Este poema épico narra a Batalha de Aljubarrota travada em 1385 entre Portugal e Castela. No canto IV, o poeta descreve o início feroz da batalha com grande adjetivação, onomatopeias e personificações. Destaca-se o heroísmo de D. Nuno Álvares Pereira, comparado a um leão, que resiste bravamente aos inimigos mesmo quando cercado. No final, os Castelhanos são derrotados e veem frustrada a sua ambição de conquistar Portugal.
3. NARRAÇÃO (canto IV)
28
Deu sinal a trombeta Castelhana,
Horrendo, fero, ingente (forte) e temeroso;
(adjectivação)
Ouviu-o o monte Artabro, (Cabo da Galiza) e
Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso;
Ouviu-o o Douro e a terra Transtagana; (além
do Tejo)
Correu ao mar o Tejo duvidoso; (inseguro)
E as mães, que o som terribil escuitaram,
Aos peitos os filhinhos apertaram. (símbolo do terror
e do medo deste som de guerra)
4. A trombeta castelhana deu o sinal do
combate. Ouviu-se longe, no extremo da
Galiza e no Guadiana, no Douro e no
Alentejo.
O Tejo hesitou no seu curso.
As mães apertaram os filhos contra o
peito.
5. “Deu sinal a trombeta castelhana”
est.28/ v.1 anuncia o início da Batalha
“Horrendo, fero, ingente e temeroso”
Adjectivação expressiva
Tanto a natureza como o ser humano
reagem ao som horrível.
Ouviu-o o monte Artabro, (Cabo da Galiza) e
Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso;
Ouviu-o o Douro e a terra Transtagana
Personificação e Hipérbole
6. 29
Quantos rostos ali se vem sem cor,
Que ao coração acode o sangue amigo!
Que, nos perigos grandes, o temor
É maior muitas vezes que o perigo;
E se o não é, parece-o; que o furor
De ofender ou vencer o duro imigo
Faz não sentir que é perda grande e rara,
Dos membros corporais, da vida cara.
7. Muitos empalidecem, porque o sangue
reflui ao coração. Nestas ocasiões o medo
é maior do que o perigo. Pelo menos
assim parece às pessoas, pois na fúria do
combate, o perigo de perder os membros
ou a própria vida é tido em pouca conta.
No ardor do combate, o perigo é
inexistente para a consciência do
combatente.
8. Estrofes 28 e 29
O poeta assinala o terrível efeito
provocado na natureza e nas pessoas,
pelo espantoso sinal lançado pela
trombeta castelhana para o começo da
batalha.
9. 30
Começa-se a travar a incerta guerra:
De ambas partes se move a primeira ala; (avança a
primeira linha de ambos os exércitos)
Uns leva a defensão da própria terra,
Outros as esperanças de ganhá-la;
Logo o grande Pereira, (Nuno Álvares Pereira) em quem
se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala: (Nuno Álvares Pereira é
o primeiro a assinalar-se.)
Derriba e encontra, (ataca) e a terra enfim semeia
Dos que a tanto desejam, sendo alheia. (Embate e
derruba aqueles que queriam apoderar-se da terra que não era sua, semeia-a com os corpos dos
invasores.)
10. “De ambas as partes se move a primeira ala”
PORTUGUESES E CASTELHANOS
D. Nuno Álvares Pereira
Destacou-se pela bravura na Batalha
“…o grande Pereira, em quem se encerra/ Todo
o valor…”
11. Síntese dos motivos da Batalha:
Uns leva a defensão da própria terra,
Outros as esperanças de ganhá-la;
desejo de defender a terra (Portugueses)
esperança de conquistá-la (Castelhanos)
12. 31
Já pelo espesso ar os estridentes
Farpões, setas e vários tiros voam;
Debaxo dos pés duros dos ardentes
Cavalos treme a terra, os vales soam;
Espedaçam-se as lanças, e as frequentes
Quedas co’as duras armas, tudo atroam;
Recrecem os imigos sobre a pouca
Gente do fero Nuno, que os apouca.
13. O ar fica espesso com a grande quantidade de
armas de arremesso, que retinem.
