com a cor rosa; já os brinquedos para meninos seriam robôs,
bonecos de ação, carros etc, com as cores predominantemente
escuras. Portanto, nessa época os principais desenhos para
meninos eram He-man, G.I Joe e Transformers, desenhos
com muita luta, ação, heróis e vilões; enquanto os primeiros
desenhos femininos - My Little Pony, Moranguinho, etc -
falavam sobre comunidades em que os conflitos eram resolvidos
verbalmente através de uma líder motivacional. Pela primeira
vez, as garotas eram as personagens principais. Entretanto, esses
desenhos eram pautados em estereótipos femininos: excesso de
cores - principalmente rosa -, personagens meigas e delicadas,
constantemente preocupadas com a aparência etc.
	 A segunda onda de desenhos femininos é influenciada
pelo girl power, no qual as personagens além de resolverem
problemas de suas comunidades através do diálogo, também
estão envolvidas em ensinamentos didáticos e problemas
65
pessoais. São personagens lógicas e corajosas, e normalmente
resolvem conflitos através de suas habilidades físicas. Como
maior exemplo utilizaremos As Meninas Superpoderosas,
por acreditarmos ser um dos desenhos para meninas mais
interessante em termos de empoderamento.
AS MENINAS SUPERPODEROSAS
	 The Powerpuff Girls, conhecido no Brasil como As
Meninas Superpoderosas, é uma série de desenho animado
criada e escrita por Craig McCracken. Sucesso em todo o mundo,
a série foi considerada a nova mania dos Estados Unidos durante
o fim da década de 1990 e início dos anos 2000 e teve um reboot
chamado The Powerpuff Girls (2016) no ano de 2016. A série,
produzida inicialmente pela Hanna-Barbera, e alguns anos
depois pelo Cartoon Network Studios, conta a história de três
garotas com superpoderes: Florzinha, Lindinha e Docinho, as
quais foram criadas pelo Professor Utônio, que acidentalmente
derrubou o elemento X na poção da “garotinha perfeita“ (uma
mistura de “açúcar, tempero e tudo que há de bom”). Sendo
assim, o elemento X deu a elas superpoderes, e entre uma
brincadeira e outra, precisam salvar a cidade fictícia norte-
americana de Townsville de diversos monstros5
.
	 De acordo com o texto “Girls Cartoons Second Wave:
Transforming the Genre“, Craig McCracken resolveu criar As
Meninas Superpoderosas sem nenhum intuito de fazer um
desenho feminista, ele apenas achou que seria fofo e divertido
fazer um desenho em que pequenas meninas batem em vilões.
	 Nos últimos dez anos, podemos perceber claramente
5 The Powerpuff Girls. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Po-
werpuff_Girls>. Acessado em 21 de agosto de 2016.
66
um aumento de estudos, debates e questões que envolvam o
feminismo, seja nas redes sociais, faculdades, programas de TV,
como também nos ambientes familiares. Por muito tempo, a
visão que a maioria da população tinha sobre as feministas era
algo totalmente deturpado, aos poucos isso está sendo mudado.
Com isso, muitos produtos da indústria cultural começaram a
se apropriar do discurso feminista, atitude que não temos nem
ideia do quão forte e influenciável pode ser, como por exemplo
a cantora americana Beyoncé, que em seu último disco trabalha
a temática feminista. Após vermos os 19 episódios da nova
temporada d’As Meninas Superpoderosas, pudemos concluir
que esse relançamento veio muito mais preocupado em tratar
as questões de gênero, algo que influenciará positivamente as
novas gerações. No decorrer do artigo analisaremos alguns
episódios da antiga e, principalmente, nova temporada e, assim,
fazer uma comparação com outros desenhos animados.
DESENHOS QUE DESCONSTROEM O ESTEREÓTIPO
E QUESTÕES DE GÊNERO
	 Iremos analisar alguns desenhos animados desta última
década que, assim como As Meninas Superpoderosas, estão
quebrando padrões de gênero e estereótipos. Em sua nova
temporada, assim como nas antigas, o desenho retrata alguns
personagens masculinos como incapazes de fazerem qualquer
coisa, até mesmo as mais simples. Um grande exemplo disso é o
Prefeito da cidade de Townsville, que é totalmente dependente
das Meninas Superpoderosas e de sua secretária, Senhorita
Sarah Belo. No episódio “Bye, bye Bellym” (S01E07), o prefeito
apavorado chama as meninas para o ajudarem pois Sarah Belo
havia tirado férias de 1000 dias, visto que em muitos anos ela
não tirou férias para cuidar dos problemas do prefeito e, assim,
67
ele ficou completamente sem saber o que fazer. Apesar da
atmosfera geral de incompetência masculina do desenho, havia
um homem realmente incrível: o Professor Utônio, que criou
as Meninas (afinal, quem deu origem às garotas só poderia ser
uma pessoa sensacional mesmo). Além de deixar as crianças
abusarem da criatividade com suas roupas, o Professor era um
dedicado e carinhoso pai solteiro. Em um episódio da primeira
temporada, as meninas são questionadas por um super-herói
homem que quer tomar o lugar delas e salvar a cidade: “Existem
algumas funções desempenhadas só por homens ou por mulheres,
certo? Peguem a sua família como exemplo. Quem trabalha
fora e sustenta a casa?”, perguntou-lhes o homem. “Nosso
pai”, responderam. “Exato! E quem cozinha?” “O pai” “Quem
lava as roupas? Quem lava a louça? Quem faz bolo?” “O pai”,
responderam repetidamente. Este é mais um elemento que faz o
desenho tão genial – quebrando outra vez a estrutura tradicional
com a qual a sociedade está acostumada, de pai e mãe. No fim
da cena, o super-herói pergunta: “Então quem corta a grama
do quintal e lava o carro?” “A Lindinha!”, elas respondem em
coro. O mais interessante desse episódio é que a Lindinha é vista
como a mais feminina das três meninas e, mesmo assim, é ela
quem faz os trabalhos manuais mais pesados – porque ela é
incrível.
	 Outro personagem interessante no desenho é o vilão Ele,
que presumivelmente era um homem, mas usava saia de balé,
maquiagem e possuía uma voz ambiguamente andrógina. Em
um episódio, Ele e Macaco Louco - outro vilão - criavam uma
versão masculina das Meninas Superpoderosas, os Meninos
Desordeiros. Apesar do objetivo ser destruir as meninas, era
interessante o fato que os Meninos Desordeiros tinham dois pais
e ninguém achava isso estranho.
	 Há também outros desenhos que tratam as questões
68
de gênero de maneira interessante, são eles: Peppa Pig e Os
Padrinhos Mágicos. Em um episódio de Peppa Pig chamado
“Mamãe Trabalhando”, Peppa narra os afazeres de sua família
dentro de casa. Enquanto sua mãe trabalha no computador, o pai
de Peppa faz o jantar. Essa inversão de papéis é minimamente
comum na sociedade moderna e deve passar despercebida pelas
crianças que assistem o programa. Porém, por mais que seja
sútil, é muito importante essa representação nos desenhos, uma
vez que ela desconstrói o padrão - ainda presente em muitas
famílias.
	Em Os Padrinhos Mágicos, a personagem Wanda é
casada com Cosmo e os dois são fadas mágicas que realizam
desejos do personagem principal, Timmy Turner. A primeira
questão interessante é o fato de que há vários personagens fadas
que são homens, quebrando com a ideia normativa de que as
fadas pertencem exclusivamente ao universo feminino. Além
disso, Wanda é muito mais inteligente que Cosmo e se encontra
frequentementesalvandoomaridodasfuradasemqueelesemete.
Novamente, temos o homem como ser dependente da mulher -
como no caso do Prefeito em As Meninas Superpoderosas.
	 É comum que discussões bastante complexas de gênero
apareçam em Os Padrinhos Mágicos. Em um episódio, o pai
de Timmy pergunta ”onde, nesta sociedade discriminatória,
está escrito que um homem não pode ser bonito?”. Há outro
episódio, intitulado “The Boy Who Would Be Queen”6
, em que
Timmy se transforma em uma menina para descobrir qual é o
presente perfeito para personagem feminina Trixie. A conclusão
do episódio mostra que nem todas as meninas pensam igual
– ou seja, não há «presentes de menina» ou algo do tipo. “A
6 NT: “O menino que seria rainha”
69
questão da ambivalência reflete muito o contemporâneo. O que
é o homem? O que é a mulher? Os desenhos mostram muito a
questão do ambíguo, de ter duas ou várias coisas presentes em
só uma pessoa” (Analice Pillar, da Faculdade de Educação da
UFRGS).
AS MENINAS SUPERPODEROSAS VS. TRÊS ESPIÃS
DEMAIS
	 Três Espiãs Demais, bem como As Meninas
Superpoderosas, é um desenho animado em que as personagens
principais são do gênero feminino e salvam o dia. Neste caso
elas não são super-heroínas, mas são super espiãs, desvendando
vários tipos de mistérios e crimes. Porém, problematizando
um pouco, podemos perceber que o desenho traz questões
complicadas e que podem ser prejudiciais para a formação das
crianças que o assistem. As personagens estão claramente dentro
dos padrões de beleza aceitos pela sociedade, prezam muito pelo
consumo de roupas e produtos de maquiagem e vivem correndo
atrás de garotos, reforçando estereótipos femininos. Além disso,
as armas utilizadas por elas eram sempre objetos de beleza como
secadores de cabelo, batons etc, um mero detalhe normativo que
pode passar batido a um espectador desatento. Analisando as
letras das músicas de aberturas de Três Espiãs Demais e de As
Meninas Superpoderosas, podemos ver a diferença na maneira
de representar o feminino entre os dois desenhos.
Estamos prontas para qualquer missão enfrentar
E vamos encarar
Mas toda vez que entramos no shopping
Queremos comprar
Elegantes e charmosas
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Linguagem de Desenho Animado - Volume 1

  • 1.
  • 2.
  • 3. LIGUAGEM DE DESENHO ANIMADO VOLUME 1
  • 4. Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói. Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Organização: Ariane Holzbach Revisão: Jackson Jacques Diagramação: Jackson Jacques Capa: Laila Arêde / Camila Queiroz HOLZBACH, A. D. Linguagem de Desenho Animado - volume 1 / Ariane Diniz Holzbach – Niterói, 2016. 1. Desenho animado 2. Infância 3. Televisão. I. Tí- tulo. II. Holzbach, A. D. Ariane Holzbach Professora Adjunta de Estudos de Mídia Universidade Federal Fluminense arianeh@id.uff.br
  • 5. ARIANE DINIZ HOLZBACH (org.) Linguagem de Desenho Animado volume 1
  • 6. Ao Departamento de Estudos Culturais e Mídia, da UFF, formado por uma equipe incansável na busca pelo novo. A Jackson Jacques, editor e diagramador, Laila Arêde e Camila Queiroz, ilustradoras da capa, alunos dedicados que toparam dar concretude a este livro comigo. A todos que, de alguma forma, mantêm os olhos de uma criança.
  • 7. Sumário Desenhos são mágicos 9 1. DESENHOS ANIMADOS NA HISTÓRIA 1.1 O Incrível Mundo de Gumball: o legado da “era de ouro” da animação nas novas produções animadas 11 1.2 Entre a Disney e o túmulo: a morte nos filmes de anima- ção 20 1.3 Como Walt Disney driblou as críticas e como a influência da literatura lovecraftiana em Gravity Falls é sintoma de seu sucesso 39 1.4 Problemáticas da representação da mulher na mídia e seus desdobramentos nas Princesas da Disney 48 2. DESENHO ANIMADO PARA MULHERES  2.1 As Meninas Superpoderosas e o feminismo 60 2.2 Representação feminina nos desenhos animados: um estu- do sobre As Meninas Superpoderosas 80 2.3 Análise da série animada Kim Possible 86 2.4 Três Espiãs Demais e os desenhos para meninas – Girl Power 93 2.5 Análise da animação Três Espiãs Demais 102 2.6 A espionagem enquanto trabalho em Três Espiãs Demais 107 2.7 Análise do filme A princesa e o sapo 118 2.8 Valente: as disputas discursivas acerca do lugar da mulher nos desenhos animados 126 2.9 Sakura Card Captor e o gênero shojo 137
  • 8. 3. DESENHOS ANIMADOS PARA ADULTOS? 3.1 South Park: uma outra visão sobre a sociedade 147 3.2 South Park: uma série em desenho animado de humor pesado 151 3.3 Hora de Aventura: um desenho que viaja gerações 163 3.4 A temática adulta de Hora de Aventura como ferramenta na construção do imaginário infanto-juvenil 173 3.5 Analisando o caráter de maturidade de temas sociais em Apenas um Show 180 3.6 Over The Garden Wall 189 3.7 A realidade inserida na produção audiovisual de animação 195 4. DESENHOS COMO FENÔMENO SOCIAL 4.1 Irmão do Jorel e a abordagem de temas de importância social 201 4.2 F is For Family: representação e complexidade narrativa na série animada do Netflix 210 4.3 Lilo & Stitch: o filme e a série 220 4.4 Imaginário Infantil e Interlocuções na franquia A Era do Gelo 228 5. DESENHOS ANIMADOS PARA ALÉM DO HORIZONTE 5.1 Análise do anime Samurai X no contexto da violência nos desenhos animados e influência do público infantil 236 5.2 Avatar: a lenda de Aang 245 5.3 Dobrando a Sociedade: Um estudo sobre A Lenda de Korra 254 5.4 One-Punch Man e a desconstrução e afirmação do shonen 261
  • 9. 9 DESENHOS SÃO MÁGICOS Além de fazerem crianças sonharem e sorrirem – o que já justificaria a sua importância social – os desenhos animados con- tam uma espécie de história alternativa do mundo contemporâneo para a qual, infelizmente, poucas pesquisas até hoje dão a devida atenção. Acompanhar o desenvolvimento dos desenhos animados é ter uma boa noção das mudanças tecnológicas vivenciadas pelas mídias nos últimos 200 anos. É entender a complexidade que é fa- lar para crianças, encontrando o dificílimo equilíbrio entre apren- dizado e diversão. É entender de que maneira narrativas dialogam com adultos e com crianças, mesmo que seu direcionamento inicial seja para um público ou para outro. É perceber como um mundo conectado em rede tem o poder de emanar conteúdo que, a despeito de ser produzido no Oriente e no Ocidente, produz resultados sem fronteiras. E, muitas vezes, sem limite de idade. É por causa dessas e de várias outras consequências que esta coletânea foi estruturada. Os textos são resultado de um se- mestre regado a muitas leituras e debates realizados na primeira vez que ministrei a disciplina Linguagem de Desenho Animado para os graduandos do curso de Estudos de Mídia, da Universidade Fe- deral Fluminense, e versam sobre temáticas variadas desenvolvidas em lindas e longas sextas à tarde. Os autores-alunos escolheram os assuntos que mais lhes chamaram atenção, selecionaram um dese- nho animado específico e se debruçaram em análises que mostram o quão fascinante e o quão desafiador é entender os significados sociais existentes por trás das narrativas animadas.
