O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
Comentário: 3° Domingo da Pascoa - Ano A
1. RECONHECER E TESTEMUNHAR O CRISTO RESSUSCITADO
BORTOLINE, José - Roteiros Homiléticos Anos A, B, C Festas e Solenidades - Paulos, 2007
* LIÇÃO DA SÉRIE: LECIONÁRIO DOMINICAL *
ANO: A, B e C – TEMPO LITÚRGICO: 3° DOMINGO DA PÁSCOA – COR: BRANCO
I. INTRODUÇÃO GERAL
1. "Só pode reconhecer o Senhor quem percorreu o caminho
dos problemas do homem, deles participando plenamente: o
fracasso, a solidão, a busca da justiça e verdade, a coerência em
direção a um mundo melhor, a solidariedade. Então o Cristo,
anônimo e misterioso companheiro, testemunha e interlocutor
das hesitações e dúvidas, revela-se como alguém que, tendo
aceito entrar no projeto de Deus, tornou-se o primogênito de
nova humanidade.
2. Como os discípulos de Emaús, desanimados e desiludidos,
céticos e desconfiados, o mundo de hoje reconhece Cristo quan-
do os cristãos sabem verdadeiramente ‘partir o pão’. Como cris-
tãos, partilhar o pão eucarístico implica partilhar outro pão, um
compromisso de justiça, de solidariedade, de defesa daqueles
cujo pão é roubado pelas injustiças dos homens e dos sistemas
sociais errados" ( Missal Dominical, Missal da Assembléia Cris-
tã, Paulus, São Paulo, 4ª Ed.,1995, PP. 368-369).
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
Evangelho (Lc 24,13-35): Onde e como experimentar o Cristo
vivo?
3. O episódio dos discípulos de Emaús é texto exclusivo de
Lucas (Marcos sintetiza a cena, cf. Mc 16,12-13). Pertence aos
acontecimentos pós-pascais e responde à pergunta: Onde e como
experimentar o Cristo vivo? De fato, no que Lucas relata antes do
texto de hoje (24,1-12) transparece a incredulidade e perplexida-
de dos discípulos. Num plano mais amplo, o episódio revela as
dificuldades de muitos cristãos em aceitar a ressurreição de Je-
sus, pois o evangelho não quer simplesmente narrar fatos do
passado, mas iluminar as dificuldades do presente.
4. Antes de entrarmos no texto de hoje, algumas observações
de conjunto nos permitirão entendê-lo melhor. Em primeiro
lugar, há nítido contraste entre Jerusalém e Emaús. Jerusalém foi
o lugar do testemunho de Jesus (morte na cruz). De lá, animados
pelo Espírito do Ressuscitado, os discípulos sairão para o teste-
munho. Sair de Jerusalém sem crer que lá é o lugar da vitória do
Senhor é caminhar sem rumo e sem sentido. Por isso, Emaús é
sinônimo da cegueira, da não-compreensão do evento da Páscoa.
Em segundo lugar, há contraste entre o não-reconhecimento de
Jesus por parte dos discípulos (v. 16) e o pleno reconhecimento
(v. 31). Em terceiro lugar, o contraste está no fato de Jesus se
aproximar e conversar com os discípulos (v. 15) e desaparecer da
frente deles (v. 31). Finalmente, há grande contraste entre os
conteúdos da conversa dos discípulos antes de Jesus caminhar
com eles (v. 14) e depois que reconheceram Jesus (v. 32). A
gente então se pergunta: o que foi que causou — e continua
causando — essa reviravolta na vida desses discípulos e na vida
dos cristãos?
a. Jesus é aquele que caminha com a humanidade (vv. 13-16)
5. É o dia da Ressurreição (v. 13), mas os dois discípulos não
entenderam os acontecimentos dos dias anteriores. Para eles,
Jerusalém é o lugar da derrota de Jesus. Por isso eles vão para
Emaús, desanimados como quem perdeu o sentido da vida. O
texto não permite localizar geograficamente Emaús. Algumas
variantes do texto grego situam esse lugar a 11 quilômetros de
Jerusalém; outras a 30 quilômetros. Mas isso não é importante. O
importante é notar o seguinte: Para Lucas, Jerusalém é o lugar
onde Jesus venceu; para os discípulos de Emaús é o lugar da
derrota e da morte. Ir a Emaús não é somente ir para casa, mas
abandonar o projeto de Deus.
