Este documento discute um sermão sobre a compaixão de Deus. Ele analisa as leituras bíblicas do dia, que incluem Elias trazendo uma criança morta de volta à vida e Jesus ressuscitando o filho de uma viúva. O documento explora como esses milagres ilustram a compaixão de Deus por aqueles que sofrem e como Deus quer dar vida ao seu povo.
1. A COMPAIXÃO QUE DÁ VIDA
Pe. José Bortolini – Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades – Paulus, 2007
* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *
ANO: C – TEMPO LITÚRGICO: 10° DOMINGO TEMPO COMUM – COR: VERDE
I. INTRODUÇÃO GERAL
1. Eucaristia é festa da vida. A razão maior para
celebrarmos em comunidade é a vitória de Jesus
sobre a morte – a dele e a nossa: “Anunciamos, Se-
nhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressur-
reição...” Eucaristia é a celebração da compaixão do
Senhor. Ele quer nos tomar em seus braços e orde-
nar-nos: “Jovem, levante-se!” Nós também quere-
mos encher-nos de compaixão para bem celebrar a
Ceia do Senhor. Tomamos nos braços – e carrega-
mos no coração – todos os que choram e necessitam
de compaixão. A Eucaristia é a visita de Deus a seu
povo reunido e celebrando.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (1Rs 17,17-24): “Olhe, seu filho está
vivo”
2. O trecho pertence ao começo do ciclo de Elias
(1Rs 17-2Rs 1) e se passa na casa da viúva de Sa-
repta, que alimentara e hospedara o profeta (vv. 7-
16). É tempo de seca, sinônimo de morte. A situa-
ção do povo – representado pela mulher e seu filho
– é extremamente grave. E para piorar, o menino
morre (v. 17). A mãe, já viúva, encontra-se sem
arrimo. Na perspectiva de um judeu, com a morte
do filho, seus poucos bens podem passar para as
mãos de juízes gananciosos (compare com o evan-
gelho).
3. Na primeira cena da perícope (vv. 17-19a), no
piso inferior, o clima é de consternação. A mãe com
o filho morto nos braços queixa-se contra o profeta.
Ela supõe que a presença do homem de Deus tenha
desenterrado as faltas dela, provocando a ira de
Deus, que pune o erro dos pais nos filhos. Noção
cruel de Deus.
4. A segunda cena (19b-23) se passa no andar de
cima, onde Elias se hospeda. O profeta toma o me-
nino no colo, sobe, coloca-o na cama, suplica cle-
mência para a viúva, e procede a um ritual estranho:
deita-se três vezes sobre o menino e de novo suplica
para que torne a viver. O profeta se mostra, assim,
instrumento de vida, suplicando ao Deus da vida. E
o menino revive.
5. A última cena (vv. 23-24) acontece no piso infe-
rior. Elias toma o menino vivo no colo, desce e o
entrega à mãe: “Olhe, seu filho está vivo”. E a mu-
dança provocada na viúva é extraordinária: reco-
nhece que Elias é realmente profeta por meio do
qual se cumpre a palavra de Javé (v. 24; cf. Dt
18,18: “Do meio dos irmãos deles, eu farei surgir
para eles um profeta como você. Vou colocar mi-
nhas palavras em sua boca, e ele dirá para eles tudo
o que eu lhe mandar”).
Evangelho (Lc 7,11-17): “Jovem, eu lhe ordeno,
levante-se!”
6. Tomado metaforicamente, o episódio é a con-
cretização do programa de Jesus anunciado na sina-
goga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre
mim, porque ele me consagrou com a unção, para
anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para
proclamar a libertação aos presos...” (4,18). Na Ga-
liléia, terra de gente empobrecida, Jesus realiza 14
dos 18 milagres relatados por Lucas em seu evange-
lho. Este, a ressurreição do filho único da viúva de
Naim, é texto exclusivo de Lucas, ressaltando o
tema tão apreciado da “misericórdia”.
a. O sofrimento dos pobres (vv. 11-12)
7. Naim era uma aldeia insignificante da Galiléia,
nunca recordada no Antigo Testamento. Sabe-se
que a vida das aldeias era dura, mas ao mesmo tem-
po seus habitantes tinham profundo senso de solida-
riedade. Lucas mostra Jesus chegando a Naim com
grande comitiva – os discípulos e numerosa multi-
dão (v. 11). Na porta da cidade há o encontro da
comitiva de Jesus com uma procissão de enterro.
Também aí se fala de “grande multidão”, sinal de
que a aldeia parou para se solidarizar com a viúva.
De fato, a tradição judaica previa a interrupção de
toda atividade – inclusive o estudo da Lei – para
participar de um enterro.
8. Lucas, em poucas palavras, mostra como é dra-
mática a situação: o defunto era filho único de uma
viúva. As viúvas estavam entre os mais desprotegi-
dos e expostos à ganância dos poderosos. Mais adi-
ante, Jesus acusará os doutores da Lei de devorarem
as casas das viúvas sob o pretexto de longas orações
(20,47). A perda do filho único representava a perda
potencial dos bens (casa etc.).
b. A compaixão que dá vida (vv. 13-15)
9. Muitos textos do Antigo Testamento mostram a
predileção de Deus pelos desamparados – órfãos,
viúvas e estrangeiros (ver, por exemplo, Sl 68,5;
146,9, que faz parte da oração da manhã dos ju-
deus). Lucas descobre em Jesus essa predileção e
diz que, ao ver a mãe, encheu-se de compaixão (v.
