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Ensaios sobre o pensamento de
KKAARRLL PPOOPPPPEE
Paulo Eduardo de Oliveira
(organizador)
ensamento de
EERR
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 2
Não me considero especialista nem em ciência nem em
filosofia. Tenho, contudo, tentado com afinco, durante toda a
minha vida, compreender alguma coisa acerca do mundo em
que vivemos. O conhecimento científico e a racionalidade
humana que o produz são, em meu entender, sempre falíveis
ou sujeitos a erro. Mas são também, creio, o orgulho da
humanidade. Pois o homem é, tanto quanto sei, a única coisa
no universo que tenta entendê-lo. Espero que continuemos a
fazê-lo e que estejamos também cientes das severas
limitações de todas as nossas intervenções.
Karl Raimund Popper
(O mito do contexto)
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 3
Copyright © 2012
Todos os direitos desta edição reservados ao
CÍRCULO DE ESTUDOS BANDEIRANTES
OLIVEIRA, Paulo Eduardo de (org.)
Ensaios sobre o pensamento de Karl Popper / Paulo
Eduardo de Oliveira (org.). Curitiba: Círculo de Estudos
Bandeirantes, 2012.
ISBN
978-85-65531-02-3
1. Filosofia. 2. Filosofia da Ciência. 3. Epistemologia.
4. Filosofia Política.
Inclui bibliografia.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 4
CÍRCULO DE ESTUDOS BANDEIRANTES
Afiliado à Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Rua XV de Novembro, 1050 - Curitiba – Paraná
Fone: (41) 3222-5193
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Presidente: Prof. Dr. Clemente Ivo Juliatto
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Conselho Editorial
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Prof. Dr. Eduardo Rodrigues Cruz – PUCSP
Prof. Drª Etiane Caloy Bovkalovski – PUCPR
Prof. Dr. Euclides Marchi – UFPR
Prof. Dr. Gerson Albuquerque de Araújo Neto – UFPI
Prof. Dr. Jean Lauand – USP
Prof. Dr. Jean-Luc Blaquart – Universidade Católica de Lille (França)
Prof. Dr. João Carlos Corso – UNICENTRO
Prof. Dr. Joaquín Silva Soler – PUC-Chile
Prof. Drª Karina Kosicki Bellotti – UFPR
Prof. Dr. Lafayette de Moraes – PUCSP
Prof. Drª Márcia Maria Rodrigues Semenov – UNISANTOS
Prof. Drª Maria Cecília Barreto Amorim Pilla – PUCPR
Prof. Dr. Paulo Eduardo de Oliveira – PUCPR
Prof. Dr. Silas Guerriero – PUCSP
Prof. Dr. Uipirangi Franklin da Silva Câmara – FTBP
Prof. Drª Wilma de Lara Bueno – UTP
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 5
Nota do Organizador
A sequência dos capítulos não obedece a um critério
específico. No entanto, esta mesma sequência é utilizada
para a apresentação da breve biografia dos respectivos
autores dos capítulos, na sessão Sobre os Autores.
Procurou-se, ao longo de toda a obra, dar certa
homogeneidade aos formatos das citações e referências
bibliográficas utilizadas. Contudo, na medida do
possível, respeitou-se também o estilo de cada autor.
As notas de rodapé têm numeração sequencial em toda
a obra, independentemente do capítulo, de modo a
manter a unidade do trabalho.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 6
SSUUMMÁÁRRIIOO
AAPPRREESSEENNTTAAÇÇÃÃOO 8
SSOOBBRREE OOSS AAUUTTOORREESS 14
TTEEOORRIIAA DDAASS PPRROOPPEENNSSÕÕEESS
Gerson Albuquerque de Araujo Neto
19
OO PPLLUURRAALLIISSMMOO DDAA TTEESSEE DDOO MMUUNNDDOO 33 DDEE PPOOPPPPEERR
João Batista Cichero Sieczkowski
32
PPOOPPPPEERR,, AA DDEEMMAARRCCAAÇÇÃÃOO DDAA CCIIÊÊNNCCIIAA EE AA AASSTTRROOLLOOGGIIAA
Cristina de Amorim Machado
50
PPOOPPPPEERR EE AA QQUUEESSTTÃÃOO DDAA PPSSIICCAANNÁÁLLIISSEE
Ney Marinho
70
AALLGGUUMMAASS NNOOTTAASS SSOOBBRREE AA CCOOSSMMOOLLOOGGIIAA DDEE KKAARRLL
PPOOPPPPEERR
Julio Cesar R. Pereira
89
OO RREEAALLIISSMMOO EEMM PPOOPPPPEERR EE PPEEIIRRCCEE:: UUMM CCOONNTTRRAAPPOONNTTOO
José Francisco dos Santos
113
AA HHIISSTTÓÓRRIIAA DDAA CCIIÊÊNNCCIIAA EE AA EEPPIISSTTEEMMOOLLOOGGIIAA DDEE
PPOOPPPPEERR
Jézio Hernani Bomfim Gutierre
134
AASS RREELLAAÇÇÕÕEESS EENNTTRREE PPOOPPPPEERR EE KKUUHHNN
Elizabeth de Assis Dias
145
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 7
VVEERRDDAADDEE EE VVEERROOSSSSIIMMIILLHHAANNÇÇAA NNAA EEPPIISSTTEEMMOOLLOOGGIIAA
DDEE PPOOPPPPEERR
Gelson Liston
169
NNOOTTAASS SSOOBBRREE AA ““PPRROOPPEENNSSÃÃOO QQUUÂÂNNTTIICCAA”” PPOOPPPPEERRIIAANNAA
Raquel Sapunaru
184
AAPPRROOXXIIMMAAÇÇÃÃOO PPOOPPPPEERRIIAANNAA ÀÀ DDIISSTTIINNÇÇÃÃOO
EEXXPPLLIICCAAÇÇÃÃOO--CCOOMMPPRREEEENNSSÃÃOO
Gustavo Caponi
198
AA FFIILLOOSSOOFFIIAA DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR EE SSUUAASS IIMMPPLLIICCAAÇÇÕÕEESS
NNOO EENNSSIINNOO DDAA CCIIÊÊNNCCIIAA
Fernando Lang da Silveira
210
PPOOPPPPEERR EE AA EECCOONNOOMMIIAA:: EEXXIISSTTEE UUMM MMÉÉTTOODDOO PPRRÓÓPPRRIIOO
PPAARRAA AASS CCIIÊÊNNCCIIAASS DDAA SSOOCCIIEEDDAADDEE??
Brena Paula Magno Fernandez
231
IINNTTEERRVVEENNÇÇÃÃOO SSOOCCIIAALL EE DDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOO HHUUMMAANNOO
EEMM KKAARRLL PPOOPPPPEERR
Solange Regina Marin
252
NNOOTTAASS EEMM TTOORRNNOO DDOO DDEEBBAATTEE PPOOPPPPEERR––AADDOORRNNOO
Túlio Velho Barreto
274
LLIINNGGUUAAGGEEMM EE CCOONNHHEECCIIMMEENNTTOO:: KKAARRLL PPOOPPPPEERR
EE AA QQUUEESSTTÃÃOO DDAA CCOOMMUUNNIICCAAÇÇÃÃOO
Marcia Maria Rodrigues Semenov
295
ÉÉTTIICCAA EE TTOOTTAALLIITTAARRIISSMMOO:: AA CCRRÍÍTTIICCAA DDEE PPOOPPPPEERR AAOO
HHIISSTTOORRIICCIISSMMOO EE ÀÀ DDOOUUTTRRIINNAA DDOO PPOOVVOO
EESSCCOOLLHHIIDDOO
Paulo Eduardo de Oliveira
314
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 8
AAPPRREESSEENNTTAAÇÇÃÃOO
Karl Popper é a principal referência da epistemologia
contemporânea e suas ideias, como escreveu Imre Lakatos,
“constituem o mais importante desenvolvimento da filosofia
do século XX”. Para David Miller, um de seus discípulos e
principal assistente ao longo de muitas décadas, “poucos
filósofos sentiram uma sede de conhecimento tão revigorante e
insaciável”. Segundo o professor Leônidas Hegenberg,
tradutor da edição brasileira de A lógica da pesquisa científica,
Popper “se revela um dos pensadores mais fecundos de nosso
tempo, digno sucessor de Kant e Russell, e que só tem uns
poucos rivais de nota, como Carnap e Quine”.
A grandeza de seu pensamento decorre da
fecundidade e alcance de sua obra, traduzida em mais de 20
idiomas, cujos principais títulos, em forma de livro, são: A
lógica da pesquisa científica (1934), A miséria do historicismo (1944-
1945), A sociedade aberta e seus inimigos (1945), Conjecturas e
Refutações (1963), Conhecimento Objetivo (1972), Autobiografia
intelectual (1974), O eu e seu cérebro, escrito em parceria com
John C. Eccles (1977), Os dois grandes problemas da teoria do
conhecimento (preparado na década de 1930, mas publicado
apenas em 1979), a trilogia Pós-Escrito à Lógica da Pesquisa
Científica (1982-1983), Um mundo de propensões (1990) e O mito
do contexto (1994). Entre as publicações póstumas, destacam-se:
Em busca de um mundo melhor (1995), A lição deste século (1996),
O mundo de Parmênides (1998) e A vida é aprendizagem (1999).
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 9
No Brasil, a introdução do pensamento de Popper, em
língua portuguesa, se deu em 1959, pela publicação de A
sociedade aberta e seus inimigos, seguida por A lógica da pesquisa
científica (1974) e Conhecimento Objetivo (1975). Nas décadas de
1980 e 1990, surgiram novas traduções, publicadas em
Portugal e no Brasil, além de trabalhos de comentadores,
incluindo dissertações e teses sobre elementos diversos do
pensamento popperiano.
Algumas notas biográficas poderão ser úteis para
situar o filósofo em seu contexto. Karl Raimund Popper nasceu
em Viena, em 1902. Estudou matemática, física, filosofia e
psicologia, obtendo seu doutorado em 1928, na Universidade
de Viena. Casou-se em 1930, imaginando que sua carreira seria
definida pela dedicação ao ensino secundário de matemática e
física. Porém, foi estimulado a apresentar para publicação as
ideias que havia discutido com alguns intelectuais de Viena,
inclusive com membros do Círculo de Viena. Assim nasceu sua
primeira obra, Logik der Forschung [A lógica da pesquisa
científica], em 1934: note-se que a tradução inglesa, sob o título
The logic of scientific discovery, veio a público apenas em 1959.
Nos anos seguintes, Popper fez uma série de viagens a
convite de algumas universidades europeias e norte-
americanas, realizando conferências e divulgando sua obra.
Desse modo, tornou-se “filósofo profissional”.
Em 1937, por ser filho de família judia, fugiu da
perseguição nazista, emigrando com a esposa para a Nova
Zelândia, onde permaneceu até o final da Segunda Grande
Guerra. No início de 1946, partiu para a Inglaterra, para
assumir a cadeira de “Lógica e Método Científico”, na London
School of Economics. Membro da Royal Society, tornou-se Sir em
1965. Aposentado em 1969, foi eleito “Professor Emérito” da
Universidade de Londres. Desde então, nunca deixou de
estudar, escrever e fazer conferências em todo o mundo.
Continuou a viver de forma simples e modesta, em
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 10
Buckinghamshire, nas proximidades de Londres, até sua
morte, ocorrida em 1994.
Popper é reconhecido pela originalidade de sua
posição filosófica acerca da ciência. Considerado, como afirma
Neurath, “a oposição oficial do Círculo de Viena”,
desenvolveu uma abordagem crítica em relação à tendência
positivista. Para ele, nosso conhecimento, incluindo o
conhecimento científico, é sempre falível, conjectural e passível
de erro. Desse modo, propõe a falseabilidade como critério de
demarcação entre teorias científicas, de um lado, e teorias não
científicas ou pseudo-científicas de outro lado (além da
matemática, da lógica e da metafísica). Para tanto, Popper
sugere que a construção de teorias científicas se apoie não
mais na lógica indutiva, cujo problema ele afirma ter
resolvido, mas na lógica dedutiva, em razão da assimetria
lógica que descobre entre indução e dedução: enquanto, na
indução, muitos casos particulares não conseguem provar a
verdade de uma teoria, na dedução um só caso consegue
provar sua falsidade. Com efeito, teorias devem ser
apresentadas como conjecturas ousadas a serem submetidas a
testes rigorosos com o intuito de falseá-las ou, eventualmente,
de corroborá-las mas, jamais, de verificá-las ou confirmá-las de
modo absoluto.
Popper sustenta, então, que o que distingue a
racionalidade científica é a atitude crítica, mais preocupada
com a busca da verdade do que com a defesa de teorias que
possam eventualmente ocultá-la ou dela se afastar: daí sua
compreensão de que a ciência se assemelha a um pântano,
onde de vez em quando se encontra uma pedra firme.
Seu racionalismo crítico, como ficou conhecido o núcleo
de seu pensamento, coloca-se frontalmente contra algumas das
principais construções teóricas de seu tempo, sobretudo a
Psicanálise de Freud, a Psicologia Individual de Adler e o
Marxismo (além do Positivismo Lógico, como já dissemos). De
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 11
outro lado, Popper afirma inspirar-se em Einstein e também
em Darwin, cujo pensamento científico denota a estrutura
conjectural que ele tanto valoriza.
A base ética do pensamento popperiano assenta-se na
compreensão dos limites do conhecimento humano, de sua
fragilidade, e da absoluta falta de condições de se estabelecer
um critério de verdade. Desse modo, cabe-nos desenvolver a
atitude da modéstia intelectual que, como Sócrates, admite a
pequenez de nosso saber diante do abismo de nossa
ignorância. Tal concepção ética terá reflexos em sua
epistemologia e também em seu pensamento político.
Expressão disso é a crítica popperiana aos regimes totalitários
e às filosofias políticas que conduzem ao totalitarismo que, na
sua opinião, estão expressas sobretudo no pensamento de
Platão, Hegel e Marx.
A concepção popperiana de racionalidade crítica vai se
opor, de igual modo, a todas as expressões filosóficas
obscuras, que fogem da simplicidade e da clareza, virtudes
que devem ser a marca do discurso de todo intelectual,
segundo Popper. O principal alvo das críticas de Popper, neste
sentido, são os pensadores da Escola de Frankfurt, sobretudo
Adorno e Habermas. No campo da epistemologia,
principalmente, o pensamento de Popper não deixou de
produzir reações críticas. Entre as expressões mais vigorosas
dessa crítica devemos recordar os trabalhos de Imre Lakatos,
Thomas Kuhn e Paul Feyerabend. Porém, tais
posicionamentos críticos não foram capazes de ofuscar a
grandeza da obra de Popper, que teve a oportunidade de
discuti-los e replicá-los abertamente.
Os ensaios reunidos neste volume constituem
importante contribuição não apenas para a divulgação do
pensamento de Karl Popper, mas também para abrir
perspectivas críticas para a análise de sua obra e para uma
avaliação ponderada de suas propostas. Pela forma como o
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 12
próprio Popper entende sua filosofia, desde as primeiras
linhas, trata-se de “propostas” que obrigam-nos a “tentar
encontrar respostas novas e insuspeitadas”1. Nada estaria mais
distante do racionalismo crítico que uma tentativa de
transformá-lo em dogma e “moda filosófica” aceitos sem
crítica. Não sem razão, Popper sempre esteve aberto às
críticas, nascidas até mesmo de seus discípulos mais próximos,
como Lakatos, Kuhn e Feyerabend, como já dissemos. Tentava
ele, desse modo, viver o que ensinava ao insistir tantas vezes
na seguinte expressão: “Posso estar errado e vocês podem
estar certos, mas por um esforço poderemos nos aproximar da
verdade”2.
Os autores destes ensaios, sem exceção, são
pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, que se
dedicaram, em cursos de mestrado e/ou doutorado, a
apresentar pesquisas referentes à filosofia popperiana em seus
mais diferentes aspectos. Alguns artigos resultam destas
dissertações ou teses; outros são desenvolvimentos posteriores
das pesquisas realizadas. Atualmente, como se pode ver na
seção Sobre os Autores, estes pesquisadores se dedicam ao
ensino em cursos de graduação e pós-graduação, em
instituições espalhadas de norte a sul do país, representando
assim a riqueza dos pontos de vista e das análises a partir de
contextos diversos.
Os temas aqui tratados abrangem os principais
elementos da obra de Popper, permitindo ao leitor uma visão
de amplo horizonte das temáticas desenvolvidas pelo filósofo
austríaco, embora sem esgotar todos os aspectos que a obra de
Popper apresenta. Não há uma ordem pré-estabelecida entre
os capítulos, de modo a permitir uma leitura mais livre do
conjunto da obra.
1 POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1972, p. 39.
2 POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. São Paulo: EDUSP; Belo
Horizonte: Itatiaia, 1974, vol. 2, cap. 24, p. 232.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 13
Quero manifestar minha mais profunda gratidão a
todos os autores que participam desta publicação conjunta,
cujo empenho e dedicação a este trabalho é de reconhecido
mérito. Sem eles, esta obra não passaria de um sonho. Com
eles, ela se tornou realidade e, hoje, pode ser oferecida aos
leitores brasileiros que já conhecem a obra de Popper ou que a
ela estão sendo apresentados. É nossa esperança que estes
textos estimulem a todos para uma compreensão ampliada do
pensamento de Popper que, em última instância, como ele
mesmo afirmava, dedicou seu trabalho em prol da construção
de um mundo melhor.
Quero agradecer, de modo especial, ao Círculo de
Estudos Bandeirantes, órgão cultural agregado à Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, que aceitou a publicação
deste trabalho e envidou todos os esforços para sua produção
editorial.
Em nome dos meus co-autores, tomo a liberdade de
oferecer este trabalho a todos os nossos alunos, que são a razão
de nosso empenho em compreender sempre mais o valor do
conhecimento e, ao mesmo tempo, em desenvolver a atitude da
modéstia intelectual, que é, sem dúvida, a mais significativa
lição da vida e da obra de Popper.
Paulo Eduardo de Oliveira
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 14
SSOOBBRREE OOSS AAUUTTOORREESS
GGEERRSSOONN AALLBBUUQQUUEERRQQUUEE DDEE AARRAAUUJJOO NNEETTOO
Graduado em Engenharia Civil e Filosofia pela UFPI. Fez
Mestrado em Filosofia pela PUC-SP e Doutorado em
Comunicação e Semiótica pela mesma universidade. Fez Pós-
Doutorado em Filosofia pela UERJ. É professor Associado da
UFPI, onde leciona no Departamento de Filosofia e no
Mestrado em Ética e Epistemologia.
JJOOÃÃOO BBAATTIISSTTAA CCIICCHHEERROO SSIIEECCZZKKOOWWSSKKII
Professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS) e Doutor em Filosofia na área de Epistemologia
pela PUCRS. Licenciado e bacharel em filosofia pela UFRGS e
mestrado na PUCRS com a dissertação: A Falseabilidade, a tese
dos três mundos e o mundo três em Karl Popper. Leciona nas áreas
de metodologia científica e história e filosofia das ciências.
Entre outras publicações, publicou O pluralismo da tese dos três
mundos de Popper e a crítica de Habermas, em 2006, na Revista
Princípios.
CCRRIISSTTIINNAA DDEE AAMMOORRIIMM MMAACCHHAADDOO
Bacharel em Filosofia pela UERJ, mestre em Filosofia pela
PUC-Rio e doutora em Letras também pela PUC-Rio. Lecionou
nos Departamentos de Filosofia da UERJ, PUC e Bennett, e foi
bolsista PCI do MAST, onde desenvolveu pesquisa sobre o
Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). Atualmente é
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 15
professora adjunta do Departamento de Fundamentos da
Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
NNEEYY MMAARRIINNHHOO
Psiquiatra e Psicanalista. Membro Efetivo com funções
didáticas da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de
Janeiro (SBPRJ). Coordenador dos cursos: Estudo da obra de
W.R.Bion e Investigação Psicanalítica das Psicoses, no Instituto
da SBPRJ. Doutor em Filosofia (PUC-Rio). Pós doutorando no
Programa História das Ciências, Técnicas e Epistemologia
(COPPE/UFRJ). Realiza atualmente pesquisa sobre a noção
de loucura na Comunidade de Países de Língua Portuguesa
(CPLP).
JJUULLIIOO CCEESSAARR RR.. PPEERREEIIRRAA
Doutor em Filosofia pela PUCRS. Publicou: Epistemologia e
Liberalismo – Uma Introdução a Filosofia de Karl Popper e
organizou: Popper – As Aventuras da Racionalidade, além de
vários artigos em jornais e revistas. Lecionou na PUCRS,
UFSM, UEL, FACCAT.
JJOOSSÉÉ FFRRAANNCCIISSCCOO DDOOSS SSAANNTTOOSS
É graduado em Filosofia pela FEBE (atual Unifebe – Brusque-
SC), especialista em Fundamentos da Educação pela FURB
(Blumenau-SC), mestre e doutor em Filosofia pela PUC-SP. É
professor na Faculdade São Luiz e Unifebe (Brusque-SC) e
Faculdade Sinergia (Navegantes-SC).
JJÉÉZZIIOO HHEERRNNAANNII BBOOMMFFIIMM GGUUTTIIEERRRREE
Professor de Filosofia da Ciência e Filosofia da Linguagem no
departamento de Filosofia da Unesp-FFC-Marília. Sua área de
pesquisa estende-se pelos debates da epistemologia anglo-saxã
em torno do racionalismo e ontologia da ciência. Entre seus
recentes trabalhos publicados encontra-se a organização e
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 16
tradução de Escritos sobre ciência e religião, de T. H. Huxley
(2008).
EELLIIZZAABBEETTHH DDEE AASSSSIISS DDIIAASS
Doutora em Filosofia pela Universidade Estadual de
Campinas, professora de Filosofia da Ciência da Faculdade de
Filosofia e do Programa de Pós-graduação em Filosofia da
Universidade Federal do Pará. Publicou o livro Popper e as
Ciências Humanas.
GGEELLSSOONN LLIISSTTOONN
Gelson Liston é Doutor em Filosofia (UFSC, 2008) e Bolsista da
CAPES (Proc. BEX 9362/11-8). Atualmente, é professor
Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade
Estadual de Londrina. Atua principalmente na Graduação em
Filosofia e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia.
RRAAQQUUEELL SSAAPPUUNNAARRUU
Graduada em Física pela UFRJ, mestrado e doutorado em
Filosofia pela PUC-Rio. Atua como professora adjunta do
Instituto de Ciência e Tecnologia da UFVJM, onde ministra as
disciplinas de Fundamentos e Técnicas de Trabalho
Intelectual, Científico e Tecnológico, Questões de Sociologia e
Antropologia da Ciência e Questões de História e Filosofia da
Ciência e coordena o Núcleo de Filosofia e História da Física
Matemática (NUFIHM).
GGUUSSTTAAVVOO CCAAPPOONNII
Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência (UNICAMP, 1992), é
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade
Federal de Santa Catarina e bolsista do CNPq. Ele é autor de:
Georges Cuvier: un fisiólogo de museo (UNAM: México, 2008);
Buffon (UAM: México, 2010) e La segunda agenda darwiniana
(Centro Lombardo Toledano: México, 2011).
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 17
FFEERRNNAANNDDOO LLAANNGG DDAA SSIILLVVEEIIRRAA
Licenciado em Física e mestre em Física pela UFRGS. Doutor
em Educação pela PUCRS. Professor associado, lotado no IF-
UFRGS, lecionando na graduação e membro permanente do
Programa de Pós-Graduação em Ensino da Física. Produção
intelectual relacionada ao ensino de Física, com ênfase em
Tópicos de Física Geral, História e Filosofia da Ciência e
Métodos Quantitativos aplicados à Pesquisa em Ensino de
Física.