6. Ora, é nesse contexto de perplexidade e desânimo que o
Ressuscitado se faz presente como força revolucionária. Jesus é
aquele que caminha com a humanidade, com a energia de sua
vitória sobre a morte. A perplexidade e desânimo dos discípulos
se manifestam no teor da conversa (v. 14). Revelam o estado de
ânimo de uma comunidade desorientada, sem força para o teste-
munho. É com esse tipo de comunidade que Jesus se põe a cami-
nho.
b. Jesus revela à comunidade o sentido de sua morte e a vitória
da ressurreição (vv. 17-27)
7. A comunidade desorientada não experimenta a vitória do
Ressuscitado. Percebe os fatos, mas não os discerne. Jesus pode
estar caminhando com ela, mas ela não o reconhece. De fato, no
diálogo de Jesus com os discípulos percebe-se que eles conhecem
os fatos referentes à vida de Jesus antes e durante a paixão; mani-
festam suas expectativas em vista da libertação (v. 21) e sua
frustração diante da morte na cruz (v. 20). A referência ao tercei-
ro dia após a morte de Jesus (v. 21) sela essa frustração sem
expectativas. De fato, acreditavam que depois do terceiro dia o
espírito se afastaria definitivamente do corpo, sem possibilidade
de retorno. A morte teria tomado conta de Jesus e da comunida-
de. Nem sequer o testemunho das mulheres, o túmulo vazio, a
mensagem dos anjos e a própria constatação de que o sepulcro
está vazio (vv. 22-24a; cf. 24,1-12) são razões que mereçam
crédito: "Ninguém o viu" (v. 24b). Nem mesmo a presença de
Jesus caminhando com eles é capaz de fazer reconhecê-lo!
8. Eis, então, que Jesus apresenta o primeiro instrumento que
suscita a fé na ressurreição: a Bíblia: "Começando por Moisés e
continuando pelos Profetas, explicava para os discípulos todas as
passagens da Escritura que falavam sobre ele" (v. 27). Moisés e
os Profetas significam, aqui, todo o Antigo Testamento. Jesus é a
chave de leitura de todo o Antigo Testamento. É o perfeito exe-
geta do Pai (Jo 1,18). Mostra-lhes, a partir do Antigo Testamen-
to, que o projeto do Pai tomou forma definitiva no Messias so-
fredor.
c. Jesus é aquele que partilha e comunica a vida (vv. 28-32)
9. Cativados pela Palavra de Jesus, os discípulos convidam-no
para que seja hóspede deles: "Fica conosco, pois já é tarde e a
noite vem chegando!" (v. 29). Aqui é preciso ir além da simples
constatação de que, como em diversos lugares do mundo, na
Palestina a noite cai depressa. O pedido dos discípulos é o pró-
prio apelo da comunidade cristã. De fato, quem sairia prejudica-
do pela noite que se aproximava: Jesus ou os discípulos? Estes,
apesar de terem uma casa onde ficar, acabariam privados da luz
que é Jesus. Nesse sentido, o apelo dos discípulos está bem pró-
ximo de outra invocação das primeiras comunidades: "Vem,
Senhor Jesus!" (Maranathá, cf. Ap 22,20).
10. Jesus aceita o convite em solidariedade à comunidade. De
fato, de hóspede passa a ser dono da casa, o anfitrião, pois é ele
quem lhes dá o pão: "Sentou-se à mesa com os dois, tomou o
pão, o abençoou, depois partiu e o dava a eles" (v. 31). Temos
nesse versículo os termos técnicos que indicam a Eucaristia. É o
segundo instrumento que leva à fé em Jesus ressuscitado: a parti-
lha, a comunicação da vida. E é também o momento decisivo,
porque os olhos dos discípulos se abrem e eles reconhecem Jesus
(v. 31) nesses dois meios fundamentais: a Sagrada Escritura e a
Eucaristia. Daí em diante é supérflua a presença física de Jesus.
