O documento apresenta conceitos fundamentais de administração pública, incluindo:
1) Definições de administração, organização, recursos e objetivos.
2) A diferença entre administração pública no sentido subjetivo e objetivo.
3) As cinco dimensões de desempenho de uma organização: eficácia, eficiência, efetividade, economicidade e eqüidade.
cOMO ELABORAR, REGRAS E NORMAS PARA UM DOCUMENTO OFICIAL NO ESTILO OFÍCIO, CI OU MEMORANDO. A APRESENTAÇÃO BUSCA ENSINAR A CRIAÇÃO DESTES TIPOS DE DOCUMENTOS DE UMA FORMA FÁCIL, AUXILIANDO NO ENTENDIMENTO E APRENDIZAGEM DE QUEM TIVER OPORTUNIDADE DE ASSISTIR.
As funções do administrador e a prática docente (ensaio)fcmatosbh
Como citar este trabalho:
Fernanda Matos (2016): “As funções do administrador e a prática docente (Ensaio)”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2016). En línea: http://www.eumed.net/rev/cccss/2016/03/controle.html
1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ANALISTA DE CONTROLE EXTERNO – TCU
PROFESSOR EDUARDO FÁVERO
0. CONCEITOS BÁSICOS: ADMINISTRAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA,
DIMENSÕES DE DESEMPENHO (5 “E”s)
0.1 ADMINISTRAÇÃO E ORGANIZAÇÃO
O primeiro conceito que temos de Administração é o estudo das organizações. Mas o
que seriam essas organizações? Para entender tal conceito, precisamos saber o que significam
as palavras RECURSOS e OBJETIVOS:
RECURSOS: são entidades reais ou virtuais que possuem um valor que pode ser
avaliado. Por exemplo: pessoas, conhecimento, tempo, dinheiro, informação, espaço, instalações,
matéria-prima, etc.
OBJETIVOS: são resultados específicos que se pretende atingir. Por exemplo: uma
situação ou estado futuro desejado, a construção de um produto físico ou conceitual ou a
realização de um determinado evento.
Juntando as duas palavras acima, obtemos a definição de organização:
ORGANIZAÇÃO: SISTEMA DE RECURSOS estruturado com a finalidade de alcançar
OBJETIVOS. A Sociedade Humana é formada por organizações, as quais fornecem as condições
para o atendimento das necessidades das pessoas. Como exemplo, podemos citar os serviços de
água, energia, telefone, alimentação, saúde, educação, etc. Todos têm pelo menos uma
organização preocupada em prestar os serviços citados com qualidade mínima (objetivo) e para
isso emprega os recursos que possui. Na verdade, podemos dizer que há poucos aspectos da
vida contemporânea que não sejam influenciados por alguma espécie de organização e por isso
nossa sociedade é chamada de ORGANIZACIONAL.
Os objetivos, normalmente, envolvem a entrega de produtos e/ou serviços que
resolvam o(s) problema(s) do usuário (também chamado “cliente”) da organização. Para isso, a
organização emprega os recursos disponíveis, transformando-os inclusive, para atingir o objetivo.
E como ela faz isso? Por meio dos PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO e da DIVISÃO DO
TRABALHO, que são outros componentes importantes da organização, além dos RECURSOS e
dos OBJETIVOS.
Mas como juntar todos esses componentes e fazer a organização atingir o resultado
esperado? Antes disso, como definir quais os objetivos da organização? Como alocar os recursos
da melhor forma possível? Como verificar se a organização está se comportando de acordo com o
esperado? Quem pode fornecer essas respostas é a ADMINISTRAÇÃO!
ADMINISTRAÇÃO: processo de tomada de decisão sobre OBJETIVOS e utilização de
RECURSOS. Viram como tudo está interligado? Ela é que faz com que as pessoas que dirigem as
ORGANIZAÇÕES (e aquelas que as auxiliam nessa tarefa) tenham o embasamento necessário
para tomar as decisões mais apropriadas para cada situação a fim de melhorar o desempenho da
organização.