BBRREENNAA PPAAUULLAA MMAAGGNNOO FFEERRNNAANNDDEEZZ
Economista, formada pela UFRJ. Especialização em Filosofia
Econômica pela FGV/RJ. Pós-Graduação em Lógica, Filosofia
Pragmática e Filosofia Econômica pela Johann Wolfgang Von
Goethe Universität – Frankfurt/Alemanha. Mestrado em
Filosofia e Doutorado em Ciências Humanas pela UFSC. Pós-
Doutorado em Epistemologia pela USP. Atualmente trabalha
como Professora Adjunta do Departamento de Economia da
Universidade Federal de Santa Catarina.
SSOOLLAANNGGEE RREEGGIINNAA MMAARRIINN
Graduada em Ciências Econômicas, Mestre em
Desenvolvimento Rural e Doutora em Desenvolvimento
Econômico, com estágio de doutoramento na Marquette
University/WI-USA. Atualmente é professora do curso de
Ciências Econômicas e do Mestrado em Economia e
Desenvolvimento da UFSM.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 18
TTÚÚLLIIOO VVEELLHHOO BBAARRRREETTOO
Cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco.
Recentemente, publicou os livros Na Trilha do Golpe – 1964
Revisitado (2004), A Nova República – Visões da Redemocratização
(2006) e 1964 – O Golpe Passado a Limpo (2007).
MMAARRCCIIAA MMAARRIIAA RROODDRRIIGGUUEESS SSEEMMEENNOOVV
Filósofa, Pedagoga, Bacharel em Direito, Comunicóloga e
Semioticista. Experiente em Magistério desde os 17 anos de
idade. Doutora em Comunicação e Semiótica, Mestre em
Filosofia, ambos pela PUC-SP; Bacharel e Licenciada em
Filosofia na USP; Pedagoga pela UNIMES; Bacharel em Direito
pela “Católica UniSantos”onde é Professora Titular. Leciona
Filosofia da Ciência, Ontologia, Metodologia da Pesquisa
Científica e Ética e Legislação. Publicou muitos artigos de
Filosofia. Lecionou na UNISANTA e UNILUS.
PPAAUULLOO EEDDUUAARRDDOO DDEE OOLLIIVVEEIIRRAA
Filósofo, com Pós-Doutorado pela UFPR. Doutor e Mestre em
Filosofia das Ciências Humanas pela PUCSP. Graduado em
Filosofia pela PUCPR. Atualmente, é professor titular do
Departamento de Filosofia da PUCPR, em Curitiba. Autor,
entre outros, de Introdução ao pensamento de Karl Popper
(Champagnat, 2010, em parceria com o Prof. Bortolo Valle) e
Da ética à ciência: uma nova leitura de Karl Popper (Paulus, 2011).
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 19
CAPÍTULO 1
TTEEOORRIIAA DDAASS PPRROOPPEENNSSÕÕEESS
Gerson Albuquerque de Araujo Neto
A obra de Karl Popper, um dos maiores filósofos do
século XX, é bastante eclética. Abrange desde a questão da
demarcação do conhecimento científico, o problema da
indução, o marxismo, a história, a probabilidade, etc. Todos
estes assuntos foram tratados com profundidade,
apresentando respostas originais e polêmicas para muitas
destas questões. O objetivo deste texto é analisar a Teoria das
Propensões de Karl Popper. Esta é sua proposta para resolver
algumas questões das teorias das probabilidades.
Popper afirma que se aproximou dos problemas das
probabilidades por acreditar que “yet we still lack a
satisfatory, consistent definition of probability; or what
amouts to much the same, we still lack a satisfactory axiomatic
system for the calculus of probability” (POPPER, 1980, p.
146)3.
Acrescenta Popper que os epistemólogos precisam
explicar melhor a relação entre a probabilidade e a
3 Na tradução brasileira de Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota,
publicada pela Edusp, com o título A Lógica da Pesquisa Científica, em 1993, 9ª ed.,
página 160, afirma: “continua a faltar uma definição coerente e satisfatória de
probabilidade, ou, o que vale aproximadamente dizer o mesmo, continua faltar um
sistema satisfatório para o cálculo de probabilidades”. Uma nota de esclarecimento
precisa ser feita. As citações por nós utilizadas algumas vezes aparecem em inglês,
outras vezes aparecem em português. Na escolha, utilizou-se o critério de maior
clareza.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 20
experiência. De fato, no mesmo texto, mais adiante, ele
observa: “the ralations between probability and experience are
also still in need of clarification” (POPPER, 1980, p. 146)4.
Alguns críticos de Popper entendiam que o cálculo das
probabilidades entrava em conflito com sua teoria
demarcatória da ciência, o falseacionismo. Contudo, para
Popper, esse conflito era apenas aparente. Sobre esse fato, ele
afirma: “in investigating this problem we shaw discover what
will at first seem na almost insuperable objection to my
methodological views” (POPPER, 1980, p. 146)5.
Ele resolveu, então, elaborar uma teoria do cálculo das
probabilidades, tentando superar essa aparente confrontação,
advertindo, no entanto, que desenvolverá esta sua teoria na
linha adotada por Richard Von Mises, a teoria das
probabilidades em termos de frequência. Observa, porém, que
não adotará o axioma do limite ou axioma da convergência.
Popper, também, se propõe a resolver o problema da
relação entre probabilidade e experiência. A esse, ele chamou
de problema de decidibilidade das sentenças probabilísticas.
Queria com isso ajudar os físicos a sair de uma situação
em que as teorias das probabilidades, à sua disposição, eram
insatisfatórias. Isto está claro quando ele afirma: “my hope is
that investigations will help to relieve the present
unsatisfactory situation in which physicists make much use of
probabilities wilthout being able to say, consistently they
mean by ‘probability’” (POPPER, 1980, p. 146-147)6.
4 Trad. brasileira, p. 160: “As relações entre probabilidade e experiência também
reclamam esclarecimento”.
5 Trad. brasileira, p 160: “Ao investigar esse problema, descobriremos o que, à
primeira vista, parecerá um obstáculo quase insuperável a minhas concepções
metodológicas”.
6 Trad. brasileira, p. 161: “Espero que essas investigações ajudem a afastar a
insatisfatória situação atual em que os físicos se encontram, fazendo amplo uso das
probabilidades sem estarem habilitados a dizer, coerentemente, o que pretendem
dizer com ‘probabilidade’”.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 21
Embora Popper tenha começado a escrever sobre a
Teoria das Propensões no seu livro Lógica da Pesquisa Científica,
ele escreveu esta teoria no Pós-Escrito à Lógica da Descoberta
Científica, como aponta seu discípulo David Miller numa
conferência, de uma série realizada pelo Royal Institute of
Philosophy, no período de outubro de 1994 e março de 1995.
Posteriormente, essas conferências foram transformadas em
livro, com o título Karl Popper: Philosophy and Problems.
TEORIA DAS PROBABILIDADES
A palavra probabilidade possui diversas acepções e
diversas são as suas aplicações. Na economia, nos jogos, na
estatística, etc. Podemos arriscar dizer que é difícil um campo
de estudo que não aplique um pouco de probabilidade no seu
trabalho. Observamos que a ciência da saúde, os diversos
campos da tecnologia, a política e qualquer outra ciência
sempre se defrontam com imprecisões ou situações que
requerem o uso de probabilidade. Portanto, os teóricos dessas
ciências precisam, em alguns casos, da aplicação da
probabilidade. Na pior das hipóteses, um teórico de uma
ciência qualquer precisa conhecer noções elementares de
probabilidade. Dessa forma, ressaltando sua importância, Jan
Von Plato se reporta à relação da probabilidade com a física:
“The developement of phisics has had a profund influence on
our ideas about probability” (PLATO, 1994, p. 10).
O problema da teoria das probabilidades não pode,
portanto, ser dissociado do estudo da filosofia da ciência,
porque está ligado à ciência. Logo, qualquer reflexão sobre a
ciência tem que envolver, em algum momento, a questão da
probabilidade. Além do que David Miller, no seu livro Critical
Rationalism a Restament and Defence, afirma: “One of the
principal challenges confronting any objectivist theory of the
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 22
scientific knowledge is to provide a satisfactory understanding
of physical probabilities” (MILLER, 1994, p. 176).
NASCIMENTO E BREVE HISTÓRIA DA PROBABILIDADE
Entre os primeiros grandes teóricos das teorias das
probabilidades encontramos Bernouilli, Bayes e Laplace. Eles
definiam a probabilidade como o quociente entre o número de
casos favoráveis e o número de casos possíveis.
A questão da probabilidade não foi discutida e nem
desenvolvida pelos gregos e nem tampouco por nenhum
matemático antigo. Durante a Idade Média, o assunto não
interessou a nenhum pensador. A primeira obra de que se tem
notícia que abordou a probabilidade foi um manual de
matemática, escrito no século XVI, pelo italiano Girolamo
Cardano. Porém, o assunto era tratado de forma superficial.
A questão só veio a despertar interesse na França, a
partir de 1650. Nessa época, o jogo era algo bastante popular
na sociedade francesa. Cada vez mais, sofisticado e intrigante,
ele despertou um interesse de alguns estudiosos em encontrar
uma teoria matemática que conseguisse apresentar resultados
relativos aos chamados jogos de azar.
Um famoso jogador francês, chamado De Méré,
desenvolveu um método para o estudo de tais jogos. Contudo,
ele encontrou resultados diferentes entre os observados nos
jogos e os previstos pelo seu método. Ele resolveu, então,
inquirir o famoso matemático e filósofo Blaise Pascal sobre
esse problema. Pascal, naquele momento vivendo em Paris,
dedica-se ao problema e, nessa época, mantém uma
correspondência com outro grande matemático, Pierre Fermat
que residia em Toulouse. Dentre os inúmeros problemas
discutidos entre os dois está o problema da probabilidade. A
partir destas cartas, são estabelecidas as bases para todos os
trabalhos sobre probabilidade. A conclusão de Pascal e Fermat
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 23
foi a de que o cálculo de De Méré estava errado. Ele estava
tentando aplicar fórmulas que só eram válidas em caso geral,
não sendo aplicáveis em casos específicos.
O primeiro tratado matemático formal sobre
probabilidade foi escrito por Christiaan Huygens, em 1657.
Para escrever esta obra, Huygens se baseou na
correspondência Pascal-Fermat. Outra obra importante na
história da probabilidade foi a Ars Conjectandi, de 1713,
redigida pelo famoso matemático Jakob Bernoulli. Aliás, a
família Bernoulli contribuiu muito para o desenvolvimento da
probabilidade. Outros de seus membros, Daniel Bernoulli, por
exemplo, escreveu tratados matemáticos sobre a
probabilidade. Dentre os matemáticos que se preocuparam
com o problema da probabilidade, podemos citar Abraham De
Moivre, Leonhard Euler, Joseph Louis Lagrange e Pierre
Simon Laplace.
Essa definição clássica de probabilidade, mencionada
acima, foi contestada por Hans Reichenbach e Richard Von
Mises. Estes dois pensadores vão propor a substituição do
número de casos pela medição de frequência relativa. Esta
frequência relaciona um determinado número de casos com a
classe a que estes casos pertencem. Já a frequência absoluta
seria a classe por completo.
Alguns pensadores acreditam que o problema da falta
de certeza na previsão de alguns fenômenos está na
incapacidade do sujeito que estuda estes fenômenos. Muitos
pensadores, então, resolveram desenvolver teorias que
trabalhassem as teorias das probabilidades pela ótica
subjetiva, entre os quais estava Keynes.
Lorde Maynard Keynes, um dos maiores economistas
do século XX, desenvolveu uma teoria subjetiva da
probabilidade. Esta era bem mais requintada que as anteriores.
Nela, ele propõe um cálculo de medida de aproximação lógica
entre os enunciados científicos. Assim, se tivermos dois
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 24
enunciados, estes podem estar numa relação de
incompatibilidade, independência mútua ou de
deduzibilidade. Na teoria de Keynes, se os enunciados p e q
forem incompatíveis, a relação de probabilidade será zero e se,
por outro lado, forem dedutíveis, será igual a um. Os valores
intermediários entre zero e um são obtidos da dedução de p e
q, sendo que a probabilidade p dado q aumenta quando o seu
conteúdo é menor do que o que já está contido em q.
CRÍTICAS DE POPPER ÀS TEORIAS DAS PROBABILIDADES
Popper critica, e com, razão, a definição clássica de
probabilidade, que é o resultado da divisão do número de
casos favoráveis pelo número de casos possíveis. Para ele, esta
definição leva a embaraços lógicos. Estes casos favoráveis, por
exemplo, dependem de quê? Para um defensor da
interpretação subjetiva da probabilidade, eles estariam ligados
à crença que o sujeito tem nestes casos. Desta forma, o grau de
probabilidade estaria ligado aos sentimentos inerentes ao
sujeito, tais como certeza, dúvida, etc.
Para Popper, é complicada a aplicação desta
probabilidade psicológica nos casos de probabilidade
numérica. Aliás, ele é um crítico do conhecimento subjetivo e,
portanto, um defensor do conhecimento objetivo. Por sinal, este é
o título de uma de suas obras.
Ele acredita, inclusive, que o conhecimento objetivo vai
ajudar na formação da nossa subjetividade. Portanto, muitas
vezes, nossas crenças e nossos sentimentos são resultados de
um processo que tem como base o nosso conhecimento
objetivo.
Podemos dizer, ainda, que na realidade Popper não
rejeita o conhecimento subjetivo. Ele, na verdade, condena a
posição daqueles que defendem esta forma de conhecimento
como única. Acredita, também, que estes dois tipos de
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 25
conhecimento se relacionam, de modo que tanto o
conhecimento subjetivo ajuda a formar o conhecimento
objetivo como vice-versa. Popper vai além e afirma: “Esta via é
seguida com muito mais frequência do que a que vai do
conhecimento subjetivo para o conhecimento objetivo”.
Na sua obra Lógica da Pesquisa Científica, Popper faz
uma exposição da Teoria Frequencial das Probabilidades de
Richard Von Mises. Popper aponta contradições nesta teoria e
afirma ser projeto seu rejeitar as teorias subjetivas da
probabilidade e elaborar uma teoria frequencial da
probabilidade que pudesse superar os problemas das teorias
até então apresentadas.
Popper vai concordar com as críticas a Von Mises pelo
conceito e por ele ter, em sua teoria, combinado os axiomas da
aleatoriedade e da convergência. Alerta Popper que a
aplicação do “conceito matemático de limite ou de
convergência a uma sequência que, por definição (ou seja, por
força do axioma da aleatoriedade) não deve estar sujeito a
qualquer regra ou lei matemática” (POPPER, 1993, p. 169).
Diante disso, ele se propõe a melhorar o axioma da
aleatoriedade e eliminar o axioma da convergência,
classificando estas duas tarefas em um problema de
matemática e um problema epistemológico.
Na Lógica da Pesquisa Científica, Popper desenvolve,
então, uma teoria das probabilidades, que ele vai modificar
depois, ao apresentar a sua Teoria das Propensões. Esta sua
primeira teoria das probabilidades já se caracteriza como uma
teoria objetiva das probabilidades.
Nessa sua primeira teoria das probabilidades, Popper
utiliza a Fórmula Binomial de Newton e também o Teorema
de Bernoulli. Ele elimina o axioma da convergência, fazendo
uma axiomatização de sua teoria das probabilidades.
Quando Popper ainda acreditava que a questão das
probabilidades poderia ser resolvida com as teorias das
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 26
probabilidades em termos de frequência, apresentou uma
regra do cálculo de probabilidades, que ele mesmo chamou de
“uma forma do teorema de Bayes” (POPPER, 1987, p. 259).
Esta fórmula é a seguinte: “Desde que p(a)=0 e que b seja
previsível a partir de a, p(a,b) aumenta com p(b), quer dizer,
com a probabilidade absoluta de não b, que é o mesmo que a
improbabilidade lógica de b, ou Ct(b), o conteúdo de b”
(POPPER, 1987, p. 259). Depois, Popper abandona este projeto
e investe em uma nova proposta intitulada teoria das
propensões.
TEORIA DAS PROPENSÕES
A teoria das propensões segue a mesma definição
clássica de probabilidade, só que, enquanto nesta o quociente
se dá entre o número de casos favoráveis e o número de casos
possíveis, e estes casos possíveis, por definição, são iguais, na
teoria das propensões isto não ocorre. Os casos possíveis
assumem valores diversos, o que provoca pesos diferentes
entre eles.
Para Popper, na teoria das propensões, os enunciados
singulares estariam sujeitos às propensões. São elas que os
determinariam. Portanto, as propensões adquirem uma
importância fundamental no que diz respeito ao estudo dos
enunciados singulares.
Considera Popper que estas propensões ou pesos são
como forças físicas que atuam na possibilidade. A este
respeito, ele explica:
é uma interpretação física das possibilidades, que considera
não serem simples abstrações, mas sim tendências ou
propensões físicas para ocasionar o estado de coisas possível –
tendência ou propensões para efectuar aquilo que é possível
(POPPER, 1987, p. 292).
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 27
Ele acreditava que estas propensões podiam ser
expressas em forma de frequências relativas. Estas seriam,
assim, tradução matemática de uma propensão. As
propensões não poderiam ser visualizadas. Mas, poderiam ser
expressas matematicamente.
As teorias clássicas das probabilidades constituem-se
em um caso da teoria das propensões, onde as possibilidades
assumem pesos iguais. Portanto, a teoria das propensões não
vem para romper com as teorias clássicas das probabilidades,
mas para complementá-las. Ela procura acrescentar
tendências, ou como Popper utiliza “propensões”, para
possíveis resultados de eventos probabilísticos. Ele chega,
inclusive, a dizer que acha válidas outras teorias objetivas das
probabilidades.
Na teoria clássica, a probabilidade é dada pela fórmula:
p(a,b)=r, onde se lê: a probabilidade de acontecer a, dado b, é
igual a r. Já na teoria das propensões, a mesma fórmula é lida
da seguinte maneira: “Na interpretação em termos de
propensão, é a asserção de que as condições b produzem uma
propensão r em que se realize o resultado a” (POPPER, 1987,
p. 296).
No volume 1 do “pós-escrito”, Popper esclareceu que
prefere usar o termo grau de corroboração no lugar de
probabilidade, da seguinte forma:
Nesta secção pretendo apenas discutir uma questão
terminológica – as minhas razões para propor que se fale de
‘grau de corroboração’ e não de probabilidade de uma
hipótese à luz dos testes. A minha razão principal é, é claro,
que esta última expressão – ainda que perfeitamente legítima
– presta-se a provocar confusões (POPPER, 1987, p. 236).
Para Popper, as propensões não dependem
exclusivamente do objeto estudado, mas, também, da situação
em que o fenômeno está inserido. Vejamos o que Popper
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 28
declara: “Eu salientara que as propensões não deviam ser
vistas como propriedades inerentes a um objeto, como dado
ou moeda, mas sim como inerentes a uma situação (da qual o
objeto faz parte)” (POPPER, s/d, p. 26).
Nestas palavras de Popper, podemos ver a importância
que ele atribui à situação em que ocorre o evento. Esta,
inclusive, pode ser determinante na alteração das propensões.
Através de sua teoria das propensões, Popper vai
aceitar que todas as variáveis, ou que a maior parte delas,
sejam levadas em conta nos experimentos. Popper afirma: “É a
hipótese de que todos os dispositivos experimentais (e,
portanto, todos os estados de um sistema) geram propensões
que podem, por vezes, ser testados com frequências”
(POPPER, 1987, p. 358).
Para ele, os experimentos da física quântica, como a
experiência da dupla fresta, por exemplo, confirmam estas
suas ideias.
Mas qual a principal diferença entre a interpretação em
termos de frequência e a interpretação em termos de
propensão? Segundo Popper, “a principal diferença entre a
interpretação em termos de frequência e a interpretação em
termos de propensão reside no estatuto dos enunciados
probabilísticos singulares” (POPPER, 1987, p. 259).
Para os defensores da teoria da frequência, os
enunciados singulares não possuem muita importância.
Porém, para a teoria das propensões, estes representam o
resultado de uma propensão.
Continuando com esta reflexão sobre a diferença entre
a teoria das propensões e a teoria frequencial das
probabilidades, Popper afirma que, na teoria frequencial, se
“atribui uma probabilidade ao acontecimento individual
apenas enquanto este acontecimento individual for um
elemento de uma sequência de acontecimentos com uma
frequência relativa” (POPPER, 1987, p. 292).
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 29
Na teoria das propensões, o caso é diferente, como
afirma Popper:
Em oposição a isto, a interpretação em termos de propensão
associa uma probabilidade a um acontecimento individual
enquanto este é representativo de uma sequência de
acontecimentos virtual ou concebível, e não enquanto ele é um
elemento de uma sequência concreta (POPPER, 1987, p. 292).
CRÍTICAS A POPPER
A teoria das propensões de Popper recebeu diversas
críticas. Ele mesmo classifica a mais séria:
Deste modo pode-se esperar evitar o que a mim parece ser o
aspecto mais objectável da interpretação em termos de
propensão: a sua semelhança intuitiva com ‘forças vitais’ e
antropomorfismos semelhantes, de que tantas vezes se disse
serem pseudo-explicações estéreis (POPPER, 1987, p. 355).
A nosso ver, estas acusações têm consistência. Pode-se
perceber um cunho metafísico na teoria das propensões
quando analisamos a seguinte afirmação de Popper: “Assim,
as frequências relativas podem ser consideradas o resultado,
ou a expressão exterior, ou aparência de uma disposição,
tendência ou propensão física oculta e não diretamente
observável” (POPPER, 1987, p. 292).
Constatamos haver, nesta afirmação, a incorporação ao
discurso popperiano de um pensamento semelhante aos dos
metafísicos. Ele fala de “propensão física oculta” e “não
diretamente observável”, e isto é muito parecido com o
discurso metafísico.
E como testar estas forças, estas propensões? Segundo
Popper, “uma hipótese respeitante à força desta disposição,
tendência ou propensão física pode ser testada por estatísticos,
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 30
quer isto dizer, por observações de frequências relativas”
(POPPER, 1987, p. 292).
A defesa de Popper se apega ao fato de os cientistas
terem introduzido a ideia ou conceito de força para explicar
algumas teorias físicas que apresentavam alguns problemas.
Este conceito de força não encontra nenhum objeto físico que o
corresponda, ou seja, não existe nenhum objeto no universo
que seja uma força. Ou seja, no discurso científico há o
emprego de conceitos que não têm observação empírica.
REFERÊNCIAS
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Open Court, 1994.
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1985.
NEIVA, Eduardo. O Racionalismo crítico de Popper. Rio: Francisco Alves,
1999.
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University Press, 1994.
PELUSO, Luis Alberto. A Filosofia de Karl Popper. Campinas: Papirus,
1995.
POPPER, Karl. The logic of scientific discovery. London and New York:
Routledge, 1987. A edição brasileira está intitulada A Lógica da pesquisa
científica. 9 ed. trad. Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São
Paulo: Cultrix/Edusp, 1993.
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Horizonte: Itatiaia/São Paulo: Edusp, 1975.
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realismo e o objetivo da ciência. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987.
_______. Pós-Escrito à Lógica da descoberta científica. Volume 2. O
universo aberto. Argumentos a favor do indeterminismo. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 1988.
_______. Pós-Escrito à Lógica da descoberta científica. Volume 3. A teoria
dos quanta e o cisma da física. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987.
_______. Um mundo de propensões. Lisboa: Fragmentos, s. d.
SCHILPP, Paul (ed.). The Philosophy of Karl Popper. La Salle: Open Court,
1974.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 32
CAPÍTULO 2
OO PPLLUURRAALLIISSMMOO DDAA TTEESSEE DDOO MMUUNNDDOO 33 DDEE PPOOPPPPEERR
João Batista Cichero Sieczkowski
Para Popper, os dois problemas fundamentais da
epistemologia são os problemas da indução e da demarcação.
Sendo assim, consideramos que, para ele, os dois problemas
fundamentais da Nova Metafísica são os problemas da relação
entre corpo-mente e o da existência e realidade dos objetos
matemáticos. Esses dois problemas têm uma âncora em
comum que ajuda Popper a chegar a uma solução: a Tese dos
Três Mundos (TTM) e o Mundo 3 (M3).