Ele desaparece porque a comunidade possui os sacramentos da
presença dele: sua Palavra e seu gesto de partilha. Basta viver
isso para sentir o Cristo vivo e presente em nosso meio.
d. O testemunho dos discípulos é o prolongamento da vitória de
Jesus (vv. 33-35)
11. O dia da Páscoa se encerrou com a fração do pão, na qual os
discípulos reconhecem Jesus (no mundo bíblico o novo dia inicia
2. à noitinha). Estamos, pois, no amanhã da Páscoa, hora do teste-
munho da comunidade que experimentou a presença do Cristo
ressuscitado no meio dela. Lucas salienta que a hora do testemu-
nho inicia imediatamente (cf. v. 33), levando os discípulos de
volta a Jerusalém, lugar do testemunho de Jesus e lugar de onde,
após o Pentecostes (At 2,1-11) os discípulos sairão para levar a
mensagem ao mundo inteiro (Lc 24,47; cf. At 1,8).
12. Concluindo, podemos afirmar que a Palavra de Deus (Bí-
blia) e a partilha mudaram completamente a orientação de vida
daqueles dois discípulos. Aquilo que Jesus fez com eles o faz
também conosco hoje. Ele é a Palavra e o Pão partilhados. Quan-
do aprenderemos que, sem partilha, fraternidade e solidariedade,
estaremos caminhando num rumo que nos afasta sempre mais do
testemunho de Jesus?
1ª leitura (At 2,14.22-33): O Espírito faz nascer o testemunho
de Jesus ressuscitado
13. O trecho é parte do discurso de Pedro no dia de Pentecostes,
dirigido a todos os que "ouviam anunciar na própria língua as
maravilhas de Deus" (At 2,11). Pedro e os Onze dirigem-se de
modo especial aos "homens de Israel" (v. 22). O conteúdo da
pregação de Pedro é o anúncio básico das comunidades primiti-
vas (cf. os discursos de Pedro: 2,14-39; 3,12-16; 4,9-12; 5,29-32;
10,34-43, e o discurso de Paulo: 13,16-41).
14. Para Lucas, a ressurreição de Jesus desemboca no Pentecos-
tes (At 2,1-11) e na subseqüente pregação apostólica. Jesus disse
aos discípulos que eles seriam testemunhas (At 1,8) de sua morte
e ressurreição. De fato, o discurso de Pedro tem essa característi-
ca. Em Jesus, Deus manifestou integralmente seu projeto (v. 22),
levado às últimas conseqüências: a condenação à morte por meio
de um tribunal iníquo que, longe de promover a vida, favoreceu a
morte (vv. 23-24). Mas a justiça de Deus tem força para subver-
ter as forças da morte. Deus faz justiça a Jesus, ressuscitando-o
dos mortos e, mais ainda, impedindo, através dele, que a morte
gere mais mortes (v. 24). Dando vida a Jesus, Deus o tornou
Senhor e comunicador de vida. É dessa vida, nascida da ressur-
reição e da efusão do Espírito, que os discípulos se tornaram
anunciadores.
15. Pedro usa textos da Escritura (Sl 16,8-11) como prova defi-
nitiva da ressurreição de Jesus. Esse salmo, comumente atribuído
a Davi, fala da ação de Deus em favor de um doente, libertando-o
da sepultura. Ao citar esse salmo, Pedro certamente tinha presen-
te a releitura que dele fez a tradução dos Setenta, substituindo o
termo sepultura por decomposição do cadáver. Esse fato é, para
Pedro, ótima oportunidade para aí encontrar uma prova bíblica da
ressurreição de Jesus. De fato, diz ele, Davi morreu e até sabe-
mos onde está enterrado. Portanto, o salmo de Davi não falava
dele próprio, mas do seu descendente no trono, o Cristo. Neste,
sim, se realiza aquilo que Davi predissera: Jesus não experimen-
tou a decomposição porque Deus o ressuscitou. Não só. Jesus
recebeu o Espírito Santo e o comunicou aos apóstolos, que agora
dão testemunho, continuando a vitória de Cristo e dos cristãos
sobre a morte e todas as suas manifestações.