13). Em grego, temos o verbo splangnízomai, que
significa “comover-se nas entranhas”, “sentir as
entranhas estremecerem”, como na clássica citação
de Is 49,15 (a trepidação interior da mãe por seu
2. bebê). Convém notar a importância que Lucas con-
fere a esse termo, atribuindo-o apenas a três pessoas
– a trindade compassiva: Jesus, o samaritano
(10,33) e o pai do filho irresponsável (15,20).
10. A compaixão é feita de palavras – “Não chore!”
– e do gesto de tocar a maca que carrega o defunto
(v. 14a). O gesto é significativo, pois tocar um mor-
to, naquela cultura, contaminava. O morto transmi-
tia impureza. A compaixão quebra tabus e cria suas
próprias leis. Em vez de Jesus ser contaminado pelo
morto, é o defunto quem acaba “contaminado” pela
palavra de vida: “Jovem, eu lhe ordeno, levante-se!”
(v. 14b). O resultado é a vida que retorna àquele
que morrera prematuramente e àquela que perdera
tudo com a perda do filho: “O morto sentou-se e
começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe” (v.
15; compare com 1ª leitura, 1Rs 17,17-24).
c. “Deus visitou o seu povo...” (vv. 16-17)
11. A reação do povo é, em primeiro lugar, de me-
do. É a reação típica diante do extraordinário e ma-
ravilhoso. O medo é como se o povo dissesse: “Isso
só pode vir de Deus”. Em segundo lugar, a reação
das duas comitivas é uma aclamação: “Um grande
profeta apareceu entre nós, e Deus veio visitar o seu
povo” (v. 16). A lembrança do “grande profeta”
recorda a promessa de Dt 18,15: “Javé seu Deus
fará surgir, dentre seus irmãos, um profeta como eu
em seu meio...”. Evoca igualmente o profeta Elias
(1ª leitura, 1Rs 17,17-24). No começo do seu evan-
gelho, Lucas falara da visita de Deus ao seu povo:
Jesus é o sol nascente que nos veio visitar (cf.
1,68.78). O comentário final (v. 17) fica por conta
de Lucas. Jesus está na Galiléia, mas a notícia re-
percute também no sul, na Judéia. Assim se prepara
o ambiente para a cena seguinte – a pergunta de
João Batista acerca de quem é Jesus (7,18-23).
2ª leitura (Gl 1,11-19): De onde vem o Evangelho
de Paulo?
12. Paulo acabara de declarar maldito quem anunci-
asse um evangelho diferente do dele (cf. 2ª leitura
do domingo passado). No trecho de hoje, mostra
por que não existe outro evangelho, e o faz revelan-
do a fonte (de onde vem) e a mudança radical acon-
tecida na vida dele por causa do Evangelho.
13. Ele começa afirmando que seu Evangelho não
veio a ele por tradição nem se orientou por critérios
humanos, mas o recebeu diretamente de Jesus Cris-
to, mediante revelação (vv. 11-12). É difícil, a partir
das cartas, encontrar referências a esse aconteci-
mento revelador (cf. 2Cor 12,1ss). O fato de o ter
recebido diretamente de Jesus Cristo lhe confere
veracidade indiscutível, na perspectiva de Paulo.
Pode-se dizer que é de origem divina, e é por isso
que Paulo não negocia, não cede e se for o caso,
empenhará a vida.
14. Para reforçar essa idéia e fazer os gálatas verem
que ele não entrou nessa missão por brincadeira,
Paulo evoca-lhes o seu passado de fariseu fanático e
escrupuloso (cf. Fl 3,5ss). De perseguidor e devas-
tador da Igreja de Deus, sobressaindo em relação a
seus companheiros, fanático pelas tradições farisai-
cas (Gl 1,13-14), mudou radicalmente seu modo de
ver e de agir. Como aconteceu com o profeta Jere-
mias (Jr 1,5), sente-se chamado profeta desde o
ventre materno. No tempo oportuno, recebeu a reve-
lação e a missão de levar o anúncio aos pagãos (Gl
1,15-16). Em vez de ir a Jerusalém para checar seu
Evangelho com outros apóstolos, Paulo toma um
rumo totalmente diferente, sem consultar ninguém
(carne ou sangue – v. 16b): vai para a Arábia e volta
a Damasco (v. 17). Somente três anos mais tarde é
que vai a Jerusalém conhecer Cefas (Pedro) e Tiago
(vv. 18-19).
15. Por que Paulo escreve essas coisas? Parte da
resposta já foi dada: seu Evangelho não é fruto de
tradição humana, mas de revelação divina. Mas isso
foi registrado porque os gálatas haviam abandonado
a graça e o Espírito, para voltar à escravidão. Se
aceitam a circuncisão como condição para serem
cristãos, anulam a força do Evangelho de Jesus
Cristo.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
16. Deus ama e quer a vida, e nós também devemos amá-la e querê-la. Duas mulhe-
res viúvas e dois jovens filhos mortos nos sensibilizam e nos movem à compaixão.
Se não nos movem à solidariedade é porque não temos em nós os sentimentos que
havia em Jesus Cristo. O apóstolo Paulo é exemplo de determinação, enfrentando
riscos e incompreensões, tribulações e perseguições para ser fiel àquele que o sepa-
rou desde o ventre materno para uma ação evangelizadora específica. As pastorais
com grupos marginalizados (prostitutas, sofredores de rua, dependentes químicos,
portadores de HIV, presos, idosos etc.) pode ser hoje o termômetro que mede o grau
de nosso compromisso com o Deus que ama e quer a vida para todos.