Pouco se tem dito a respeito da importância dessa tese
para a epistemologia de Popper, mesmo porque, muitos a
relacionam ao idealismo de Platão, sem mesmo entender a
proposta popperiana. Dessa forma, o problema aqui será o
seguinte: qual é o sentido da Nova Metafísica que Popper
oferece aos seus leitores? Ora, Popper propõe uma nova
maneira de conceber a metafísica e de compreender essa
realidade como não-física e não-psíquica. Assim, o nosso
objetivo é contribuir para o esclarecimento do papel do M3,
em sua realidade, e a existência, dentro da TTM de Popper.
Para que isso se cumpra é preciso lançar luzes à Nova
Metafísica de Popper, onde a TTM e o M3 estão inseridos.
Procuraremos desenvolver esse trabalho a partir destes
5 pontos: (1) A ciência com ou sem metafísica? Popper e o
positivismo lógico de Viena; (2) O que é metafísica?; (3) Qual
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 33
metafísica?; (4) O M3 de Popper; (5) Qual realidade? O
conceito de realidade.
1. A CIÊNCIA COM OU SEM METAFÍSICA?
Iniciemos pela relação entre Popper e o positivismo
lógico de Viena. Popper trata, no livro O Realismo e o Objectivo
da Ciência, na seção 21, do problema da eliminação da
metafísica. Os pensadores que pretendiam eliminar a
metafísica defendiam a ideia de uma ciência possuidora de
uma linguagem científica universal, e pretendiam unificar
todo o conhecimento científico por meio desta linguagem. Eles
eram os positivistas lógicos do assim chamado Círculo de
Viena. Dessa forma, esses pensadores falavam de uma análise
da linguagem onde a metafísica seria excluída, porque as suas
proposições não teriam sentido. Seria uma operação-limpeza.
O objetivo era o de limpar as teorias científicas, o discurso
científico de termos e proposições sem sentido. A ciência
deveria alcançar o seu objetivo maior que seria o de livrar-se
da metafísica. Mas, podemos eliminar todos os elementos
metafísicos da ciência? Os positivistas lógicos afirmavam que
sim. E, para tanto, desenvolviam métodos e técnicas que
serviriam de bisturi para tal operação, ou seja, análise.
Popper é enfático em sua afirmativa: “Não creio que a
metafísica seja algo sem-sentido, e não acho que seja possível
eliminar todos os ‘elementos metafísicos’ da ciência: eles estão
intimamente entrelaçados com os restantes” (POPPER, 1987, p.
195). Aqui está a primeira razão para a eliminação parcial da
metafísica, mas não completa como queriam os positivistas
lógicos. Popper percebia muito bem que havia elementos
metafísicos que poderiam ser eliminados, porque o que estava
equivocado no positivismo lógico era a eliminação completa e
definitiva da metafísica, e não simplesmente a eliminação de
alguns termos ou proposições da metafísica. Mesmo a
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 34
eliminação completa e definitiva seria impossível dado ao fato
de que estes elementos estão entrelaçados, segundo o próprio
Popper. Popper aceitava que alguns elementos fossem
eliminados para melhorar as ciências. Portanto, seria uma
eliminação parcial, que beneficiasse o avanço da ciência.
Diz Popper: “Pois a eliminação de um elemento não
testável da ciência remove um meio de se evitarem refutações;
e isto terá tendência para aumentar a testabilidade ou
refutabilidade da teoria em causa” (POPPER, 1987, p. 195).
Essa é a segunda razão contra a eliminação parcial e não
completa da metafísica. Imunizar uma teoria contra a
refutação é deixar de jogar o jogo da ciência para Popper. Usar
termos ou proposições metafísicas para camuflar uma
refutação é uma estratégia que impossibilita o avanço da
ciência. Os positivistas lógicos pensavam que o seu critério de
demarcação pudesse servir para identificar esses elementos
metafísicos e eliminá-los, por meio de técnicas linguísticas e
gramaticais. Popper apenas diz que o seu critério de
demarcação não se destina a ser uma técnica com essa
finalidade. Aliás, Popper vai além do formalismo dos
positivistas lógicos. Não podemos parar na eliminação de
termos ou proposições metafísicas, mas temos que reconstruir
a teoria afetada mediante uma nova interpretação. Diz Popper:
Não se pode construir nada sobre esses ‘dados’, mesmo se
supusermos que eles existem. Mas não existem: não há ‘dados’
não interpretados; não há nada que nos seja simplesmente
‘dado’, sem ser interpretado; nada que se tome como base.
Todo o nosso conhecimento é interpretação à luz das nossas
expectativas, das nossas teorias, e é, portanto, de alguma
maneira, hipotético (POPPER, 1987, p. 125).
Portanto, devemos melhorar uma teoria por meio da
crítica.
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Popper não pretendeu reduzir o positivismo lógico ao
papel de exterminador da metafísica, mas reconhece a
importância dos problemas levantados pelos participantes do
Círculo de Viena. Em Carnap, o objetivo de eliminar a
metafísica é bem claro. Na Sintaxe Lógica da Linguagem (1934),
Carnap quer
mostrar que as questões metafísicas tradicionais são pseudo
questões, na medida em que o seu mistério assenta na
confusão e na mistura de expressões que se referem aos
objectos do mundo e expressões que se referem às próprias
propriedades da linguagem (GRANGER, s/d, p. 87-100).
A metafísica, para Popper, cumpre um papel
importante, enquanto que no positivismo lógico não há
nenhum aspecto positivo na metafísica. Qual é o papel da
metafísica para Popper? Ora, se a metafísica não é totalmente
exterminada da ciência, então é justo que cobremos de Popper
a importância da metafísica. Em que sentido a metafísica é
positiva em Popper, então? A metafísica deve ser examinada
por outros métodos que não sejam os científicos. A
testabilidade, como critério, serve só para teorias científicas.
Porém, uma teoria metafísica pode vir a tornar-se uma teoria
científica, isto é, uma teoria testável. Os exemplos de Popper
são o atomismo de Leucipo e Demócrito e o mecanicismo de
Descartes. Assim, a função da metafísica é (a) indicar a direção
da busca de uma teoria científica; (b) indicar o tipo de
explicação que satisfaz essa busca; (c) permitir uma apreciação
crítica de uma teoria científica. Por fim, a metafísica estimula o
progresso da ciência, incitando o debate racional de teorias.
O limite do critério de verificação empírica do
positivismo lógico de Viena é, no entender de Popper, estreito
demais porque não consegue constatar a presença de termos e
proposições metafísicas dentro da ciência. Por outro lado, o
critério positivista é largo demais, porque inclui o que deveria
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ser excluído. Ao longo da existência do positivismo lógico, não
se demonstrou que conceitos, proposições e teorias científicas
poderiam ser definidos por meio de definições empíricas,
como salienta Popper. Por exemplo, as proposições puramente
existenciais: não há como testá-las, mas estão presentes na
ciência. Essa é a consequência de uma ciência sem metafísica.
Só há ciência com metafísica.
Em resumo, partes generosas de teorias científicas
deveriam ser excluídas, porque são metafísicas. Todas as
teorias científicas têm algum conceito e/ou alguma proposição
assentados na metafísica. Ao pretender eliminar toda a
metafísica, incorre-se no erro de excluir teorias científicas
importantes para a física, por exemplo. Não há como
confirmar de maneira definitiva a verdade de uma teoria.
Toda teoria científica não pode ser completamente verificada,
mas poder ser falsificada, ou seja, testada (falsificável,
testável). Essa é a consequência de uma ciência com metafísica.
Não há ciência sem metafísica. Essa é a primeira lição.
2. O QUE É METAFÍSICA?
O que fizemos até agora foi mostrar a razão de Popper
admitir que ciência sem metafísica não é possível. Mas, o que é
metafísica, para Popper? Popper diz pouca coisa a respeito do
que seria metafísica (mesmo porque ele dá pouca importância
para perguntas do tipo “o que é isto ou aquilo?”, por essas nos
levarem ao essencialismo). Contudo, há alguns elementos
importantes. Em primeiro lugar, Popper é adepto do realismo
metafísico. Isso ele deixa claro. Em diversas ocasiões, ele faz
referência a essa posição como sendo a melhor que dispomos. O
realismo metafísico é um pressuposto na filosofia popperiana,
e é um importante elemento para entendermos o que é
metafísica e a “sua” metafísica. Diz Popper: “o realismo de
cunho metafísico – a concepção segundo o qual existe um
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 37
mundo real a ser descoberto” (POPPER, 1977, p. 160). Um
mundo a ser descoberto. Este mundo já existe, portanto. Resta-
nos descobri-lo. É o mundo 3, como veremos. Popper era um
realista desde a publicação da Lógica da Pesquisa Científica
(1934), mas, confessa ele, neste livro não havia dito muita coisa
a respeito do realismo: “O motivo estava em que, ao escrever a
obra, eu não havia compreendido que uma posição metafísica,
embora não passível de prova, podia ser criticada e debatida
racionalmente” (POPPER, 1977, p. 159). O realismo era uma
confissão de fé. Assim, em 1969, em Conjeturas e Refutações,
Popper assume que “as teorias metafísicas podem ser
submetidas ao crivo da crítica e da argumentação, já que são
tentativas feitas no sentido de resolver problemas – problemas
talvez passíveis de receberam soluções mais ou menos
apropriadas” (POPPER, 1977, p. 159). O realismo objetiva
atacar a concepção idealista e subjetivista de conhecimento.
Tanto como o idealismo, o realismo é irrefutável, todavia, é o
melhor recurso que dispomos no momento. A vantagem está
em que o idealismo é falso e o realismo é verdadeiro. O
realismo é pensável (no sentido kantiano), é possível
logicamente, e o idealismo não é pensável logicamente. O
realismo, apesar de indemonstrável e não testável, é pensável.
Está mais de acordo com a realidade.
Em segundo lugar, podemos falar do debate racional
que a metafísica proporciona. O debate racional de teorias está
alicerçado em princípios éticos que, para Popper, é questão
importante. Em primeiro lugar, um debate racional deve
respeitar o princípio de falibilidade. Esse princípio diz que, em
um debate racional, há três consequências possíveis: talvez tu
tenhas razão; talvez eu tenha razão; talvez nós dois não
tenhamos razão, mas nunca nós dois teremos razão, porque a
minha posição é contrária à tua. Não há debate racional
quando eu e tu concordamos. Em segundo lugar, o próprio
princípio da discussão racional. Temos que ponderar os nossos
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 38
argumentos contra e a favor a certa teoria. Devemos ser
críticos; e, por último, o princípio da aproximação da verdade.
Esse princípio diz que nossa discussão deve ser objetiva,
mesmo que não possamos chegar a um acordo. Essa ética do
debate fundamenta a metafísica de Popper, na medida em que
exige que nossas teorias acerca da realidade possam ser
discutidas ou debatidas racionalmente. Isso nos leva ao
terceiro elemento do que podemos entender por metafísica em
Popper.
O terceiro elemento é a formação da realidade. Eis aí o
ponto chave a considerar: a metafísica será uma teoria acerca
da formação da realidade ou da estrutura empírica da
realidade. Diz Popper:
a formação da realidade é, portanto, nossa obra; um processo
que não pode ser compreendido se não tentamos
compreender todos os seus três lados, esses três mundos; e se
não tentamos compreender a forma em que os três mundos
interagem entre si (POPPER, 2006, p. 45).
Teorias a respeito da formação da realidade são
metafísicas. E o realismo metafísico é verdadeiro também por
essa razão. O realismo metafísico possibilita elaborarmos
teorias metafísicas a respeito da formação da realidade. Assim
fez Popper. A realidade não permanece a mesma, mas se
modifica. Assim, as teorias metafísicas a respeito da realidade
se modificam. E a ciência aproveitará essas teorias para se
desenvolver.
3. QUAL METAFÍSICA?
Popper discordava, em relação ao Círculo de Viena,
que um critério de demarcação separasse ciência e metafísica.
Para Popper, um critério de demarcação deveria separar
ciência e pseudociência. Quanto à ciência e à pseudociência, a
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 39
pergunta principal deveria ser: em que condições eu recusaria
a minha teoria? Se não se formulassem tais condições, o debate
racional se tornaria inviável. É o que aconteceu com a
psicanálise e com o marxismo. Essas teorias, por não
apresentarem as condições em que deveriam ser abandonadas,
se imunizaram, ou seja, se protegeram contra o falseamento.
Para a metafísica, essa tese é importante, porque a viabiliza
como teoria que estimula o progresso da ciência por meio do
debate racional. Diz Popper:
Tal como imaginei na primeira vez que foi objeto de minha atenção,
o problema da demarcação não era o de traçar fronteiras entre
ciência e metafísica, mas separar Ciência e pseudociência. Naquela
época, a Metafísica não me interessava. Foi somente mais tarde que
estendi meu critério de demarcação à Metafísica (POPPER, 1977, p.
48).
Mas, qual é a metafísica que Popper propõe? As teorias
metafísicas devem ser “um possível sistema de referência para
teorias científicas comprováveis” (POPPER, 1977, p. 177).
Portanto, sua teoria metafísica deveria ter o mesmo caráter. A
teoria metafísica de Popper é a Tese dos Três Mundos (TTM). O
caminho provável que Popper seguiu para formular essa
teoria foi a partir das considerações de Bolzano, em seu livro
Wissenschaftslehr (1837). Ali, Bolzano fala de enunciados em si
mesmos em contraposição a processos mentais subjetivos.
Assim, uma coisa é apreender enunciados (o que é
psicológico) e outra é considerá-los em sua própria estrutura
(o que é próprio da lógica). São mundos distintos: o mundo
das relações psicológicas e o mundo das relações lógicas. Diz
Popper:
Se denominarmos primeiro mundo o mundo das coisas – dos objetos
físicos – e de segundo mundo o mundo das experiências subjetivas
(tais como os processos mentais), poderemos denominar de terceiro
mundo o mundo dos enunciados em si mesmos. (Atualmente,
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 40
prefiro falar em ‘mundo 1’, ‘mundo 2’ e ‘mundo 3’; a este último,
Frege denominou, por vezes, ‘terceiro reino’) (POPPER, 1977, p.
191).
O indicativo é claro: Popper é leitor de Frege, onde
descobriu a possibilidade dessa teoria. Mas quais são as
questões que preocupam Popper em relação a essa teoria? A
natureza e a existência desses mundos; a redução do M3 ao
M2; do M2 ao M1; e a caracterização desses mundos. Ora,
segundo Popper, esses mundos mantêm relações causais.
Assim, o M2 é mediador entre o M1 e o M2. O M1 é o mundo
das coisas materiais, dos estados físicos que atuam com
processos, forças, campos de força. É o efeito dessas coisas
materiais sobre nós que leva-nos a constatar a realidade do
M2. Aqui é a interação entre o M1 e o M2 que ocorre. O M2 é o
mundo dos estados mentais, da consciência, do sujeito. Popper
cita o exemplo da dor de dente como interação entre o M2 e o
M1. A cárie é um processo físico-químico material, enquanto
que a dor que advém é subjetiva. Apesar de claras essa
distinção e relação, há aqueles que negam a existência do M2.
São os defensores de teorias materialistas. Por outro lado,
Popper acredita que um dos problemas clássicos da filosofia, o
problema corpo-mente ou cérebro-mente, encontra o caminho
de sua solução na interação desses dois mundos. Diz Popper:
“Una de las soluciones concebibles de este problema es el
interaccionismo: a teoria de que los estados mentales y físicos
interactúam” (POPPER, 1977, p. 42).
A partir de então, Popper introduz a divisão tripartida
dos três mundos. Esse é o pluralismo interacionista de Popper.
Diz ele:
Um dos problemas fundamentais dessa filosofia pluralista
refere-se à relação entre esses três ‘mundos’. Os três
relacionam-se de tal modo que os dois primeiros podem
interagir e os dois últimos também podem interagir. Assim, o
segundo mundo, o mundo das experiências subjetivas ou
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pessoais, interage com cada qual dos outros dois mundos. O
primeiro mundo e o terceiro mundo não podem interagir senão pela
intervenção do segundo mundo, o mundo das experiências
subjetivas ou pessoais (POPPER, 1975, p. 152).
Como dissemos, a relação entre os três mundos é
causal. Há pontos de intersecção entre o M3 e o M2, e o M1 e o
M2. Portanto, o M1 e o M3 não se relacionam de forma causal.
O M1 e o M3 se relacionam indiretamente, isto é, com a
mediação do M2. Aqui há uma lição fundamental na leitura de
Popper: o sujeito conhecedor tem uma importância decisiva no
interacionismo pluralista. A materialização das teorias do M3
em possibilidades tecnológicas do M1, passa pela descoberta
do sujeito do M2. Escreve Popper uma vez mais: “Assim, essas
possibilidades estavam ocultas nas próprias teorias, nas
próprias ideias objetivas; e foram descobertas nelas por homens
que tentaram compreender essas ideias” (POPPER, 1975, p.
153). Essa é a realidade objetiva da TTM. Aqui, o sujeito
assume a função de apreender os objetos do M3 e materializá-
los no M1.
4. O M3 DE POPPER
Popper passa a explicar a natureza e a existência do
M3, pensando na matemática. Ora, como M1 é o mundo físico,
o M2 o mundo psicológico e o M3 o mundo da lógica, não
dificultou mais a situação a introdução do M3, uma vez que
somente a postulação da existência e realidade de um M2
interagindo com o M1 já abriu um intenso debate? Popper tem
em vista os objetos matemáticos, também. Como se explica a
existência e a realidade desses objetos? Assim, o centro do
debate não é mais a interação entre os três mundos somente,
mas a existência e a realidade do M3. Qual é a realidade
objetiva do M3? A resposta desta questão explica a natureza e
a existência de objetos matemáticos para Popper. Popper já
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 42
havia travado um intenso debate com os monistas
materialistas por admitir a existência e a realidade do M2.
Estes queriam, na melhor das hipóteses, reduzir toda a
realidade do M2 ao M1. Outros nem mesmo admitiam a
existência do M2. Bem, agora Popper insere a ideia de um M3,
além do M1 e do M2. Qual é a explicação de Popper? Para
Popper, o problema inexplicável pelos monistas materialistas é
a existência e a realidade objetiva dos conceitos, proposições,
argumentos e teorias da matemática. Os conceitos, as
proposições e as teorias são entidades ou objetos que povoam
e são habitantes do M3, juntamente com problemas e
argumentos. A existência desses objetos no M3 é independente
da apreensão feita pelo sujeito do M2. Diz Frege, defensor do
M3, que antecedeu Popper:
É preciso admitir um terceiro domínio. O que este contém
coincide com as ideias, por não poder ser percebido pelos
sentidos, e também com as coisas, por não necessitar de um
portador a cujo conteúdo de consciência pertenceria. Assim,
por exemplo, o pensamento que expressamos no teorema de
Pitágoras é intemporalmente verdadeiro, independentemente do fato
de que alguém o considere verdadeiro ou não. Ele não requer
nenhum portador. Ele é verdadeiro não a partir do momento
de sua descoberta, mas como um planeta que já se encontrava
em interação com outros planetas antes mesmo de ter sido
visto por alguém (FREGE, 2002, p. 27).
Frege coloca várias características do M3. O M3 é
atemporal, no sentido de que uma teoria, que é verdadeira,
não ter-se tornado verdadeira no momento em que foi
formulada, mas já o sendo antes. A lógica e os números
primos o são também neste sentido; é algo independente de
um sujeito; seus objetos são descobertos, mas não construídos.
Popper aponta para uma autonomia parcial do M3 com estas
características. Na matemática, por exemplo, há a descoberta
dos seus objetos (logicismo matemático), e não a construção
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 43
por parte do matemático de tais objetos (intuicionismo
matemático). A segunda visão é mentalista e subjetivista, diz
Popper. Colocamos as construções matemáticas em uma forma
linguística que, por sua vez, requer objetos do M3. Portanto, o
M3 se antecipa a qualquer construção intuitiva do matemático.
Diz Popper:
Pois os objetos matemáticos podem agora tornar-se cidadãos
de um terceiro mundo objetivo: embora originariamente
construídos por nós – o terceiro mundo origina-se como
produto nosso – os conteúdos de pensamento levam consigo
suas próprias consequências não pretendidas (POPPER, 1975,
p. 136-7).
E continua adiante: “Surge assim uma nova espécie de
existência matemática: a existência de problemas; e uma nova
espécie de intuição: a intuição que nos faz ver problemas e nos
faz compreender problemas antes de resolvê-los” (POPPER,
1975, p. 137).
A autonomia se explica pelo fato de que o matemático
descobre problemas. Outro bom exemplo que Popper nos
apresenta da realidade do M3, como autônomo, está no livro O
Eu e o seu Cérebro, de 1977. Diz Popper ali:
Sirva como ejemplo el hecho de que los Grundgesetze de Frege
se escribieron y se imprimieron en parte cuando éste dedujo, a
partir de uma carta escrita por Bertrand Russell, que habia
una autocontradicción en sus fundamentos. Objetivamente,
esa autocontradicción había estado allí durante años. Frege no
se había dado cuenta; a autocontradicción no había estado ‘em
su mente’[...] Russell no produjo ni invento la inconsistência,
sino que la descubrió [...] Si la teoria de Frege no hubiese sido
objetivamente inconsistente, no podría haberle aplicado la
prueba de inconsistência de Russell y no se hubiera
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convencido a símismo de esse modo de su carácter
insosteníble (POPPER, 1980, p. 64-5)7.
Por outro lado, o M3 é produto da atividade humana.
Aquela parte do M3 que interage com o M2 torna-o bastante
diferenciado de um mundo de essências ou formas puras,
como em Platão. Assim como o mel é produto das abelhas e as
teias são produto das aranhas, o M3 é um produto da
atividade humana quando considerado em seu ponto de
intersecção com o M2. As teorias, os problemas, os conceitos e
os argumentos (como habitantes que povoam o M3) são
formulados em uma linguagem. A linguagem é o produto da
atividade humana, assim como o mel é das abelhas e a teia é
das aranhas. Aqui está a realidade objetiva do M3. A realidade
objetiva do M3 reside em sua autonomia e por ser produto da
atividade humana. Diz Popper:
Acho que é possível manter uma posição que difira da de
ambos os grupos de filósofos: sugiro que é possível aceitar a
realidade ou (como se pode chamar) a autonomia do terceiro
mundo e ao mesmo tempo admitir que o terceiro mundo tem
origem como produto da atividade humana. Pode-se mesmo
admitir que o terceiro mundo é feito pelo homem e, num
sentido muito claro, sobre-humano ao mesmo tempo.
Transcende seus fabricantes (POPPER, 1975, p. 156).
7 Tradução nossa: “Sirva como exemplo o fato de que os Fundamentos de Frege foi
escrito e publicado em parte quando este deduziu, a partir de uma carta escrita por
Bertrand Russell, que havia uma autocontradição em seus fundamentos.
Objetivamente, essa autocontradição estava ali durante anos. Frege não tinha se dado
conta. A autocontradição não estava ‘em sua mente’ [...] Russell nem produziu, nem
inventou a inconsistência, mas descobriu-a [...] Se a teoria de Frege não fosse
objetivamente inconsistente, não poderia ter sido aplicada a prova de inconsistência
de Russell e não teria se convencido a si mesmo desse modo do caráter insustentável.
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5. QUAL REALIDADE? O CONCEITO DE REALIDADE
É aqui que Popper supera Platão e torna-se
incompreensível para os materialistas radicais (fisicalistas,
etc.). Que realidade que é essa de que Popper fala? É uma
realidade que não é somente ideal ou inteligível (platônica),
mas também não é somente material ou física (fisicalistas).
Manter uma simbiose entre ciência e metafísica, sem analisar o
conceito de realidade, é algo temerário. Que realidade é essa
que é superior ou diferente da realidade física ou sensível?
Como temos acesso a essa realidade? O M3 tem duas
realidades: uma delas é autônoma, a outra é algo que interage
com o M2. Olhando separadamente, teremos na autonomia do
M3 uma realidade platônica e, olhando a interação do M3 com
o M2, teremos algo perto do materialismo fisicalista
reducionista. Mas, como compreender essas realidades como
uma só? Não podemos apenas acrescentar um mundo a mais
no pluralismo da TTM, mas temos que repensar o conceito de
realidade.
