Comentário bíblico: Exaltação da Cruz de Cristo - Ano A
- TEMA: "A CRUZ DE CRISTO: AMOR DE DEUS E COMPROMISSO DAS PESSOAS"
- LEITURAS BÍBLICAS (PERÍCOPES):
http://pt.slideshare.net/josejlima3/exaltacao-da-santa-cruz-2014
- TEMAS E COMENTÁRIOS: AUTORIA: Pe. José; Bortolini, Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C Festas e Solenidades, Editora Paulus, 3ª edição, 2007
- OUTROS:
http://www.dehonianos.org/portal/liturgia_dominical_ver.asp?liturgiaid=804
SOBRE LECIONÁRIOS:
- LUTERANOS: http://www.luteranos.com.br/conteudo/o-lecionario-ecumenico
- LECIONÁRIO PARA CRIANÇAS (Inglês/Espanhol): http://sermons4kids.com
- LECIONÁRIO COMUM REVISADO (Inglês):
http://www.lectionary.org/
http://www.commontexts.org/history/members.html ;
http://lectionary.library.vanderbilt.edu/
- ESPANHOL: http://www.isedet.edu.ar/publicaciones/eeh.htm (Less)
1. A CRUZ DE CRISTO: AMOR DE DEUS E COMPROMISSO DAS PESSOAS
Pe. José Bortoline – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007
* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *
ANO: A – TEMPO LITÚRGICO: FESTA DA EXALTAÇÃO DA SANTA – COR: VERMELHO
I. INTRODUÇÃO GERAL
1. Deus escolheu o caminho da cruz como forma para revelar
seu amor e comunicar a vida. A cruz de Cristo é, portanto, o
anúncio do projeto de Deus concretizado em Jesus de Nazaré.
Mas é também uma denúncia de todas as formas de opressão que
não levam à vida, e um desafio para quem se compromete com
Jesus.
2. Sem docilidade a Javé e sem constância na caminhada, o
processo de libertação se deteriora facilmente, levando à morte
(1ª leitura Nm 21,4b-9). Sendo Jesus a única fonte de salvação
e o perfeito revelador do amor do Pai, a única atitude cabível ao
cristão é o esforço de aderir a Jesus numa fé solícita e compro-missada
(Evangelho Jo 3,13-17). O projeto de Deus, manifesta-do
na vida de seu Filho único, prolonga-se na prática dos cristãos
que procuram ter em si as mesmas opções de vida (= sentimen-tos)
daquele que lhes deu o nome (2ª leitura Fl 2,6-11).
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (Nm 21,4b-9): Docilidade a Javé e constância
no caminho nos levam a superar os sinais de morte
3. O trecho é conhecido como o episódio da serpente de bron-ze.
O fato está ligado à existência – no tempo do êxodo – de
minas de cobre na região da Arabá, no itinerário de ingresso na
Terra Prometida. O texto é também uma tentativa de explicar por
que no Templo de Jerusalém havia uma serpente chamada Noestã
(o nome deriva do metal de que era feita, o bronze, em hebraico
nehoshet) e por que foi destruída no tempo do rei Ezequias (716-
687 a.c.; cf. 2Rs 18,4). Atribuía-se, erroneamente, a Moisés a
fabricação de tal imagem, que recebia culto idolátrico (cf. Sb
16,6-7).
4. A serpente ocupava, nas religiões do antigo Oriente Médio,
um lugar de destaque, enquanto figura de altos teores simbólicos,
sendo, ao mesmo tempo, figura benéfica e maléfica. Era um em-blema
divino. Quando associada às divindades da fecundidade,
tornava-se sinal de saúde e de vida. Só com o amadurecimento da
fé javista é que elementos como a serpente de bronze foram su-pressos
em Israel. A serpente de bronze também não escapou
desse esforço de purificação. De fato, no nosso texto, não é tanto
ela quem restitui a vida quanto Deus que, na sua misericórdia,
não abandona seu povo em poder da morte.
5. O trecho inicia com uma indicação importante: o povo que
caminha para a Terra Prometida terá de contornar uma grande
ameaça, ou seja, não atravessar o território de Edom, para não
correr graves riscos (v. 4a). O caminho, portanto, será longo e
demorado. A impaciência do povo se faz logo sentir na atitude
característica da murmuração: "Por que nos tiraste do Egito? Foi
para morrermos neste deserto? Não temos nem pão nem água, e
estamos enjoados desse pão de miséria" (v. 5; cf. Ex 14,11;
22,27). A acusação era grave: tratava-se de uma perversão do
ideal da libertação. O Egito era a morte. A saída dele, a vida.