  • 10. 10 Os artigos exploram, por exemplo, o poder e a força dos desenhos animados para meninas, o deslumbrante universo dos animes, os significados existentes por trás dos desenhos para adul- tos e a história da tecnologia que possibilitou diferentes avanços na criação dos desenhos animados. Ao final da leitura, nossa inten- ção é que você, incauto leitor, também sinta vontade de entender melhor um dos produtos mais complexos e mais divertidos que os últimos séculos produziram. Ariane Holzbach
  • 11.
  • 12. 12 O Incrível Mundo de Gumball O legado da era de ouro da animação nas novas produ- ções animadas João Victor Gonzalez Juliana Chaves Luis Gustavo Souza O Incrível Mundo de Gumball é uma série de animação criada em 2011 pelo cartunista Benjamin Bocquelet para o canal de TV a cabo Cartoon Network, inicialmente para transmissão na Europa, depois estendida à rede completa. A série foi indica- da a cerca de 25 prêmios e ganhou 11, entre eles o British Acade- my Children’s Awards e o Annecy International Animated Film Festival. Ela segue a personagem principal Gumball, um gato azarado, e sua família na fictícia cidade de Elmore. Em cada um dos episódios acompanhamos Gumball e seu irmão adotivo, Darwim, anteriormente seu peixe de estimação que passou por um processo de “evolução” ganhando pernas e se tornando um novo membro da família Watterson, em suas aventuras cotidia- nas que, modificadas por seus pontos de vista infantis, parecem enormes sagas épicas nonsense. O estudo tem como foco o episódio 40 da terceira tem- porada da série, intitulado “The Money”1 . O episódio trata de mais um dia do cotidiano de Gumball, no qual a família Watter- son se vê falida após tentar comprar um Cheeseburguer e palitos de cenoura e com isso o seu mundo desmorona, literalmente, afinal toda a história gira em torno de Gumball, logo, do seu 1 Em tradução livre, “O Dinheiro”.
  • 13. 13 ponto de vista, todo o mundo deixa de existir. O episódio inicia com um discurso ideológico inflamado anticapitalista da per- sonagem principal, Gumball, direcionado a um funcionário do fast food Joyful Burguer com o objetivo de fazer o seu pedido de batatas fritas. Em seguida descobrimos que toda a família está falida pelo fato do pai, Richard, ter pego todo o dinheiro e ter jogado numa conta offshore, aqui usado como um trocadilho2 . Vendo que a família está com problemas financeiros, Larry, o atendente, lhes faz uma proposta de participar em um comer- cial da rede Joyful Burguer, devido a seu aspecto medíocre. A família, seguindo o idealismo de Gumball, não aceita a proposta retornando à casa sem dinheiro algum, o que gera problemas como a luz ser cortada, falta de comida, chegando ao ponto de, no dia seguinte, perderem a casa. Logo em seguida, há a utiliza- ção de metalinguagem, o desmoronamento do mundo de Gum- ball é retratado por meio da “falha” da animação, como metáfo- ra da crise monetária que a família vive, forçando-os, assim, a aceitar a proposta feita por Larry no início do episódio. Este é finalizado com eles atuando no comercial. O desenho utiliza diferentes artifícios para contar a his- tória, emprega diversas técnicas de animação, além da narrativa complexa com várias camadas de entendimento. Usando pia- das visuais voltadas ao público infantil e críticas ao capitalismo e à crise financeira vigente, dando uma profundidade maior à discussão, atraindo assim o público adulto. As piadas visuais empregadas no episódio analisado remetem ao período inicial da animação, conhecido como “era de ouro”, no qual era vincu- lada principalmente em cinemas, por isso também chamada era cinematográfica. As técnicas empregadas na série remetem aos 2 O pai confunde uma conta offshore, que é uma conta “clandestina” que benefi- cia o investidor de forma legal, com o significado literal do termo, jogar no mar.
  • 14. 14 primórdios da animação, principalmente ao conhecido illusion of life3 , que são mecanismos desenvolvidos para dar mais realis- mo e a impressão da vida à animação. O QUE É ANIMAÇÃO Desde sua alvorada, a humanidade busca representar a sua visão de mundo, seja em pinturas nas cavernas ou po- lígonos tridimensionais por meio de computação gráfica. Dessa maneira, tornava-se inexorável criar meios de reprodução do movimento. A partir disto, desenvolveu-se várias artes, entre elas a animação e o cinema. “Animação não é a arte do dese- nho que se move; ao invés disso, é a arte do movimento que é desenhado” (MCLAREN,1940). A animação é uma arte trans e interdisciplinar, passando por vários aspectos da criação huma- na, tendo como principal técnica a animação de desenhos (cell animation, também conhecida como animação tradicional). À capacidade de criar movimento a partir de imagens levemente diferentes dá-se o nome de stopmotion. O desenvolvimento des- ta técnica é a base do cinema e da animação. Este constitui-se de imagens sequenciais que causam o movimento. As experiências do fotógrafo inglês Eadweard J. Muybridge ajudaram a enten- der como o movimento se constitui. Ele usava várias câmeras para decompor o movimento em instantes; a justaposição dessas imagens e o fenômeno ótico faz com que vejamos a imagem em movimento. No entanto, não são os quadros estáticos que geram o movimento, mas sim seu fluxo. Como destaca McLaren, “o que acontece entre cada frame é mais importante do que acontece em cada frame” (MCLAREN, 1940). Portanto, a animação tem 3 Em tradução livre, “A ilusão da vida”.
  • 15. 15 por base as imagens contidas em cada frame e a sua sucessão, assim como dito por Deleuze a animação não são os desenhos e sim o movimento que descreve a figura (DELEUZE, 1983, p.10). A INCRÍVEL ANÁLISE DE GUMBALL – A ESTÉTICA DE GUMBALL No Incrível Mundo de Gumball temos uma arte que se baseia em uma mistura de diversas técnicas de animação, tendo em um mesmo episódio, personagens e objetos animados em 2D, 3D ou até mesmo o uso de fotos e texturas reais. Gumball e sua família são animais antropomórficos, assim como o Gato Félix (criado por Otto Messmer e Pat Sullivan), ou seja, são animais que agem como seres humanos. Esta característica remete a ar- tifícios para a fácil identificação com a personagem, a capacida- de de um animal representar de forma neutra aspectos humanos e a facilidade de criação de situações cômicas. A semelhança com Félix vai para além disso, Gumball também é um gato e no episódio analisado ele se transforma, assim como Félix. Este fazendo parte do hall dos personagens criados na era de ouro da animação, usa de muitas gags visuais e transformações para contar a sua história. Apesar de Gumball ter semelhanças visuais com Félix, seu traço remete aos tempos atuais feito em vetor de maneira simples, além da predominância de linhas retas e da quase au- sência de volumes. O que por um lado é uma escolha estética, por outro é uma escolha técnica. A animação das personagens da família Watterson é feita, principalmente, por meio da técni- ca cut-out, que consiste em animar peças que são as partes dos corpos das personagens, o que poupa tempo de animação, tendo em vista que não é necessário redesenhá-los quadro-a-quadro, basta mover e trocar as peças para formar cada frame da anima- ção.
  • 16. 16 A técnica de cut-out desenvolveu-se principalmente com Hanna-Barbera em suas produções televisivas, quando era ne- cessário que as animações saíssem rápido. Hoje essa demanda de velocidade continua e com o avanço das tecnologias temos o cut-out digital (empregado em Gumball), que consiste em peças vetoriais ligadas a armatures, esqueletos digitais aos quais as peças vetoriais são presas para simular uma estrutura e contro- lar a animação. Uma parte importante da estética de Gumball é a utili- zação das cores. O desenho conta com uma paleta baseada em cores saturadas e claras, conhecidas como candy colors. Esse tipo de cor torna o desenho atraente para as crianças, além de destacar as personagens do fundo, pois são utilizados cenários reais. Em toda série são usadas fotos de locais reais como textu- ra e background, as cidades utilizadas são Londres e São Fran- cisco. POR DENTRO DO INCRÍVEL MUNDO DE GUMBALL Observamos no início do episódio uma predominância do diálogo, assim como nas animações de Hanna-Barbera. O que por um lado facilita o processo de animação, pois esta se re- sume a trocar as peças de boca da personagem, tendo em vista que eles são recortes, e por outro dá uma maior profundidade a narrativa. O discurso inicial gira em torno de uma questão capitalista claramente direcionada aos possíveis espectadores adultos. Logo no início do episódio, nota-se a primeira mistu- ra de técnicas de animação, já que os Watterson são cut-out e Larry, o atendente, é feito em animação 3D - isto é algo que se repete ao longo de toda a série. Em seguida vemos a técnica de full animation (animação tradicional) usada em Nicole, mãe
  • 17. 17 de Gumball, enquanto ela se transforma. Essa técnica consiste em animar toda ação quadro a quadro, empregando os 12 prin- cípios da animação desenvolvidos na era de ouro, que tinham como objetivo dar maior realismo ao movimento e potencializar o que Walt Disney chamou de “ilusão da vida”. Neste episódio, há uma sequência na qual Gumball can- ta uma música remetendo aos clássicos musicais do cinema e também as animações do Disney, que foi o pioneiro em introdu- zir a música diegética nas animações, tornando-as assim mais atrativas para o público. Vemos também a inserção de outros estilos para além do cartoon, como por exemplo o anime: animação tipicamente japonesa que consiste em personagens de olhos grandes, narra- tivas complexas, economia de animação e estética própria. Este estilo é utilizado na mãe de Gumball, dentro do episódio como uma gag visual remetendo a propagandas feitas em outros pa- íses, neste caso Japão; como eles são cartoons, o equivalente nipônico seria o anime. No decorrer da trama do episódio relacionada com a falta de dinheiro, há um momento em que a família percebe que sem capital sua existência é posta em risco. Isso constitui uma metalinguagem dentro do episódio, pois a desconstrução da animação é usada para explicar o desmoronamento do mun- do deles. Dentro deste contexto, o processo de desconstrução ocorre de maneira a parecer que faltou dinheiro para pagar os profissionais de cada área da produção da animação, fazendo assim com que ocorram problemas, como a ausência de cor, des- sincronização de áudio, problemas de rig, levando a animação ao estágio conhecido como animatic (em algumas bibliografias conhecido como cinematic). Este é o layout básico de cena, ou seja, é uma versão técnica do storyboard, colocada em movi- mento para que se tenha uma ideia dinâmica de toda a ação,
  • 18. 18 sequências, cenários, iluminação e estilo da animação. Foi um processo estabelecido durante a era de ouro da animação, entre os anos 1920 e 1940, sendo aplicado efetivamente como modelo de produção industrial nas animações do estúdio Disney. O storyboard é uma peça de pré-produção que tem um papel chave no desenvolvimento da obra, ele está subordinado diretamente ao roteiro, ilustrando as ações contidas neste, co- municando de forma visual a história, de maneira a representar por desenhos os momentos principais dos movimentos a serem animados do ponto de vista da câmera, indicando também os enquadramentos, movimentos de câmera e o ângulo do qual a cena será mostrada auxiliando, assim, na edição. A desconstrução avança até o processo de concept, isto é, a concepção da ideia, usando apenas de esboços simples feito em blocos de papel autoadesivo com a finalidade de comunicar a base da ideia, trazendo-a para o material. Ele contém desenhos não convencionais que servem apenas para direcionar e comu- nicar os pontos chaves da animação de maneira clara. Neste episódio, podemos notar o legado da era de ouro da animação por meio das técnicas empregadas, evidenciando que elas não ficaram presas às produções cinematográficas, se estendendo às animações televisivas e digitais. Em determinado momento, podemos observar o uso de animação 3D e computa- ção gráfica, que apesar de ser um meio novo, também se utiliza das técnicas aqui apresentadas. O uso do 3D fica mais perceptí- vel na desconstrução do mundo, quando as texturas são retira- das e percebemos que todo o mundo é disposto em um ambiente virtual. Portanto, a forma de criar movimento por meio da ani- mação desenvolveu-se, principalmente, durante a era de ouro e continua sendo aprimorada até hoje. Esta permanência eviden- cia que a produção de animação está vinculada a estas técnicas,
  • 19. 19 sendo impossível renegá-las sem perder a ilusão da vida. “A arte desafia a tecnologia e a tecnologia inspira a arte ”4 (LASSETER, 2001). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRIER, M. Hollywood Cartoons: American Animation in the Golden Age. Oxford University Press, ed. 1, New York, 2003. DELEUZE, G. A Imagem-Movimento: Cinema 1. Editora Brasi- liense, 1983. NAPIER, S. J. Anime from Akira to Howl’s moving Castle: Expe- riencing Contemporary Japanese Animation. St. Martin’s Griffin, ed. 2, New York, 2005. WELLS, P. The Fundamentals of Animation. Fairchild Books AVA, London, 2006. WILLIAMS, R. The Animator’s Survival Kit. Faber and Faber, 2009. 4 Tradução livre