Em primeiro lugar, se a realidade é distinta da
aparência, então a realidade não poderia comportar
contraexemplos ou contrafactuais. Se tivermos uma ‘realidade’
que é aparente, o é apenas por não ser a realidade factual. Mas,
como a realidade factual pode possuir contraexemplos ou
contrafactuais, então o que seria a ‘realidade aparente’? Os
contraexemplos ou contrafactuais são a realidade ou a
realidade é aquilo que dizíamos ser quando não
considerávamos os contraexemplos ou contrafactuais? O que é
aparente pode tornar-se realidade. Com este argumento,
queremos mostrar que, se a realidade de que chamamos de
aparente pode tornar-se realidade, então mesmo que a
realidade do M3 seja aparente (o que para nós é duvidoso!)
poderá vir a ser real. Mas que realidade é essa? É uma
realidade objetiva que é independente da experiência, no
sentido de que usamos estruturas conceituais, teóricas e
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argumentativas para compreender o mundo real ou factual
(em Popper, M1). A realidade entendida como tal é a pedra de
toque para entender o realismo metafísico de Popper. O
realismo metafísico diz:
(a) existem objetos reais (habitualmente a concepção se
preocupa com objetos espácio-temporais), (b) esses existem
independentemente da nossa experiência e do nosso
conhecimento deles e (c) têm propriedades e entram em
relação independentemente dos conceitos com os quais os
entendemos ou da linguagem com a qual os descrevemos
(BUTCHVAROV, 2006 in AUDI, 2006, p. 798).
Ora, é errôneo alegar que esses objetos reais (M3 de
Popper) são explicados por conceitos que já temos em nossa
linguagem e experiência. Tais conceitos só fazem parte de
nossa linguagem descritiva e argumentativa, porque suas
estruturas foram abstraídas do M3, apreendidas e aplicadas
por um sujeito ao M1 (a realidade factual). Caso contrário, de
onde teriam surgido tais conceitos? Butchvarov coloca muito
bem a questão:
Mas isso tem uma consequência de muito maior alcance
ainda: ou (i) aceitamos a ideia aparentemente absurda de que
não haja objetos reais (pois a objeção aplica-se igualmente às
mentes e a seus estados, a conceitos e palavras, a propriedades
e relações, a experiências, etc), visto que dificilmente
acreditaríamos na realidade de alguma coisa da qual não podemos
formar absolutamente nenhuma concepção; ou (ii) temos que
enfrentar a tarefa, aparentemente sem esperança, de uma
drástica mudança naquilo que queremos significar quando dizemos
‘realidade’, ‘conceito’, ‘experiência’, ‘conhecimento’, ‘verdade’ e
muito mais (BUTCHVAROV, 2006 in AUDI, 2006, p. 798).
Em segundo lugar, a distinção kantiana entre conhecer
e pensar assume uma importância decisiva em nosso modo de
ver. Há aquilo que podemos conhecer no mundo, mas há
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também aquilo que nos ajuda a conhecer, assim como há
marceneiros, mas também há o conceito de marceneiro.
Podemos conhecer muitas coisas no mundo, mas também
precisamos de ‘ferramentas’ para pensar essas coisas do
mundo. Mas, ter conhecimento dessas ‘ferramentas’ em si
mesmas não está a nosso alcance. Esse é o nosso limite. O M3 é
o mundo das coisas em si mesmas, no sentido em que, não
podemos nada dali, mas podemos operar com esses objetos,
fazer uso dessas estruturas lógicas conceituais, estruturas
teoréticas, estruturas lógicas de argumentos, etc. Diz Kant, na
Crítica da Razão Pura:
Para conhecer um objecto é necessário poder provar a sua
possibilidade (seja pelo testemunho da experiência a partir da
sua realidade, seja a priori pela razão). Mas posso pensar no que
quiser, desde que não entre em contradição comigo mesmo, isto é,
desde que o meu conceito seja um pensamento possível, embora não
possa responder que, no conjunto de todas as possibilidades, a
esse conceito corresponda ou não também a um objeto
(KANT, 1985, p. 25).
Dessa forma, eu posso pensar a TTM e o M3 desde que
isso não leve acontradizer-me comigo mesmo, isto é, que o
meu pensamento seja logicamente possível. Acreditamos que
foi isso que Popper usou como sustentação para a TTM e
principalmente para o M3. Por sua vez, o anti-realismo não
passa de uma tautologia. Para os anti-realistas, nós
conhecemos (podemos conhecer) a realidade somente como a
conhecemos (podemos conhecê-la). Isso é pouco e não diz
nada da maneira, não descreve o modo de como acessamos
essa realidade.
CONCLUSÃO
Mesmo que não aceitemos o anti-realismo, por ser uma
mera tautologia, não podemos ter uma ideia simplista do
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nosso relacionamento cognitivo com o mundo, como diz
Butchvarov. O que Popper fez foi reestruturar a metafísica em
uma época em que tal pensamento tinha perdido toda e
qualquer credibilidade. As ideias de David Hume sobre o
papel da metafísica como obstáculo para o progresso da
ciência e a tese da eliminação da metafísica defendida pelo
positivismo lógico do início do século XX ofuscaram qualquer
função mais importante para a metafísica. Popper recompõe a
metafísica de forma que esta aparece, com a ideia de discussão
racional, como estimulante para a descoberta científica. Toda a
nossa argumentação aqui objetivou mostrar a importância da
metafísica para Popper; mostrar que a teoria metafísica de
Popper é a TTM, e que o M3 ocupa um lugar diferenciado na
metafísica por seu caráter de descoberta.
Ademais, outro aspecto que é importante destacar é
que, em momento algum, tivemos a intenção de esgotar a
abordagem de Popper sobre o pluralismo da TTM e do M3.
Indicamos um caminho a explorar: o conceito de realidade. Na
obra de Popper O Mundo de Parmênides (1998) esse conceito é
trabalhado dentro da filosofia grega nas figuras de Xenôfanes,
Parmênides e Heráclito, entre outros.
REFERÊNCIAS
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2006.
FREGE, Gottlob. Investigações Lógicas. Org. trad. Paulo Alconforado. Porto
Alegre: PUCRS, 2002.
GRANGER, Gilles G. e outros. Filosofia Analítica. Lisboa: Gradiva, s/d.
KANT, I. Crítica da Razão Pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1985.
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POPPER, Karl R. O Realismo e o Objectivo da Ciência. Pós-Escrito à Lógica
da Descoberta Científica. Vol. I Lisboa: Dom Quixote, 1987.
_______. Conhecimento Objetivo. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/Edusp, 1975.
_______. El Mundo de Parménides. Barcelona: Paidós, 1999.
_______. Autobiografia Intelectual. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1977.
_______. Em Busca de um Mundo Melhor. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
_______. El Yo y Su Cerebro. Barcelona: Labor, 1980.
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CAPÍTULO 3
PPOOPPPPEERR,, AA DDEEMMAARRCCAAÇÇÃÃOO DDAA CCIIÊÊNNCCIIAA EE AA AASSTTRROOLLOOGGIIAA
Cristina de Amorim Machado
Neste capítulo8, veremos como a astrologia se insere
numa das principais questões da filosofia da ciência, a saber: o
que é ciência? Para isso, será preciso desdobrar o problema da
demarcação, formulado na década de 1930 por Karl Popper, já
na primeira versão do seu livro A lógica da pesquisa científica.
De modo esquemático, abordaremos os critérios estabelecidos
para fazer a distinção entre ciência e não-ciência, como
verificabilidade, falseabilidade e ciência normal, propostos,
respectivamente, pelo Círculo de Viena, por Karl Popper e por
Thomas Kuhn. Ademais, essas três concepções foram
questionadas nos anos 1970 por Paul Thagard, que propôs seu
próprio critério no artigo “Why astrology is a pseudoscience?”.
Sendo assim, partindo da filosofia da ciência popperiana, o
objetivo deste capítulo é apresentar o problema da
demarcação, que produz o conceito de pseudociência, e
analisar a pertinência da atribuição desse estatuto à astrologia.
8 Este capítulo baseia-se na minha dissertação de mestrado em Filosofia pela PUC-Rio
(MACHADO, 2006).
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A CONCEPÇÃO DE CIÊNCIA DE POPPER
O filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994)
considerava inadequado o critério de demarcação proposto
pelo Círculo de Viena9 – a verificabilidade –, que, por ser
indutivista, era demasiado restritivo em alguns aspectos e
amplo em outros10. Popper propôs, então, a falseabilidade
como princípio de distinção da racionalidade científica, tendo
em vista que, para ele, não há indução em ciência, pois o
princípio de indução não se baseia na experiência, e qualquer
tentativa de fazê-lo leva a um regresso infinito, como já havia
sido esclarecido duzentos anos antes pelos argumentos de
Hume acerca do princípio de indução (POPPER, 1975, p. 29).
Com seu critério – a falseabilidade –, Popper transfere
para o momento da crítica da teoria a possibilidade de
identificá-la como científica ou não, ou seja, se uma teoria não
fornece os meios para um possível falseamento empírico, se
não há experiência capaz de falseá-la, ela deve ser reconhecida
como um mito, explicação pseudocientífica do real. Uma teoria
científica deve ser falseável empiricamente, ou seja, se as
9 O Círculo de Viena (anos 1920 a 1930) formou-se por filósofos e cientistas, sob a
orientação intelectual do filósofo alemão Moritz Schlick. O que os reuniu foi o
interesse comum por certos tipos de problemas e a mesma abordagem positivista-
empirista para resolvê-los. Vale lembrar que a preocupação principal dos membros do
Círculo de Viena era com a linguagem científica, que, para eles, deveria ser neutra e
livre das ambiguidades típicas da metafísica, de maneira que a ciência pudesse
garantir seus procedimentos uniformes e intersubjetivos. Para isso, era necessário
estabelecer um critério de demarcação entre enunciados significativos e não
significativos. Os significativos poderiam ser de dois tipos: 1) lógico-matemáticos, sem
compromisso com o fornecimento de informações acerca do mundo e, portanto, com a
experiência; e 2) verificáveis, ou seja, os que pretendessem fornecer informações
acerca do mundo e que pudessem ser verificados empiricamente. Se o enunciado não
fosse lógico-matemático nem verificável empiricamente, seria considerado não
significativo e, portanto, não científico (MAGEE, 1973, p. 49).
10 Amplo, porque incluiria formas de conhecimento como a astrologia, a psicanálise e
o marxismo, que contêm proposições verificáveis empiricamente; e restritivo, pois
excluiria boa parte da ciência contemporânea, cuja verificação empírica é
problemática.
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proposições observacionais dela deduzidas forem falseadas, a
teoria será considerada falsa.
Para Popper, o falseamento se dá por intermédio dos
falseadores potenciais, ou seja, os resultados experimentais
previstos pela teoria que, se ocorrerem, a falsearão (POPPER,
1975, p. 90). Em outras palavras, por uma questão de
honestidade intelectual, ao propor uma teoria, o cientista
também deve explicitar em que condições abriria mão dela. A
classe dos falseadores potenciais constitui o conteúdo empírico
de uma teoria. Quanto maior o conteúdo empírico de uma
teoria, mais ela é falseável. Chalmers (1994, p. 93-96) critica
essa noção, pois ela nada diz sobre o mundo fora das situações
experimentais: o domínio da aplicabilidade da teoria equivale
ao domínio de suas situações de teste. Logo, para comparar
teorias rivais, não bastaria comparar suas classes de
falseadores potenciais.
Esse procedimento, ao contrário do critério de
verificabilidade do Círculo de Viena, nada tem a ver com o
problema do significado, como ressalta Magee (1973, p. 4),
dado que muitas teorias científicas resultam de
desenvolvimentos baseados em mitos, e não faria sentido que,
como mitos, carecessem de significado. Parece mais adequado
distinguir entre conhecimento crítico (científico) e dogmático
(não científico). Para Popper, o fato de uma teoria não ser
considerada científica não quer dizer que seja desprovida de
significado ou importância, muito pelo contrário, ela pode ser
desenvolvida para vir a ser testável.
Segundo Alan Chalmers (1994, p. 27-34), Popper chama
a atenção para o permanente caráter hipotético das teorias
científicas, ou seja, não há base segura para a ciência, cujas
teorias nunca podem ser provadas. Ao contrário dos
positivistas, cujo apreço pela ciência causou a ênfase na
geração e verificação de teorias com base no método indutivo,
Popper enfatiza a falseabilidade da ciência; no entanto, assim
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 53
como eles, acredita num método característico de todas as
ciências para demarcar a fronteira entre ciência e
pseudociência. E esse método, no caso popperiano, é
hipotético-dedutivo.
Além disso, o conhecimento, em Popper, é um produto
da cultura humana, resultante da modificação do
conhecimento anterior, estabelecido num embate com o
mundo físico, muito embora Popper ressalte o chamado
“problema da base empírica” (POPPER, 1975, p. 44-46). Grosso
modo, o problema da base empírica decorre do fato de todos
os testes serem dependentes de teorias que, como afirma o
próprio Popper, são falíveis. Consequentemente, os testes não
constituem uma base empírica sólida para confirmação ou
falseamento, e a “base empírica” é colocada entre aspas, sendo
necessário admitir que o mundo pode ser diferente do que diz
a teoria. Do ponto de vista metodológico, as teorias devem ser
expostas a críticas e não devem ser modificadas de maneira ad
hoc com a introdução de acréscimos impossíveis de testar para
resolver evidências problemáticas.
A CONCEPÇÃO DE CIÊNCIA DE KUHN
O físico, filósofo e historiador da ciência norte-
americano Thomas Kuhn (1922-1996) interessou-se por uma
“concepção de ciência historicamente orientada” (KUHN,
1996, p. 15), especialmente pelo que há de ordinário e
extraordinário em ciência. Afastou-se da tradição
epistemológica, adotando um discurso metacientífico e
interdisciplinar. Sua ênfase está na comunidade científica e nas
questões psicossociais, políticas, econômicas e éticas
envolvidas com a produção científica.
Em sua principal obra, Estrutura das revoluções
científicas, publicada em 1962, e que acabou por se tornar o
best-seller da filosofia da ciência, Kuhn caracteriza a ciência
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 54
como um processo cíclico11 que alterna períodos de ciência
normal, nos quais o paradigma vigente é cumprido por meio
da solução de quebra-cabeças12, e períodos de crise, que
podem culminar com a emergência das descobertas científicas
e a quebra do paradigma, o que constitui uma revolução
científica. Ao mudar de paradigma, o pensamento muda de
lugar, pois a imagem de mundo é outra, e o que era
considerado verdade ou erro talvez não o seja mais.
Segundo Kuhn, a ciência normal é a prática científica
tradicional com a qual os cientistas ocupam a maior parte do
seu tempo. Ela é condicionada por uma educação profissional
que tenta submeter a natureza a esquemas conceituais. A
ciência normal pressupõe o comprometimento e o consenso da
comunidade científica:
A ciência normal, atividade que consiste em solucionar
quebra-cabeças, é um empreendimento altamente cumulativo,
extremamente bem-sucedido no que toca ao seu objetivo, a
ampliação contínua do alcance e da precisão do conhecimento
científico. [...] A ciência normal não se propõe descobrir
novidades no terreno dos fatos ou da teoria; quando é bem-
sucedida, não as encontra (KUHN, 1996, p. 77).
O conceito de paradigma aparece com várias definições
diferentes. A primeira delas, logo no prefácio, considerada
11 Entenda-se “processo cíclico” como a alternância entre ciência normal e revolução
científica, o que não implica uma repetição de conteúdo, apenas de forma. O que está
em jogo aqui é uma concepção de ciência historicamente orientada, que se caracteriza
por um modelo circular, em contraposição, por exemplo, a um modelo linear e
cumulativo. Nesse modelo circular, é possível recontar uma história a partir de outra
perspectiva, de outra imagem de mundo, ou seja, de outro paradigma.
12 Os quebra-cabeças são os problemas típicos da ciência normal, pois são previstos
pelo paradigma. Segundo Kuhn (1996, p. 59-60), eles não são os problemas mais
importantes, tendo em vista que os mais importantes, por exemplo, a paz duradoura,
talvez não tenham solução, mas os quebra-cabeças, ao contrário, certamente têm
solução, porque são compatíveis com o paradigma. Constituem, dessa maneira, os
únicos problemas aceitos como científicos pela comunidade e caracterizam-se por
regras bem definidas, enunciados reconhecidos e limitação de soluções aceitáveis.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 55
pelo próprio autor como circular13 (KUHN, 1996, p. 219),
estabelece que o paradigma é constituído de “realizações
científicas universalmente reconhecidas que, durante algum
tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1996, p.
13). À última definição de paradigma, no fim do livro, “os
paradigmas determinam ao mesmo tempo grandes áreas da
experiência” (KUHN, 1996, p. 165), ainda se segue uma mais
abrangente no posfácio:
De um lado, indica toda a constelação de crenças, valores,
técnicas, etc..., partilhadas pelos membros de uma
comunidade determinada. De outro, denota um tipo de
elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-
cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem
substituir regras explícitas como base para a solução dos
restantes quebra-cabeças da ciência normal (KUHN, 1996, p.
218).
Segundo Margareth Masterman (1970, p. 65), é possível
classificar todas essas definições de paradigmas em três:
metafísicos, sociológicos e de constructos. Os metafísicos
seriam aqueles definidos como mitos ou conjuntos de crenças;
os sociológicos seriam os que Kuhn definiu como conjuntos de
instituições políticas ou realizações científicas concretas; e os
de constructo seriam aqueles concebidos como ferramentas ou
analogia. Além disso, ela afirma que apenas os metafísicos
foram criticados pelos filósofos.
Outro conceito importante na obra de Kuhn é o de
anomalia. A anomalia é uma violação de expectativa
paradigmática que pode gerar uma crise aguda, causando a
perda de confiança no paradigma vigente. A ciência normal é
13 Kuhn a considera circular – por atrelar o conceito de paradigma à comunidade, que,
por sua vez, também se define pelo paradigma –, mas não viciada, constituindo uma
fonte de dificuldades reais.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 56
ameaçada pela anomalia, suas regras são reavaliadas e há um
esforço para tentar ajustar a anomalia. Ela pode dar origem a
um período de revisão extremamente conturbado em função
da insegurança profissional. Por outro lado, a descoberta
começa com a anomalia, ou seja, é nessa crise que
amadurecem as condições para uma revolução científica, na
qual o anômalo torna-se o esperado.
AS CRÍTICAS DE POPPER A KUHN E VICE-VERSA
A concepção de ciência normal de Kuhn foi criticada
por Popper não por discordar da existência daquilo que Kuhn
descreve como tal, mas pelo fato de Kuhn considerá-la
“normal”. Para Popper, a ciência normal é um perigo para a
ciência, pois resulta do espírito dogmático, típico de quem
aprende uma técnica e a aplica sem perguntar por quê. Por
esse motivo, ele distingue o cientista aplicado do cientista
puro. O cientista aplicado é esse que resolve quebra-cabeças,
que seriam nada mais do que problemas rotineiros, referentes
à aplicação de uma teoria dominante, o paradigma. O cientista
puro, ao contrário, dedica-se a situações “cheias de problemas,
problemas genuínos, novos e fundamentais, e de conjecturas
engenhosas – conjecturas que frequentemente competem umas
com as outras – sobre possíveis soluções” (POPPER, 1970, p.
54).
Popper enfatiza que discorda de Kuhn no que diz
respeito às diferentes concepções de ciência, mas admite que
talvez Kuhn use o termo “quebra-cabeça” no mesmo sentido
em que ele usa “problema”. Ainda assim, o conceito de ciência
normal, segundo Popper, exige crítica. Para ele, as noções de
paradigma e revolução científica também são problemáticas,
porque são apropriadas para a astronomia, mas não se
aplicam a outras ciências. Propõe uma concepção de
paradigma diferente, com o sentido de “programa de pesquisa
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 57
– um modo de explicação que é considerado tão satisfatório
por alguns cientistas que eles precisam da sua aceitação geral”
(POPPER, 1970, p. 55), em vez do sentido de teoria dominante,
como em Kuhn.
Outro ponto de atrito entre os dois filósofos é que
Popper considera Kuhn um relativista, já que ele pressupõe
que a racionalidade depende de uma linguagem comum e de
um acordo sobre os fundamentos, ao passo que Popper afirma
acreditar numa verdade absoluta e objetiva, apesar de não ser
ingênuo de achar que ela se encontre no “bolso de alguém”.
Ademais, a tese da incomensurabilidade14 entre
paradigmas também é negada por Popper, que a considera um
dogma perigoso. Para ele, trata-se de uma dificuldade, por
sinal muito frutífera, e não de uma impossibilidade de
tradução dos elementos de um paradigma a outro. Apesar de
concordar com a ideia de desenvolvimento revolucionário do
conhecimento, com uma nova teoria contradizendo a antiga e
corrigindo-a, Popper insiste que há uma continuidade nesse
processo e que a nova teoria deve explicar por que a teoria
antiga foi bem-sucedida.
Além dessas diferenças, há muitas semelhanças entre
as concepções de Popper e Kuhn, como estas que o próprio
Kuhn (1970, p. 1-2) lista em seu texto “Logic of discovery or
psycology of research?”:
1) preocupam-se com o processo dinâmico pelo qual o
conhecimento científico é adquirido, em vez de com
a estrutura lógica dos produtos da pesquisa
científica;
14 Este é mais um dos conceitos importantes da obra de Kuhn, já problematizado por
diversos autores, que diz respeito à impossibilidade de tradução dos conceitos de um
paradigma para outro. Nesse sentido, os termos de um certo paradigma não fazem
sentido para os adeptos de outro paradigma.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 58
2) enfatizam os dados legitimados, os fatos e o espírito
da vida científica real;
3) retornam à história para encontrar os dados
necessários;
4) rejeitam a ideia de progresso cumulativo da ciência
e muitas outras teses positivistas;
5) realçam o processo revolucionário pelo qual uma
teoria mais antiga é rejeitada e substituída por uma
teoria nova incompatível;
6) destacam o papel da falha ocasional da teoria mais
antiga em atender aos desafios impostos pela
lógica, experimentação ou observação;
7) consideram a observação e a teoria científica íntima
e inevitavelmente relacionadas;
8) duvidam dos esforços para produzir uma
linguagem de observação neutra;
9) insistem que os cientistas podem desejar inventar
teorias que expliquem o fenômeno observado e que
fazem isso em termos de objetos reais.
Apesar dessas e de outras concordâncias, há muitas
outras diferenças entre os dois pensadores, além das que já
vimos anteriormente. É importante ressaltar aqui a
discordância de ambos, ou “diferença de intenção”, como
prefere Kuhn (1970, p. 3), em termos de demarcação de
ciência. Apesar dos resultados semelhantes, os processos são
muito diferentes, já que trabalham com aspectos distintos do
problema. Assim como Popper, que elaborou o seu critério
com base nos casos do marxismo e da psicanálise, Kuhn
concorda que ambos são pseudociências, mas afirma que
“chegou a essa conclusão por um caminho muito mais seguro
e mais direto que o dele” (KUHN, 1970, p. 7). Kuhn considera
o seu critério de solução de quebra-cabeças menos equívoco e
mais fundamental que o de Popper.
EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 59
Kuhn enfatiza a importância do compromisso com a
tradição científica, evita a noção de verdade e não gosta do
termo “falsificação” (KUHN, 1996, p. 186). Ele afirma também
que Popper “caracterizou o empreendimento científico inteiro
em termos que se aplicam apenas às suas partes
revolucionárias ocasionais” (KUHN, 1970, p. 6), tendo em
vista que ele só se refere aos procedimentos por meio dos
quais a ciência se desenvolve, substituindo uma teoria aceita
por outra melhor. Dessa maneira, Popper estaria ignorando
justamente a parte da ciência na qual se encontraria, segundo
Kuhn, um critério de demarcação, ou seja, a ciência normal,
onde também ocorreria o progresso da ciência.
