2. COPRIFUOCO
Na pequena mesa renga éramos sós naquele bar.
Em ruas vestiam burkas. Só tu estavas nua.
Dos olhos de avelãs o brilho oculto, digerido,
Saía pelos dedos que aos meus tocavam.
Percorriam um corpo que se colou ao teu,
Pelo frêmito do contato de dois universos;
Esferas desde então com o mesmo centro.
3. MULINELLO
Na praça de verão, um pequeno redemoinho branco,
me veio dançando suave entre as gentes.
Nele um ser rosado de poeira perfumada
estendeu-me suas brancas mãos,
se fazendo luz em sorriso adolescente.
Nem o ar percebeu nossa presença,
quando fizemos amor ali mesmo,
entre o sonho e a ventania.
...E seguiu suave no meio da multidão
... voltando às àguas de um jardim sem flores...
4. VOLI
Eu velava teu sono em voos e sombras.
Pelos teus olhos de avelã, inexplorados,
Quase abri a porta dos teus sonhos inconfessados.
Nas azuladas grutas, fui por ti curado,
sem que ao menos me enxergasses.
...E no tapete tecido com mágoas e pouca fé,
tentamos voar por nebulosas,
afogadas na poeira dos milênios adormecidos.
5. NEBBIE
Flutuando ao meu redor
finalmente teu pó tomou forma
de azulada deusa das névoas
com teu nariz
com teus seios
com tuas coxas
com tua fala
com teu olhar
com teu nome
me disse boa tarde
em um eco suave que hoje
flutua nas muralhas da minha solidão
6. BENI
De tudo, ficou o mar,
com o vai e vem de teus movimentos.
Ficou a rosada névoa de aromas virginais.
Nas calmarias, é a seda de tua pele, sobre a água,
que faz deslizar minha fria mão à tua procura.
...por quê ?
Porque o que eu te quis só o fogo ainda pode revelar,
enquanto estiver voando
pelas artérias da universal memória.
Nos espelhos ficou teu olhar, fio de aço radioativo.
As vezes que preciso viver, vou ao ar aprisionado
da gruta submersa,
sugando sôfrego teus aromas pousados nas estalactites.
7. VENERE IN ANDROMEDA
Lânguida, te desdobras ao amanhecer
com raios de antiga luz,
suave, invadindo o meu tempo.
Três eixos perfuram o universo:
espírito, energia, vibrações ...
És cartesiana serpente.
Fora, o latejar do nada pulsa ondas subsônicas,
enquanto as toas de teus braços a mim me alcançam.
Entro em ti devorando fusões, em fissões, em frissons.
Bebo na fonte o leite da galáxia insaciada.
És subvulcânica solar.
Respiro por tua boca, oásis de areias mastigadas.
Anfíbio, chafurdo nas úmidas, ocultas sombras.
Os circulares riscos luminosos,
no espasmo do voo partilhado,
revelam fêmea em quente meteorito esculpida:
És Vênus em Andrômeda.
8. MUTE ENERGIE
A radioatividade, silenciosa e muda, gira colossais turbinas;
O sol, silencioso e mudo, traz a vida em sua esfera;
O vento, silencioso e mudo, espalha o pólen do renascer;
O magneto, silencioso e mudo, faz o aço flutuar;
A água, silenciosa e muda, faz a rocha virar pó;
Eu, silencioso e mudo, amo Aurora ao meu raiar.
Ronaldo Fontoura
Santa Maria, 28 de setembro de 2016