Muitos pensam que a Administração é uma ciência moderna, surgida no final do século
XX. Na verdade ela já é praticada desde a Antiguidade, na civilização suméria (primeiros livros de
contabilidade), nos egípcios (construção das pirâmides!), babilônios (código de Hamurabi) e
romanos (organização e administração de um império multinacional, com o estabelecimento de
administradores provinciais, fundação de colônias e construção de estradas).
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Todavia, foi com o advento da Revolução Industrial e com a necessidade de se
melhorar o desempenho das indústrias, que começaram a surgir os primeiros conceitos e técnicas
administrativas que possibilitaram à Administração se consolidar como uma disciplina. Surgiu um
novo profissional: o administrador de organizações. Ele precisava de treinamento especializado e
por isso surge, em 1881, nos EUA, a primeira escola de Administração do mundo. Na virada para
o século XX, surge a Administração Científica e outras importantes tendências da moderna
administração. Iremos estudar superficialmente tais tendências durante nosso curso, pois não
estão mencionadas explicitamente no edital da CGU, mas é importante ter conhecimento do que
elas tratam.
OBSERVAÇÕES IMPORTANTES:
- a palavra “Administração” possui ainda outros significados, sendo empregada
também para se referir aos dirigentes de uma organização e ao local nas organizações onde se
tomam providências administrativas.
- a palavra “Organização” também pode significar qualquer empreendimento humano
criado e moldado intencionalmente para atingir determinados objetivos, como uma unidade ou
entidade social, podendo ser visualizado sobre dois aspectos: organização formal (planejada, que
está oficialmente no papel) e a informal (que emerge espontânea e naturalmente entre as pessoas
a partir dos relacionamentos interpessoais). Há também outro significado para essa palavra:
função administrativa de organizar, parte integrante do processo administrativo, ato de organizar,
estruturar e integrar os recursos e órgãos incumbidos de sua administração e estabelecer
relações entre eles e suas atribuições.
0.2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Administração Pública pode ser encarada de duas formas distintas: em sentido
subjetivo (formal) ou em sentido objetivo (material). No primeiro, é o conjunto de entes (pessoas
jurídicas, órgãos e agentes públicos) que tem a incumbência de exercer uma das funções do
Estado: a função administrativa. No segundo, a função administrativa é a própria definição de
Administração Pública. Segundo Di Pietro, Administração Pública “em sentido subjetivo, formal
ou orgânico, designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas
jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a
atividade estatal: a função administrativa”. Ou seja, é o conjunto de organizações públicas
(órgãos e entidades) instituídos para consecução dos objetivos do Governo. Por isso definimos
organização no item anterior, perceberam? E a ciência da administração ajuda a melhor
conduzir tais organizações. É claro que temos que levar em consideração as peculiaridades do
setor públicos e isto será bem explorado neste curso.
Di Pietro também afirma que “em sentido objetivo, material ou funcional, designa a
natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a
própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo”. Falando de
outra forma, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção
operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do
Estado ou por ele assumidos em beneficio da coletividade. Numa visão global, a Administração
Pública é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus serviços,
visando à satisfação das necessidades coletivas.
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0.3 DIMENSÕES DE DESEMPENHO
Agora, para podermos ir adiante, temos que definir novos conceitos, pois um dos
objetivos da administração é melhorar o desempenho da organização. Por isso, vamos definir os
conceitos de eficácia, eficiência e efetividade. Acredito ser importante que vocês conheçam
também a definição de economicidade e eqüidade, termos muito usados em Administração
Pública, que são algumas das dimensões adotadas para se avaliar os desempenhos das
organizações. Bem, vamos lá.