Bryan Magee (1973, p. 43) sintetiza as diferenças entre
Popper e Kuhn da seguinte maneira:
Popper sempre se mostrou preocupado, antes de tudo, com a
descoberta e a inovação e, por conseguinte, com o teste de
teorias e com a expansão do conhecimento; Kuhn preocupa-se
com a maneira como os que aplicam essas teorias e esse
conhecimento orientam seu trabalho. [...] A teoria de Kuhn é,
em verdade, uma teoria sociológica acerca das atividades do
cientista em nossa sociedade. Essa teoria não é incompatível
com as ideias de Popper e, mais ainda, Kuhn modificou-a
sensivelmente na direção do pensamento popperiano, desde
que, pela primeira vez, a apresentou.
DIÁLOGO ENTRE POPPER E KUHN ACERCA DA ASTROLOGIA
Partindo do princípio de que Popper faz oito
referências à astrologia só no seu Conjecturas e Refutações
(POPPER, 1982), Kuhn (1970) também optou por tomá-la como
exemplo no artigo “Logic of discovery or psycology of research?”15,
15 É importante lembrar que Kuhn também menciona o problema da astrologia tanto
em Estrutura das revoluções científicas (KUHN, 1996) quanto em A revolução copernicana
(KUHN, 1957).
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Ensaios sobre o pensamento de Karl Popper

  • 1. Ensaios sobre o pensamento de KKAARRLL PPOOPPPPEE Paulo Eduardo de Oliveira (organizador) ensamento de EERR
  • 2. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 2 Não me considero especialista nem em ciência nem em filosofia. Tenho, contudo, tentado com afinco, durante toda a minha vida, compreender alguma coisa acerca do mundo em que vivemos. O conhecimento científico e a racionalidade humana que o produz são, em meu entender, sempre falíveis ou sujeitos a erro. Mas são também, creio, o orgulho da humanidade. Pois o homem é, tanto quanto sei, a única coisa no universo que tenta entendê-lo. Espero que continuemos a fazê-lo e que estejamos também cientes das severas limitações de todas as nossas intervenções. Karl Raimund Popper (O mito do contexto)
  • 3. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 3 Copyright © 2012 Todos os direitos desta edição reservados ao CÍRCULO DE ESTUDOS BANDEIRANTES OLIVEIRA, Paulo Eduardo de (org.) Ensaios sobre o pensamento de Karl Popper / Paulo Eduardo de Oliveira (org.). Curitiba: Círculo de Estudos Bandeirantes, 2012. ISBN 978-85-65531-02-3 1. Filosofia. 2. Filosofia da Ciência. 3. Epistemologia. 4. Filosofia Política. Inclui bibliografia.
  • 4. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 4 CÍRCULO DE ESTUDOS BANDEIRANTES Afiliado à Pontifícia Universidade Católica do Paraná Rua XV de Novembro, 1050 - Curitiba – Paraná Fone: (41) 3222-5193 http://www.pucpr.br/circuloestudos/ Presidente: Prof. Dr. Clemente Ivo Juliatto Diretor: Prof. Sebastião Ferrarini Conselho Editorial Prof. Dr. Agemir de Carvalho Dias – FEPAR Prof. Dr. Edilson Soares de Souza – FTBP Prof. Dr. Eduardo Rodrigues Cruz – PUCSP Prof. Drª Etiane Caloy Bovkalovski – PUCPR Prof. Dr. Euclides Marchi – UFPR Prof. Dr. Gerson Albuquerque de Araújo Neto – UFPI Prof. Dr. Jean Lauand – USP Prof. Dr. Jean-Luc Blaquart – Universidade Católica de Lille (França) Prof. Dr. João Carlos Corso – UNICENTRO Prof. Dr. Joaquín Silva Soler – PUC-Chile Prof. Drª Karina Kosicki Bellotti – UFPR Prof. Dr. Lafayette de Moraes – PUCSP Prof. Drª Márcia Maria Rodrigues Semenov – UNISANTOS Prof. Drª Maria Cecília Barreto Amorim Pilla – PUCPR Prof. Dr. Paulo Eduardo de Oliveira – PUCPR Prof. Dr. Silas Guerriero – PUCSP Prof. Dr. Uipirangi Franklin da Silva Câmara – FTBP Prof. Drª Wilma de Lara Bueno – UTP
  • 5. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 5 Nota do Organizador A sequência dos capítulos não obedece a um critério específico. No entanto, esta mesma sequência é utilizada para a apresentação da breve biografia dos respectivos autores dos capítulos, na sessão Sobre os Autores. Procurou-se, ao longo de toda a obra, dar certa homogeneidade aos formatos das citações e referências bibliográficas utilizadas. Contudo, na medida do possível, respeitou-se também o estilo de cada autor. As notas de rodapé têm numeração sequencial em toda a obra, independentemente do capítulo, de modo a manter a unidade do trabalho.
  • 6. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 6 SSUUMMÁÁRRIIOO AAPPRREESSEENNTTAAÇÇÃÃOO 8 SSOOBBRREE OOSS AAUUTTOORREESS 14 TTEEOORRIIAA DDAASS PPRROOPPEENNSSÕÕEESS Gerson Albuquerque de Araujo Neto 19 OO PPLLUURRAALLIISSMMOO DDAA TTEESSEE DDOO MMUUNNDDOO 33 DDEE PPOOPPPPEERR João Batista Cichero Sieczkowski 32 PPOOPPPPEERR,, AA DDEEMMAARRCCAAÇÇÃÃOO DDAA CCIIÊÊNNCCIIAA EE AA AASSTTRROOLLOOGGIIAA Cristina de Amorim Machado 50 PPOOPPPPEERR EE AA QQUUEESSTTÃÃOO DDAA PPSSIICCAANNÁÁLLIISSEE Ney Marinho 70 AALLGGUUMMAASS NNOOTTAASS SSOOBBRREE AA CCOOSSMMOOLLOOGGIIAA DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR Julio Cesar R. Pereira 89 OO RREEAALLIISSMMOO EEMM PPOOPPPPEERR EE PPEEIIRRCCEE:: UUMM CCOONNTTRRAAPPOONNTTOO José Francisco dos Santos 113 AA HHIISSTTÓÓRRIIAA DDAA CCIIÊÊNNCCIIAA EE AA EEPPIISSTTEEMMOOLLOOGGIIAA DDEE PPOOPPPPEERR Jézio Hernani Bomfim Gutierre 134 AASS RREELLAAÇÇÕÕEESS EENNTTRREE PPOOPPPPEERR EE KKUUHHNN Elizabeth de Assis Dias 145
  • 7. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 7 VVEERRDDAADDEE EE VVEERROOSSSSIIMMIILLHHAANNÇÇAA NNAA EEPPIISSTTEEMMOOLLOOGGIIAA DDEE PPOOPPPPEERR Gelson Liston 169 NNOOTTAASS SSOOBBRREE AA ““PPRROOPPEENNSSÃÃOO QQUUÂÂNNTTIICCAA”” PPOOPPPPEERRIIAANNAA Raquel Sapunaru 184 AAPPRROOXXIIMMAAÇÇÃÃOO PPOOPPPPEERRIIAANNAA ÀÀ DDIISSTTIINNÇÇÃÃOO EEXXPPLLIICCAAÇÇÃÃOO--CCOOMMPPRREEEENNSSÃÃOO Gustavo Caponi 198 AA FFIILLOOSSOOFFIIAA DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR EE SSUUAASS IIMMPPLLIICCAAÇÇÕÕEESS NNOO EENNSSIINNOO DDAA CCIIÊÊNNCCIIAA Fernando Lang da Silveira 210 PPOOPPPPEERR EE AA EECCOONNOOMMIIAA:: EEXXIISSTTEE UUMM MMÉÉTTOODDOO PPRRÓÓPPRRIIOO PPAARRAA AASS CCIIÊÊNNCCIIAASS DDAA SSOOCCIIEEDDAADDEE?? Brena Paula Magno Fernandez 231 IINNTTEERRVVEENNÇÇÃÃOO SSOOCCIIAALL EE DDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOO HHUUMMAANNOO EEMM KKAARRLL PPOOPPPPEERR Solange Regina Marin 252 NNOOTTAASS EEMM TTOORRNNOO DDOO DDEEBBAATTEE PPOOPPPPEERR––AADDOORRNNOO Túlio Velho Barreto 274 LLIINNGGUUAAGGEEMM EE CCOONNHHEECCIIMMEENNTTOO:: KKAARRLL PPOOPPPPEERR EE AA QQUUEESSTTÃÃOO DDAA CCOOMMUUNNIICCAAÇÇÃÃOO Marcia Maria Rodrigues Semenov 295 ÉÉTTIICCAA EE TTOOTTAALLIITTAARRIISSMMOO:: AA CCRRÍÍTTIICCAA DDEE PPOOPPPPEERR AAOO HHIISSTTOORRIICCIISSMMOO EE ÀÀ DDOOUUTTRRIINNAA DDOO PPOOVVOO EESSCCOOLLHHIIDDOO Paulo Eduardo de Oliveira 314
  • 8. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 8 AAPPRREESSEENNTTAAÇÇÃÃOO Karl Popper é a principal referência da epistemologia contemporânea e suas ideias, como escreveu Imre Lakatos, “constituem o mais importante desenvolvimento da filosofia do século XX”. Para David Miller, um de seus discípulos e principal assistente ao longo de muitas décadas, “poucos filósofos sentiram uma sede de conhecimento tão revigorante e insaciável”. Segundo o professor Leônidas Hegenberg, tradutor da edição brasileira de A lógica da pesquisa científica, Popper “se revela um dos pensadores mais fecundos de nosso tempo, digno sucessor de Kant e Russell, e que só tem uns poucos rivais de nota, como Carnap e Quine”. A grandeza de seu pensamento decorre da fecundidade e alcance de sua obra, traduzida em mais de 20 idiomas, cujos principais títulos, em forma de livro, são: A lógica da pesquisa científica (1934), A miséria do historicismo (1944- 1945), A sociedade aberta e seus inimigos (1945), Conjecturas e Refutações (1963), Conhecimento Objetivo (1972), Autobiografia intelectual (1974), O eu e seu cérebro, escrito em parceria com John C. Eccles (1977), Os dois grandes problemas da teoria do conhecimento (preparado na década de 1930, mas publicado apenas em 1979), a trilogia Pós-Escrito à Lógica da Pesquisa Científica (1982-1983), Um mundo de propensões (1990) e O mito do contexto (1994). Entre as publicações póstumas, destacam-se: Em busca de um mundo melhor (1995), A lição deste século (1996), O mundo de Parmênides (1998) e A vida é aprendizagem (1999).
  • 9. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 9 No Brasil, a introdução do pensamento de Popper, em língua portuguesa, se deu em 1959, pela publicação de A sociedade aberta e seus inimigos, seguida por A lógica da pesquisa científica (1974) e Conhecimento Objetivo (1975). Nas décadas de 1980 e 1990, surgiram novas traduções, publicadas em Portugal e no Brasil, além de trabalhos de comentadores, incluindo dissertações e teses sobre elementos diversos do pensamento popperiano. Algumas notas biográficas poderão ser úteis para situar o filósofo em seu contexto. Karl Raimund Popper nasceu em Viena, em 1902. Estudou matemática, física, filosofia e psicologia, obtendo seu doutorado em 1928, na Universidade de Viena. Casou-se em 1930, imaginando que sua carreira seria definida pela dedicação ao ensino secundário de matemática e física. Porém, foi estimulado a apresentar para publicação as ideias que havia discutido com alguns intelectuais de Viena, inclusive com membros do Círculo de Viena. Assim nasceu sua primeira obra, Logik der Forschung [A lógica da pesquisa científica], em 1934: note-se que a tradução inglesa, sob o título The logic of scientific discovery, veio a público apenas em 1959. Nos anos seguintes, Popper fez uma série de viagens a convite de algumas universidades europeias e norte- americanas, realizando conferências e divulgando sua obra. Desse modo, tornou-se “filósofo profissional”. Em 1937, por ser filho de família judia, fugiu da perseguição nazista, emigrando com a esposa para a Nova Zelândia, onde permaneceu até o final da Segunda Grande Guerra. No início de 1946, partiu para a Inglaterra, para assumir a cadeira de “Lógica e Método Científico”, na London School of Economics. Membro da Royal Society, tornou-se Sir em 1965. Aposentado em 1969, foi eleito “Professor Emérito” da Universidade de Londres. Desde então, nunca deixou de estudar, escrever e fazer conferências em todo o mundo. Continuou a viver de forma simples e modesta, em
  • 10. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 10 Buckinghamshire, nas proximidades de Londres, até sua morte, ocorrida em 1994. Popper é reconhecido pela originalidade de sua posição filosófica acerca da ciência. Considerado, como afirma Neurath, “a oposição oficial do Círculo de Viena”, desenvolveu uma abordagem crítica em relação à tendência positivista. Para ele, nosso conhecimento, incluindo o conhecimento científico, é sempre falível, conjectural e passível de erro. Desse modo, propõe a falseabilidade como critério de demarcação entre teorias científicas, de um lado, e teorias não científicas ou pseudo-científicas de outro lado (além da matemática, da lógica e da metafísica). Para tanto, Popper sugere que a construção de teorias científicas se apoie não mais na lógica indutiva, cujo problema ele afirma ter resolvido, mas na lógica dedutiva, em razão da assimetria lógica que descobre entre indução e dedução: enquanto, na indução, muitos casos particulares não conseguem provar a verdade de uma teoria, na dedução um só caso consegue provar sua falsidade. Com efeito, teorias devem ser apresentadas como conjecturas ousadas a serem submetidas a testes rigorosos com o intuito de falseá-las ou, eventualmente, de corroborá-las mas, jamais, de verificá-las ou confirmá-las de modo absoluto. Popper sustenta, então, que o que distingue a racionalidade científica é a atitude crítica, mais preocupada com a busca da verdade do que com a defesa de teorias que possam eventualmente ocultá-la ou dela se afastar: daí sua compreensão de que a ciência se assemelha a um pântano, onde de vez em quando se encontra uma pedra firme. Seu racionalismo crítico, como ficou conhecido o núcleo de seu pensamento, coloca-se frontalmente contra algumas das principais construções teóricas de seu tempo, sobretudo a Psicanálise de Freud, a Psicologia Individual de Adler e o Marxismo (além do Positivismo Lógico, como já dissemos). De
  • 11. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 11 outro lado, Popper afirma inspirar-se em Einstein e também em Darwin, cujo pensamento científico denota a estrutura conjectural que ele tanto valoriza. A base ética do pensamento popperiano assenta-se na compreensão dos limites do conhecimento humano, de sua fragilidade, e da absoluta falta de condições de se estabelecer um critério de verdade. Desse modo, cabe-nos desenvolver a atitude da modéstia intelectual que, como Sócrates, admite a pequenez de nosso saber diante do abismo de nossa ignorância. Tal concepção ética terá reflexos em sua epistemologia e também em seu pensamento político. Expressão disso é a crítica popperiana aos regimes totalitários e às filosofias políticas que conduzem ao totalitarismo que, na sua opinião, estão expressas sobretudo no pensamento de Platão, Hegel e Marx. A concepção popperiana de racionalidade crítica vai se opor, de igual modo, a todas as expressões filosóficas obscuras, que fogem da simplicidade e da clareza, virtudes que devem ser a marca do discurso de todo intelectual, segundo Popper. O principal alvo das críticas de Popper, neste sentido, são os pensadores da Escola de Frankfurt, sobretudo Adorno e Habermas. No campo da epistemologia, principalmente, o pensamento de Popper não deixou de produzir reações críticas. Entre as expressões mais vigorosas dessa crítica devemos recordar os trabalhos de Imre Lakatos, Thomas Kuhn e Paul Feyerabend. Porém, tais posicionamentos críticos não foram capazes de ofuscar a grandeza da obra de Popper, que teve a oportunidade de discuti-los e replicá-los abertamente. Os ensaios reunidos neste volume constituem importante contribuição não apenas para a divulgação do pensamento de Karl Popper, mas também para abrir perspectivas críticas para a análise de sua obra e para uma avaliação ponderada de suas propostas. Pela forma como o
  • 12. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 12 próprio Popper entende sua filosofia, desde as primeiras linhas, trata-se de “propostas” que obrigam-nos a “tentar encontrar respostas novas e insuspeitadas”1. Nada estaria mais distante do racionalismo crítico que uma tentativa de transformá-lo em dogma e “moda filosófica” aceitos sem crítica. Não sem razão, Popper sempre esteve aberto às críticas, nascidas até mesmo de seus discípulos mais próximos, como Lakatos, Kuhn e Feyerabend, como já dissemos. Tentava ele, desse modo, viver o que ensinava ao insistir tantas vezes na seguinte expressão: “Posso estar errado e vocês podem estar certos, mas por um esforço poderemos nos aproximar da verdade”2. Os autores destes ensaios, sem exceção, são pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, que se dedicaram, em cursos de mestrado e/ou doutorado, a apresentar pesquisas referentes à filosofia popperiana em seus mais diferentes aspectos. Alguns artigos resultam destas dissertações ou teses; outros são desenvolvimentos posteriores das pesquisas realizadas. Atualmente, como se pode ver na seção Sobre os Autores, estes pesquisadores se dedicam ao ensino em cursos de graduação e pós-graduação, em instituições espalhadas de norte a sul do país, representando assim a riqueza dos pontos de vista e das análises a partir de contextos diversos. Os temas aqui tratados abrangem os principais elementos da obra de Popper, permitindo ao leitor uma visão de amplo horizonte das temáticas desenvolvidas pelo filósofo austríaco, embora sem esgotar todos os aspectos que a obra de Popper apresenta. Não há uma ordem pré-estabelecida entre os capítulos, de modo a permitir uma leitura mais livre do conjunto da obra. 1 POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1972, p. 39. 2 POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. São Paulo: EDUSP; Belo Horizonte: Itatiaia, 1974, vol. 2, cap. 24, p. 232.
  • 13. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 13 Quero manifestar minha mais profunda gratidão a todos os autores que participam desta publicação conjunta, cujo empenho e dedicação a este trabalho é de reconhecido mérito. Sem eles, esta obra não passaria de um sonho. Com eles, ela se tornou realidade e, hoje, pode ser oferecida aos leitores brasileiros que já conhecem a obra de Popper ou que a ela estão sendo apresentados. É nossa esperança que estes textos estimulem a todos para uma compreensão ampliada do pensamento de Popper que, em última instância, como ele mesmo afirmava, dedicou seu trabalho em prol da construção de um mundo melhor. Quero agradecer, de modo especial, ao Círculo de Estudos Bandeirantes, órgão cultural agregado à Pontifícia Universidade Católica do Paraná, que aceitou a publicação deste trabalho e envidou todos os esforços para sua produção editorial. Em nome dos meus co-autores, tomo a liberdade de oferecer este trabalho a todos os nossos alunos, que são a razão de nosso empenho em compreender sempre mais o valor do conhecimento e, ao mesmo tempo, em desenvolver a atitude da modéstia intelectual, que é, sem dúvida, a mais significativa lição da vida e da obra de Popper. Paulo Eduardo de Oliveira Pontifícia Universidade Católica do Paraná
  • 14. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 14 SSOOBBRREE OOSS AAUUTTOORREESS GGEERRSSOONN AALLBBUUQQUUEERRQQUUEE DDEE AARRAAUUJJOO NNEETTOO Graduado em Engenharia Civil e Filosofia pela UFPI. Fez Mestrado em Filosofia pela PUC-SP e Doutorado em Comunicação e Semiótica pela mesma universidade. Fez Pós- Doutorado em Filosofia pela UERJ. É professor Associado da UFPI, onde leciona no Departamento de Filosofia e no Mestrado em Ética e Epistemologia. JJOOÃÃOO BBAATTIISSTTAA CCIICCHHEERROO SSIIEECCZZKKOOWWSSKKII Professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Doutor em Filosofia na área de Epistemologia pela PUCRS. Licenciado e bacharel em filosofia pela UFRGS e mestrado na PUCRS com a dissertação: A Falseabilidade, a tese dos três mundos e o mundo três em Karl Popper. Leciona nas áreas de metodologia científica e história e filosofia das ciências. Entre outras publicações, publicou O pluralismo da tese dos três mundos de Popper e a crítica de Habermas, em 2006, na Revista Princípios. CCRRIISSTTIINNAA DDEE AAMMOORRIIMM MMAACCHHAADDOO Bacharel em Filosofia pela UERJ, mestre em Filosofia pela PUC-Rio e doutora em Letras também pela PUC-Rio. Lecionou nos Departamentos de Filosofia da UERJ, PUC e Bennett, e foi bolsista PCI do MAST, onde desenvolveu pesquisa sobre o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). Atualmente é
  • 15. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 15 professora adjunta do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). NNEEYY MMAARRIINNHHOO Psiquiatra e Psicanalista. Membro Efetivo com funções didáticas da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ). Coordenador dos cursos: Estudo da obra de W.R.Bion e Investigação Psicanalítica das Psicoses, no Instituto da SBPRJ. Doutor em Filosofia (PUC-Rio). Pós doutorando no Programa História das Ciências, Técnicas e Epistemologia (COPPE/UFRJ). Realiza atualmente pesquisa sobre a noção de loucura na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). JJUULLIIOO CCEESSAARR RR.. PPEERREEIIRRAA Doutor em Filosofia pela PUCRS. Publicou: Epistemologia e Liberalismo – Uma Introdução a Filosofia de Karl Popper e organizou: Popper – As Aventuras da Racionalidade, além de vários artigos em jornais e revistas. Lecionou na PUCRS, UFSM, UEL, FACCAT. JJOOSSÉÉ FFRRAANNCCIISSCCOO DDOOSS SSAANNTTOOSS É graduado em Filosofia pela FEBE (atual Unifebe – Brusque- SC), especialista em Fundamentos da Educação pela FURB (Blumenau-SC), mestre e doutor em Filosofia pela PUC-SP. É professor na Faculdade São Luiz e Unifebe (Brusque-SC) e Faculdade Sinergia (Navegantes-SC). JJÉÉZZIIOO HHEERRNNAANNII BBOOMMFFIIMM GGUUTTIIEERRRREE Professor de Filosofia da Ciência e Filosofia da Linguagem no departamento de Filosofia da Unesp-FFC-Marília. Sua área de pesquisa estende-se pelos debates da epistemologia anglo-saxã em torno do racionalismo e ontologia da ciência. Entre seus recentes trabalhos publicados encontra-se a organização e
  • 16. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 16 tradução de Escritos sobre ciência e religião, de T. H. Huxley (2008). EELLIIZZAABBEETTHH DDEE AASSSSIISS DDIIAASS Doutora em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas, professora de Filosofia da Ciência da Faculdade de Filosofia e do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Pará. Publicou o livro Popper e as Ciências Humanas. GGEELLSSOONN LLIISSTTOONN Gelson Liston é Doutor em Filosofia (UFSC, 2008) e Bolsista da CAPES (Proc. BEX 9362/11-8). Atualmente, é professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina. Atua principalmente na Graduação em Filosofia e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia. RRAAQQUUEELL SSAAPPUUNNAARRUU Graduada em Física pela UFRJ, mestrado e doutorado em Filosofia pela PUC-Rio. Atua como professora adjunta do Instituto de Ciência e Tecnologia da UFVJM, onde ministra as disciplinas de Fundamentos e Técnicas de Trabalho Intelectual, Científico e Tecnológico, Questões de Sociologia e Antropologia da Ciência e Questões de História e Filosofia da Ciência e coordena o Núcleo de Filosofia e História da Física Matemática (NUFIHM). GGUUSSTTAAVVOO CCAAPPOONNII Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência (UNICAMP, 1992), é Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do CNPq. Ele é autor de: Georges Cuvier: un fisiólogo de museo (UNAM: México, 2008); Buffon (UAM: México, 2010) e La segunda agenda darwiniana (Centro Lombardo Toledano: México, 2011).