Acumulam-se os inimigos à volta da pouca
gente de D. Nuno, mas ele diminui-lhes a
quantidade.
Movimento aterrador, confuso e barulhento
da luta, expressivamente transmitido pelos
adjectivos e pelos verbos.
15. Est. 31 (cont.) Aliteração
• Repetição do “R • Repetição do “S”
“…espesso ar e os “…espesso ar e os
estridentes/farpões…” estridentes/farpões, setas e vários
“…vários tiros…” tiros…”
“…treme a terra…” “Debaixo dos pés duros dos
ardentes/ cavalos …os vales
“…duras armas tudo atroam”
soam”
“Espedaçam-se as lanças, e as
frequentes/ Quedas co’as duras
armas…”
“Recrecem os imigos sobre…”
Estrofe Onomatopaica
16. Est. 31 (cont.)
• Visualidade e Impressionismo
Esta estrofe é como que o “filme” da Batalha.
As palavras valem quase tanto pelo seu
corpo fónico (significante) como pelo
seu significado, na construção da
mensagem.
17.
18. 32
Eis ali seus irmãos (D. Diogo e D. Pedro Pereira) contra
ele vão,
(Caso feio e cruel!) mas não se espanta,
Que menos é querer matar o irmão,
Quem contra o Rei e a Pátria se alevanta:
Destes arrenegados muitos são
No primeiro esquadrão, que se adianta
Contra irmãos e parentes (caso estranho!)
Quais nas guerras civis de Júlio e Magno.
19. Avançam contra ele os seus irmãos, mas ele
não se espantam, porque é pior revelar-se
contra o rei e a pátria do que querer matar o
próprio irmão. Há muitos renegados destes no
primeiro esquadrão, que avança contra irmãos
e parentes, como sucedeu nas guerras entre
César e Pompeu.
20. 33
Ó tu, Sertório, ó nobre Coriolano,
Catilina, (Sertório, Coriolano, Catilina: militares que, na antiguidade, pegaram
em armas contra a pátria.) e vós outros dos antigos,
Que contra vossas pátrias, com profano
Coração, vos fizestes inimigos,
Se lá no reino escuro de Sumano (reino de Plutão,
inferno pagão)
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns tredores houve alguas vezes.
21. Sertório, Coroliano e Catilina aliaram-se com
nações estrangeiras para combater Roma, isto
é, combateram sacrilegamente a própria
pátria. Se por isso foram castigados no
inferno, podem alegar a seu favor que até
mesmo entre os Portugueses houve traidores.
22. 34
Rompem-se aqui dos nossos os primeiros,
Tantos dos inimigos a eles vão!
Está ali Nuno, qual pelos outeiros
De Ceuta está o fortíssimo leão, (comparação)
Que cercado se vê dos cavaleiros
Que os campos vão correr de Tutuão: (praça
forte situada no sul de Ceuta)
Perseguem-no com as lanças, e ele iroso,
Torvado um pouco está, mas não
medroso.
23. 35
Com torva vista os vê, mas a natura
Ferina (feroz) e a ira não lhe compadecem
(consentem)
Que as costas dê, mas antes na espessura
Das lanças se arremessa, que recrecem.
Tal está o cavaleiro, (D. Nuno) que a verdura
Tinge co'o sangue alheio. (inimigo) Ali perecem
Alguns dos seus, que o ânimo valente
Perde a virtude contra tanta gente.
24.
25. A primeira linha portuguesa abre brecha,
cedendo à grande quantidade de inimigos.
Nuno Álvares está como o leão que se vê
cercado nas colinas de Ceuta pelos cavaleiros
que correm a planície de Tetuão: o olhar turva-
se, mas o instinto não o deixa fugir: arremessa-
se no meio das lanças cada vez mais
numerosas. Assim Nuno Álvares faz correr o
sangue dos inimigos no campo verde. Alguns
dos seus morrem, porque a valentia não é
bastante contra tanta gente.