O desempenho das organizações e seus processos podem ser avaliados de diversas
formas segundo o enfoque adotado. Se formos empregar o enfoque da EFICÁCIA, iremos verificar
qual o grau de realização de objetivos da organização. Exemplo: se o objetivo da Secretaria de
Educação do Município de Taylorandia é construir 10 escolas no ano de 2008, bastará verificar se,
no final deste ano, as 10 escolas estão construídas de acordo com o especificado. Caso
afirmativo, a Secretaria terá sido EFICAZ. Não são levados em consideração os custos
envolvidos, os processos adotados na construção. Portanto:
EFICÁCIA: grau de alcance das METAS programadas em um determinado período de
tempo, independentemente dos custos implicados. Quanto mais alto o grau de realização dos
objetivos e metas, mais a organização é eficaz.
Ops, que estória é essa de METAS? Não estávamos falando de OBJETIVOS? Pois é,
se adicionarmos um prazo e uma quantificação associada a indicadores de desempenho ao
objetivo, ele se torna uma meta. No nosso caso, o objetivo mais amplo da Secretaria de Educação
seria reduzir o índice de analfabetismo para 10% ou menos até o final de 2010. Há um prazo e
uma quantificação. Logo, é uma meta. Para conseguir cumpri-la, estabeleceu um sub-objetivo de
aumentar o número de escolas. Escolheu construir 10 escolas no ano de 2008. Também há um
prazo e há uma quantificação. Logo também é uma meta.
Vamos supor que os servidores públicos da Secretaria se esmeraram, especificaram
bem a realização da obra, promoveram a concorrência entre as diversas empresas e
conseguiram, com o mesmo orçamento inicial, construir 12 escolas em 2008. Conseguiram reduzir
os custos e melhorar o processo. Desta forma, foram EFICIENTES.
EFICIÊNCIA: relação entre PRODUTOS (bens e serviços) gerados por uma atividade e
os CUSTOS dos insumos empregados, em um determinado período de tempo. Uma organização
é eficiente quando utiliza seus recursos da forma mais produtiva e econômica possível, também
conhecida como forma racional de utilização (vide prova da CGU-2006). Este conceito envolve os
processos de trabalho e o custo dos insumos.
Agora, será que a construção das escolas efetivamente conseguiu reduzir o
analfabetismo para 10% ou menos? Caso afirmativo, a Secretaria de Educação foi efetiva.
EFETIVIDADE: relação entre os resultados de uma ação ou programa, em termos de
efeitos sobre a POPULAÇÃO-ALVO (IMPACTOS OBSERVADOS) e OBJETIVOS PRETENDIDOS
(IMPACTOS ESPERADOS). Alguns autores consideram EFETIVIDADE como a união da
EFICÁCIA com a EFICIÊNCIA e a ESAF cobrou assim na última prova. Portanto tenham atenção!
Outro conceito bastante cobrado em prova e que poderá vir a ser inserido no edital
deste ano é o de Economicidade, que implica a minimização dos custos dos recursos utilizados na
consecução de uma atividade, sem comprometimento dos padrões de qualidade. Muita gente
pensa que economicidade consiste simplesmente em comprar mais barato. Não é só isso. É
comprar mais barato mantendo as especificações estabelecidas. Se o projeto original da escola
continha uma biblioteca e uma quadra de esportes, estaríamos obedecendo ao princípio da
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economicidade construindo as dez escolas sem tais itens? Certamente cada escola sairia mais
em conta. Mas não estaríamos obedecendo ao princípio.
Para fecharmos os chamados 5 “E”s, falta abordar o conceito de eqüidade. A
Secretaria de Educação estaria obedecendo a tal princípio se fornecesse aos diversos segmentos
da população em idade escolar condições para que pudessem aproveitar, as escolas construídas.
Desta forma, as crianças mais pobres teriam todo o apoio necessário para que pudessem
freqüentar as aulas, em igualdade de condições com as crianças mais bem aquinhoadas.
EQÜIDADE: tratar da mesma forma aos indivíduos com iguais necessidades e
proporcionar tratamentos diferenciados a indivíduos com necessidades diferentes, objetivando
justiça social.