  • 17. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 17 FFEERRNNAANNDDOO LLAANNGG DDAA SSIILLVVEEIIRRAA Licenciado em Física e mestre em Física pela UFRGS. Doutor em Educação pela PUCRS. Professor associado, lotado no IF- UFRGS, lecionando na graduação e membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino da Física. Produção intelectual relacionada ao ensino de Física, com ênfase em Tópicos de Física Geral, História e Filosofia da Ciência e Métodos Quantitativos aplicados à Pesquisa em Ensino de Física. BBRREENNAA PPAAUULLAA MMAAGGNNOO FFEERRNNAANNDDEEZZ Economista, formada pela UFRJ. Especialização em Filosofia Econômica pela FGV/RJ. Pós-Graduação em Lógica, Filosofia Pragmática e Filosofia Econômica pela Johann Wolfgang Von Goethe Universität – Frankfurt/Alemanha. Mestrado em Filosofia e Doutorado em Ciências Humanas pela UFSC. Pós- Doutorado em Epistemologia pela USP. Atualmente trabalha como Professora Adjunta do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina. SSOOLLAANNGGEE RREEGGIINNAA MMAARRIINN Graduada em Ciências Econômicas, Mestre em Desenvolvimento Rural e Doutora em Desenvolvimento Econômico, com estágio de doutoramento na Marquette University/WI-USA. Atualmente é professora do curso de Ciências Econômicas e do Mestrado em Economia e Desenvolvimento da UFSM.
  • 18. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 18 TTÚÚLLIIOO VVEELLHHOO BBAARRRREETTOO Cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Recentemente, publicou os livros Na Trilha do Golpe – 1964 Revisitado (2004), A Nova República – Visões da Redemocratização (2006) e 1964 – O Golpe Passado a Limpo (2007). MMAARRCCIIAA MMAARRIIAA RROODDRRIIGGUUEESS SSEEMMEENNOOVV Filósofa, Pedagoga, Bacharel em Direito, Comunicóloga e Semioticista. Experiente em Magistério desde os 17 anos de idade. Doutora em Comunicação e Semiótica, Mestre em Filosofia, ambos pela PUC-SP; Bacharel e Licenciada em Filosofia na USP; Pedagoga pela UNIMES; Bacharel em Direito pela “Católica UniSantos”onde é Professora Titular. Leciona Filosofia da Ciência, Ontologia, Metodologia da Pesquisa Científica e Ética e Legislação. Publicou muitos artigos de Filosofia. Lecionou na UNISANTA e UNILUS. PPAAUULLOO EEDDUUAARRDDOO DDEE OOLLIIVVEEIIRRAA Filósofo, com Pós-Doutorado pela UFPR. Doutor e Mestre em Filosofia das Ciências Humanas pela PUCSP. Graduado em Filosofia pela PUCPR. Atualmente, é professor titular do Departamento de Filosofia da PUCPR, em Curitiba. Autor, entre outros, de Introdução ao pensamento de Karl Popper (Champagnat, 2010, em parceria com o Prof. Bortolo Valle) e Da ética à ciência: uma nova leitura de Karl Popper (Paulus, 2011).
  • 19. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 19 CAPÍTULO 1 TTEEOORRIIAA DDAASS PPRROOPPEENNSSÕÕEESS Gerson Albuquerque de Araujo Neto A obra de Karl Popper, um dos maiores filósofos do século XX, é bastante eclética. Abrange desde a questão da demarcação do conhecimento científico, o problema da indução, o marxismo, a história, a probabilidade, etc. Todos estes assuntos foram tratados com profundidade, apresentando respostas originais e polêmicas para muitas destas questões. O objetivo deste texto é analisar a Teoria das Propensões de Karl Popper. Esta é sua proposta para resolver algumas questões das teorias das probabilidades. Popper afirma que se aproximou dos problemas das probabilidades por acreditar que “yet we still lack a satisfatory, consistent definition of probability; or what amouts to much the same, we still lack a satisfactory axiomatic system for the calculus of probability” (POPPER, 1980, p. 146)3. Acrescenta Popper que os epistemólogos precisam explicar melhor a relação entre a probabilidade e a 3 Na tradução brasileira de Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota, publicada pela Edusp, com o título A Lógica da Pesquisa Científica, em 1993, 9ª ed., página 160, afirma: “continua a faltar uma definição coerente e satisfatória de probabilidade, ou, o que vale aproximadamente dizer o mesmo, continua faltar um sistema satisfatório para o cálculo de probabilidades”. Uma nota de esclarecimento precisa ser feita. As citações por nós utilizadas algumas vezes aparecem em inglês, outras vezes aparecem em português. Na escolha, utilizou-se o critério de maior clareza.
  • 20. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 20 experiência. De fato, no mesmo texto, mais adiante, ele observa: “the ralations between probability and experience are also still in need of clarification” (POPPER, 1980, p. 146)4. Alguns críticos de Popper entendiam que o cálculo das probabilidades entrava em conflito com sua teoria demarcatória da ciência, o falseacionismo. Contudo, para Popper, esse conflito era apenas aparente. Sobre esse fato, ele afirma: “in investigating this problem we shaw discover what will at first seem na almost insuperable objection to my methodological views” (POPPER, 1980, p. 146)5. Ele resolveu, então, elaborar uma teoria do cálculo das probabilidades, tentando superar essa aparente confrontação, advertindo, no entanto, que desenvolverá esta sua teoria na linha adotada por Richard Von Mises, a teoria das probabilidades em termos de frequência. Observa, porém, que não adotará o axioma do limite ou axioma da convergência. Popper, também, se propõe a resolver o problema da relação entre probabilidade e experiência. A esse, ele chamou de problema de decidibilidade das sentenças probabilísticas. Queria com isso ajudar os físicos a sair de uma situação em que as teorias das probabilidades, à sua disposição, eram insatisfatórias. Isto está claro quando ele afirma: “my hope is that investigations will help to relieve the present unsatisfactory situation in which physicists make much use of probabilities wilthout being able to say, consistently they mean by ‘probability’” (POPPER, 1980, p. 146-147)6. 4 Trad. brasileira, p. 160: “As relações entre probabilidade e experiência também reclamam esclarecimento”. 5 Trad. brasileira, p 160: “Ao investigar esse problema, descobriremos o que, à primeira vista, parecerá um obstáculo quase insuperável a minhas concepções metodológicas”. 6 Trad. brasileira, p. 161: “Espero que essas investigações ajudem a afastar a insatisfatória situação atual em que os físicos se encontram, fazendo amplo uso das probabilidades sem estarem habilitados a dizer, coerentemente, o que pretendem dizer com ‘probabilidade’”.
  • 21. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 21 Embora Popper tenha começado a escrever sobre a Teoria das Propensões no seu livro Lógica da Pesquisa Científica, ele escreveu esta teoria no Pós-Escrito à Lógica da Descoberta Científica, como aponta seu discípulo David Miller numa conferência, de uma série realizada pelo Royal Institute of Philosophy, no período de outubro de 1994 e março de 1995. Posteriormente, essas conferências foram transformadas em livro, com o título Karl Popper: Philosophy and Problems. TEORIA DAS PROBABILIDADES A palavra probabilidade possui diversas acepções e diversas são as suas aplicações. Na economia, nos jogos, na estatística, etc. Podemos arriscar dizer que é difícil um campo de estudo que não aplique um pouco de probabilidade no seu trabalho. Observamos que a ciência da saúde, os diversos campos da tecnologia, a política e qualquer outra ciência sempre se defrontam com imprecisões ou situações que requerem o uso de probabilidade. Portanto, os teóricos dessas ciências precisam, em alguns casos, da aplicação da probabilidade. Na pior das hipóteses, um teórico de uma ciência qualquer precisa conhecer noções elementares de probabilidade. Dessa forma, ressaltando sua importância, Jan Von Plato se reporta à relação da probabilidade com a física: “The developement of phisics has had a profund influence on our ideas about probability” (PLATO, 1994, p. 10). O problema da teoria das probabilidades não pode, portanto, ser dissociado do estudo da filosofia da ciência, porque está ligado à ciência. Logo, qualquer reflexão sobre a ciência tem que envolver, em algum momento, a questão da probabilidade. Além do que David Miller, no seu livro Critical Rationalism a Restament and Defence, afirma: “One of the principal challenges confronting any objectivist theory of the
  • 22. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 22 scientific knowledge is to provide a satisfactory understanding of physical probabilities” (MILLER, 1994, p. 176). NASCIMENTO E BREVE HISTÓRIA DA PROBABILIDADE Entre os primeiros grandes teóricos das teorias das probabilidades encontramos Bernouilli, Bayes e Laplace. Eles definiam a probabilidade como o quociente entre o número de casos favoráveis e o número de casos possíveis. A questão da probabilidade não foi discutida e nem desenvolvida pelos gregos e nem tampouco por nenhum matemático antigo. Durante a Idade Média, o assunto não interessou a nenhum pensador. A primeira obra de que se tem notícia que abordou a probabilidade foi um manual de matemática, escrito no século XVI, pelo italiano Girolamo Cardano. Porém, o assunto era tratado de forma superficial. A questão só veio a despertar interesse na França, a partir de 1650. Nessa época, o jogo era algo bastante popular na sociedade francesa. Cada vez mais, sofisticado e intrigante, ele despertou um interesse de alguns estudiosos em encontrar uma teoria matemática que conseguisse apresentar resultados relativos aos chamados jogos de azar. Um famoso jogador francês, chamado De Méré, desenvolveu um método para o estudo de tais jogos. Contudo, ele encontrou resultados diferentes entre os observados nos jogos e os previstos pelo seu método. Ele resolveu, então, inquirir o famoso matemático e filósofo Blaise Pascal sobre esse problema. Pascal, naquele momento vivendo em Paris, dedica-se ao problema e, nessa época, mantém uma correspondência com outro grande matemático, Pierre Fermat que residia em Toulouse. Dentre os inúmeros problemas discutidos entre os dois está o problema da probabilidade. A partir destas cartas, são estabelecidas as bases para todos os trabalhos sobre probabilidade. A conclusão de Pascal e Fermat
  • 23. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 23 foi a de que o cálculo de De Méré estava errado. Ele estava tentando aplicar fórmulas que só eram válidas em caso geral, não sendo aplicáveis em casos específicos. O primeiro tratado matemático formal sobre probabilidade foi escrito por Christiaan Huygens, em 1657. Para escrever esta obra, Huygens se baseou na correspondência Pascal-Fermat. Outra obra importante na história da probabilidade foi a Ars Conjectandi, de 1713, redigida pelo famoso matemático Jakob Bernoulli. Aliás, a família Bernoulli contribuiu muito para o desenvolvimento da probabilidade. Outros de seus membros, Daniel Bernoulli, por exemplo, escreveu tratados matemáticos sobre a probabilidade. Dentre os matemáticos que se preocuparam com o problema da probabilidade, podemos citar Abraham De Moivre, Leonhard Euler, Joseph Louis Lagrange e Pierre Simon Laplace. Essa definição clássica de probabilidade, mencionada acima, foi contestada por Hans Reichenbach e Richard Von Mises. Estes dois pensadores vão propor a substituição do número de casos pela medição de frequência relativa. Esta frequência relaciona um determinado número de casos com a classe a que estes casos pertencem. Já a frequência absoluta seria a classe por completo. Alguns pensadores acreditam que o problema da falta de certeza na previsão de alguns fenômenos está na incapacidade do sujeito que estuda estes fenômenos. Muitos pensadores, então, resolveram desenvolver teorias que trabalhassem as teorias das probabilidades pela ótica subjetiva, entre os quais estava Keynes. Lorde Maynard Keynes, um dos maiores economistas do século XX, desenvolveu uma teoria subjetiva da probabilidade. Esta era bem mais requintada que as anteriores. Nela, ele propõe um cálculo de medida de aproximação lógica entre os enunciados científicos. Assim, se tivermos dois
  • 24. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 24 enunciados, estes podem estar numa relação de incompatibilidade, independência mútua ou de deduzibilidade. Na teoria de Keynes, se os enunciados p e q forem incompatíveis, a relação de probabilidade será zero e se, por outro lado, forem dedutíveis, será igual a um. Os valores intermediários entre zero e um são obtidos da dedução de p e q, sendo que a probabilidade p dado q aumenta quando o seu conteúdo é menor do que o que já está contido em q. CRÍTICAS DE POPPER ÀS TEORIAS DAS PROBABILIDADES Popper critica, e com, razão, a definição clássica de probabilidade, que é o resultado da divisão do número de casos favoráveis pelo número de casos possíveis. Para ele, esta definição leva a embaraços lógicos. Estes casos favoráveis, por exemplo, dependem de quê? Para um defensor da interpretação subjetiva da probabilidade, eles estariam ligados à crença que o sujeito tem nestes casos. Desta forma, o grau de probabilidade estaria ligado aos sentimentos inerentes ao sujeito, tais como certeza, dúvida, etc. Para Popper, é complicada a aplicação desta probabilidade psicológica nos casos de probabilidade numérica. Aliás, ele é um crítico do conhecimento subjetivo e, portanto, um defensor do conhecimento objetivo. Por sinal, este é o título de uma de suas obras. Ele acredita, inclusive, que o conhecimento objetivo vai ajudar na formação da nossa subjetividade. Portanto, muitas vezes, nossas crenças e nossos sentimentos são resultados de um processo que tem como base o nosso conhecimento objetivo. Podemos dizer, ainda, que na realidade Popper não rejeita o conhecimento subjetivo. Ele, na verdade, condena a posição daqueles que defendem esta forma de conhecimento como única. Acredita, também, que estes dois tipos de
  • 25. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 25 conhecimento se relacionam, de modo que tanto o conhecimento subjetivo ajuda a formar o conhecimento objetivo como vice-versa. Popper vai além e afirma: “Esta via é seguida com muito mais frequência do que a que vai do conhecimento subjetivo para o conhecimento objetivo”. Na sua obra Lógica da Pesquisa Científica, Popper faz uma exposição da Teoria Frequencial das Probabilidades de Richard Von Mises. Popper aponta contradições nesta teoria e afirma ser projeto seu rejeitar as teorias subjetivas da probabilidade e elaborar uma teoria frequencial da probabilidade que pudesse superar os problemas das teorias até então apresentadas. Popper vai concordar com as críticas a Von Mises pelo conceito e por ele ter, em sua teoria, combinado os axiomas da aleatoriedade e da convergência. Alerta Popper que a aplicação do “conceito matemático de limite ou de convergência a uma sequência que, por definição (ou seja, por força do axioma da aleatoriedade) não deve estar sujeito a qualquer regra ou lei matemática” (POPPER, 1993, p. 169). Diante disso, ele se propõe a melhorar o axioma da aleatoriedade e eliminar o axioma da convergência, classificando estas duas tarefas em um problema de matemática e um problema epistemológico. Na Lógica da Pesquisa Científica, Popper desenvolve, então, uma teoria das probabilidades, que ele vai modificar depois, ao apresentar a sua Teoria das Propensões. Esta sua primeira teoria das probabilidades já se caracteriza como uma teoria objetiva das probabilidades. Nessa sua primeira teoria das probabilidades, Popper utiliza a Fórmula Binomial de Newton e também o Teorema de Bernoulli. Ele elimina o axioma da convergência, fazendo uma axiomatização de sua teoria das probabilidades. Quando Popper ainda acreditava que a questão das probabilidades poderia ser resolvida com as teorias das
  • 26. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 26 probabilidades em termos de frequência, apresentou uma regra do cálculo de probabilidades, que ele mesmo chamou de “uma forma do teorema de Bayes” (POPPER, 1987, p. 259). Esta fórmula é a seguinte: “Desde que p(a)=0 e que b seja previsível a partir de a, p(a,b) aumenta com p(b), quer dizer, com a probabilidade absoluta de não b, que é o mesmo que a improbabilidade lógica de b, ou Ct(b), o conteúdo de b” (POPPER, 1987, p. 259). Depois, Popper abandona este projeto e investe em uma nova proposta intitulada teoria das propensões. TEORIA DAS PROPENSÕES A teoria das propensões segue a mesma definição clássica de probabilidade, só que, enquanto nesta o quociente se dá entre o número de casos favoráveis e o número de casos possíveis, e estes casos possíveis, por definição, são iguais, na teoria das propensões isto não ocorre. Os casos possíveis assumem valores diversos, o que provoca pesos diferentes entre eles. Para Popper, na teoria das propensões, os enunciados singulares estariam sujeitos às propensões. São elas que os determinariam. Portanto, as propensões adquirem uma importância fundamental no que diz respeito ao estudo dos enunciados singulares. Considera Popper que estas propensões ou pesos são como forças físicas que atuam na possibilidade. A este respeito, ele explica: é uma interpretação física das possibilidades, que considera não serem simples abstrações, mas sim tendências ou propensões físicas para ocasionar o estado de coisas possível – tendência ou propensões para efectuar aquilo que é possível (POPPER, 1987, p. 292).
  • 27. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 27 Ele acreditava que estas propensões podiam ser expressas em forma de frequências relativas. Estas seriam, assim, tradução matemática de uma propensão. As propensões não poderiam ser visualizadas. Mas, poderiam ser expressas matematicamente. As teorias clássicas das probabilidades constituem-se em um caso da teoria das propensões, onde as possibilidades assumem pesos iguais. Portanto, a teoria das propensões não vem para romper com as teorias clássicas das probabilidades, mas para complementá-las. Ela procura acrescentar tendências, ou como Popper utiliza “propensões”, para possíveis resultados de eventos probabilísticos. Ele chega, inclusive, a dizer que acha válidas outras teorias objetivas das probabilidades. Na teoria clássica, a probabilidade é dada pela fórmula: p(a,b)=r, onde se lê: a probabilidade de acontecer a, dado b, é igual a r. Já na teoria das propensões, a mesma fórmula é lida da seguinte maneira: “Na interpretação em termos de propensão, é a asserção de que as condições b produzem uma propensão r em que se realize o resultado a” (POPPER, 1987, p. 296). No volume 1 do “pós-escrito”, Popper esclareceu que prefere usar o termo grau de corroboração no lugar de probabilidade, da seguinte forma: Nesta secção pretendo apenas discutir uma questão terminológica – as minhas razões para propor que se fale de ‘grau de corroboração’ e não de probabilidade de uma hipótese à luz dos testes. A minha razão principal é, é claro, que esta última expressão – ainda que perfeitamente legítima – presta-se a provocar confusões (POPPER, 1987, p. 236). Para Popper, as propensões não dependem exclusivamente do objeto estudado, mas, também, da situação em que o fenômeno está inserido. Vejamos o que Popper
  • 28. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 28 declara: “Eu salientara que as propensões não deviam ser vistas como propriedades inerentes a um objeto, como dado ou moeda, mas sim como inerentes a uma situação (da qual o objeto faz parte)” (POPPER, s/d, p. 26). Nestas palavras de Popper, podemos ver a importância que ele atribui à situação em que ocorre o evento. Esta, inclusive, pode ser determinante na alteração das propensões. Através de sua teoria das propensões, Popper vai aceitar que todas as variáveis, ou que a maior parte delas, sejam levadas em conta nos experimentos. Popper afirma: “É a hipótese de que todos os dispositivos experimentais (e, portanto, todos os estados de um sistema) geram propensões que podem, por vezes, ser testados com frequências” (POPPER, 1987, p. 358). Para ele, os experimentos da física quântica, como a experiência da dupla fresta, por exemplo, confirmam estas suas ideias. Mas qual a principal diferença entre a interpretação em termos de frequência e a interpretação em termos de propensão? Segundo Popper, “a principal diferença entre a interpretação em termos de frequência e a interpretação em termos de propensão reside no estatuto dos enunciados probabilísticos singulares” (POPPER, 1987, p. 259). Para os defensores da teoria da frequência, os enunciados singulares não possuem muita importância. Porém, para a teoria das propensões, estes representam o resultado de uma propensão. Continuando com esta reflexão sobre a diferença entre a teoria das propensões e a teoria frequencial das probabilidades, Popper afirma que, na teoria frequencial, se “atribui uma probabilidade ao acontecimento individual apenas enquanto este acontecimento individual for um elemento de uma sequência de acontecimentos com uma frequência relativa” (POPPER, 1987, p. 292).
  • 29. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 29 Na teoria das propensões, o caso é diferente, como afirma Popper: Em oposição a isto, a interpretação em termos de propensão associa uma probabilidade a um acontecimento individual enquanto este é representativo de uma sequência de acontecimentos virtual ou concebível, e não enquanto ele é um elemento de uma sequência concreta (POPPER, 1987, p. 292). CRÍTICAS A POPPER A teoria das propensões de Popper recebeu diversas críticas. Ele mesmo classifica a mais séria: Deste modo pode-se esperar evitar o que a mim parece ser o aspecto mais objectável da interpretação em termos de propensão: a sua semelhança intuitiva com ‘forças vitais’ e antropomorfismos semelhantes, de que tantas vezes se disse serem pseudo-explicações estéreis (POPPER, 1987, p. 355). A nosso ver, estas acusações têm consistência. Pode-se perceber um cunho metafísico na teoria das propensões quando analisamos a seguinte afirmação de Popper: “Assim, as frequências relativas podem ser consideradas o resultado, ou a expressão exterior, ou aparência de uma disposição, tendência ou propensão física oculta e não diretamente observável” (POPPER, 1987, p. 292). Constatamos haver, nesta afirmação, a incorporação ao discurso popperiano de um pensamento semelhante aos dos metafísicos. Ele fala de “propensão física oculta” e “não diretamente observável”, e isto é muito parecido com o discurso metafísico. E como testar estas forças, estas propensões? Segundo Popper, “uma hipótese respeitante à força desta disposição, tendência ou propensão física pode ser testada por estatísticos,
  • 30. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 30 quer isto dizer, por observações de frequências relativas” (POPPER, 1987, p. 292). A defesa de Popper se apega ao fato de os cientistas terem introduzido a ideia ou conceito de força para explicar algumas teorias físicas que apresentavam alguns problemas. Este conceito de força não encontra nenhum objeto físico que o corresponda, ou seja, não existe nenhum objeto no universo que seja uma força. Ou seja, no discurso científico há o emprego de conceitos que não têm observação empírica. REFERÊNCIAS MILLER, David. Critical rationalism: a restatement and defense. Illinois: Open Court, 1994. _______. (ed.). Popper selections. Princenton: Princenton University Press, 1985. NEIVA, Eduardo. O Racionalismo crítico de Popper. Rio: Francisco Alves, 1999. O’HEAR, Anthony. Karl Popper: filosofia e problemas. São Paulo: Editora da Unesp, 1997. PLATO, Jan Von. Creating modern probability. Cambridge: Cambridge University Press, 1994. PELUSO, Luis Alberto. A Filosofia de Karl Popper. Campinas: Papirus, 1995. POPPER, Karl. The logic of scientific discovery. London and New York: Routledge, 1987. A edição brasileira está intitulada A Lógica da pesquisa científica. 9 ed. trad. Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1993. _______. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Belo Horizonte: Itatiaia/São Paulo: Edusp, 1975.
  • 31. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 31 _______. Pós-Escrito à Lógica da descoberta científica. Volume 1. O realismo e o objetivo da ciência. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987. _______. Pós-Escrito à Lógica da descoberta científica. Volume 2. O universo aberto. Argumentos a favor do indeterminismo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1988. _______. Pós-Escrito à Lógica da descoberta científica. Volume 3. A teoria dos quanta e o cisma da física. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987. _______. Um mundo de propensões. Lisboa: Fragmentos, s. d. SCHILPP, Paul (ed.). The Philosophy of Karl Popper. La Salle: Open Court, 1974.