26. 36
Sentiu Joane a afronta que passava
Nuno, que, como sábio capitão,
Tudo corria e via, e a todos dava,
Com presença e palavras, coração. (coragem)
Qual parida leoa, fera e brava, - comparação
Que os filhos que no ninho sós estão,
Sentiu que, enquanto pasto lhe buscara,
O pastor de Massília (nómada salteador da zona desértica, de que
falam vários poetas antes de Camões) lhos furtara;
27. João, que como bom capitão vigiava e corria o
campo animando todos com presença e
palavras, sentiu o aperto em que estava Nuno.
Logo, com um punhado de cavaleiros, acorreu
à primeira linha, como a leoa que pariu e
sente que o pastor lhe roubou as crias, corre
furiosa, atroando os montes. Falou aos
companheiros exortando-os a defender a terra
com a lança.
28. 37
Corre raivosa e freme, (treme) e com bramidos
Os montes Sete Irmãos (montes do Norte de África) atroa
e abala:
Tal Joane, com outros escolhidos
Dos seus, correndo acode à primeira ala:
Apóstrofe -Ó fortes companheiros, ó subidos
Cavaleiros, a quem nenhum se iguala,
Defendei vossas terras, que a esperança
Da liberdade está na vossa lança.
29. 38
Vedes-me aqui, Rei vosso, e companheiro,
Que entre as lanças, e setas, e os arneses
(armaduras completas)
Dos inimigos corro e vou primeiro:
Pelejai, verdadeiros Portugueses!"-
Isto disse o magnânimo guerreiro,
E, sopesando (balançando) a lança quatro vezes,
Com força tira; (arremessa) e, deste único tiro,
Muitos lançaram o último suspiro. (eufemismo)
30. Mostra-lhes como ele próprio corria à frente
de todos, não só como Rei, mas também
como companheiro de armas, no meio dos
inimigos. E depois de dizer isto, balançando
quatro vezes a lança, arremessou-a com tal
força que muitos morreram.
31. 39
Porque eis os seus acesos novamente
Duma nobre vergonha e honroso fogo,
Sobre qual mais com ânimo valente
Perigos vencerá do Márcio (batalha, guerra, de Marte)
jogo,
Porfiam: (disputam) tinge o ferro o sangue
ardente;
Rompem malhas primeiro, e peitos logo:
Assim recebem junto e dão feridas,
Como a quem já não dói perder as vidas.
32. Por causa disto, os soldados, novamente
animados de brio e ambiciosos de honra,
disputam competindo entre si sobre qual deles
será o mais valente guerreiro. O fogo da paixão
faz as armas tingirem-se no sangue dos
inimigos. Primeiro cortam as malhas de aço e
depois os corpos. Recebem e dão golpes como
se a vida valesse pouco.
33. 40
A muitos mandam ver o Estígio lago, (lago dos
infernos dos Antigos) (eufemismo)
Em cujo corpo a morte e o ferro entrava:
O Mestre morre ali de Santiago,
Que fortissimamente pelejava;
Morre também, fazendo grande estrago,
Outro Mestre cruel de Calatrava;
Os Pereiras também arrenegados
Morrem, arrenegando o Céu e os Fados.
34. Mandam para o país dos mortos muitos que
recebiam golpes mortais. Morrem ali o mestre
de Santiago, o mestre de Calatrava e também
os Pereiras traidores, maldizendo a sua sorte.
35. 41
Muitos também do vulgo vil (anónima) sem nome
Vão, e também dos nobres, ao Profundo,
Onde o trifauce Cão (cão de três cabeças, o Cerbero, que estava de
guarda às portas do Inferno e recebia as almas dos mortos.) perpétua fome
Tem das almas que passam deste mundo.
E porque mais aqui se amanse e dome
A soberba do amigo furibundo,
A sublime bandeira Castelhana
Foi derribada aos pés da Lusitana.
36. Morrem muitos de quem não se sabe o nome ,
tanto do povo como da nobreza. E, para
humilhação do inimigo, foi derrubada a altiva
bandeira castelhana.