A figura acima resume bem os conceitos dos 4 primeiros “E”s, para vocês nunca mais
errarem em prova!
EFICÁCIA: relação entre OBJETIVO e PRODUTO. Se o produto atendeu o objetivo, a
organização foi eficaz.
EFICIÊNCIA: relação entre os INSUMOS/RECURSOS e o PRODUTO. Se o produto foi
conseguido com uma alocação racional dos recursos e empregando processos otimizados de
trabalho a organização foi eficiente.
EFETIVIDADE: relação entre os OBJETIVOS estabelecidos e os
IMPACTOS/RESULTADOS observados. Se estes estão de acordo com aqueles, a organização foi
efetiva.
ECONOMICIDADE: relação entre os INSUMOS/RECURSOS e a AÇÃO que foi
desenvolvida. Se para desenvolver a ação planejada com a qualidade necessária foram
IMPACTOS /
RESULTADO
INSUMOS /
RECURSOS
AÇÃO PRODUTOOBJETIVOS
EFETIVIDADE
ECONOMICIDADE
EFICIÊNCIA
EFICÁCIA
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empregados os insumos com o menor custo possível , a organização foi econômica.
3. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: DO MODELO RACIONAL-LEGAL AO
PARADIGMA PÓS BUROCRÁTICO.
3.1 O ESTADO OLIGÁRQUICO E PATRIMONIAL
3.1.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PATRIMONIALISTA
O aparelhamento do Estado evoluiu de acordo com a História, sendo inicialmente
adotado o modelo patrimonialista, que definiu as monarquias absolutas. A característica que
definia o governo nas sociedades pré-capitalistas e pré-democráticas era a privatização do
Estado, ou a interpermeabilidade dos patrimônios público e privado.
“Patrimonialismo” significa a incapacidade ou a relutância de o governante distinguir
entre o patrimônio público e seus bens privados. No patrimonialismo, o aparelho do Estado
funciona como uma extensão do poder do soberano, o qual utiliza os bens públicos da forma que
achar conveniente, particularmente em seu próprio benefício. Seus auxiliares, servidores,
possuem status de nobreza real. A “res publica”, ou seja, “a coisa pública” não é diferenciada da
“res principis”, quer dizer, do patrimônio do príncipe ou do soberano. Logo, o patrimônio público e
o privado são confundidos, havendo uma ligação ou interdependência entre os dois. Como a
autoridade deriva do poder do soberano, este usa da “res publica” da forma que bem entende,
sem prestar contas a quem quer que seja.
Os cargos públicos são considerados prebendas ou sinecuras, ou seja, empregos
rendosos que exigem pouco ou nenhum trabalho de quem o exerce, e são distribuídos da forma
que for mais adequada ao soberano. O nepotismo, o empreguismo e a corrupção eram a norma.
Logo, a administração do Estado pré-capitalista era uma administração patrimonialista.
Todavia, em tal estado de coisas o capitalismo encontrava grande dificuldade para se
desenvolver, visto que não havia estabilidade das normas e das decisões dos governantes. Havia
a necessidade da implantação de um Estado de Direito para que a nova economia liberal
pudesse florescer e se desenvolver. É essencial para o capitalismo a clara separação entre o
Estado e o mercado.
As Revoluções Liberais ocorridas na França e nos Estados Unidos prepararam o
terreno para que um novo tipo de Administração Pública pudesse ser implantada, inicialmente
nos países europeus na segunda metade do século XIX e depois se espalhasse por outros
países em desenvolvimento. As democracias parlamentares que surgiram nesse século não
toleravam mais o modelo patrimonialista de administração pública. Só pode existir democracia
quando a sociedade civil, formada por cidadãos, distingue-se do Estado ao mesmo tempo em
que o controla. Desta forma, tornou-se necessário desenvolver um tipo de administração que
partisse não só da clara distinção entre o público e o privado, mas também da separação entre o
político e o administrador público. Surge, então, a administração pública burocrática moderna,
racional-legal.