  • 32. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 32 CAPÍTULO 2 OO PPLLUURRAALLIISSMMOO DDAA TTEESSEE DDOO MMUUNNDDOO 33 DDEE PPOOPPPPEERR João Batista Cichero Sieczkowski Para Popper, os dois problemas fundamentais da epistemologia são os problemas da indução e da demarcação. Sendo assim, consideramos que, para ele, os dois problemas fundamentais da Nova Metafísica são os problemas da relação entre corpo-mente e o da existência e realidade dos objetos matemáticos. Esses dois problemas têm uma âncora em comum que ajuda Popper a chegar a uma solução: a Tese dos Três Mundos (TTM) e o Mundo 3 (M3). Pouco se tem dito a respeito da importância dessa tese para a epistemologia de Popper, mesmo porque, muitos a relacionam ao idealismo de Platão, sem mesmo entender a proposta popperiana. Dessa forma, o problema aqui será o seguinte: qual é o sentido da Nova Metafísica que Popper oferece aos seus leitores? Ora, Popper propõe uma nova maneira de conceber a metafísica e de compreender essa realidade como não-física e não-psíquica. Assim, o nosso objetivo é contribuir para o esclarecimento do papel do M3, em sua realidade, e a existência, dentro da TTM de Popper. Para que isso se cumpra é preciso lançar luzes à Nova Metafísica de Popper, onde a TTM e o M3 estão inseridos. Procuraremos desenvolver esse trabalho a partir destes 5 pontos: (1) A ciência com ou sem metafísica? Popper e o positivismo lógico de Viena; (2) O que é metafísica?; (3) Qual
  • 33. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 33 metafísica?; (4) O M3 de Popper; (5) Qual realidade? O conceito de realidade. 1. A CIÊNCIA COM OU SEM METAFÍSICA? Iniciemos pela relação entre Popper e o positivismo lógico de Viena. Popper trata, no livro O Realismo e o Objectivo da Ciência, na seção 21, do problema da eliminação da metafísica. Os pensadores que pretendiam eliminar a metafísica defendiam a ideia de uma ciência possuidora de uma linguagem científica universal, e pretendiam unificar todo o conhecimento científico por meio desta linguagem. Eles eram os positivistas lógicos do assim chamado Círculo de Viena. Dessa forma, esses pensadores falavam de uma análise da linguagem onde a metafísica seria excluída, porque as suas proposições não teriam sentido. Seria uma operação-limpeza. O objetivo era o de limpar as teorias científicas, o discurso científico de termos e proposições sem sentido. A ciência deveria alcançar o seu objetivo maior que seria o de livrar-se da metafísica. Mas, podemos eliminar todos os elementos metafísicos da ciência? Os positivistas lógicos afirmavam que sim. E, para tanto, desenvolviam métodos e técnicas que serviriam de bisturi para tal operação, ou seja, análise. Popper é enfático em sua afirmativa: “Não creio que a metafísica seja algo sem-sentido, e não acho que seja possível eliminar todos os ‘elementos metafísicos’ da ciência: eles estão intimamente entrelaçados com os restantes” (POPPER, 1987, p. 195). Aqui está a primeira razão para a eliminação parcial da metafísica, mas não completa como queriam os positivistas lógicos. Popper percebia muito bem que havia elementos metafísicos que poderiam ser eliminados, porque o que estava equivocado no positivismo lógico era a eliminação completa e definitiva da metafísica, e não simplesmente a eliminação de alguns termos ou proposições da metafísica. Mesmo a
  • 34. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 34 eliminação completa e definitiva seria impossível dado ao fato de que estes elementos estão entrelaçados, segundo o próprio Popper. Popper aceitava que alguns elementos fossem eliminados para melhorar as ciências. Portanto, seria uma eliminação parcial, que beneficiasse o avanço da ciência. Diz Popper: “Pois a eliminação de um elemento não testável da ciência remove um meio de se evitarem refutações; e isto terá tendência para aumentar a testabilidade ou refutabilidade da teoria em causa” (POPPER, 1987, p. 195). Essa é a segunda razão contra a eliminação parcial e não completa da metafísica. Imunizar uma teoria contra a refutação é deixar de jogar o jogo da ciência para Popper. Usar termos ou proposições metafísicas para camuflar uma refutação é uma estratégia que impossibilita o avanço da ciência. Os positivistas lógicos pensavam que o seu critério de demarcação pudesse servir para identificar esses elementos metafísicos e eliminá-los, por meio de técnicas linguísticas e gramaticais. Popper apenas diz que o seu critério de demarcação não se destina a ser uma técnica com essa finalidade. Aliás, Popper vai além do formalismo dos positivistas lógicos. Não podemos parar na eliminação de termos ou proposições metafísicas, mas temos que reconstruir a teoria afetada mediante uma nova interpretação. Diz Popper: Não se pode construir nada sobre esses ‘dados’, mesmo se supusermos que eles existem. Mas não existem: não há ‘dados’ não interpretados; não há nada que nos seja simplesmente ‘dado’, sem ser interpretado; nada que se tome como base. Todo o nosso conhecimento é interpretação à luz das nossas expectativas, das nossas teorias, e é, portanto, de alguma maneira, hipotético (POPPER, 1987, p. 125). Portanto, devemos melhorar uma teoria por meio da crítica.
  • 35. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 35 Popper não pretendeu reduzir o positivismo lógico ao papel de exterminador da metafísica, mas reconhece a importância dos problemas levantados pelos participantes do Círculo de Viena. Em Carnap, o objetivo de eliminar a metafísica é bem claro. Na Sintaxe Lógica da Linguagem (1934), Carnap quer mostrar que as questões metafísicas tradicionais são pseudo questões, na medida em que o seu mistério assenta na confusão e na mistura de expressões que se referem aos objectos do mundo e expressões que se referem às próprias propriedades da linguagem (GRANGER, s/d, p. 87-100). A metafísica, para Popper, cumpre um papel importante, enquanto que no positivismo lógico não há nenhum aspecto positivo na metafísica. Qual é o papel da metafísica para Popper? Ora, se a metafísica não é totalmente exterminada da ciência, então é justo que cobremos de Popper a importância da metafísica. Em que sentido a metafísica é positiva em Popper, então? A metafísica deve ser examinada por outros métodos que não sejam os científicos. A testabilidade, como critério, serve só para teorias científicas. Porém, uma teoria metafísica pode vir a tornar-se uma teoria científica, isto é, uma teoria testável. Os exemplos de Popper são o atomismo de Leucipo e Demócrito e o mecanicismo de Descartes. Assim, a função da metafísica é (a) indicar a direção da busca de uma teoria científica; (b) indicar o tipo de explicação que satisfaz essa busca; (c) permitir uma apreciação crítica de uma teoria científica. Por fim, a metafísica estimula o progresso da ciência, incitando o debate racional de teorias. O limite do critério de verificação empírica do positivismo lógico de Viena é, no entender de Popper, estreito demais porque não consegue constatar a presença de termos e proposições metafísicas dentro da ciência. Por outro lado, o critério positivista é largo demais, porque inclui o que deveria
  • 36. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 36 ser excluído. Ao longo da existência do positivismo lógico, não se demonstrou que conceitos, proposições e teorias científicas poderiam ser definidos por meio de definições empíricas, como salienta Popper. Por exemplo, as proposições puramente existenciais: não há como testá-las, mas estão presentes na ciência. Essa é a consequência de uma ciência sem metafísica. Só há ciência com metafísica. Em resumo, partes generosas de teorias científicas deveriam ser excluídas, porque são metafísicas. Todas as teorias científicas têm algum conceito e/ou alguma proposição assentados na metafísica. Ao pretender eliminar toda a metafísica, incorre-se no erro de excluir teorias científicas importantes para a física, por exemplo. Não há como confirmar de maneira definitiva a verdade de uma teoria. Toda teoria científica não pode ser completamente verificada, mas poder ser falsificada, ou seja, testada (falsificável, testável). Essa é a consequência de uma ciência com metafísica. Não há ciência sem metafísica. Essa é a primeira lição. 2. O QUE É METAFÍSICA? O que fizemos até agora foi mostrar a razão de Popper admitir que ciência sem metafísica não é possível. Mas, o que é metafísica, para Popper? Popper diz pouca coisa a respeito do que seria metafísica (mesmo porque ele dá pouca importância para perguntas do tipo “o que é isto ou aquilo?”, por essas nos levarem ao essencialismo). Contudo, há alguns elementos importantes. Em primeiro lugar, Popper é adepto do realismo metafísico. Isso ele deixa claro. Em diversas ocasiões, ele faz referência a essa posição como sendo a melhor que dispomos. O realismo metafísico é um pressuposto na filosofia popperiana, e é um importante elemento para entendermos o que é metafísica e a “sua” metafísica. Diz Popper: “o realismo de cunho metafísico – a concepção segundo o qual existe um
  • 37. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 37 mundo real a ser descoberto” (POPPER, 1977, p. 160). Um mundo a ser descoberto. Este mundo já existe, portanto. Resta- nos descobri-lo. É o mundo 3, como veremos. Popper era um realista desde a publicação da Lógica da Pesquisa Científica (1934), mas, confessa ele, neste livro não havia dito muita coisa a respeito do realismo: “O motivo estava em que, ao escrever a obra, eu não havia compreendido que uma posição metafísica, embora não passível de prova, podia ser criticada e debatida racionalmente” (POPPER, 1977, p. 159). O realismo era uma confissão de fé. Assim, em 1969, em Conjeturas e Refutações, Popper assume que “as teorias metafísicas podem ser submetidas ao crivo da crítica e da argumentação, já que são tentativas feitas no sentido de resolver problemas – problemas talvez passíveis de receberam soluções mais ou menos apropriadas” (POPPER, 1977, p. 159). O realismo objetiva atacar a concepção idealista e subjetivista de conhecimento. Tanto como o idealismo, o realismo é irrefutável, todavia, é o melhor recurso que dispomos no momento. A vantagem está em que o idealismo é falso e o realismo é verdadeiro. O realismo é pensável (no sentido kantiano), é possível logicamente, e o idealismo não é pensável logicamente. O realismo, apesar de indemonstrável e não testável, é pensável. Está mais de acordo com a realidade. Em segundo lugar, podemos falar do debate racional que a metafísica proporciona. O debate racional de teorias está alicerçado em princípios éticos que, para Popper, é questão importante. Em primeiro lugar, um debate racional deve respeitar o princípio de falibilidade. Esse princípio diz que, em um debate racional, há três consequências possíveis: talvez tu tenhas razão; talvez eu tenha razão; talvez nós dois não tenhamos razão, mas nunca nós dois teremos razão, porque a minha posição é contrária à tua. Não há debate racional quando eu e tu concordamos. Em segundo lugar, o próprio princípio da discussão racional. Temos que ponderar os nossos
  • 38. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 38 argumentos contra e a favor a certa teoria. Devemos ser críticos; e, por último, o princípio da aproximação da verdade. Esse princípio diz que nossa discussão deve ser objetiva, mesmo que não possamos chegar a um acordo. Essa ética do debate fundamenta a metafísica de Popper, na medida em que exige que nossas teorias acerca da realidade possam ser discutidas ou debatidas racionalmente. Isso nos leva ao terceiro elemento do que podemos entender por metafísica em Popper. O terceiro elemento é a formação da realidade. Eis aí o ponto chave a considerar: a metafísica será uma teoria acerca da formação da realidade ou da estrutura empírica da realidade. Diz Popper: a formação da realidade é, portanto, nossa obra; um processo que não pode ser compreendido se não tentamos compreender todos os seus três lados, esses três mundos; e se não tentamos compreender a forma em que os três mundos interagem entre si (POPPER, 2006, p. 45). Teorias a respeito da formação da realidade são metafísicas. E o realismo metafísico é verdadeiro também por essa razão. O realismo metafísico possibilita elaborarmos teorias metafísicas a respeito da formação da realidade. Assim fez Popper. A realidade não permanece a mesma, mas se modifica. Assim, as teorias metafísicas a respeito da realidade se modificam. E a ciência aproveitará essas teorias para se desenvolver. 3. QUAL METAFÍSICA? Popper discordava, em relação ao Círculo de Viena, que um critério de demarcação separasse ciência e metafísica. Para Popper, um critério de demarcação deveria separar ciência e pseudociência. Quanto à ciência e à pseudociência, a
  • 39. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 39 pergunta principal deveria ser: em que condições eu recusaria a minha teoria? Se não se formulassem tais condições, o debate racional se tornaria inviável. É o que aconteceu com a psicanálise e com o marxismo. Essas teorias, por não apresentarem as condições em que deveriam ser abandonadas, se imunizaram, ou seja, se protegeram contra o falseamento. Para a metafísica, essa tese é importante, porque a viabiliza como teoria que estimula o progresso da ciência por meio do debate racional. Diz Popper: Tal como imaginei na primeira vez que foi objeto de minha atenção, o problema da demarcação não era o de traçar fronteiras entre ciência e metafísica, mas separar Ciência e pseudociência. Naquela época, a Metafísica não me interessava. Foi somente mais tarde que estendi meu critério de demarcação à Metafísica (POPPER, 1977, p. 48). Mas, qual é a metafísica que Popper propõe? As teorias metafísicas devem ser “um possível sistema de referência para teorias científicas comprováveis” (POPPER, 1977, p. 177). Portanto, sua teoria metafísica deveria ter o mesmo caráter. A teoria metafísica de Popper é a Tese dos Três Mundos (TTM). O caminho provável que Popper seguiu para formular essa teoria foi a partir das considerações de Bolzano, em seu livro Wissenschaftslehr (1837). Ali, Bolzano fala de enunciados em si mesmos em contraposição a processos mentais subjetivos. Assim, uma coisa é apreender enunciados (o que é psicológico) e outra é considerá-los em sua própria estrutura (o que é próprio da lógica). São mundos distintos: o mundo das relações psicológicas e o mundo das relações lógicas. Diz Popper: Se denominarmos primeiro mundo o mundo das coisas – dos objetos físicos – e de segundo mundo o mundo das experiências subjetivas (tais como os processos mentais), poderemos denominar de terceiro mundo o mundo dos enunciados em si mesmos. (Atualmente,
  • 40. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 40 prefiro falar em ‘mundo 1’, ‘mundo 2’ e ‘mundo 3’; a este último, Frege denominou, por vezes, ‘terceiro reino’) (POPPER, 1977, p. 191). O indicativo é claro: Popper é leitor de Frege, onde descobriu a possibilidade dessa teoria. Mas quais são as questões que preocupam Popper em relação a essa teoria? A natureza e a existência desses mundos; a redução do M3 ao M2; do M2 ao M1; e a caracterização desses mundos. Ora, segundo Popper, esses mundos mantêm relações causais. Assim, o M2 é mediador entre o M1 e o M2. O M1 é o mundo das coisas materiais, dos estados físicos que atuam com processos, forças, campos de força. É o efeito dessas coisas materiais sobre nós que leva-nos a constatar a realidade do M2. Aqui é a interação entre o M1 e o M2 que ocorre. O M2 é o mundo dos estados mentais, da consciência, do sujeito. Popper cita o exemplo da dor de dente como interação entre o M2 e o M1. A cárie é um processo físico-químico material, enquanto que a dor que advém é subjetiva. Apesar de claras essa distinção e relação, há aqueles que negam a existência do M2. São os defensores de teorias materialistas. Por outro lado, Popper acredita que um dos problemas clássicos da filosofia, o problema corpo-mente ou cérebro-mente, encontra o caminho de sua solução na interação desses dois mundos. Diz Popper: “Una de las soluciones concebibles de este problema es el interaccionismo: a teoria de que los estados mentales y físicos interactúam” (POPPER, 1977, p. 42). A partir de então, Popper introduz a divisão tripartida dos três mundos. Esse é o pluralismo interacionista de Popper. Diz ele: Um dos problemas fundamentais dessa filosofia pluralista refere-se à relação entre esses três ‘mundos’. Os três relacionam-se de tal modo que os dois primeiros podem interagir e os dois últimos também podem interagir. Assim, o segundo mundo, o mundo das experiências subjetivas ou
  • 41. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 41 pessoais, interage com cada qual dos outros dois mundos. O primeiro mundo e o terceiro mundo não podem interagir senão pela intervenção do segundo mundo, o mundo das experiências subjetivas ou pessoais (POPPER, 1975, p. 152). Como dissemos, a relação entre os três mundos é causal. Há pontos de intersecção entre o M3 e o M2, e o M1 e o M2. Portanto, o M1 e o M3 não se relacionam de forma causal. O M1 e o M3 se relacionam indiretamente, isto é, com a mediação do M2. Aqui há uma lição fundamental na leitura de Popper: o sujeito conhecedor tem uma importância decisiva no interacionismo pluralista. A materialização das teorias do M3 em possibilidades tecnológicas do M1, passa pela descoberta do sujeito do M2. Escreve Popper uma vez mais: “Assim, essas possibilidades estavam ocultas nas próprias teorias, nas próprias ideias objetivas; e foram descobertas nelas por homens que tentaram compreender essas ideias” (POPPER, 1975, p. 153). Essa é a realidade objetiva da TTM. Aqui, o sujeito assume a função de apreender os objetos do M3 e materializá- los no M1. 4. O M3 DE POPPER Popper passa a explicar a natureza e a existência do M3, pensando na matemática. Ora, como M1 é o mundo físico, o M2 o mundo psicológico e o M3 o mundo da lógica, não dificultou mais a situação a introdução do M3, uma vez que somente a postulação da existência e realidade de um M2 interagindo com o M1 já abriu um intenso debate? Popper tem em vista os objetos matemáticos, também. Como se explica a existência e a realidade desses objetos? Assim, o centro do debate não é mais a interação entre os três mundos somente, mas a existência e a realidade do M3. Qual é a realidade objetiva do M3? A resposta desta questão explica a natureza e a existência de objetos matemáticos para Popper. Popper já
  • 42. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 42 havia travado um intenso debate com os monistas materialistas por admitir a existência e a realidade do M2. Estes queriam, na melhor das hipóteses, reduzir toda a realidade do M2 ao M1. Outros nem mesmo admitiam a existência do M2. Bem, agora Popper insere a ideia de um M3, além do M1 e do M2. Qual é a explicação de Popper? Para Popper, o problema inexplicável pelos monistas materialistas é a existência e a realidade objetiva dos conceitos, proposições, argumentos e teorias da matemática. Os conceitos, as proposições e as teorias são entidades ou objetos que povoam e são habitantes do M3, juntamente com problemas e argumentos. A existência desses objetos no M3 é independente da apreensão feita pelo sujeito do M2. Diz Frege, defensor do M3, que antecedeu Popper: É preciso admitir um terceiro domínio. O que este contém coincide com as ideias, por não poder ser percebido pelos sentidos, e também com as coisas, por não necessitar de um portador a cujo conteúdo de consciência pertenceria. Assim, por exemplo, o pensamento que expressamos no teorema de Pitágoras é intemporalmente verdadeiro, independentemente do fato de que alguém o considere verdadeiro ou não. Ele não requer nenhum portador. Ele é verdadeiro não a partir do momento de sua descoberta, mas como um planeta que já se encontrava em interação com outros planetas antes mesmo de ter sido visto por alguém (FREGE, 2002, p. 27). Frege coloca várias características do M3. O M3 é atemporal, no sentido de que uma teoria, que é verdadeira, não ter-se tornado verdadeira no momento em que foi formulada, mas já o sendo antes. A lógica e os números primos o são também neste sentido; é algo independente de um sujeito; seus objetos são descobertos, mas não construídos. Popper aponta para uma autonomia parcial do M3 com estas características. Na matemática, por exemplo, há a descoberta dos seus objetos (logicismo matemático), e não a construção
  • 43. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 43 por parte do matemático de tais objetos (intuicionismo matemático). A segunda visão é mentalista e subjetivista, diz Popper. Colocamos as construções matemáticas em uma forma linguística que, por sua vez, requer objetos do M3. Portanto, o M3 se antecipa a qualquer construção intuitiva do matemático. Diz Popper: Pois os objetos matemáticos podem agora tornar-se cidadãos de um terceiro mundo objetivo: embora originariamente construídos por nós – o terceiro mundo origina-se como produto nosso – os conteúdos de pensamento levam consigo suas próprias consequências não pretendidas (POPPER, 1975, p. 136-7). E continua adiante: “Surge assim uma nova espécie de existência matemática: a existência de problemas; e uma nova espécie de intuição: a intuição que nos faz ver problemas e nos faz compreender problemas antes de resolvê-los” (POPPER, 1975, p. 137). A autonomia se explica pelo fato de que o matemático descobre problemas. Outro bom exemplo que Popper nos apresenta da realidade do M3, como autônomo, está no livro O Eu e o seu Cérebro, de 1977. Diz Popper ali: Sirva como ejemplo el hecho de que los Grundgesetze de Frege se escribieron y se imprimieron en parte cuando éste dedujo, a partir de uma carta escrita por Bertrand Russell, que habia una autocontradicción en sus fundamentos. Objetivamente, esa autocontradicción había estado allí durante años. Frege no se había dado cuenta; a autocontradicción no había estado ‘em su mente’[...] Russell no produjo ni invento la inconsistência, sino que la descubrió [...] Si la teoria de Frege no hubiese sido objetivamente inconsistente, no podría haberle aplicado la prueba de inconsistência de Russell y no se hubiera
  • 44. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 44 convencido a símismo de esse modo de su carácter insosteníble (POPPER, 1980, p. 64-5)7. Por outro lado, o M3 é produto da atividade humana. Aquela parte do M3 que interage com o M2 torna-o bastante diferenciado de um mundo de essências ou formas puras, como em Platão. Assim como o mel é produto das abelhas e as teias são produto das aranhas, o M3 é um produto da atividade humana quando considerado em seu ponto de intersecção com o M2. As teorias, os problemas, os conceitos e os argumentos (como habitantes que povoam o M3) são formulados em uma linguagem. A linguagem é o produto da atividade humana, assim como o mel é das abelhas e a teia é das aranhas. Aqui está a realidade objetiva do M3. A realidade objetiva do M3 reside em sua autonomia e por ser produto da atividade humana. Diz Popper: Acho que é possível manter uma posição que difira da de ambos os grupos de filósofos: sugiro que é possível aceitar a realidade ou (como se pode chamar) a autonomia do terceiro mundo e ao mesmo tempo admitir que o terceiro mundo tem origem como produto da atividade humana. Pode-se mesmo admitir que o terceiro mundo é feito pelo homem e, num sentido muito claro, sobre-humano ao mesmo tempo. Transcende seus fabricantes (POPPER, 1975, p. 156). 7 Tradução nossa: “Sirva como exemplo o fato de que os Fundamentos de Frege foi escrito e publicado em parte quando este deduziu, a partir de uma carta escrita por Bertrand Russell, que havia uma autocontradição em seus fundamentos. Objetivamente, essa autocontradição estava ali durante anos. Frege não tinha se dado conta. A autocontradição não estava ‘em sua mente’ [...] Russell nem produziu, nem inventou a inconsistência, mas descobriu-a [...] Se a teoria de Frege não fosse objetivamente inconsistente, não poderia ter sido aplicada a prova de inconsistência de Russell e não teria se convencido a si mesmo desse modo do caráter insustentável.