Aqui, Israel chama de "vida" à morte e de "morte" ao caminho de
libertação!
6. O motivo da murmuração é evidente: o deserto é lugar
difícil de se viver. Veladamente, Israel começa a desacreditar da
capacidade de Javé em conduzir o povo a bom termo. E a tenta-ção
de voltar ao Egito, acomodando-se às suas estruturas opresso-ras,
põe em risco o caminho para a libertação.
7. A situação se torna insuportável com o surgimento das
serpentes venenosas, que exercem função pedagógica para Israel,
levando-o ao arrependimento e suscitando nele a consciência de
que só Javé pode libertar o povo da morte, conduzindo-o à vida:
"Pecamos, falando contra Javé e contra você. Suplique a Javé que
afaste de nós essas serpentes" (v. 7a).
8. Diante da intercessão de Moisés (v. 7b), Javé toma a inicia-tiva
de conceder vida, fazendo da serpente – um agente de morte
– sinal de salvação: quem fosse mordido, ao contemplar a serpen-te
de bronze, vivia (v. 9).
9. A literatura bíblica posterior interpretou o episódio em
chave de misericórdia divina, assegurando que a serpente de
bronze não possuía nenhum poder em si mesma: "Quando caiu
sobre eles a fúria terrível das feras, e morriam mordidos por ser-pentes
tortuosas, tua cólera não durou até o fim. Foram assusta-dos
por pouco tempo e como correção, mas receberam um sinal
de salvação, para lhes recordar o mandamento da tua Lei. Quem
se voltava para o sinal era salvo, não pelo que via, mas graças a ti,
o Salvador de todos" (Sb 16,5-7).
Evangelho (Jo 3,13-17): Jesus é a fonte da vida para
todos
10. Os versículos propostos na liturgia de hoje pertencem ao
diálogo de Jesus com Nicodemos (3,1-12). O tema central desse
capítulo pode ser resumido assim: O que é ser homem novo? Jesus
desafia Nicodemos a um novo nascimento, ou seja, nascer do alto
(ou do elevado, que é o próprio Jesus). Nicodemos, "o mestre em
Israel" – título outrora dado a Moisés –, ignora totalmente o que
seja nascer do alto, e faz o papel do idiota: imagina que a pessoa
tenha de entrar novamente e sair do seio materno. O Evangelho
de João não perdoa ironias contra Nicodemos, homem ligado à
Lei e membro do Sinédrio, o tribunal superior que condenará
Jesus à morte.
11. Nicodemos tem de nascer de novo e nascer do alto (de Jesus
elevado na cruz) se quiser ser discípulo do Mestre Jesus. Enquan-to
permanecer agarrado à Lei e ao Sinédrio não poderá ser consi-derado
seguidor de Jesus. Pelo contrário, será conivente com a
morte do justo e do inocente, perfilando-se ao lado dos que geram
a morte do povo.
12. O v. 13 gira em torno das palavras subir e descer, ao passo
que o v. 14 está condensado nos verbos levantar e ser levantado.
No Evangelho de João Jesus se declara o Caminho (cf. 14,6), e
isso em parte resume todo o Evangelho. Jesus é Caminho enquan-to
vem de Deus e desce para o meio da humanidade (a isso se
pode chamar de dimensão descendente); mas o é também enquanto
sai do meio da humanidade para subir para Deus (dimensão as-cendente).
Na primeira dimensão revela sobretudo quem é Deus;
na segunda mostra a vocação da humanidade: voltar a Deus, do
qual ela saiu. No v. 13 se afirma que aquele que subiu ao céu é o
mesmo que desceu do céu: o Filho do Homem. A expressão "Fi-lho
do Homem" ressalta a humanidade de Jesus. Ele se revelou
plenamente humano. E por ser plenamente humano deu a conhe-cer
quem é Deus; por ser plenamente humano mostrou o caminho
da humanidade: ser humana como Jesus e fundir-se para sempre
com Deus. O humano revelou à humanidade quem é Deus e abriu
para a humanidade o caminho do reencontro com Deus.