  • 20. 20 Entre a Disney e o túmulo: De que forma e por quais razões a questão da morte está tão presente em grande parte dos filmes de animação da Disney Laura Spíndola Luiz Filipe Paz É pertinente afirmar que o mundo da animação vem passando por intensas transformações a partir dos incríveis avanços tecnológicos que testemunhamos desde o seu advento. Tendo se manifestado em diferentes mídias e nas mais variadas formas, pode-se estabelecer, como bem referenciam Carol Sta- bile e Mark Harrison em sua obra “Primetime Animation: Tele- vision Animation and American Culture”, de 2003, as matrizes concernentes à animação ramificadas em 3 principais vieses: ci- nematográfico, televisivo e digital, respectivamente. Cada uma dessas fases vem sendo cada vez mais ponderadas e exploradas através de incontáveis estudos e pesquisas, que têm o principal objetivo de contemplar suas principais fundamentações, desem- penhos e processos. Ao decorrer desta análise, nos debruçaremos acerca de um referencial fílmico composto por obras pertencentes aos estúdios Disney, que se tornou extremamente importante nes- te contexto devido às mudanças visionárias que implementou em termos práticos e estéticos; por exemplo, industrializando e compartimentando processos produtivos e, portanto, facilitan- do a viabilização de produtos do gênero (STABILE; HARRISON, 2003). Mas, indo além dos meros aspectos técnicos, iremos ana- lisar a profundidade e complexidade das narrativas desenvolvi-
  • 21. 21 das em suas produções, sendo suas temáticas fundamentais para o estabelecimento da marca Disney como um dos mais impor- tantes legados não só para o mundo da animação, mas para a própria indústria cinematográfica em geral. Até o início do século XX, muito por causa das limita- ções tecnológicas da época, as animações, em seu estágio inicial, não apresentavam, necessariamente, verossimilhança interna e nem uma construção detalhada e crível a níveis de personagens. Foi somente a partir da “Era Disney”, na década de 1920, que protagonistas mais próximos da realidade em termos de dese- jos e motivações passaram a integrar ambientes convincentes ao público e a tecer tramas que apresentassem certo grau de credibilidade (STABILE; HARRISON, 2003). Desta maneira, tais figuras começaram a possuir estórias mais profundas e a serem representadas de forma complexificada. No entanto, ainda hoje, quando se fala em desenhos animados ou em longa-metragens de animação, uma rápida as- sociação entre estas formas de narrativas e o espectro infantil invade nosso imaginário. Alguns fatores talvez sejam capazes de explicar esta curiosa ponte: a palheta de cores mais viva, a linguagem descomplicada pela qual se dão os diálogos - geral- mente puxando para um caráter bem cômico -, elementos lúdi- cos e até fantasiosos em evidência em suas estórias, a presença de músicas que embalam cenas e eternizam instantes, o próprio fato da representação de personagens e de suas ações serem ex- pressados através de traços e não de corpos, entre outros. Tais aspectos estruturais e artísticos, muitas das vezes, levam à crença de que os conteúdos abordados e evidenciados por obras deste gênero são frívolas e banais, a fim de atender exatamente ao público para o qual seria voltado, no caso o in- fantil. Porém, muito além de se restringir a um mero fator de entretenimento, os exageros e elementos devaneadores são esta-
  • 22. 22 belecidos, sempre em diálogo com a narrativa, a fim de eviden- ciar, problematizar e até mesmo ironizar diversos aspectos de nossa sociedade. É através da correlação de todos estes aspectos e dimen- sões que são construídas histórias extremamente abrangentes, que de fato têm a capacidade de fascinar as mais variadas fai- xas etárias e contextos socioculturais. A autora Juliane Odinino (2004), ao elaborar constatações sobre determinados desenhos televisivos que são capazes de abranger públicos diversificados, faz uma consideração cuja ideia básica é pertinente e pode ser relacionada ao objeto de estudo deste presente trabalho: A fusão desses públicos se dá na apresentação de uma lingua- gem não tão direta e presumível como em muitos dos outros desenhos animados anteriores, mas remetendo a figuras e ima- gens enraizadas neste imaginário, aos quais os adultos também encontram ponto de apoio para se empatizarem. (ODININO, 2004, p.112). Para entender um dos temas mais recorrentes nas pro- duções da Disney e um fundamental mecanismo de envolvimen- to em relação a um público tão diversificado, vamos analisar e tecer reflexões acerca da questão da morte e como ela é traba- lhada ao longo destas obras. A noção de morte é essencial para entendermos intrin- cadas relações presentes em vários filmes da Disney (e essencial para ilustrar o argumento destas narrativas animadas cada vez mais multiformes e surpreendentes). Desde quando o pequeno Bambi perde sua mãe, vítima de um cruel caçador (Bambi, 1942), até o violento assassinato de Mufasa pelo seu irmão Scar, em O Rei Leão (1994), é possível observar nestas estórias o discurso de perda e ausência. Embora densos de serem contextualizados com os pequenos, estes temas constituem-se na força motriz de muitas animações do estúdio e são pertinentes ao objetivarem
  • 23. 23 oferecer novas nuances e contornos a personalidades que pro- curam fugir da estética simplista e chapada no que se refere à construção de personagens. Dividimos nosso trabalho em 4 bases categóricas funda- mentais para discutirmos o óbito (bem como suas implicações) por entre as tramas do estúdio em questão. São elas, respectiva- mente: “morte de pais ou parentes das personagens principais como força motriz da narrativa”, “morte ou ausência de pais como um elemento de desenvolvimento e construção de caráter das personagens”, “morte de vilões” e, por fim, “tentativas de assassinato e experiências de quase morte”. TIPOS DE MORTES E AS INTENÇÕES POR TRÁS DE CADA UM DESTES PADRÕES Morte de pais ou parentes dos personagens principais como força motriz da narrativa Nesta primeira categoria, procuramos abordar as ani- mações que, de alguma forma, trabalham com a passagem de entes queridos como uma maneira de sustentar os principais plots da narrativa. Muitas das vezes, a perda de um esteio ou referencial, faz com que as personagens principais do enredo tenham de amadurecer para encararem desafios e obstáculos que serão interpostos em suas jornadas, mudando seus compor- tamentos na medida em que passam a ter de assumir responsa- bilidades e superar traumas. Além disto, a morte neste contexto assume um impor- tante papel, pois é a grande responsável por guiar e dar sentido à narrativa dos heróis da trama, muitas vezes encaminhando as personagens e tornando-se a causa por trás de suas tomadas de decisão (como, por exemplo, vingar a morte dos pais ou honrar
  • 24. 24 os ideais dos entes queridos). É interessante observar, ainda, como nos identificamos em relação ao sofrimento das personagens que se veem órfãs, projetando nossas subjetividades e sentimentos no que está sendo contado na tela. A perda da figura da mãe, por exemplo, apela para nossas emoções, mesmo quando a personagem se apresenta numa outra forma que não a humana. Conforme argumenta Katia Perea, em seu artigo “Girl Cartoons Second Wave: Transforming the Genre”, de 2015, é justamente porque as representações gráficas das animações possuem certa aura fantasmagórica que sua representação pode acontecer sob a forma de um humano, animal ou objeto que ela terá sua essência feminina ou masculina explícita (como o instinto maternal, por exemplo, no caso das mulheres); dessa forma, faz com que nos identificamos e soframos junto ao longo dos minutos de filme. Isto acontece, por exemplo, em Procuran- do Nemo (2003), quando a mãe do protagonista e seus irmãos morrem logo no início da estória, chocando a todos que assistem à película, mesmo que estes personagens sejam peixes. Como exemplos de personagens que veem na morte de pais ou parentes sua principal motivação ou maior trauma a ser superado, podemos citar: Bambi (Bambi), Simba (O Rei Leão), Tarzan (Tarzan), Lilo e Nani (Lilo & Stitch), Kenai (Irmão Urso), Tiana (A Princesa e o Sapo), Anna e Elsa (Frozen), Hiro Hamada (Operação Big Hero), Marlin (Procurando Nemo), Carl (Up! Al- tas Aventuras). Morte ou ausência de pais como um elemento de de- senvolvimento e construção de caráter dos personagens Em relação a esta segunda categoria, é demonstrado que a morte de pessoas importantes para os personagens prin-
  • 25. 25 cipais (especialmente os pais, pela grande quantidade de per- sonagens órfãos que podem ser listados) é uma questão ainda que, de certa maneira, secundária, por não fazer parte necessa- riamente do arco narrativo principal. Ao longo destas histórias, estas ausências não são um trauma a ser superado, ou seja: sua superação não são elementos determinantes para a transposição de obstáculos ou resolução de conflitos. De fato, podem ser classificados como acontecimentos de grande importância para a trajetória pessoal destes persona- gens e construção de caráter e personalidade dos mesmos; além disso, geralmente (mas nem sempre) são um elemento catalisa- dor que leva tais personagens a serem inseridos em determina- dos contextos, sendo estes normalmente problemáticos. As prin- cipais inseguranças e questões de personagens como Cinderela (1950), Ariel (1989), Bela (1991), Jasmine (1992) e Pocahontas (1995) e o fato de estas se sentirem tão perdidas e deslocadas em determinados ambientes, por exemplo, talvez possam ser explicadas graças à ausência de suas mães em seus respectivos períodos de crescimento e amadurecimento. Um dos casos mais emblemáticos para demonstrar a morte como fator de superação e amadurecimento dos perso- nagens é o destino do personagem Bing Bong (Divertida Mente, 2015), amigo imaginário da personagem principal Riley, que cai no chamado abismo das lembranças apagadas e cuja perma- nência contínua lá o faz desaparecer com o tempo, literalmente “caindo no esquecimento”. O fim do personagem é uma metáfora para a etapa em que jovens em fase de crescimento têm que atravessar, que no caso é deixar lembranças e comportamentos relativos à infância para trás a fim de se desenvolverem como pessoas e chegarem a novas etapas da vida. Exemplos de personagens cujas ausências de pais são um elemento de construção de caráter e provavelmente o principal
  • 26. 26 fator que os deixou em determinado contexto: Cinderela (Cin- derela), Peter Pan e os Meninos Perdidos (Peter Pan), Arthur (A Espada era a Lei), Mogli (Mogli, o menino lobo), Penny (Bernar- do e Bianca), Dodó (O Cão e a Raposa), Ariel (A Pequena Sereia), Bela (A Bela e a Fera), Aladdin e Jasmine (Aladdin), Pocahontas (Pocahontas), Quasímodo (O Corcunda de Notre Dame), Milo e Kida (Atlantis: O Reino Perdido), Remy (Ratatouille), Bing Bong (Divertida Mente). Morte de vilões Já nesta terceira categoria, buscamos raciocinar em cima das mortes referentes a uma peça fundamental e de ex- trema importância para o desenrolar de todo enredo: os vilões. Tendo em vista que a maior parte do público consumidor das animações da Disney ainda é infantil, há a necessidade de rei- teração do caráter moralista nestas narrativas, visando a dar o exemplo aos mais novos e a fazer, até, com que o mais velhos encontrem nestas estórias alguma forma de alívio - se compa- rado às injustiças e à violência que testemunham externamente à trama. O triunfo do bem sobre o mal pode ser ilustrado, por exemplo, a partir da emblemática morte da bruxa dos mares, Úrsula, em A Pequena Sereia (1989). Muito maior do que seu tamanho original, ali ela era a representação do mal encarnado, a vilania em sua mais perversa e temível forma. A feiticeira é morta, no entanto, pelo príncipe da narrativa, Eric, que está de branco (reafirmando e demarcando, claramente, quem está cor- reto e quem não está, em uma fácil assimilação). Muitas das vezes, ainda, o próprio mocinho se vê na iminência de matar o vilão, mas acaba optando por não fazê-lo em decorrência de sua bondade (lamentando-se se o “malvadão” é levado à morte por outros fatores). Em contrapartida, também