37. 42
Aqui a fera batalha se encruece
Com mortes, gritos, sangue e cutiladas;
A multidão da gente que perece
Tem as flores da própria cor mudadas;
Já as costas dão e as vidas; já falece
O furor e sobejam as lançadas;
Já de Castela o Rei desbaratado
Se vê, e de seu propósito (objectivo de conquistar Portugal)
mudado
38. O combate torna-se mais feroz. Há grande
multidão de mortos com as faces sem cor. Os
Castelhanos viram as costas deixam-se matar
sem resistência. Esmorece a fúria dos
soldados e as lançadas tornam-se inúteis. O
rei de Castela, desbaratado, vê desfeita a sua
ambição.
39. 43
O campo vai deixando ao vencedor,
Contente de lhe não deixar a vida.
Seguem-no os que ficaram, e o temor
Lhe dá, não pés, mas asas à fugida.
Encobrem no profundo peito a dor
Da morte, da fazenda despendida,
Da mágoa, da desonra, e triste nojo
De ver outrem triunfar de seu despojo.
40. Deixa o vencedor o campo, feliz por salvar a
vida. Acompanhado dos que escaparam foge
como se tivesse asas. No fundo do coração, os
fugitivos choram os seus mortos, a riqueza
perdida, a ofensa e a desonra recebidas, o
desgosto de ver o inimigo exibir em triunfo os
despojos que deixaram.
41. 44
Alguns vão maldizendo e blasfemando
Do primeiro que guerra fez no mundo;
Outros a sede dura vão culpando
Do peito cobiçoso e sitibundo, (ambicioso)
Que, por tomar o alheio, o miserando
Povo aventura às penas do Profundo,
Deixando tantas mães, tantas esposas
Sem filhos, sem maridos, desditosas.
42. Alguns maldizem quem inventou a guerra.
Outros deitam a culpa à sede da ambição, que
para se apoderar do alheio arrisca o povo aos
suplícios infernais e sacrifica as mães e as
esposas.
43. DESFECHO DA BATALHA
VITÓRIA DOS PORTUGUESES
• Reflexões sobre a guerra
Crítica aos que, por cobiça da terra alheia,
arrastaram muitos homens para a morte,
fazendo órfãos, viúvas e mães infelizes.
• Alguns vão maldizendo e blasfemando
• Outros a sede dura vão culpando/ Do peito cobiçoso e sitibundo…
• Deixando tantas mães, tantas esposas,/ Sem filhos, sem maridos, desditosas
44. 45
O vencedor Joane esteve os dias
Costumados no campo, em grande glória;
Com ofertas despois, e romarias,
As graças deu a Quem lhe deu vitória.
Mas Nuno, que não quer por outras vias
Entre as gentes deixar de si memória
Senão por armas sempre soberanas,
Para as terras se passa Transtaganas.
45. João esteve os três dias habituais no campo da
vitória, e seguidamente deu graças a Deus
com ofertas e romarias. Todavia, Nuno
Álvares, que só pretende a glória da guerra,
passa além do Tejo.
46. Est.45
ATITUDES DOS HERÓIS
• D. João I • D. Nuno Álvares
Pereira
Parte para as terras do Alentejo,
Recebeu as glórias do depois de cumprido o seu dever
na Batalha, pois não quer grandes
povo e fez romarias, festas, mas deseja apenas ser
dando graças a Deus: lembrado pelo valor das suas
armas:
O vencedor Joane esteve os dias/ Mas Nuno, que não quer por outras
Costumados no campo, em grande vias/ Entre as gentes deixar de si
glória;/ Com ofertas, despois, e romarias/ memória/ Se não por armas sempre
As graças deu a quem lhe deu vitória. soberanas,/ Pera as terras se passa
transtaganas.
47. Episódio da Batalha de Aljubarrota
• Divisão do episódio em três partes:
• 1ª est. 28 e 29 preparativos para a Batalha
• 2ª est.30 à 42 descrição da Batalha
• 3ª est. 42 à 44 desfecho dos acontecimentos
48. Plano da História de Portugal
• Est.28 à 44 • Est. 45
Episódio de Natureza Acontecimentos
Bélica - Batalha que sucedem a
Batalha
Lurdes Martins