13. O v. 14 continua o tema da humanidade de Jesus, mostrando
até que ponto foi humano por amor à humanidade: "Assim como
Moisés levantou a serpente no deserto, do mesmo modo é preciso
que o Filho do Homem seja levantado": (O fato recorda, eviden-temente,
o texto de Números 21,4b-9; cf. 1ª leitura). Aqui fica
claro o que Jesus, com a expressão "nascer de novo/do alto"
queria dizer a Nicodemos: o alto (ou elevado) é o próprio Jesus
crucificado porque foi até as últimas conseqüências no seu amor
pela humanidade (cf. 13,1). O humano Jesus é o crucificado que
dá a vida porque ama. Isso é nascer do alto/do elevado. A vida
2. que Jesus elevado comunica aos que lhe dão adesão supera a vida
passageira comunicada pela serpente de bronze: "Todo aquele
que nele acredita, nele terá a vida eterna" (v. 15).
14. Os vv. 16-17 estão fortemente ligados ao que precede, ou
seja, o amor de Deus manifestado na morte de Jesus. Sua morte
insere o ser humano no mistério de Deus: ele dá a vida porque
ama; a morte de Jesus é conseqüência desse amor.
15. A 1ª leitura mostrou Deus perdoando e devolvendo vida ao
seu povo. O evangelho de hoje vai além, porque nos mostra não
só o Deus que livra de um perigo mortal (picada de serpente
venenosa), mas inclusive vencendo aqueles limites próprios da
condição humana, como a morte.
16. Deus ama a todos, sem distinção. Não ama somente um
povo. Ele ama o mundo. Às vezes, no Evangelho de João, mundo
significa a humanidade toda, capaz de aceitar ou rejeitar o projeto
de vida que vem de Deus. Ora, o amor de Deus é oferta gratuita
que atinge o ser humano em profundidade, antecipando-se à sua
capacidade de amar. Ele nos ama não porque sejamos bons, mas
porque ele é bom, quer salvar, quer comunicar vida em plenitude
(v. 16).
17. A vida em plenitude se realizou na encarnação e morte de
Jesus. O v. 16 mostra Deus desprendendo-se do Filho único, a
ponto de entregá-lo em vista da salvação de quem nele crê. Jesus
é a personificação do amor do Pai levado às últimas conseqüên-cias:
a entrega do Filho único. A salvação de Jesus não discrimina
as pessoas: todos necessitam dela e todos têm acesso a ela, medi-ante
a fé em Jesus, a fonte da vida: "Porque Deus enviou seu
Filho ao mundo não para julgar o mundo, mas para que o mundo
seja salvo por ele" (v. 17).
18. Aquilo que a 1ª leitura só insinuava, o evangelho lhe dá
pleno significado e realização: Deus não deseja que as pessoas se
percam, nem sente satisfação em condenar alguém. O prazer de
Deus é salvar a todos, é desarmar a todos com a lógica do amor.
Portanto, o sofrimento, a injustiça, o pecado, a opressão, tudo o
que gera a morte do povo é contrário ao projeto de Deus. Esse
projeto visa a erradicar essas forças de morte para criar canais que
comuniquem vida em plenitude. É isso que Jesus veio revelar
com sua vida e sua fala. É isso que deseja criar com a força de
sua morte e ressurreição, presentes e atuantes nas comunidades
que lhe dão crédito e adesão.
2ª leitura (Fl 2,6-11): O Evangelho de Jesus Cristo
19. Ao escrever aos filipenses Paulo está preso em Éfeso, mas
provavelmente tem em mãos um trunfo que lhe garantirá a liber-dade:
basta que prove ser cidadão romano. A decisão de fazer
valer seus direitos de cidadão romano provocou grande mal-estar
em Éfeso e também em Filipos. De fato, para os primeiros cris-tãos,
o martírio era um momento forte e propício para o anúncio
do Evangelho de Jesus Cristo. Declarar-se cristão e morrer vio-lentamente
por causa disso, provocava adesões à fé. Por que,
então, Paulo foge desse momento? Estaria anunciando uma coisa
e vivendo outra?
20. Eis, então, que escreve aos filipenses. Para ele é vantagem
morrer, mas opta pela libertação em vista da possibilidade de
ainda continuar evangelizando (1,23-24). A seguir, passa a mos-trar
os conflitos que ameaçam a comunidade: conflitos de fora (os
falsos missionários, cf. 1,27-30) e os conflitos internos (divisões
da comunidade, cf. 2,1-4). Por fim, convida para que todos te-nham
as mesmas disposições de vida (sentimentos) que havia em
Jesus Cristo.
