Este documento apresenta uma exposição da artista plástica portuguesa Maria João Franco na Galeria de Arte do Convento do Espírito Santo em Loulé, Portugal. A pintura poderosa e quase monocromática de Maria João Franco é descrita como expressiva e silenciosa. Sua obra varre o vazio da palavra e explora temas como melancolia, angústia, sentimentos e ausências. A pintura de Maria João Franco é dita como revelando o mistério por trás da tela e sendo uma metáfora trá
2. MARIA JOÃO FRANCO
Na Linha da Vida
27 JANEIRO A 11 MARÇO 2017
GALERIA DE ARTE DO CONVENTO DO ESPÍRITO SANTO - LOULÉ
3. No começo do ano de 2017, apresentamos na
Galeria do Convento Espírito Santo em Loulé, a
obra desta pintora cujo trabalho de itinerário é
fundamental no âmbito da Arte Contemporânea
Portuguesa.
A sua poderosa pintura, no seu silêncio, variando
quase numa monocromia táctil linear, pelo modo
como trabalha, no véu da tela a luminosidade e
intensidade que surge como um grito abafado
expressionista.
A sua pintura varre o vazio da palavra, paradoxo
do dizer, no dizer que não tende a necessidade
de afirmar.
A pintura é isso na sua essência, a palavra que
vem depois, e que no tempo permanece na
angústia.
A lágrima dança num carnaval de luto e a cor
percorre em castanhos ocres cinzentos, ópio de
numa viagem interior, a sua relação com o que
exprime permite viver um tempo de ausência nessa
Sinais
que chegam
ao céu
João Moniz
Curador
melancolia que a faz sonhar, fazer ser, a meditação
que se torna dilúvio, a angústia predomina, foge,
e reaparece desenhada num tempo passado vivido
no presente, eis a poesia feita na pintura, somos o
que vemos, num além próximo, num próximo além.
Sentir e contemplar a sua obra, relaciona-nos com
a sua peregrinação na verdade em absoluto, no que
realiza fora e longe de modas de modernismos, com
relacionamentos íntegros vindo e indo ao essencial,
tornando visível, o mistério que está por detrás da tela,
pintando quase no vazio recheado de sentimentos,
ausências, a metáfora trágica de uma anatomia e
invenção sagrada de amar, peregrinação constante,
morrer sim mas devagar… eis a paixão feita em
pintura, ser, fazer, e continuar, paralelo da sua
persistência solitária.
O meu nome desaparece na areia, ficou a sua
subtileza de um sonho assumido, memória fugitiva
num tempo, tempo esse que percorre, a permanência
fugitiva do ser, na dádiva chegamos ao céu.
4. Escolhi, numa espécie de acaso, três pinturas de
Maria João Franco, de entre um conjunto que vai
ser exposto em Loulé. Vejo, com tenho visto antes,
noutras horas de dor e desejo. Concentro o olhar
naquele corpo ao alto, braços abertos a perder-se
no escuro, um tronco poderoso que se abre à
hibridez, escondendo o género na soturna zona do
púbis. A pele emerge do escuro, está certamente
morna, molhada de si mesma, do suor, da água
ter salpicado o salto, um mergulho de pés sobre a
lama apenas pressentida quando este ser (de nós) se
repete olhando para cima, certamente sem ver nada
na crise deste nosso interior como túnel do subsolo
de qualquer grande cidade. O ventre distende-se,
apetece espalmar ali a nossa mão, deslizando na
liquidez híbrida da carne e da força.
Sabemos que tudo não passa de uma certa vontade
alucinada, um corpo que nos visita porque nunca
fomos capazes de o perder. Como naquele close-up
do nosso olhar, partida do apelo e do ver, ainda e de
Por dentro
de nós,
suor e lama
novo num tempo sem luz solar, a massa de outro
nu sem nome, enquadrado por cortes, mais visível
à esquerda do que à direita, em agonia, fios de
sangue escorrendo sobre a pele macerada ou
de alguém que já não respira desde há muito,
no mundo pesado e absurdo da globalização.
Estas formas, afinal ainda passando por nós num
milhar de anos depois de um milhão.
A escolha leva-nos, no enjoo dos cheiros da morte e
dos destroços, ao que, bem perto dos olhos ardentes,
nos aparece como um rosto plasticamente
estilhaçado, em contraste de escuro, ainda que
não passe dos glúteos de certa luz bruxa atrás,
água escorrendo pelos cabelos, suor ainda, chuva
a lembrar o Blade Runer, nenhuma partida entretanto
possível, há apenas quatro anos para viver e para
morrer, fechando devagar os olhos entre o néon, o
negrume em volta dos mercados, um olho à venda
como o último sopro inimaginável de Deus. Tudo se
parece com tudo mas Deus já não vê.
Rocha de Sousa
2016