  • 45. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 45 5. QUAL REALIDADE? O CONCEITO DE REALIDADE É aqui que Popper supera Platão e torna-se incompreensível para os materialistas radicais (fisicalistas, etc.). Que realidade que é essa de que Popper fala? É uma realidade que não é somente ideal ou inteligível (platônica), mas também não é somente material ou física (fisicalistas). Manter uma simbiose entre ciência e metafísica, sem analisar o conceito de realidade, é algo temerário. Que realidade é essa que é superior ou diferente da realidade física ou sensível? Como temos acesso a essa realidade? O M3 tem duas realidades: uma delas é autônoma, a outra é algo que interage com o M2. Olhando separadamente, teremos na autonomia do M3 uma realidade platônica e, olhando a interação do M3 com o M2, teremos algo perto do materialismo fisicalista reducionista. Mas, como compreender essas realidades como uma só? Não podemos apenas acrescentar um mundo a mais no pluralismo da TTM, mas temos que repensar o conceito de realidade. Em primeiro lugar, se a realidade é distinta da aparência, então a realidade não poderia comportar contraexemplos ou contrafactuais. Se tivermos uma ‘realidade’ que é aparente, o é apenas por não ser a realidade factual. Mas, como a realidade factual pode possuir contraexemplos ou contrafactuais, então o que seria a ‘realidade aparente’? Os contraexemplos ou contrafactuais são a realidade ou a realidade é aquilo que dizíamos ser quando não considerávamos os contraexemplos ou contrafactuais? O que é aparente pode tornar-se realidade. Com este argumento, queremos mostrar que, se a realidade de que chamamos de aparente pode tornar-se realidade, então mesmo que a realidade do M3 seja aparente (o que para nós é duvidoso!) poderá vir a ser real. Mas que realidade é essa? É uma realidade objetiva que é independente da experiência, no sentido de que usamos estruturas conceituais, teóricas e
  • 46. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 46 argumentativas para compreender o mundo real ou factual (em Popper, M1). A realidade entendida como tal é a pedra de toque para entender o realismo metafísico de Popper. O realismo metafísico diz: (a) existem objetos reais (habitualmente a concepção se preocupa com objetos espácio-temporais), (b) esses existem independentemente da nossa experiência e do nosso conhecimento deles e (c) têm propriedades e entram em relação independentemente dos conceitos com os quais os entendemos ou da linguagem com a qual os descrevemos (BUTCHVAROV, 2006 in AUDI, 2006, p. 798). Ora, é errôneo alegar que esses objetos reais (M3 de Popper) são explicados por conceitos que já temos em nossa linguagem e experiência. Tais conceitos só fazem parte de nossa linguagem descritiva e argumentativa, porque suas estruturas foram abstraídas do M3, apreendidas e aplicadas por um sujeito ao M1 (a realidade factual). Caso contrário, de onde teriam surgido tais conceitos? Butchvarov coloca muito bem a questão: Mas isso tem uma consequência de muito maior alcance ainda: ou (i) aceitamos a ideia aparentemente absurda de que não haja objetos reais (pois a objeção aplica-se igualmente às mentes e a seus estados, a conceitos e palavras, a propriedades e relações, a experiências, etc), visto que dificilmente acreditaríamos na realidade de alguma coisa da qual não podemos formar absolutamente nenhuma concepção; ou (ii) temos que enfrentar a tarefa, aparentemente sem esperança, de uma drástica mudança naquilo que queremos significar quando dizemos ‘realidade’, ‘conceito’, ‘experiência’, ‘conhecimento’, ‘verdade’ e muito mais (BUTCHVAROV, 2006 in AUDI, 2006, p. 798). Em segundo lugar, a distinção kantiana entre conhecer e pensar assume uma importância decisiva em nosso modo de ver. Há aquilo que podemos conhecer no mundo, mas há
  • 47. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 47 também aquilo que nos ajuda a conhecer, assim como há marceneiros, mas também há o conceito de marceneiro. Podemos conhecer muitas coisas no mundo, mas também precisamos de ‘ferramentas’ para pensar essas coisas do mundo. Mas, ter conhecimento dessas ‘ferramentas’ em si mesmas não está a nosso alcance. Esse é o nosso limite. O M3 é o mundo das coisas em si mesmas, no sentido em que, não podemos nada dali, mas podemos operar com esses objetos, fazer uso dessas estruturas lógicas conceituais, estruturas teoréticas, estruturas lógicas de argumentos, etc. Diz Kant, na Crítica da Razão Pura: Para conhecer um objecto é necessário poder provar a sua possibilidade (seja pelo testemunho da experiência a partir da sua realidade, seja a priori pela razão). Mas posso pensar no que quiser, desde que não entre em contradição comigo mesmo, isto é, desde que o meu conceito seja um pensamento possível, embora não possa responder que, no conjunto de todas as possibilidades, a esse conceito corresponda ou não também a um objeto (KANT, 1985, p. 25). Dessa forma, eu posso pensar a TTM e o M3 desde que isso não leve acontradizer-me comigo mesmo, isto é, que o meu pensamento seja logicamente possível. Acreditamos que foi isso que Popper usou como sustentação para a TTM e principalmente para o M3. Por sua vez, o anti-realismo não passa de uma tautologia. Para os anti-realistas, nós conhecemos (podemos conhecer) a realidade somente como a conhecemos (podemos conhecê-la). Isso é pouco e não diz nada da maneira, não descreve o modo de como acessamos essa realidade. CONCLUSÃO Mesmo que não aceitemos o anti-realismo, por ser uma mera tautologia, não podemos ter uma ideia simplista do
  • 48. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 48 nosso relacionamento cognitivo com o mundo, como diz Butchvarov. O que Popper fez foi reestruturar a metafísica em uma época em que tal pensamento tinha perdido toda e qualquer credibilidade. As ideias de David Hume sobre o papel da metafísica como obstáculo para o progresso da ciência e a tese da eliminação da metafísica defendida pelo positivismo lógico do início do século XX ofuscaram qualquer função mais importante para a metafísica. Popper recompõe a metafísica de forma que esta aparece, com a ideia de discussão racional, como estimulante para a descoberta científica. Toda a nossa argumentação aqui objetivou mostrar a importância da metafísica para Popper; mostrar que a teoria metafísica de Popper é a TTM, e que o M3 ocupa um lugar diferenciado na metafísica por seu caráter de descoberta. Ademais, outro aspecto que é importante destacar é que, em momento algum, tivemos a intenção de esgotar a abordagem de Popper sobre o pluralismo da TTM e do M3. Indicamos um caminho a explorar: o conceito de realidade. Na obra de Popper O Mundo de Parmênides (1998) esse conceito é trabalhado dentro da filosofia grega nas figuras de Xenôfanes, Parmênides e Heráclito, entre outros. REFERÊNCIAS AUDI, Robert. Dicionário de Filosofia de Cambridge. São Paulo: Paulus, 2006. FREGE, Gottlob. Investigações Lógicas. Org. trad. Paulo Alconforado. Porto Alegre: PUCRS, 2002. GRANGER, Gilles G. e outros. Filosofia Analítica. Lisboa: Gradiva, s/d. KANT, I. Crítica da Razão Pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
  • 49. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 49 POPPER, Karl R. O Realismo e o Objectivo da Ciência. Pós-Escrito à Lógica da Descoberta Científica. Vol. I Lisboa: Dom Quixote, 1987. _______. Conhecimento Objetivo. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1975. _______. El Mundo de Parménides. Barcelona: Paidós, 1999. _______. Autobiografia Intelectual. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1977. _______. Em Busca de um Mundo Melhor. São Paulo: Martins Fontes, 2006. _______. El Yo y Su Cerebro. Barcelona: Labor, 1980.
  • 50. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 50 CAPÍTULO 3 PPOOPPPPEERR,, AA DDEEMMAARRCCAAÇÇÃÃOO DDAA CCIIÊÊNNCCIIAA EE AA AASSTTRROOLLOOGGIIAA Cristina de Amorim Machado Neste capítulo8, veremos como a astrologia se insere numa das principais questões da filosofia da ciência, a saber: o que é ciência? Para isso, será preciso desdobrar o problema da demarcação, formulado na década de 1930 por Karl Popper, já na primeira versão do seu livro A lógica da pesquisa científica. De modo esquemático, abordaremos os critérios estabelecidos para fazer a distinção entre ciência e não-ciência, como verificabilidade, falseabilidade e ciência normal, propostos, respectivamente, pelo Círculo de Viena, por Karl Popper e por Thomas Kuhn. Ademais, essas três concepções foram questionadas nos anos 1970 por Paul Thagard, que propôs seu próprio critério no artigo “Why astrology is a pseudoscience?”. Sendo assim, partindo da filosofia da ciência popperiana, o objetivo deste capítulo é apresentar o problema da demarcação, que produz o conceito de pseudociência, e analisar a pertinência da atribuição desse estatuto à astrologia. 8 Este capítulo baseia-se na minha dissertação de mestrado em Filosofia pela PUC-Rio (MACHADO, 2006).
  • 51. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 51 A CONCEPÇÃO DE CIÊNCIA DE POPPER O filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994) considerava inadequado o critério de demarcação proposto pelo Círculo de Viena9 – a verificabilidade –, que, por ser indutivista, era demasiado restritivo em alguns aspectos e amplo em outros10. Popper propôs, então, a falseabilidade como princípio de distinção da racionalidade científica, tendo em vista que, para ele, não há indução em ciência, pois o princípio de indução não se baseia na experiência, e qualquer tentativa de fazê-lo leva a um regresso infinito, como já havia sido esclarecido duzentos anos antes pelos argumentos de Hume acerca do princípio de indução (POPPER, 1975, p. 29). Com seu critério – a falseabilidade –, Popper transfere para o momento da crítica da teoria a possibilidade de identificá-la como científica ou não, ou seja, se uma teoria não fornece os meios para um possível falseamento empírico, se não há experiência capaz de falseá-la, ela deve ser reconhecida como um mito, explicação pseudocientífica do real. Uma teoria científica deve ser falseável empiricamente, ou seja, se as 9 O Círculo de Viena (anos 1920 a 1930) formou-se por filósofos e cientistas, sob a orientação intelectual do filósofo alemão Moritz Schlick. O que os reuniu foi o interesse comum por certos tipos de problemas e a mesma abordagem positivista- empirista para resolvê-los. Vale lembrar que a preocupação principal dos membros do Círculo de Viena era com a linguagem científica, que, para eles, deveria ser neutra e livre das ambiguidades típicas da metafísica, de maneira que a ciência pudesse garantir seus procedimentos uniformes e intersubjetivos. Para isso, era necessário estabelecer um critério de demarcação entre enunciados significativos e não significativos. Os significativos poderiam ser de dois tipos: 1) lógico-matemáticos, sem compromisso com o fornecimento de informações acerca do mundo e, portanto, com a experiência; e 2) verificáveis, ou seja, os que pretendessem fornecer informações acerca do mundo e que pudessem ser verificados empiricamente. Se o enunciado não fosse lógico-matemático nem verificável empiricamente, seria considerado não significativo e, portanto, não científico (MAGEE, 1973, p. 49). 10 Amplo, porque incluiria formas de conhecimento como a astrologia, a psicanálise e o marxismo, que contêm proposições verificáveis empiricamente; e restritivo, pois excluiria boa parte da ciência contemporânea, cuja verificação empírica é problemática.
  • 52. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 52 proposições observacionais dela deduzidas forem falseadas, a teoria será considerada falsa. Para Popper, o falseamento se dá por intermédio dos falseadores potenciais, ou seja, os resultados experimentais previstos pela teoria que, se ocorrerem, a falsearão (POPPER, 1975, p. 90). Em outras palavras, por uma questão de honestidade intelectual, ao propor uma teoria, o cientista também deve explicitar em que condições abriria mão dela. A classe dos falseadores potenciais constitui o conteúdo empírico de uma teoria. Quanto maior o conteúdo empírico de uma teoria, mais ela é falseável. Chalmers (1994, p. 93-96) critica essa noção, pois ela nada diz sobre o mundo fora das situações experimentais: o domínio da aplicabilidade da teoria equivale ao domínio de suas situações de teste. Logo, para comparar teorias rivais, não bastaria comparar suas classes de falseadores potenciais. Esse procedimento, ao contrário do critério de verificabilidade do Círculo de Viena, nada tem a ver com o problema do significado, como ressalta Magee (1973, p. 4), dado que muitas teorias científicas resultam de desenvolvimentos baseados em mitos, e não faria sentido que, como mitos, carecessem de significado. Parece mais adequado distinguir entre conhecimento crítico (científico) e dogmático (não científico). Para Popper, o fato de uma teoria não ser considerada científica não quer dizer que seja desprovida de significado ou importância, muito pelo contrário, ela pode ser desenvolvida para vir a ser testável. Segundo Alan Chalmers (1994, p. 27-34), Popper chama a atenção para o permanente caráter hipotético das teorias científicas, ou seja, não há base segura para a ciência, cujas teorias nunca podem ser provadas. Ao contrário dos positivistas, cujo apreço pela ciência causou a ênfase na geração e verificação de teorias com base no método indutivo, Popper enfatiza a falseabilidade da ciência; no entanto, assim
  • 53. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 53 como eles, acredita num método característico de todas as ciências para demarcar a fronteira entre ciência e pseudociência. E esse método, no caso popperiano, é hipotético-dedutivo. Além disso, o conhecimento, em Popper, é um produto da cultura humana, resultante da modificação do conhecimento anterior, estabelecido num embate com o mundo físico, muito embora Popper ressalte o chamado “problema da base empírica” (POPPER, 1975, p. 44-46). Grosso modo, o problema da base empírica decorre do fato de todos os testes serem dependentes de teorias que, como afirma o próprio Popper, são falíveis. Consequentemente, os testes não constituem uma base empírica sólida para confirmação ou falseamento, e a “base empírica” é colocada entre aspas, sendo necessário admitir que o mundo pode ser diferente do que diz a teoria. Do ponto de vista metodológico, as teorias devem ser expostas a críticas e não devem ser modificadas de maneira ad hoc com a introdução de acréscimos impossíveis de testar para resolver evidências problemáticas. A CONCEPÇÃO DE CIÊNCIA DE KUHN O físico, filósofo e historiador da ciência norte- americano Thomas Kuhn (1922-1996) interessou-se por uma “concepção de ciência historicamente orientada” (KUHN, 1996, p. 15), especialmente pelo que há de ordinário e extraordinário em ciência. Afastou-se da tradição epistemológica, adotando um discurso metacientífico e interdisciplinar. Sua ênfase está na comunidade científica e nas questões psicossociais, políticas, econômicas e éticas envolvidas com a produção científica. Em sua principal obra, Estrutura das revoluções científicas, publicada em 1962, e que acabou por se tornar o best-seller da filosofia da ciência, Kuhn caracteriza a ciência
  • 54. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 54 como um processo cíclico11 que alterna períodos de ciência normal, nos quais o paradigma vigente é cumprido por meio da solução de quebra-cabeças12, e períodos de crise, que podem culminar com a emergência das descobertas científicas e a quebra do paradigma, o que constitui uma revolução científica. Ao mudar de paradigma, o pensamento muda de lugar, pois a imagem de mundo é outra, e o que era considerado verdade ou erro talvez não o seja mais. Segundo Kuhn, a ciência normal é a prática científica tradicional com a qual os cientistas ocupam a maior parte do seu tempo. Ela é condicionada por uma educação profissional que tenta submeter a natureza a esquemas conceituais. A ciência normal pressupõe o comprometimento e o consenso da comunidade científica: A ciência normal, atividade que consiste em solucionar quebra-cabeças, é um empreendimento altamente cumulativo, extremamente bem-sucedido no que toca ao seu objetivo, a ampliação contínua do alcance e da precisão do conhecimento científico. [...] A ciência normal não se propõe descobrir novidades no terreno dos fatos ou da teoria; quando é bem- sucedida, não as encontra (KUHN, 1996, p. 77). O conceito de paradigma aparece com várias definições diferentes. A primeira delas, logo no prefácio, considerada 11 Entenda-se “processo cíclico” como a alternância entre ciência normal e revolução científica, o que não implica uma repetição de conteúdo, apenas de forma. O que está em jogo aqui é uma concepção de ciência historicamente orientada, que se caracteriza por um modelo circular, em contraposição, por exemplo, a um modelo linear e cumulativo. Nesse modelo circular, é possível recontar uma história a partir de outra perspectiva, de outra imagem de mundo, ou seja, de outro paradigma. 12 Os quebra-cabeças são os problemas típicos da ciência normal, pois são previstos pelo paradigma. Segundo Kuhn (1996, p. 59-60), eles não são os problemas mais importantes, tendo em vista que os mais importantes, por exemplo, a paz duradoura, talvez não tenham solução, mas os quebra-cabeças, ao contrário, certamente têm solução, porque são compatíveis com o paradigma. Constituem, dessa maneira, os únicos problemas aceitos como científicos pela comunidade e caracterizam-se por regras bem definidas, enunciados reconhecidos e limitação de soluções aceitáveis.
  • 55. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 55 pelo próprio autor como circular13 (KUHN, 1996, p. 219), estabelece que o paradigma é constituído de “realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1996, p. 13). À última definição de paradigma, no fim do livro, “os paradigmas determinam ao mesmo tempo grandes áreas da experiência” (KUHN, 1996, p. 165), ainda se segue uma mais abrangente no posfácio: De um lado, indica toda a constelação de crenças, valores, técnicas, etc..., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. De outro, denota um tipo de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra- cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal (KUHN, 1996, p. 218). Segundo Margareth Masterman (1970, p. 65), é possível classificar todas essas definições de paradigmas em três: metafísicos, sociológicos e de constructos. Os metafísicos seriam aqueles definidos como mitos ou conjuntos de crenças; os sociológicos seriam os que Kuhn definiu como conjuntos de instituições políticas ou realizações científicas concretas; e os de constructo seriam aqueles concebidos como ferramentas ou analogia. Além disso, ela afirma que apenas os metafísicos foram criticados pelos filósofos. Outro conceito importante na obra de Kuhn é o de anomalia. A anomalia é uma violação de expectativa paradigmática que pode gerar uma crise aguda, causando a perda de confiança no paradigma vigente. A ciência normal é 13 Kuhn a considera circular – por atrelar o conceito de paradigma à comunidade, que, por sua vez, também se define pelo paradigma –, mas não viciada, constituindo uma fonte de dificuldades reais.
  • 56. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 56 ameaçada pela anomalia, suas regras são reavaliadas e há um esforço para tentar ajustar a anomalia. Ela pode dar origem a um período de revisão extremamente conturbado em função da insegurança profissional. Por outro lado, a descoberta começa com a anomalia, ou seja, é nessa crise que amadurecem as condições para uma revolução científica, na qual o anômalo torna-se o esperado. AS CRÍTICAS DE POPPER A KUHN E VICE-VERSA A concepção de ciência normal de Kuhn foi criticada por Popper não por discordar da existência daquilo que Kuhn descreve como tal, mas pelo fato de Kuhn considerá-la “normal”. Para Popper, a ciência normal é um perigo para a ciência, pois resulta do espírito dogmático, típico de quem aprende uma técnica e a aplica sem perguntar por quê. Por esse motivo, ele distingue o cientista aplicado do cientista puro. O cientista aplicado é esse que resolve quebra-cabeças, que seriam nada mais do que problemas rotineiros, referentes à aplicação de uma teoria dominante, o paradigma. O cientista puro, ao contrário, dedica-se a situações “cheias de problemas, problemas genuínos, novos e fundamentais, e de conjecturas engenhosas – conjecturas que frequentemente competem umas com as outras – sobre possíveis soluções” (POPPER, 1970, p. 54). Popper enfatiza que discorda de Kuhn no que diz respeito às diferentes concepções de ciência, mas admite que talvez Kuhn use o termo “quebra-cabeça” no mesmo sentido em que ele usa “problema”. Ainda assim, o conceito de ciência normal, segundo Popper, exige crítica. Para ele, as noções de paradigma e revolução científica também são problemáticas, porque são apropriadas para a astronomia, mas não se aplicam a outras ciências. Propõe uma concepção de paradigma diferente, com o sentido de “programa de pesquisa
  • 57. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 57 – um modo de explicação que é considerado tão satisfatório por alguns cientistas que eles precisam da sua aceitação geral” (POPPER, 1970, p. 55), em vez do sentido de teoria dominante, como em Kuhn. Outro ponto de atrito entre os dois filósofos é que Popper considera Kuhn um relativista, já que ele pressupõe que a racionalidade depende de uma linguagem comum e de um acordo sobre os fundamentos, ao passo que Popper afirma acreditar numa verdade absoluta e objetiva, apesar de não ser ingênuo de achar que ela se encontre no “bolso de alguém”. Ademais, a tese da incomensurabilidade14 entre paradigmas também é negada por Popper, que a considera um dogma perigoso. Para ele, trata-se de uma dificuldade, por sinal muito frutífera, e não de uma impossibilidade de tradução dos elementos de um paradigma a outro. Apesar de concordar com a ideia de desenvolvimento revolucionário do conhecimento, com uma nova teoria contradizendo a antiga e corrigindo-a, Popper insiste que há uma continuidade nesse processo e que a nova teoria deve explicar por que a teoria antiga foi bem-sucedida. Além dessas diferenças, há muitas semelhanças entre as concepções de Popper e Kuhn, como estas que o próprio Kuhn (1970, p. 1-2) lista em seu texto “Logic of discovery or psycology of research?”: 1) preocupam-se com o processo dinâmico pelo qual o conhecimento científico é adquirido, em vez de com a estrutura lógica dos produtos da pesquisa científica; 14 Este é mais um dos conceitos importantes da obra de Kuhn, já problematizado por diversos autores, que diz respeito à impossibilidade de tradução dos conceitos de um paradigma para outro. Nesse sentido, os termos de um certo paradigma não fazem sentido para os adeptos de outro paradigma.
  • 58. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 58 2) enfatizam os dados legitimados, os fatos e o espírito da vida científica real; 3) retornam à história para encontrar os dados necessários; 4) rejeitam a ideia de progresso cumulativo da ciência e muitas outras teses positivistas; 5) realçam o processo revolucionário pelo qual uma teoria mais antiga é rejeitada e substituída por uma teoria nova incompatível; 6) destacam o papel da falha ocasional da teoria mais antiga em atender aos desafios impostos pela lógica, experimentação ou observação; 7) consideram a observação e a teoria científica íntima e inevitavelmente relacionadas; 8) duvidam dos esforços para produzir uma linguagem de observação neutra; 9) insistem que os cientistas podem desejar inventar teorias que expliquem o fenômeno observado e que fazem isso em termos de objetos reais. Apesar dessas e de outras concordâncias, há muitas outras diferenças entre os dois pensadores, além das que já vimos anteriormente. É importante ressaltar aqui a discordância de ambos, ou “diferença de intenção”, como prefere Kuhn (1970, p. 3), em termos de demarcação de ciência. Apesar dos resultados semelhantes, os processos são muito diferentes, já que trabalham com aspectos distintos do problema. Assim como Popper, que elaborou o seu critério com base nos casos do marxismo e da psicanálise, Kuhn concorda que ambos são pseudociências, mas afirma que “chegou a essa conclusão por um caminho muito mais seguro e mais direto que o dele” (KUHN, 1970, p. 7). Kuhn considera o seu critério de solução de quebra-cabeças menos equívoco e mais fundamental que o de Popper.
  • 59. EENNSSAAIIOOSS SSOOBBRREE OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO DDEE KKAARRLL PPOOPPPPEERR 59 Kuhn enfatiza a importância do compromisso com a tradição científica, evita a noção de verdade e não gosta do termo “falsificação” (KUHN, 1996, p. 186). Ele afirma também que Popper “caracterizou o empreendimento científico inteiro em termos que se aplicam apenas às suas partes revolucionárias ocasionais” (KUHN, 1970, p. 6), tendo em vista que ele só se refere aos procedimentos por meio dos quais a ciência se desenvolve, substituindo uma teoria aceita por outra melhor. Dessa maneira, Popper estaria ignorando justamente a parte da ciência na qual se encontraria, segundo Kuhn, um critério de demarcação, ou seja, a ciência normal, onde também ocorreria o progresso da ciência. Bryan Magee (1973, p. 43) sintetiza as diferenças entre Popper e Kuhn da seguinte maneira: Popper sempre se mostrou preocupado, antes de tudo, com a descoberta e a inovação e, por conseguinte, com o teste de teorias e com a expansão do conhecimento; Kuhn preocupa-se com a maneira como os que aplicam essas teorias e esse conhecimento orientam seu trabalho. [...] A teoria de Kuhn é, em verdade, uma teoria sociológica acerca das atividades do cientista em nossa sociedade. Essa teoria não é incompatível com as ideias de Popper e, mais ainda, Kuhn modificou-a sensivelmente na direção do pensamento popperiano, desde que, pela primeira vez, a apresentou. DIÁLOGO ENTRE POPPER E KUHN ACERCA DA ASTROLOGIA Partindo do princípio de que Popper faz oito referências à astrologia só no seu Conjecturas e Refutações (POPPER, 1982), Kuhn (1970) também optou por tomá-la como exemplo no artigo “Logic of discovery or psycology of research?”15, 15 É importante lembrar que Kuhn também menciona o problema da astrologia tanto em Estrutura das revoluções científicas (KUHN, 1996) quanto em A revolução copernicana (KUHN, 1957).