  • 27. 27 é possível acontecer o oposto: o mocinho tem de matar o vilão, pois sua sobrevivência e a de outras pessoas depende deste ato que, a nível diegético, é definido como de bravura e/ou honra. Como exemplo, pode ser citada a morte de Malévola (A Bela Adormecida, 1959) em sua forma de dragão (a partir de uma simbologia extremamente destrutiva e feroz) pelo príncipe do conto, Phillip. Ali, era necessária a morte da Rainha dos Corvos em prol do bem-estar de toda uma comunidade, que estava ame- açada. No entanto, e mesmo quando ocasionada pelo mocinho, a morte do vilão é sempre resultado das más ações que ele pró- prio cultivou, mesmo que indiretamente, ao longo de sua traje- tória e do recorte de sua trama que está sendo divulgado a nós. Mais uma vez, encontra-se a ocorrência do aspecto moralista e, de certa forma, “resolutivo” da narrativa. Como exemplos de personagens antagonistas cujas mor- tes no final da narrativa são causadas direta ou indiretamente por suas próprias ações e intenções malignas, pode-se elencar: Rainha Má/Madrasta da Branca de Neve (Branca de Neve e os Sete Anões), Malévola (A Bela Adormecida), Úrsula (A Pequena Sereia), Gaston (A Bela e a Fera), Scar (O Rei Leão), Juiz Frollo (O Corcunda de Notre Dame), Shan-Yu (Mulan), Clayton (Tar- zan), Comandante Rourke (Atlantis: O Reino Perdido), Dr. Faci- lier (A Princesa e o Sapo), Gothel (Enrolados), Rei Doce/Turbo (Detona Ralph), Hopper (Vida de Inseto). Tentativas de assassinato e experiências de quase morte Por fim, chegando à quarta categoria, analisaremos al- guns aspectos e dilemas das tentativas de assassinato e experi- ências de quase morte ocorridas durante as produções da Disney. Se as mortes por causas naturais ou acidentais já são uma ques-
  • 28. 28 tão naturalmente problemática e de implicações extremamente complexas e diversas, é válido traçar considerações acerca das tentativas de mortes intencionais. As tentativas de assassinato, como poderiam ser tam- bém descritas, são encaradas como uma forma de resolução de problemas e conflitos, geralmente intencionalizadas e ocasio- nadas pelos vilões dos filmes. Nestes casos, eles creem que so- mente com o fim da existência de determinado personagem é que terão plena possibilidade de alcançar seus objetivos de vida. As motivações por trás de tais atos podem ser diversas, desde o desejo para criar um casaco de peles com pelo de filhotes de dálmatas, como é o sonho da personagem Cruella de Vil (101 Dálmatas, 1961), até um mero ato de retaliação, sem vantagens reais além de satisfazer desejos de vingança, como é o caso da tentativa por parte do Juiz Frollo de matar a personagem Es- meralda, depois de ela o rejeitar (O Corcunda de Notre Dame, 1996). Se, em alguns dos casos, estas tentativas são nulas e não chegam a atingir os personagens “marcados para morrer” de maneira nenhuma, por outro, várias vezes eles de fato são atin- gidos e chegam muito perto de morrer (ou até de fato morrem, mas são capazes de voltar à vida). Estas experiências de quase morte, que podem ou não ser causadas pelos antagonistas, po- dem ser definidas como um recurso narrativo para levar os per- sonagens principais a momentos de extrema tensão logo antes de reverterem a situação e “darem a volta por cima”, resolvendo assim o conflito principal de todo o arco narrativo. A morte “temporária” de Branca de Neve (1937) depois de comer a maçã envenenada presenteada pela Rainha Má, por exemplo, é um processo que leva os espectadores a terem senti- mentos de profunda tristeza e desolação para, quando a prince- sa é acordada pelo Príncipe Encantado, serem alçados imedia-
  • 29. 29 tamente à felicidade plena, concluindo-se assim a narrativa de maneira positiva e intensa. Outro caso válido de se mencionar é a morte da personagem Mégara (Hércules, 1997), que empurra Hércules no momento em que uma pilastra está para matar o herói e toma o seu lugar no último segundo. Ela, então, mor- re, mas logo Hércules, incrivelmente desolado e determinado a trazê-la de volta à vida, é capaz de trazer sua alma do submundo fazendo com que ele mesmo ganhe imortalidade devido ao seu ato de bravura, o que era seu principal objetivo durante a maior parte do filme. Nesse caso, a morte e o retorno de Mégara é fun- damental para a conclusão da jornada do personagem principal. Exemplos de personagens cuja superação da morte “temporária” (ou somente o escape da morte) é um elemento fundamental para o desenvolvimento e conclusão da narrativa: Branca de Neve (Branca de Neve e os Sete Anões), Aurora (A Bela Adormecida), Filhotes de dálmatas (101 Dálmatas), Fera (A Bela e a Fera), Simba (O Rei Leão), John Smith (Pocahontas), Esmeralda e Quasímodo (O Corcunda de Notre Dame), Mégara (Hércules), Mulan (Mulan), Tarzan (Tarzan), Milo (Atlantis: O Reino Perdido), Kenai (Irmão Urso), Flynn Ryder (Enrolados), Elsa e Anna (Frozen), Remy (Ratatouille), Woody e seu grupo de amigos (Toy Story 3). CONCLUSÃO A partir desta breve análise, tomando por base grandes clássicos da Disney e a ideia de morte tão presente em suas nar- rativas (influenciando, também, na construção do perfil ideoló- gico e identitário de suas personagens), procuramos buscar um novo caminho a ser discutido quando filmes de animação são colocados em pauta, para além da tão difundida dicotomia con- ceitual entre desenho animado e infância, somente. Buscamos,
  • 30. 30 a partir de nossa contextualização, mostrar que estas narrativas possuem um caráter mais complexo e intrigante do que aparen- tam, a princípio. ANEXOS LISTA DE MORTES OCORRIDAS, MENCIONADAS OU VELADAS NOS FILMES DE ANIMAÇÃO CLÁSSICOS DA DISNEY/PIXAR Foram compilados filmes de animação da Disney per- tencentes às companhias Disney Animation Studios e Pixar Ani- mation Studios, sendo esta compilação uma seleção das obras de maior sucesso e de maior relevância para o desenvolvimento do presente trabalho. As produções foram organizadas em ordem cronológica e, em cada uma delas, foram descritas as cenas/situações para se entender de que forma a questão da morte é evidenciada e trabalhada ao longo destas obras. Clássicos da Disney Animation Studios: • 1937 - Branca de Neve e os Sete Anões • Mortes ocorridas durante o filme: Madrasta/Rainha Má, no final do filme, que caiu de um penhasco enquanto fugia dos anões. • Ausências/mortes veladas: Rei e Rainha/Pais da Branca de Neve, causa desconhecida. • Tentaivas/experiências de quase morte: Tentativa de assas- sinato da Branca de Neve a mando da Rainha pelo Caçador; Morte “temporária” de Branca de Neve depois de comer a maçã envenenada.
  • 31. 31 • 1942 - Bambi • Mortes ocorridas durante o filme: Mãe do Bambi, no início do filme, morta por um caçador. • 1950 - Cinderela • Mortes ocorridas durante o filme: Pai da Cinderella, no início do filme, por alguma doença não mencionada. • Ausências/mortes veladas: Mãe da Cinderela, causa desco- nhecida. • 1953 - Peter Pan • Ausências/mortes veladas: Pais de Peter Pan e dos Meninos Perdidos. • 1959 - A Bela Adormecida • Mortes ocorridas durante o filme: Malévola, no final do filme, morta pelo Príncipe Phillipe. • Tentativas/experiências de quase morte: Aurora (Bela Adormecida), que é amaldiçoada e cai em um sono sem fim até ser salva pelo Príncipe Phillipe. • 1961 - 101 Dálmatas • Tentativas/experiências de quase morte: Tentativa de fazer um casaco de peles com pelo de filhotes de dálmata pela Cruella de Vil. • 1963 - A Espada Era a Lei • Ausências/mortes veladas: Pais de Arthur, causa desconhe- cida. • 1967 - Mogli - O Menino Lobo • Ausências/mortes veladas: Pais de Mogli, causa desconhe- cida.
  • 32. 32 • 1977 - Bernardo e Bianca • Ausências/mortes veladas: Pais da Penny, causa desconhe- cida. • 1981 - O Cão e a Raposa • Mortes ocorridas durante o filme: Mãe de Dodó, a Raposa, por um caçador. • 1989 - A Pequena Sereia • Mortes ocorridas durante o filme: Úrsula, no final do filme, morta pelo Príncipe Eric. • Ausências/mortes veladas: Mãe de Ariel, cuja morte é cau- sada por humanos. •1991 - A Bela e a Fera • Mortes ocorridas durante o filme: Gaston, no final do filme, depois de sua tentativa de assassinar a Fera, que cai em um abismo. • Ausências/mortes veladas: Mãe de Bela, causa desconhe- cida. • Tentativas/experiências de quase morte: Fera, que é ferido por Gaston mas é salvo magicamente pelo amor de Bela. •1992 - Aladdin • Ausências/mortes veladas: Pais de Aladdin, causa desco- nhecida; mãe da Jasmine, causa desconhecida. • 1994 - O Rei Leão • Mortes ocorridas durante o filme: Mufasa, no meio do fil- me, causada por seu irmão Scar; Scar, morto pelas hienas que antes eram suas aliadas.
  • 33. 33 • Tentativas/experiências de quase morte: Tentativa das hie- nas de assassinar Simba a mando de Scar; “Morte” de simba durante a maior parte do filme para seus amigos e parentes. • 1995 - Pocahontas • Mortes ocorridas durante o filme: Kocoum, morto a tiros por Thomas, quando este estava tentando proteger John Smith. • Tentativas/experiências de quase morte: John Smith, pri- meiro atacado e quase morto por Kocoum e depois senten- ciado à morte pelo pai de Pocahontas e chefe de sua tribo, Cacique Powhatan; declaração de guerra entre os índios da tribo de Pocahontas e os compatriotas de John Smith. • 1996 - O Corcunda de Notre Dame • Mortes ocorridas durante o filme: Mãe de Quasímodo, no início do filme, a mando do juiz Frollo em sua perseguição a grupos ciganos; Juiz Frollo, no final do filme, que caiu do alto da igreja de Notre Dame. • Tentativas/experiências de quase morte: Esmeralda, sen- tenciada à morte na fogueira por bruxaria; Quasímodo, que foi perseguido e quase assassinado pelo juiz Frollo em sua tentativa de proteger Esmeralda. • 1997 - Hércules • Tentativas/experiências de quase morte: Mégara, que é morta ao salvar Hércules de ser atingido por uma pilastra que o mataria e depois é trazida de volta à vida por ele; Hércules, que chega perto da morte em sua tentativa de trazer Mégara à vida. • 1998 - Mulan
  • 34. 34 • Mortes ocorridas durante o filme: Shan-Yu, no final do fil- me, morto por Mulan depois de sua tentativa de assassinar o Imperador. • Ausências/mortes veladas: Habitantes de um vilarejo ata- cado pelo exército huno. • Tentativas/experiências de quase morte: Mulan, quando sua verdadeira identidade é descoberta pelo exército chinês, é quase morta por desrespeitar as leis do país, mas poupada pelo General Shang. • 1999 - Tarzan • Mortes ocorridas durante o filme: Pais de Tarzan e o filhote de Kala, no início do filme, mortos por Sabor, um leopardo; Kerchak, líder dos gorilas e “pai adotivo” de Tarzan, alve- jado por Clayton; Clayton, em sua tentativa de assassinar Tarzan, morto asfixiado acidentalmente. • Ausências/mortes veladas: Mãe de Jane, causa desconhe- cida. • 2001 - Atlantis: O Reino Perdido • Mortes ocorridas durante o filme: Kashekim, pai de Kida e rei de Atlantis, morto pelo Comandante Rourke; Coman- dante Rourke, no final do filme, morto por Milo. • Ausências/mortes veladas: Rainha de Atlantis e mãe de Kida, que deu a vida para salvar seu povo; pais de Milo, causa desconhecida. • 2002 - Lilo & Stitch • Ausências/mortes veladas: Pais de Lilo e Nani, devido a um acidente não mecionado. • 2004 - Irmão Urso
  • 35. 35 • Mortes ocorridas durante o filme: Sitka, no início do filme, morto enquanto lutava com um urso; Urso morto por Kenai em vingança pela morte de Stika, que mais tarde se revela ser a mãe de Koda. • Tentativas/experiências de quase morte: Kenai, transfor- mado em urso, é perseguido durante a maior parte da nar- rativa por seu irmão Denahi, que acredita que ele é o urso que teria matado seus irmãos. • 2009 - A Princesa e o Sapo • Mortes ocorridas durante o filme: Dr. Facilier, no final do filme, levado à morte pelos seres do submundo que ante- riormente eram seus aliados. • Ausências/mortes veladas: Pai de Tiana, no início do filme, morto durante a Primeira Guerra Mundial. • 2010 - Enrolados • Mortes ocorridas durante o filme: Gothel, no final do fil- me, quando Rapunzel perde a mágica proveniente de seus cabelos e os encantos de rejuvenescimento que Gothel usou durante décadas se acabam. • Tentativas/experiências de quase morte: Flynn Ryder, mor- talmente ferido por Gothel, mas trazido à vida por Rapun- zel. • 2012 - Detona Ralph • Mortes ocorridas durante o filme: Rei Doce/Turbo, atraí- do inevitavelmente para a explosão de um vulcão de Coca- -Cola com Mentos na Terra dos Doces. • 2013 - Frozen: Uma Aventura Congelante • Mortes ocorridas durante o filme: Pais de Anna e Elsa, em
  • 36. 36 um naufrágio. • Tentativas/experiências de quase morte: Elsa, que é quase morta pelo Príncipe Hans mas salva por sua irmã; Anna, que vira gelo graças aos poderes de sua irmã Elsa, mas volta à vida depois de salvá-la de Hans. • 2014 - Operação Big Hero • Mortes ocorridas durante o filme: Tadashi, irmão de Hiro, morto em um incêndio ao tentar salvar seu professor. • Ausências/mortes veladas: Pais de Hiro e Tadashi, causas desconhecidas. Clássicos da Pixar Animation Studios: • 1998 - Vida de Inseto • Mortes ocorridas durante o filme: Hopper, no final do fil- me, é mlevado à morte por um pássaro que o dá de alimen- to para seus filhotes. • 2003 - Procurando Nemo • Mortes ocorridas durante o filme: Coral, esposa de Marlin e mãe de Nemo, e todos os outros filhotes de Marlin e Coral, no início do filme, mortos por uma barracuda. •2007 - Ratatouille • Mortes ocorridas durante o filme: Chef Auguste Gusteau, que morre depois que seu restaurante é duramente critica- do e perde prestígio. • Ausências/mortes veladas: Mãe de Remy, causa desconhe- cida; ratos atingidos por armadilhas, quando o pai de Remy tentava demonstrar os perigos de se misturar entre os hu- manos.