No Brasil, tal revolução só viria a ocorrer nos anos 30 do século passado.
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3.1.2 O ESTADO OLIGÁRQUICO BRASILEIRO.
O Estado brasileiro de 1900 é ainda um Estado oligárquico em que uma pequena elite
de senhores de terra e de políticos patrimonialistas dominavam amplamente o país. Para Faoro o
poder político do Estado está concentrado em um estamento aristocrático-burocrático de juristas,
letrados, e militares, que derivam seu poder e sua renda do próprio Estado. Enquanto os senhores
de terra e os grandes comerciantes e traficantes de escravos (até 1850) se ocupavam da
economia, este estamento dominava com relativa autonomia o Estado e a política. Havia a
formação de uma nova classe média, uma classe burocrática, composta por um estamento de
políticos e burocratas patrimonialistas, que se apropriavam do excedente econômico no seio do
próprio Estado, e não diretamente através da atividade econômica.
O mais importante naquele momento, porém, era a ainda a marca da colonização
portuguesa. Manoel Bomfim escolheu como subtítulo a expressão “Males de Origem” para
salientar que nosso subdesenvolvimento – ou, nas suas palavras, o nosso “atraso geral” , assim
como o atraso dos demais países latino-americanos, estava diretamente ligado ao caráter
decadente das duas nações colonizadoras, Portugal e Espanha. É tradicional a idéia de que uma
função fundamental do Estado nessa época era garantir empregos para a classe média pobre
ligada por laços de família ou de agregação aos proprietários rurais. No Império, seguindo uma
tradição portuguesa secular, formara-se uma elite dirigente patrimonialista, que vivia das rendas
do Estado ao invés de das rendas da terra, e detinha com razoável autonomia um imenso poder
político. Em um primeiro momento eles, a partir de sua base estamental ou de suas relações com
o patriciado rural, estudavam em Coimbra, depois, nas faculdades de direito da Olinda e São
Paulo. Apoiados nesse conhecimento vinham a ocupar os altos postos do Império.
Havia no Brasil uma aliança do estamento patrimonialista com burguesia mercantil de
senhores de terra e grandes comerciantes. Esta burguesia transformou-se, no decorrer do século
XIX, de uma oligarquia principalmente de senhores de engenho para uma oligarquia cafeeira
paulista. Tivemos assim um Estado Patrimonial-Mercantil no Império, que se estendeu ainda pela
Primeira República.
A elite patrimonialista imperial é caracterizada pelo o saber jurídico formal,
transformado em ferramenta de trabalho e instrumento de poder. A absoluta maioria dos ministros,
conselheiros, e presidentes de província, e deputados é formada em direito. São todos
burocratas porque sua renda deriva essencialmente do Estado; são patrimonialistas
porque os critérios de sua escolha não são racional-legais, e porque constroem um
complexo sistema de agregados e clientes em torno de si, sustentado pelo Estado,
confundindo o patrimônio privado com o estatal.
Sérgio Buarque de Holanda foi quem pela primeira vez utilizou o conceito de
patrimonialismo para caracterizar as elites políticas brasileiras. Diz ele que “não era fácil aos
detentores das posições públicas de responsabilidades, formados por tal ambiente (família
patriarcal), compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público”.
É essa elite política letrada e conservadora que manda de forma autoritária ou
oligárquica. Não há democracia. As eleições são uma farsa. A distância educacional e social
entre a elite política e o restante da população, imensa. E no meio dela temos uma camada de
funcionários públicos, donos antes de sinecuras do que de funções, dada a função do Estado
patrimonial de lhes garantir emprego e sobrevivência. O emprego público, embora não garantisse
plena estabilidade, dada a prática das “derrubadas” quando mudavam ministérios de um partido
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para o outro, era o único emprego possível para uma ampla classe média desempregada.
Desta forma percebe-se que os critérios administrativos eram pessoais, e a
preocupação com a eficiência da máquina estatal, nula.