21. O hino de Filipenses 2,6-11 tem dois movimentos: o primei-ro
é de cima para baixo, e fala do esvaziamento de Jesus. É como
uma escada com vários degraus: Jesus não se apegou à sua igual-dade
com Deus, esvaziou-se, tornou-se servo, semelhante aos
homens, humilhou-se, fez-se obediente até a morte de cruz. O
sujeito dessas ações é o próprio Jesus que, consciente e livremen-te,
despoja-se de tudo. Seu lugar social é junto aos escravos, sem
privilégios, marginalizados e condenados. Para ele não há outra
forma de revelar o projeto de Deus a não ser esvaziando-se da-quelas
realidades humanas das quais com dificuldade abrimos
mão: prerrogativas, posição social, honra, dignidade, fama e, o
que é mais precioso, a própria vida. Jesus perdeu todas essas
coisas. Desceu no poço mais profundo da miséria e solidão hu-manas.
De fato, o primeiro movimento desse hino não fala de
Deus. Tem-se a impressão de que Jesus, despojado de tudo, tenha
sido inclusive abandonado por Deus.
22. O preço da encarnação foi a cruz. E o Evangelho de Paulo é
exatamente o Evangelho de um crucificado. Nós estamos muito
habituados a pensar na divindade de Jesus. Por isso perguntamos:
onde foi parar sua divindade? Ficou escondida por um momento?
Ou era justamente no fato de ser plenamente humano que revela-va
o ser de Deus? (cf. evangelho.) Imaginar que Deus seja um ser
desencarnado e abstrato é a desculpa que algumas pessoas encon-tram
para fugir à difícil tarefa de nos encarnarmos nas realidades
humanas mais sofridas, pois, ao fazermos isso, teremos de nos
despojar de uma série de coisas, exatamente aquelas coisas das
quais Jesus se despojou: prerrogativas, status, fama, promoção
pessoal etc.
23. A primeira parte do hino tem seu ponto alto na maior baixe-za:
Jesus se fez servo e foi morto como um bandido, na cruz. Essa
foi sua opção de vida consciente. Esse hino retoma um texto
muito antigo de Isaías, aplicando-o a Jesus. Trata-se do quarto
canto do Servo de Javé (Is 52,13—3,12).
24. O segundo movimento do hino de Filipenses é de baixo para
cima. Aqui o sujeito é Deus. É ele quem exalta Jesus, ressusci-tando-
o e colocando-o no posto mais elevado que possa existir. O
Nome que ele recebeu do Pai é o título de Senhor, termo muito
importante para os primeiros cristãos e parte integrante de sua fé.
Jesus é o Senhor do universo e da história. Diante dele toda a
criação se prostra em adoração (2,10). Também esta segunda
parte se inspira no quarto canto do Servo de Javé (cf. Is 52,13-15;
53,10-12).
25. Deus Pai é glorificado quando as pessoas reconhecem em
Jesus o humano que passou pela encarnação das realidades mais
sofridas e humilhantes, culminando com a morte na cruz, conde-nação
imposta aos criminosos. Evangelho é, portanto, anúncio
daquele que se fez servo, obediente até a morte, e morte de cruz.
Esse anúncio não acontece sem que as pessoas também se encar-nem,
apostando a vida, como fez Paulo.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
26. A festa da Exaltação da Santa Cruz nos introduz no cerne do projeto de Deus, realizado na
vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus. Esse projeto nos revela, de um lado, o imenso a-mor
de Deus, convidando-nos a aceitá-lo agradecidos. De outro lado, mostra-nos que cabe a ca-da
um e a toda a comunidade, aderir plenamente a Jesus na fé.
· O que é que ainda impede o caminho da comunidade rumo à libertação? (1ª leitura Nm
21,4b-9).
· Em que medida a comunidade já aderiu a Jesus, comprometendo-se com o seu projeto, e em
que medida precisa ainda nascer de novo? (Evangelho Jo 3,13-17).
· Quais as opções de vida (= sentimentos) de Jesus Cristo devemos ainda fazer nossas? (2ª lei-tura
Fl 2,6-11).