  • 37. 37 • Tentativas/experiências de quase morte: Remy, que é quase morto por Alfredo Linguini, pelo fato de ser um rato e ser encontrado em um restaurante. • 2008 - Wall-E • Ausências/mortes veladas: Grande parcela da humanida- de que não foi capaz de evacuar o planeta, provavelmente morta pelo que levou a Terra a ser praticamente extinta. • 2009 - Up - Altas Aventuras • Mortes ocorridas durante o filme: Ellie, esposa de Carl, no início do filme, de velhice. • Ausências/mortes veladas: Filho não-nascido de Carl e Ellie. • 2010 - Toy Story 3 • Tentativas/experiências de quase morte: Todo o grupo de brinquedos amigos de Woody, que chegam perto de ser mortos quando se encontram por acidente dentro de um incinerador de lixo, mas conseguem escapar no último se- gundo. • 2015 - Divertida Mente • Mortes ocorridas durante o filme: Bing Bong, o amigo ima- ginário de Riley, que é “morto” por ter caído no abismo do esquecimento.
  • 38. 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HARRISON, M.; STABILE, C. Primetime Animation: Television Animation and American Culture. Londres e Nova York: Rou- tledge, 2003. PEREA, K. Girl Cartoons Second Wave: Transforming the Genre. In: Animation: an interdisciplinary journal, SAGE Journals, Vol. 10(3) 189-204, 2015. ODININO, J. Imaginário infantil e desenho animado no cenário da mundialização das culturas. Dissertação de Mestrado. Cam- pinas, SP: 2004.
  • 39. 39 Como Walt Disney driblou as críti- cas e como a influência da literatu- ra lovecraftiana em Gravity Falls é sintoma de seu sucesso Caio Coelho Tassiana Benamor No que se pode conferir por meio da historiografia hu- mana, o ser humano utiliza como um de seus diferentes meios de comunicação, a ilustração. Conforme a humanidade se de- senvolveu, as ferramentas e recursos de aprimoramento desses meios fizeram com que os desenhos caminhassem de mãos da- das a eles. Seguindo essa linha histórica, o que antes era uma imagem estática, hoje é possível assisti-la animada e atrelada a uma trilha sonora. Porém, cursar essa trajetória foi uma tarefa difícil aos que buscaram realizá-la. Walt Disney é um nome de peso nesse quadro, podendo ser considerado o pioneiro a realizar esse tra- balho durante o século XX até os dias de hoje. Além disso, desde as críticas recebidas no longa-metragem de 1940, Fantasia, até Gravity Falls, de 2012, a inserção social desse formato dependeu não somente de seu aprimoramento técnico como também de in- fluências externas, incluindo a essa lista de influentes o escritor de horror H. P. Lovecraft. Sendo assim, o ato de desenhar pode até ser um ato ins- tintivo para o homem, mas cair no gosto do público e o caminho até conquistá-lo é seu maior desafio.
  • 40. 40 H.P. LOVECRAFT E OBRA Howard Phillips Lovecraft (1890-1937) foi um autor es- tadunidense que conquistou a fama póstuma por meio de suas obras ficcionais. De origem pobre, era praticamente desconheci- do e havia publicado somente em pulp magazines. Todavia, hoje é considerado um autor de grande peso do século XX no gênero do horror. Em meio a muitos outros contos, The Call of Cthulhu está na sua lista de títulos mais conhecidos ao redor do mundo. O impacto gerado por este, por sua vez, é conhecido por “Mitos de Chtulhu” e também responsável por inspirar inúmeros artis- tas, escritores e obras – como é o caso de Gravity Falls. Famoso por articular diversos elementos - como a fan- tasia e o realismo especulativo - a revolução no gênero literário que suas obras proporcionaram consiste em transcender os li- mites do que se entendia como horror e transformá-lo em um híbrido com ficção científica. Ademais, Lovecraft também funda uma mitologia profundamente ancorada não somente no horror mas também na estranheza. Em vez de seres antropomorfizados, isto é, vagamente humanos – por exemplo elfos, hobbits e orcs - o autor cria seu próprio bestiário. Sendo não somente o oposto retrato do ser humano, essas criaturas são disformes, horríveis e monstruosas. Um universo habitado por criaturas de dimen- sões monstruosas de milhões de anos de idade e com tentáculos saindo de diferentes partes do corpo, o grotesco, o repulsivo, os odores nada agradáveis e as gosmas pegajosas são marcas do autor que escorrem de cada página. Infelizmente, durante muito tempo alguns críticos não reconheceram o trabalho de Lovecraft como horror. Em contrapartida, foi durante parte de sua vida e após sua morte que seu nome se consolidou no gênero. A influência de Lovecraft é tamanha atualmente, que perpassou o mundo da leitura e hoje notamos referências a mi-
  • 41. 41 tologia criada pelo mesmo em séries de televisão, filmes, jogos, chaveiros, desenhos animados e em muitos outros produtos. Pode parecer radical afirmar, porém é quase impossível viver nos tempos atuais e não esbarrar com alguma influência de Lo- vecraft, e o desenho animado Gravity Falls não é uma exceção. DA ÁGUA PARA O VINHO: COMO A DISNEY SUPE- ROU OS DESAFIOS VIVIDOS NA TRANSIÇÃO EN- TRE FANTASIA E GRAVITY FALLS. É importante situar-se acerca do surgimento e da inser- ção do desenho animado na sociedade para então prosseguir sobre a influência dessa literatura em Gravity Falls. Para isso, é preciso entender que a introdução da consagrada arte literária nos desenhos animados é consequência de um longo processo de aceitação tanto por parte da sociedade quanto de desenvolvi- mento técnico por parte dos produtores. Walt Disney se destacou como o pioneiro - em muitos sentidos - na produção das animações. Pensando em suas produ- ções iniciais e de grande destaque, uma animação que marcou a história da Disney foi o longa-metragem Fantasia, de 1940. A superprodução que mistura música erudita, animação e inspira- ção artística europeia, apesar do grande apelo técnico e investi- mento em marketing, não repercutiu de forma positiva - muito menos na dimensão esperada - no seu ano de estreia. Para além das céticas e pesadas críticas de muitos especialistas quanto ao “desperdício” da música erudita em uma animação, muito tam- bém foi comentado - e permanece até os dias de hoje - quanto ao caráter artístico escolhido em determinadas partes do filme. Uma das principais temáticas abordadas em Fantasia é a bruxaria, em que Mickey Mouse surge como o aprendiz do mago Merlin. Não fugindo de uma das marcas mais pertinentes
  • 42. 42 às produções animadas, o humor surge no longa nas variadas situações onde os feitiços do famoso rato acabam saindo erra- do. Porém, isto não é o que chamou a atenção da crítica e de parte do público, mas sim algumas atitudes interpretadas como possíveis mensagens subliminares e cerimônias presentes nesta produção. A primeira parte da produção a receber críticas - quanto ao seu caráter “pesado” para a faixa etária destinada - se dá no momento em que Mickey concede vida a uma vassoura para que ela lhe poupe do trabalho de carregar água de um poço. Essa vassoura ganha vida e começa a se comportar como um perso- nagem, com braços e todo um conjunto de características típicas de um ser humano. Neste momento, Mickey adormece e quando acorda, uma verdadeira desordem está instalada. A vassoura inunda o ambiente com água e não há como fazê-la parar. É então que o ícone da Disney, no intuito de pará- -la, utiliza-se de um machado para literalmente matá-la. A cena, que é ilustrada num jogo de sombras, ganha um ar ainda mais pesado, lúdico e propício a diferentes interpretações. Considera- da inapropriada para crianças, na leitura de muitos, o que ocor- re é um verdadeiro esquartejamento da vassoura humanizada. Tendo em vista essa interpretação, esse dado momento foi visto como inapropriado ao psicológico do público infantil, pois os mesmos supostamente não seriam capazes de discernir a fantasia da realidade e, para eles, o que Mickey cometeu foi um assassinato. Para os que assistiriam ao filme nas salas de cinema, a experiência dessa cena seria ainda mais intensa, como conta Pegaro (2012, p.5): A ideia era que o filme fosse visto em uma tela larga e ou- vida com som dimensional. Deste modo, durante O Apren- diz de Feiticeiro, quando as vassouras escapam do con- trole do Mickey e marcham para a fonte com seus bal- des d’água, o som cercaria o público espectador, e as sombras das vassouras alcançariam os lados do teatro.
  • 43. 43 A experiência, muito provavelmente, resultaria em crí- ticas ainda mais duras. O segundo momento na referida animação digna de fortes críticas é a parte chamada, em inglês, de Night On Bald Mountain. Nesta narrativa específica, um grandioso e escuro monte que aparece na paisagem do desenho, ao anoitecer, mos- tra ser na realidade um monumental monstro tão poderoso e aterrorizante quanto Chtulhu, de Lovecraft. Ao despertar de seu sono, a monstruosidade invoca uma multidão de almas dos mor- tos para adorá-lo e prestar uma espécie de culto. A passagem é ilustrada como um ritual de sofrimento e opressão a essas almas, que são torturadas pelo monstro e lançadas ao fogo. Não é muito recente que as diversas mensagens subli- minares e referências apocalípticas são relacionadas a obras do universo Disney; o mesmo ocorre com Hércules, Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela e muitas outras produções. Porém, em meio a tantas, Fantasia continua sendo lembrada como uma das criações com as maiores insinuações obscuras e míticas. Boa parte do público e crítica especializada não têm o conhecimento, mas muito dos traços nas animações Disney são inspirados no “estilo gótico da Idade Média, ao surrealismo, a arte de Gustave Doré, Daumier, os pintores do Romantismo alemão, simbolistas, pré-Raphaelistas ingleses e expressionistas” (Girveau, 2005). Todas essas referências explicam muito da estética adotada pela marca de Disney em suas criações e nos mostram o porquê de críticas e interpretações tantas vezes embasadas em discursos relacionados ao horror e ao subliminar. Apesar dos aprimoramentos desenvolvidos por Walt Dis- ney não terem sido plenamente aceitos pelo público no século XX, hoje elaboradas estéticas, narrativas e influências externas são vistas por outros olhos pela sociedade. Gravity Falls não so-
  • 44. 44 mente utiliza de refinada tecnologia para sua produção - poden- do atribuir essa característica à trilha sonora, à animação em si, entre outros aspectos - como também é acolhida pelo público de maneira profundamente positiva por motivos como este. Em meio a uma enorme variedade de desenhos animados ofertados pela indústria, ser autêntico é um desafio cada vez maior. Por esse motivo, exibir em seus produtos esse rebuscamento é sinô- nimo de ostentação. Sua relação a literatura lovecraftiana é uma prova profunda disso. COMO A LITERATURA LOVECRAFTIANA IN- FLUENCIA DIRETAMENTE A SÉRIA ANIMADA GRAVITY FALLS Novamente tratando-se do objeto de estudo em questão, Gravity Falls é a série animada da Disney que traz em seu en- redo as experiências vividas pelos gêmeos de doze anos Dipper Pines e Mabel Pines durante suas férias de verão na cidade de Gravity Falls. Porém, nem tudo é o que parece ser nesse lugar e, com o auxílio de um diário que Dipper encontra na floresta, inicia-se a busca pela solução dos enigmas dessa cidadezinha. Ao longo da narrativa, é introduzido Bill Cipher à atmos- fera de mistérios, demônio triangular, amarelo e ciclope vindo de uma dimensão paralela. Sua aparência - e principalmente o olho no centro de seu corpo - é uma nítida referência ao olho da providência e assemelha-se a magnitude dos seres construídos na obra Os Mythos de Lovecraft, os quais estão acima da ordem natural. Compreender sua complexidade é uma tarefa árdua, pois assim como os monstros de Lovecraft, tanto a descrição escrita quanto imagética não são capazes de captar e transmitir seus limites dimensionais, seus poderes e suas fraquezas. Apesar