16. Lido num clima pascal, esse trecho nos impele em direção a
uma certeza e compromisso ao mesmo tempo. A certeza é que
Deus faz justiça, vencendo todas as formas de injustiça geradoras
de morte criadas pelo ser humano. Essa certeza tem como ponto
de partida e de referência a vitória de Jesus. O compromisso é
conseqüência desse testemunho. Ser cristão é ser parte, prolon-
gamento do Cristo e da sua vitória. É lutar contra todas as raízes
da injustiça geradora de morte, para que a ressurreição de Jesus
se manifeste, sob ação do Espírito, com toda sua capacidade de
transformação. De fato, Pedro em seu discurso, ao mesmo tempo
em que anuncia o cerne da nossa fé (ressurreição) denuncia o
poder político, econômico, religioso e ideológico que matou
Jesus (v. 23). O anúncio da ressurreição pressupõe, como parte
integrante, também a denúncia das estruturas que geram a morte
do povo.
2ª leitura (1Pd 1,17-21): Testemunhar em meio aos conflitos
17. Este texto, inicia com uma afirmação: "Vocês invocam
como Pai aquele que não faz distinção entre as pessoas, mas que
julga com justiça a cada um" (v. 17a — para compreender me-
lhor a situação dos destinatários desta carta, cf. 2ª leitura do
domingo passado: 1Pe 1,3-9). Numa sociedade marcadamente
dividida entre ricos e pobres, patrões e escravos, nativos e es-
trangeiros, onde os primeiros abusam dos segundos, a mensagem
cristã anuncia fortemente: diante de Deus todos são iguais! Tal é
a força nova e revolucionária da semente lançada por Jesus. Os
cristãos, por sua vez, devem "viver no temor de Deus" (v. 17b),
ou seja, procurar ser coerentes ao máximo com o projeto de Deus
no mundo hostil em que vivem.
18. A razão da constância dos cristãos está na ação de Jesus em
favor deles. Jesus deu o sangue para realizar esse projeto. Não
pagou com prata ou ouro a vida da nova sociedade. A ação de
Jesus se opõe à dos ricos e patrões que compram vidas humanas
para seu serviço. Jesus deu a vida, o sangue, para libertar as
pessoas, de modo que todos possam gozar dos bens do projeto de
Deus: liberdade e vida em plenitude (vv. 18-19).
19. Esse projeto de Deus se concretizou em Jesus, "manifestado
nos últimos tempos por causa de vocês" (v. 20). Os cristãos dis-
persos, pobres e perseguidos têm em si o poder de Deus, porque
Jesus se tornou pobre, escravo, solidário com os que sofrem, para
criar com eles e a partir deles a humanidade nova. Vivendo o
mesmo projeto de Jesus, os cristãos "crêem em Deus, que o res-
suscitou dos mortos e lhe deu a glória" (v. 21a), isto é, dão conti-
nuidade ao que Jesus fez com sua vida, morte e ressurreição. Isso
provoca perseguição e ódio, mas a luta que essas comunidades
sustentam é a própria luta de Deus: "A fé e a esperança de vocês
estão em Deus" (v. 21b).
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
20. O tema deste domingo pode ser sintetizado neste apelo: Reconhecer e testemunhar o
Cristo ressuscitado. Neste sentido, levar a comunidade a se questionar:
• Sobre o rumo da própria comunidade: em que direção estamos caminhando: Jeru-
salém ou Emaús?
• Sobre os gestos concretos nos quais se manifesta a presença do Ressuscitado. A
partilha da Palavra e do “Pão” nos levam a gestos concretos de partilha, fraternidade e
solidariedade? Em que consiste nosso testemunho?
• Sobre o testemunho que damos. Somos cristãos de fato, que crêem na vitória de Je-
sus sobre as forças de morte, comprometendo-se com ele?
• Sobre o testemunho numa sociedade conflitiva. Há em nossas comunidades sinais
de resistência e coragem diante das estruturas que tentam abafar e eliminar as teste-
munhas do projeto de Deus? Lembramos e estimamos os mártires de nossas comuni-
dades?