  • 45. 45 de não ter sua história como personagem narrada em Gravity Falls, é evidente sua periculosidade e seu caráter megalomaní- aco, o que se comprova por meio do sumiço de alguns dos per- sonagens na trama e da constante tentativa de dominar tudo e a todos. Além disso, Bill personifica o tempo-espaço e não habi- ta o nosso universo e sim sua própria dimensão. Nos episódios finais da série, Cipher invoca com seus poderes sobrenaturais monstros um tanto inspirados na estética lovecraftiana para lu- tar contra os moradores de Gravity Falls. Assim como o medo do desconhecido é uma das carac- terísticas presentes nas obras de H. P. Lovecraft, Gravity Falls também utiliza essa ferramenta para impulsionar sua trajetória. Partindo dessa lógica, é possível notar que os personagens são movidos por diversos medos - como da perda, da solidão, de memórias, de traumas e até mesmo da insignificância humana frente a um universo imenso e indiferente. Entretanto, diferen- temente de Lovecraft, que utilizava o seu terror movido a ódio e intolerância, Gravity Falls subverte essa lógica ao escolher, assim como a maioria dos programas voltados para o público infantil, o amor e a aceitação como caminho para a solução das problemáticas vividas em sua narrativa. Sendo assim, a série promove um comportamento positivo nas crianças. Os autores dessa série animada, ao introduzirem o hor- ror cósmico em um formato palpável para o telespectador da Disney, souberam dosar de maneira equilibrada o aterrorizante e o divertido, adaptando os elementos da literatura lovecraftia- na à infância atual. Seguindo essa linha de pensamento, Gravity Falls é um exemplo que comprova que os impactos de Lovecraft na cultura contemporânea não se restringem a uma faixa etária específica, mas sim palatável aos mais diferentes públicos e pre- sente nos mais diversos produtos midiáticos. A reprodução de conceitos e referências aos livros e con-
  • 46. 46 tos de H. P. Lovecraft surgem como um fenômeno atemporal no mundo contemporâneo. As constantes alusões feitas à Lovecraft nos mais diferentes campos alimentam um ramo do horror que carece de pensadores e gênios como ele. Esta constante reprise de sua mitologia mantém vivas suas obras, seus antigos e fiéis fãs. E, mais do que isso, alimentam a imaginação de uma nova geração de artistas que hoje pode entrar em contato com as suas mais diferentes referências, desde as mais clássicas até as mais improváveis, como nos desenhos animados. CONCLUSÃO Apesar de as obras de H. P. Lovecraft não terem efe- tivamente conquistado significativo sucesso na época em que foram escritas, hoje é indiscutível o fato de referências às suas obras estarem em muitos lugares, não somente limitadas ao gê- nero horror. Lovecraft inspirou outras obras dentro e fora do seu gênero, no ocidente e no oriente. Para desavisados, essas referências podem passar despercebidas na maioria das vezes, mas a partir do momento que se conhece o estilo e a mitologia lovecraftiana, é possível enxergar esses traços muito presentes na cultura contemporânea, seja em séries, livros, filmes, mú- sicas, games ou desenhos animados. Nem sempre essas obras inspiradas contém o tom que o autor dava a suas histórias. Por essa razão, grande parte do que é produzido hoje ainda trabalha com as dicotomias bem vs. mal, luz vs. trevas. Apesar disso, é in- teressante perceber como um autor que publicou suas histórias em pequenas revistas de nicho e morreu sem alcançar sucesso mundial, é hoje tão importante para ficção de modo geral, inclu- sive para a ficção animada. Seguindo essa linha de raciocínio, a força e solidez que os desenhos animados conquistaram nas mais diversas plata-
  • 47. 47 formas e formatos é notória e inegável. Disney parece usar do mesmo clima de misticismo e horror, que há tempos a fez alvo de duras críticas, na sua série Gravity Falls. Com isso, atinge o sucesso ao articular com sabedoria o rebuscamento técnico às influências da arte literária contemporânea, caindo na graça de seu público ao redor do mundo. Assim como H. P. Lovecraft, Gravity Falls não se limita à sua vã estética ou filosofia. Vai além, pois por meio da arte e do lúdico, transgride os limites do entretenimento e torna-se mais um marco para a história do desenho animado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GIRVEAU, B. Il Etait une Fois Walt Disney. Paris: RMN, 2006. KHAW, C. Disney’s Gravity Falls is weird Americana meets Lo- vecraft for kids. In Arstechnica. Disponível em <http://arste- chnica.com/the-multiverse/2016/02/disneys-gravity-falls-is- -weird-americana-meets-lovecraft-for-kids/>. Acessado em 18 de julho de 2016. PEGORARO, C. Fantasia e uma Nova Dimensão Sonora: conver- gência de linguagens musical, artística e cinematográfica. In Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Gra- duação, 2012. SIMMONS, D. New Critical Essays on H. P. Lovecraft. Nova York: Palgrave Macmillan, 2013.
  • 48. 48 Problemáticas da representação da mulher na mídia e seus desdobra- mentos nas Princesas da Disney João Pedro Pinho Luiza Costa A representação midiática da mulher sempre foi proble- mática por refletir a imagem que o patriarcado e uma socie- dade machista mantinham do papel feminino e por ajudar a preservá-lo e difundi-lo cada vez mais, criando novos estere- ótipos, “tipos” de mulheres e subclassificações que difundidas massivamente acabavam - e ainda o fazem, até hoje - educando mulheres e meninas de várias gerações a agirem de maneiras “corretas” e homens e meninos a como eles deveriam tratar e olhar para a figura feminina. Em seu artigo “Mas por que, afinal, as mulheres não sor- riem?: jornalismo e as razões da (in)felicidade feminina”, João Freire e Talita Leal discorrem sobre como o papel da mulher na sociedade é pautado pela imprensa como um ser submisso, que deve sempre atentar-se às necessidades de sua família e de seu marido, que nunca deve colocar sua vontade própria acima da vontade do patriarcado e deve estar sempre feliz, dócil, arruma- da, perfumada e perfeita. Já o autor Edgar Morin, em seu livro “Cultura de Massas no Século XX”, no capítulo “A Promoção dos Valores Femininos”, discorre sobre o papel da cultura de massa nessa propagação de uma feminilidade também passiva e submissa. O autor analisa a imprensa feminina e a imprensa sentimental, emergidas no séc. XX, e a maneira como elas abordam por um lado a casa e o
  • 49. 49 bem-estar e por outro a sedução e amor, pautando os interesses e a existência das mulheres sempre sobre esses dois prismas: o lar e a família e o romance e a sensualidade. O objetivo desse trabalho é desdobrar estes conceitos e aplicá-los, junto a outros, à representação da mulher nos lon- gas-metragens animados de princesas da Disney, destacando a maneira como da mesma forma em que a imprensa e o jornalis- mo feminino doutrinam as mulheres da sociedade propagando estereótipos e valores machistas, grande parte da indústria de desenhos animados também ocupa um papel doutrinador das meninas mais jovens, ensinando-as como se portar e sacrificar suas vontades e interesses próprios a favor de um homem e da família, procurando conquistar o príncipe “encantado”, e não abrir mão de sua fragilidade e passividade, que se manifestam disfarçadas como doçura e atitude de “princesa educada”. As- sim, da mesma maneira que a mídia e a imprensa constroem e perpetuam tipos ideais de mulher, as princesas da Disney re- presentam um tipo ideal de menina: dócil, frágil, bela, educada, arrumada e sempre feliz. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DOS DESENHOS ANIMADOS PARA MENINAS A década de 1980 é conhecida, na história dos desenhos animados, como o momento da consolidação dos desenhos ani- mados como um produto midiático infantil e comercial: nessa época, várias foram as animações que surgiram de produtos que já existam, funcionando como uma espécie de propaganda deles. Isso foi possível através da determinação da Federal Communi- cation Commission’s (FCC) que permitiu a produção de dese- nhos animados baseados em brinquedos. É nesse contexto dos anos de 1980, de animações baseadas em produtos já comercia-
  • 50. 50 lizados, que os desenhos animados para meninas começaram a ser veiculados nos Estados Unidos (PEREA, 2015). Segundo Katia Perea, em seu artigo “Girl Cartoons Se- cond Wave: Transforming the Genre”, essa primeira onda de desenhos animados para garotas acabou definindo parâmetros normativos de gêneros que mais do que caracterizar, rotulam um desenho animado como um programa para garotas. Essas animações, imprescindivelmente, trabalham com as opções es- téticas de cor – com predominância do rosa – e com ideologias como amizade e construção de uma comunidade através da re- solução de conflitos por meio da comunicação e de uma lideran- ça feminina motivacional. As garotas, assim, são apresentadas como líderes e transmitem confiança, determinação e experi- ência no processamento de emoções e na resolução de conflitos através da comunicação. Entretanto, por outro lado, nos dese- nhos para meninos, onde imperam a dicotomia entre bem e mal, os conflitos são resolvidos sempre à base de violência. Essas representações são problemáticas tanto para as meninas quanto para os meninos. Elas enraízam e reiteram a ideia de que mulheres são mais sentimentais do que racionais, reforçando, ainda, o estereótipo do instinto materno que des- perta nas mulheres o impulso de proteger todos que estão à sua volta, e de que os homens são fortes e viris, reiterando o estere- ótipo de que “meninos não choram”. AS PRINCESAS DA DISNEY Muito antes de 1980, Walt Disney já trabalhava com os estereótipos femininos. O estúdio, fundado em 1923, época da fase cinematográfica dos desenhos animados, foi de extrema im- portância para as animações, uma vez que foi responsável pelos principais avanços tecnológicos dessa fase do desenho animado:
  • 51. 51 o primeiro filme com som e o primeiro filme em cores foram produções da Disney - com Mickey Mouse (1928) e Flores e Ár- vores (1932), respectivamente. Sendo assim, a Disney é vista, hoje, como pioneira na indústria de animação. Seu primeiro grande sucesso foi uma de suas princesas: Branca de Neve e os Sete Anões, lançado em 1937 (depois de 3 anos de produção), foi a primeira animação de longa-metragem da Disney. Branca de Neve, depois de perder seu pai, passou a viver com sua madrasta, uma mulher má, invejosa, vaidosa e amargurada, que fazia de sua enteada uma servente. Tomada pelo desejo de ser a mulher mais linda e pela inveja ao saber que a mulher mais na linda, na verdade, era Branca de Neve, a Rai- nha Má ordena que um Caçador mate sua enteada. Entretanto, prestes a matar Branca de Neve, o Caçador fica encantando com sua beleza e a deixa escapar. Fugindo pela floresta, a princesa acaba encontrando os Sete Anões, que a abrigam em sua casa, onde a Rainha Má, disfarçada de bruxa, encontra Branca de Neve e a envenena. A moça, então entra em sono profundo e acaba sendo salva pelo beijo do amor verdadeiro dado por um príncipe que ela havia encontrado durante sua fuga. O beijo do amor verdadeiro é um elemento intrínseco às narrativas das princesas da Disney. Depois de Branca de Neve e, assim como ela, Aurora, de A Bela Adormecida (1959), foi enve- nenada por Malévola e, então, entrou um profundo sono, sendo acordada pelo beijo do amor verdadeiro de um príncipe. Esse elemento, então, reitera a ideia de que as mulheres precisam de um homem para serem salvas e que seu propósito de vida é conseguir se casar. Além do amor verdadeiro, outro elemento que comu- mente aparece nessas narrativas é a figura de uma madrasta má. Assim como Branca de Neve, em Cinderela (1950), a protagonis- ta perde seu pai e, então, passa a ser explorada pela madrasta.
  • 52. 52 No caso de Cinderela, ela, ainda, sofre com mais duas figuras femininas: as filhas de sua madrasta. Essa presença constante de figuras femininas como vilãs reforça a ideia de que mulheres são rivais umas das outras. Um fator também muito recorrente nas representações das princesas que podemos relacionar com o artigo de João Frei- re Filho e Talita Leal é a questão da felicidade performática na representação midiática da mulher. No artigo, referindo-se à im- prensa feminina estabelecida no passado e sua representação da mulher: Para elas [autoras das revistas] a mulher que ostentava uma face preocupada ou revelava tons de raiva e de ansiedade em sua voz destruía a vida da família, enquanto que a esposa que sorria e comunicava-se de modo gentil espalhava ânimo por toda a sua casa. A felicidade era, portanto, mais do que uma emoção: representava uma ‘performance’ que deveria ser rea- lizada ininterruptamente. Assim como as revistas da imprensa feminina retrata- vam as mulheres com a obrigação de estar sempre felizes por carregar a responsabilidade de manter um clima e uma atmos- fera mais leve e descontraída, negando e reprimindo emoções como raiva, tristeza, tédio e decepção, a maioria das princesas da Disney são retratadas como mulheres dóceis que estão sem- pre com semblantes felizes, descontraídos e apresentam um tom de voz tranquilo e aconchegante. A maioria delas é negada a expressão de sentimentos como raiva, revolta, instinto de luta, determinação e outros sentimentos que a tornariam menos deli- cadas e “afeminadas”, fazendo-as perder uma determinada pos- tura de princesa em apuros, que necessita de um príncipe para resgatá-la. Emoções como tristeza e indeterminação são até re- tratadas, mas na maioria das vezes puxadas para um lado mais dócil, manifestando-se como tristeza, colocando a personagem em um papel de vítima – como o caso de Cinderela. Raras são
  • 53. 53 as vezes que esses tipos de emoções servem como gatilho para ações mais ativas e emblemáticas. Essas representações, vale apontar, não ocorrem somente nos filmes, mas também em ima- gens promocionais das princesas, que as trazem sempre lindas, maquiadas, arrumadas e sorridentes. Ultimamente, contudo, a Disney tem trabalhado com personagens femininas fortes em tramas que não giram em tor- no de conseguir um homem ou ser salva por eles. Os mais re- centes filmes, como Valente (2012), Frozen (2013) e Malévola (2014) – um live-action de A Bela Adormecida, onde a narrativa é contada do ponto de vista da vilã, título esse que é problema- tizado no filme –, são histórias de amor verdadeiro entre mu- lheres – entre irmãs ou entre mãe e filha – que se ajudam e se salvam. Em Malévola, filme live-action que é uma das mais re- centes produções do universo das princesas da Disney, muita coisa é desconstruída: a clássica vilã do conto de A Bela Ador- mecida é transformada em uma personagem multidimensional, complexa e com uma história profundamente tocante. Violen- tada e traída pelo homem que amava, Malévola encontra em outra figura feminina a descoberta do amor verdadeiro e a sua redenção. Assim como em Frozen, o príncipe é deixado para o final, como uma espécie de complemento para que o desfecho seja feliz em todos os aspectos, mas certamente há muito para ser apontado como avanço. Por muito tempo, a imagem da mãe foi colocada de lado, substituída por madrastas cruéis e invejosas. Essa tendência foi rompida com Valente, que, além de contar com uma princesa fora dos padrões estéticos e de submissão, passividade e fragi- lidade, apresentou um relacionamento entre mãe e filha como foco do enredo. Já em Frozen, a narrativa gira em torno da amizade de duas irmãs, quebrando um dos maiores paradigmas
  • 54. 54 das narrativas de contos de fadas da Disney: o fechamento da trama não se dá através do beijo do amor verdadeiro dado por um príncipe e, sim, pela coragem de uma irmã em arriscar sua vida pela outra. A mensagem que fica é que mulheres também podem ser fortes, guerreiras e capazes de enfrentar monstros – tanto os fictícios quanto os simbólicos, como relacionamentos abusivos e crises existenciais. Esse quadro é extremamente positivo para garotos e homens, que agora têm a possibilidade de passar a enxergar as mulheres como seres humanos independentes que podem ser tão fortes quanto eles. Assim, a formação desses me- ninos pode se tornar menos machista e dominadora, o que, in- clusive, abre espaço para que esses homens escapem dos rígidos padrões de masculinidade. Assim, percebe-se que a identidade das princesas e he- roínas da Disney tem estado em constante mudança. Princesas como Branca de Neve, Cinderela e Aurora, as primeiras prince- sas da Disney, eram menos do que mulheres, mas meninas doces, meigas, inocentes e ingênuas que viviam à espera de um prín- cipe encantado para salvá-las das maldades, representadas pela imagem feminina de uma vilã. Ao longo de suas produções, a Disney foi alterando esses perfis numa gradativa evolução: Ariel, de A Pequena Sereia (1989), queria conhecer além do mar em que vivia e se tornar humana; Bela, de A Bela e a Fera (1991), queria mudar o homem frio e bruto que a aprisionava; Jasmine, de Aladdin (1992) desafiava o pai para ser livre e lutar pelo seu povo; e Tiana, de A Princesa e o Sapo (2009), queria montar seu próprio restaurante. Dentre essas princesas heroínas, está Mulan: representação da mulher moderna, mesmo na época do império chinês, onde os casamentos eram arranjados e a única função da mulher era ter filhos e cuidar do seu marido.
  • 55. 55 MULAN: A “PRINCESA” GUERREIRA Além das narrativas sobre o amor verdadeiro entre mu- lheres, há aquelas em que a protagonista é uma mulher forte e independente. Mulan (1998), história baseada numa das lendas mais populares da China, se passa na época da Dinastia Han, 450 d.C., quando a construção da Grande Muralha despertou a fúria dos Hunos que acabam invadindo o território chinês. O Im- perador da China, então, ordena que um homem de cada família se apresente ao exército para lutar na guerra e defender seu país. Mulan, que havia sido rejeitada pela casamenteira, desonrando sua família, vê seu pai, velho e debilitado, ser convocado para guerra. Ela, então, corta os próprios cabelos e se transfigura em homem, fugindo de casa em direção à batalha no lugar do seu pai. Ao chegar ao campo de concentração, Mulan passa a treinar para ser um soldado, fazendo tarefas típicas de homens e ainda tentando esconder seu disfarce. Contudo, como o amor verdadeiro é um elemento intrínseco nas narrativas de conto de fada da Disney, Mulan acaba encontrando, no exército, seu par romântico. Mas, assim como em Frozen e Malévola, esse é apenas um ponto complementar pra o fechamento da trama. Mesmo fazendo parte da franquia “Disney Princesa”, Mulan não é uma princesa nem por direito de nascimento, como Branca de Neve e Aurora, nem por meio do casamento, como Cinderela, uma vez que ela se casa com o guerreiro Li Shang, que nada tem a ver com a realeza. Em Mulan 2 (2005), a guer- reira chinesa chega perto de ganhar status de princesa, toman- do o lugar de uma das filhas do Imperador em um casamento arranjado, mas ela não vai até o fim. Além de sua importância como umas das “princesas” que quebram os paradigmas das narrativas de conto de fada da Disney, com o beijo do amor verdadeiro, ser salva por um prín-
  • 56. 56 cipe ou a presença de uma madrasta má, Mulan entra também no time das “princesas” que propõe algum tipo de representa- tividade. Mas ela não foi a primeira a quebrar essa barreira. Antes dela vieram Jasmine, de Aladdin (1992), de origem árabe – sendo assim, a primeira não-caucasiana princesa da Disney –, a índia Pocahontas (1995) e a cigana Esmeralda, de O Corcunda de Notre Dame (1996). Após Mulan, ainda temos Tiana, de A Princesa e o Sapo (2009), a primeira princesa negra da Disney. Entretanto, por mais importantes que essas princesas sejam, re- presentativamente falando, elas ainda carregam algumas pro- blemáticas: todas são magras e têm cabelos lisos – até mesmo Tiana, que é negra. Mulan pode também ser relacionada com a questão de felicidade performática acerca da qual discutimos no capítulo anterior deste trabalho. Ao contrário de várias das princesas Disney, Mulan expressa e extravasa vários sentimentos diversos (raiva, tristeza, decepção, senso de injustiça, bravura, determi- nação) que se manifestam através de ações emblemáticas da per- sonagem, que utiliza estes sentimentos como gatilho para suas atitudes de guerreira. CONCLUSÃO É um fato que já a algumas gerações uma quantidade enorme de crianças e pré-adolescentes consumem produtos das princesas da Disney – sobretudo garotas, que além de assistir aos filmes, consomem bonecas, fantasias e outros produtos ma- teriais temáticos. Essa exposição massiva às narrativas de princesas da Disney tem o potencial de fazer com que se crie no imaginário das crianças um código de conduta feminino que elas devem seguir para se aproximar das princesas e dos contos de fadas, desejo que se manifesta inclusive através de fantasias e festas temáti-
  • 57. 57 cas das princesas, um mercado bem lucrativo. Assim, surge uma problemática que relaciona-se com as questões levantadas por João Freire, Talita Leal e Edgar Morin: a representação de um “tipo ideal” de mulher. Há, em grande parte das narrativas das princesas Disney, a manutenção de um tipo ideal de garota dó- cil, frágil, bela e com algumas característica mais problemáticas como passiva e super feminina. Como vimos, com algumas narrativas como Mulan, Fro- zen e Valente, muitos desses problemas relacionados à passivi- dade, fragilidade e grande dependência a uma figura masculina já receberam a atenção do estúdio. O que continua sendo muito problemático são os pa- drões de beleza, a baixa diversidade racial e outras questões que abordamos ao longo do trabalho. Isso não só faz com que as crianças que assistem à narrativa que não se encaixam nos padrões das princesas não se sintam representadas, como poten- cializa a idealização desses tipos de beleza mais eurocêntricos. Questões como amizade, valorização da família, honra, moral, justiça, dentre outros tópicos pertinentes são debatidos pelos filmes, que tem sim o potencial de passar mensagens po- sitivas para as milhares de crianças e adolescentes que os con- somem. O que continua precisando mudar e evoluir muito é a diversidade (em vários níveis) dos tipos de mulheres e princesas que são representadas.
  • 58. 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, F. Clássicos na Crítica | Mulan. In: O Camundongo, 2011. Disponível em <http://www.ocamundongo.com.br/cnc- -mulan/>. Acessado em: julho de 2016. ANTUANO, N. Se as princesas Disney estivessem de acordo com a história?. In: Natalia Antuano, 2015. Disponível em <http:// nataliaantuano.blogspot.com.br/2015/07/se-as-princesas-dis- ney-estivessem-de.html>. Acessado em: julho de 2016. ARRAES, J. Malévola, Frozen e Valente: o amor entre mulhe- res começa a despontar. In: Revista Fórum, 2014. Disponí- vel em <http://www.revistaforum.com.br/questaodegene- ro/2014/06/03/malevola-frozen-e-valente-o-amor-entre-mulhe- res-comeca-despontar/>. Acessado em: julho de 2016. Disney Filmes. Mulan. Disponível em <http://filmes.disney. com.br/mulan>. Acessado em: julho de 2016. Film-Cine.com. Branca de Neve e os Sete Anões. Disponível em <http://filmes.film-cine.com/branca-de-neve-e-os-sete-anoes- -m326>. Acessado em: julho de 2016. FONTENELE, M. A imagem da mulher na mídia: é preciso re- pensar os papéis. In: Edelman Significa, 2015. Disponível em <http://www.edelman.com.br/post/a-imagem-da-mulher-na- -midia-e-preciso-repensar-os-papeis/>. Acessado em: julho de 2016. FREIRE FILHO, J.; LEAL, T. Mas por que, afinal, as mulheres não sorriem?: jornalismo e as razões da (in)felicidade feminina.
  • 59. 59 In: Revista Ciberlegenda, Programa de Pós-Graduação em Co- municação da Universidade Federal Fluminense, 2015. LAPA, N. A representação da mulher na mídia e em produtos. In: Carta Capital, 2013. Disponível em <http://www.cartacapital. com.br/blogs/feminismo-pra-que/a-representacao-da-mulher- -na-midia-e-em-produtos-7011.html>. Acessado em: julho de 2016. MORIN, E. Cultura de Massas no século XX - vol. 1 - Neurose. Forense Universitária, 1962. PEREA, K. Girl Cartoons Second Wave: Transforming the Genre. In: Animation: an interdisciplinar journal, SAGE Journals, 2015. Wikipedia. The Walt Disney Company. Disponível em <https:// pt.wikipedia.org/wiki/The_Walt_Disney_Company>. Acessado em: julho de 2016. Wiki Princesas. Lista de princesas da Diseny. Disponível em <http://pt-br.disneyprincesas.wikia.com/wiki/Lista_de_prince- sas_da_Disney>. Acessado em: julho de 2016.
  • 60. 60 As Meninas Superpoderosas e o feminismo Eduarda Colombiano Helena Araujo Neste artigo relacionaremos feminismo e desenhos animados, baseando-nos, principalmente, no texto “Girls Cartoon Second Wave: Transforming the Genre“ de Katia Perea e estudos sobre o feminismo, suas ondas, pós-feminismo e backlash. Os exemplos trabalhados serão diversos, porém, com foco no desenho animado As Meninas Superpoderosas, o qual teve grande sucesso no fim dos anos 90 e início dos anos 2000 e um esperado relançamento em 2016, sendo esta última temporada o centro de nossa análise. Outros desenhos animados que utilizaremos neste artigo serão Três Espiãs Demais, Peppa Pig, Os Padrinhos Mágicos, gêneros de desenhos animados de princesas, super-heróis, entre outros. Primeiramente, resumiremos a contextualização históricadalutapelaigualdadedegêneros,depoisrelacionaremos com o texto, a fim de entender como as questões de gênero e modelos de feminilidade influenciaram os desenhos animados, sejam eles voltados tanto para o público feminino, quanto para o masculino. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA LUTA FEMINISTA O feminismo é uma luta constante pelos direitos das mulheres e possui uma diversidade grande de conceitos, um
  • 61. 61 deles é de Chimamanda Ngozi Adichie, que enxerga o movimento como busca por igualdade política, social e econômica (ADICHIE, 2014). Desde muito tempo houve opressão e resistência em cima dos movimentos feministas. A Igreja Católica teve - e ainda tem - grande influência na vida das mulheres. A submissão feminina e a moralidade cristã eram vistas como modelo de vida: “bela, recatada e do lar”. No decorrer de toda a história, os homens se utilizavam de discursos médico e intelectual para justificar cientificamente e ideologicamente que as mulheres eram seres inferiores. Em 1837 o termo “feminismo” foi usado pela primeira vez, atribuído por Charles Fourier, um socialista francês, o qual observou essa época como início de uma prática política organizada. O contexto social era de movimentos operários na Europa e nos EUA, como palco de importante ação de contestação feminina. Os estudos feministas são divididos em ondas, exatamente por dar a ideia de movimento com avanços e retrocessos, facilitando a compreensão de demandas de cada momento. A partir do final do século XIX e início do século XX podemos ver a primeira onda do movimento feminista, a qual foi fruto de uma luta intensa por direitos civis na Inglaterra. É neste contexto que aparecem as sufragistas, mulheres que lutavam pela expansão do conceito liberal de cidadania, ou seja, elas queriam ter o direito de votar. O direito ao voto das mulheres foi conquistado no Reino Unido em 1918 (PINTO, 2010, p. 5). A segunda onda feminista foi consolidada no início dos anos 1960. Marcada pelo livro O Segundo Sexo (1949) de Simone de Beauvoir, que analisava a mulher como apêndice do homem, como “o outro do homem”. A política, a religião, o sistema jurídico, a vida intelectual e artística, passam a ser compreendidos como construções de uma cultura predominantemente masculina. O
  • 62. 62 masculino e o feminino passam a ser entendidos como criações culturais: “não se nasce mulher, torna-se” (BEAUVOIR, 1970). Enquanto a primeira onda é marcada por disputas em lugares predominantemente públicos, a segunda é marcada por práticas subjetivas - como relações de casamento, onde a esfera doméstica entra definitivamente em questão: casamento, mercado de trabalho, entre outros pontos. É nesta época que os brinquedos femininos relacionados ao ambiente doméstico e maternidade ganham força - como por exemplo brinquedos de panelinhas, vassouras, bonecas, entre outros -, reforçando a ideia de gênero como algo imutável e servindo diretamente à manutenção das estruturas de poder. Nos anos 1960 e 1970, a contracultura estava em alta, questionando a ordem e a moral tradicionais. É nesse momento que as pautas feministas ganham um viés libertário e começam a se questionar sobre padrões de beleza e a autonomia da mulher em relação ao corpo - tendo como marco o caso da “queima de sutiãs” no Miss América, em 1968. Não é apenas sobre trabalho e direitos civis, é sobre o direito ao corpo e à vida de forma plena. É importante lembrar que essas correntes de pensamento tiveram predominância na Europa e EUA. Além disso, eram defendidas por uma parcela de mulheres bem específica: brancas e de classe média. Aqui no Brasil o contexto era outro, vivíamos em uma ditadura militar, onde a repressão era muito grande e por isso todos os movimentos de contestação eram clandestinos. Os exílios tiveram grande importância nesse sentido, pois muitas mulheres trouxeram para cá ideias feministas que estavam em vigor nos países de onde foram exiladas. A terceira onda do movimento feminista foi em meados dos anos 1980 e 1990, na qual é possível observar uma fragmentação radical no movimento, tornando-o interseccional.
  • 63. 63 As diferentes identidades femininas - mulheres negras e lésbicas, por exemplo - não se viam representadas no feminismo. Começa então o pensamento reflexivo sobre o movimento e a autocrítica do feminismo. Na década de 1980, o movimento feminista se apropria do pôster Rosie the Riveter (1942) do artista gráfico Howard Miller. Originalmente, o desenho foi feito apenas como um discurso de uma empresa para suas funcionárias, com o intuito de aumentar a produtividade delas. Hoje em dia, essa imagem foi muito incorporada pelo movimento feminista e pela cultura pop. A partir dos anos 1980, também, teóricos começam a chamar o movimento de pós-feminismo, usando frequentemente otermobacklash(retrocesso),oqualéumarespostaconservadora ao feminismo. Afirmavam que o movimento feminista havia acabado, pois as mulheres já tinham conquistado “tudo” - direito ao voto e de trabalho e, por isso, o termo utilizado passaria a ser “pós-feminismo”. Novamente é importante lembrar do recorte, pois as mulheres negras sempre trabalharam - só que de maneira escrava, ou na pós-escravidão, para o sustento da família; para elas o trabalho não era uma opção, muito menos uma conquista. O pós-feminismo tem sido definido como “uma despolitização do feminismo, em inerente oposição à política feminista ativista e de coletivos” (GENZ & BRABON, 2009, p. 167). Para muitos teóricos, o pós-feminismo está relacionado com a liberdade da mulher, sem necessariamente precisar de um posicionamento político, basta que ela faça suas próprias escolhas. Entretanto, o termo despolitização é problemático, uma vez que qualquer atitude de empoderamento feminino, seja ela em larga ou pequena escala, é um ato político! Uma mulher que decide parar de se depilar ou aquela que luta por direitos trabalhistas estão exercendo atos políticos. Corpo, moda e beleza
  • 64. 64 são vistos também como lócus de empoderamento e a partir dos anos 1990 nasce o girl power, com um discurso otimista, divertido e confiante, que influenciou direta ou indiretamente vários desenhos animados dos anos 1990 em diante. REPRESENTAÇÃO FEMININA NOS DESENHOS ANIMADOS O texto “Girls Cartoons Second Wave: Transforming the Genre” de Katia Perea fala sobre o gênero de desenhos americanos voltados para meninas, que se inicia a partir dos anos 1980. Nessa época, a Comissão Federal de Comunicação da Televisão passa a permitir desenhos animados baseados em brinquedos infantis e foi a partir daí que houve uma separação entre desenhos animados femininos e masculinos. Os brinquedos para meninas seriam bonecas com tons claros e, principalmente, com a cor rosa; já os brinquedos para meninos seriam robôs, bonecos de ação, carros etc, com as cores predominantemente escuras. Portanto, nessa época os principais desenhos para meninos eram He-man, G.I Joe e Transformers, desenhos com muita luta, ação, heróis e vilões; enquanto os primeiros desenhos femininos - My Little Pony, Moranguinho, etc - falavam sobre comunidades em que os conflitos eram resolvidos verbalmente através de uma líder motivacional. Pela primeira vez, as garotas eram as personagens principais. Entretanto, esses desenhos eram pautados em estereótipos femininos: excesso de cores - principalmente rosa -, personagens meigas e delicadas, constantemente preocupadas com a aparência etc. A segunda onda de desenhos femininos é influenciada pelo girl power, no qual as personagens além de resolverem problemas de suas comunidades através do diálogo, também estão envolvidas em ensinamentos didáticos e problemas
  • 65. 65 pessoais. São personagens lógicas e corajosas, e normalmente resolvem conflitos através de suas habilidades físicas. Como maior exemplo utilizaremos As Meninas Superpoderosas, por acreditarmos ser um dos desenhos para meninas mais interessante em termos de empoderamento. AS MENINAS SUPERPODEROSAS The Powerpuff Girls, conhecido no Brasil como As Meninas Superpoderosas, é uma série de desenho animado criada e escrita por Craig McCracken. Sucesso em todo o mundo, a série foi considerada a nova mania dos Estados Unidos durante o fim da década de 1990 e início dos anos 2000 e teve um reboot chamado The Powerpuff Girls (2016) no ano de 2016. A série, produzida inicialmente pela Hanna-Barbera, e alguns anos depois pelo Cartoon Network Studios, conta a história de três garotas com superpoderes: Florzinha, Lindinha e Docinho, as quais foram criadas pelo Professor Utônio, que acidentalmente derrubou o elemento X na poção da “garotinha perfeita“ (uma mistura de “açúcar, tempero e tudo que há de bom”). Sendo assim, o elemento X deu a elas superpoderes, e entre uma brincadeira e outra, precisam salvar a cidade fictícia norte- americana de Townsville de diversos monstros5 . De acordo com o texto “Girls Cartoons Second Wave: Transforming the Genre“, Craig McCracken resolveu criar As Meninas Superpoderosas sem nenhum intuito de fazer um desenho feminista, ele apenas achou que seria fofo e divertido fazer um desenho em que pequenas meninas batem em vilões. Nos últimos dez anos, podemos perceber claramente 5 The Powerpuff Girls. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Po- werpuff_Girls>. Acessado em 21 de agosto de 2016.
  • 66. 66 um aumento de estudos, debates e questões que envolvam o feminismo, seja nas redes sociais, faculdades, programas de TV, como também nos ambientes familiares. Por muito tempo, a visão que a maioria da população tinha sobre as feministas era algo totalmente deturpado, aos poucos isso está sendo mudado. Com isso, muitos produtos da indústria cultural começaram a se apropriar do discurso feminista, atitude que não temos nem ideia do quão forte e influenciável pode ser, como por exemplo a cantora americana Beyoncé, que em seu último disco trabalha a temática feminista. Após vermos os 19 episódios da nova temporada d’As Meninas Superpoderosas, pudemos concluir que esse relançamento veio muito mais preocupado em tratar as questões de gênero, algo que influenciará positivamente as novas gerações. No decorrer do artigo analisaremos alguns episódios da antiga e, principalmente, nova temporada e, assim, fazer uma comparação com outros desenhos animados. DESENHOS QUE DESCONSTROEM O ESTEREÓTIPO E QUESTÕES DE GÊNERO Iremos analisar alguns desenhos animados desta última década que, assim como As Meninas Superpoderosas, estão quebrando padrões de gênero e estereótipos. Em sua nova temporada, assim como nas antigas, o desenho retrata alguns personagens masculinos como incapazes de fazerem qualquer coisa, até mesmo as mais simples. Um grande exemplo disso é o Prefeito da cidade de Townsville, que é totalmente dependente das Meninas Superpoderosas e de sua secretária, Senhorita Sarah Belo. No episódio “Bye, bye Bellym” (S01E07), o prefeito apavorado chama as meninas para o ajudarem pois Sarah Belo havia tirado férias de 1000 dias, visto que em muitos anos ela não tirou férias para cuidar dos problemas do prefeito e, assim,
  • 67. 67 ele ficou completamente sem saber o que fazer. Apesar da atmosfera geral de incompetência masculina do desenho, havia um homem realmente incrível: o Professor Utônio, que criou as Meninas (afinal, quem deu origem às garotas só poderia ser uma pessoa sensacional mesmo). Além de deixar as crianças abusarem da criatividade com suas roupas, o Professor era um dedicado e carinhoso pai solteiro. Em um episódio da primeira temporada, as meninas são questionadas por um super-herói homem que quer tomar o lugar delas e salvar a cidade: “Existem algumas funções desempenhadas só por homens ou por mulheres, certo? Peguem a sua família como exemplo. Quem trabalha fora e sustenta a casa?”, perguntou-lhes o homem. “Nosso pai”, responderam. “Exato! E quem cozinha?” “O pai” “Quem lava as roupas? Quem lava a louça? Quem faz bolo?” “O pai”, responderam repetidamente. Este é mais um elemento que faz o desenho tão genial – quebrando outra vez a estrutura tradicional com a qual a sociedade está acostumada, de pai e mãe. No fim da cena, o super-herói pergunta: “Então quem corta a grama do quintal e lava o carro?” “A Lindinha!”, elas respondem em coro. O mais interessante desse episódio é que a Lindinha é vista como a mais feminina das três meninas e, mesmo assim, é ela quem faz os trabalhos manuais mais pesados – porque ela é incrível. Outro personagem interessante no desenho é o vilão Ele, que presumivelmente era um homem, mas usava saia de balé, maquiagem e possuía uma voz ambiguamente andrógina. Em um episódio, Ele e Macaco Louco - outro vilão - criavam uma versão masculina das Meninas Superpoderosas, os Meninos Desordeiros. Apesar do objetivo ser destruir as meninas, era interessante o fato que os Meninos Desordeiros tinham dois pais e ninguém achava isso estranho. Há também outros desenhos que tratam as questões
  • 68. 68 de gênero de maneira interessante, são eles: Peppa Pig e Os Padrinhos Mágicos. Em um episódio de Peppa Pig chamado “Mamãe Trabalhando”, Peppa narra os afazeres de sua família dentro de casa. Enquanto sua mãe trabalha no computador, o pai de Peppa faz o jantar. Essa inversão de papéis é minimamente comum na sociedade moderna e deve passar despercebida pelas crianças que assistem o programa. Porém, por mais que seja sútil, é muito importante essa representação nos desenhos, uma vez que ela desconstrói o padrão - ainda presente em muitas famílias. Em Os Padrinhos Mágicos, a personagem Wanda é casada com Cosmo e os dois são fadas mágicas que realizam desejos do personagem principal, Timmy Turner. A primeira questão interessante é o fato de que há vários personagens fadas que são homens, quebrando com a ideia normativa de que as fadas pertencem exclusivamente ao universo feminino. Além disso, Wanda é muito mais inteligente que Cosmo e se encontra frequentementesalvandoomaridodasfuradasemqueelesemete. Novamente, temos o homem como ser dependente da mulher - como no caso do Prefeito em As Meninas Superpoderosas. É comum que discussões bastante complexas de gênero apareçam em Os Padrinhos Mágicos. Em um episódio, o pai de Timmy pergunta ”onde, nesta sociedade discriminatória, está escrito que um homem não pode ser bonito?”. Há outro episódio, intitulado “The Boy Who Would Be Queen”6 , em que Timmy se transforma em uma menina para descobrir qual é o presente perfeito para personagem feminina Trixie. A conclusão do episódio mostra que nem todas as meninas pensam igual – ou seja, não há «presentes de menina» ou algo do tipo. “A 6 NT: “O menino que seria rainha”
  • 69. 69 questão da ambivalência reflete muito o contemporâneo. O que é o homem? O que é a mulher? Os desenhos mostram muito a questão do ambíguo, de ter duas ou várias coisas presentes em só uma pessoa” (Analice Pillar, da Faculdade de Educação da UFRGS). AS MENINAS SUPERPODEROSAS VS. TRÊS ESPIÃS DEMAIS Três Espiãs Demais, bem como As Meninas Superpoderosas, é um desenho animado em que as personagens principais são do gênero feminino e salvam o dia. Neste caso elas não são super-heroínas, mas são super espiãs, desvendando vários tipos de mistérios e crimes. Porém, problematizando um pouco, podemos perceber que o desenho traz questões complicadas e que podem ser prejudiciais para a formação das crianças que o assistem. As personagens estão claramente dentro dos padrões de beleza aceitos pela sociedade, prezam muito pelo consumo de roupas e produtos de maquiagem e vivem correndo atrás de garotos, reforçando estereótipos femininos. Além disso, as armas utilizadas por elas eram sempre objetos de beleza como secadores de cabelo, batons etc, um mero detalhe normativo que pode passar batido a um espectador desatento. Analisando as letras das músicas de aberturas de Três Espiãs Demais e de As Meninas Superpoderosas, podemos ver a diferença na maneira de representar o feminino entre os dois desenhos. Estamos prontas para qualquer missão enfrentar E vamos encarar Mas toda vez que entramos no shopping Queremos comprar Elegantes e charmosas