Aos poucos, a burocracia estamental, de caráter aristocrático, começa a ser infiltrada
por elementos externos, de origem social mais baixa, como aconteceu com o clero e, dentro do
aparelho do Estado propriamente dito, com os militares do Exército. Começa a surgir
administração pública burocrática e o autoritarismo burocrático-capitalista emerge através
principalmente dos militares e das revoluções que promovem em nome de uma abstrata “razão”,
cujas fontes capitalistas e burocráticas clássicas são claras.
3.2 O ESTADO AUTORITÁRIO E BUROCRÁTICO
3.2.1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA
Baseada nos princípios de administração do exército prussiano, a administração
pública burocrática constituía-se numa alternativa muito superior à administração patrimonialista
do Estado. Tal modelo foi adotado inicialmente nas empresas, principalmente em organizações
industriais, em decorrência da necessidade de ordem e exatidão e das reivindicações dos
trabalhadores por um tratamento justo e imparcial. Segundo Chiavenato, o modelo burocrático de
organização surgiu como uma reação contra a crueldade e o nepotismo e contra os julgamentos
tendenciosos e parciais, típicos das práticas administrativas desumanas e injustas do início da
Revolução Industrial. Veio com a finalidade de organizar detalhadamente e de dirigir rigidamente
as atividades das empresas com a maior eficiência possível.
Quem melhor definiu o modelo burocrático de organização foi Max Weber (1864-
1920), por meio de estudos sobre as organizações formais identificando-lhes características
comuns. Segundo ele, tais organizações baseiam-se em leis escritas, que as pessoas aceitam
por acreditarem que são racionais1
e que definem antecipadamente como a organização irá
funcionar. A autoridade não mais tem origem no soberano e sim no cargo que a pessoa ocupa na
organização e a obediência é devida às leis e aos regulamentos, formalmente definidos.
A administração pública burocrática utiliza, como instrumento para combater o
nepotismo e a corrupção, os princípios de um serviço público profissional e de um sistema
administrativo impessoal, formal e racional. Foi um grande progresso o surgimento, no século
XIX, de uma administração pública burocrática em oposição às formas patrimonialistas de se
administrar o Estado.
O tipo ideal de burocracia, segundo Weber, apresenta como características principais:
- FORMALIDADE: organizações são formadas baseadas em estatutos, normas e
regulamentos explícitos, que estipulam direitos e deveres dos ocupantes de cada cargo e
regulam sua conduta e atividades, que devem ser executadas de acordo com as rotinas e
procedimentos fixados pelas regras e normas técnicas. As comunicações são sempre feitas por
escrito, a fim de proporcionar comprovação e documentação adequadas. A empresa em que
você trabalha ou a escola/universidade em que você estuda ou estudou está regulada por
normas racionais. Seu comportamento como aluno ou profissional da empresa não depende dos
caprichos pessoais dos administradores, como era no modelo patrimonialista. Desta forma, na
burocracia, todos são iguais perante a lei.
- IMPESSOALIDADE: a obediência dos subordinados ao chefe é devida pelo cargo
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que este ocupa, não pela tradição ou pelo carisma deste2
. As normas instituídas racionalmente
são aplicadas a todos. As relações profissionais são isentas de ódios ou paixões, possuindo
caráter impessoal.
- PROFISSIONALISMO: as burocracias são formadas por funcionários especializados
remunerados, ocupantes de cargos, e oferecem a estes uma carreira profissional.
- MÉRITO: os funcionários são selecionados por suas qualificações (mérito), às quais
são aperfeiçoadas por treinamento especializado. A atribuição de responsabilidades e a evolução
na carreira são realizadas por critérios de mérito.
- HIERARQUIA e DISCIPLINA: a burocracia é uma organização que tem seus cargos
previamente estabelecidos segundo os princípios da hierarquia. Cada cargo inferior deve estar
sob controle e supervisão de um superior, ou seja, as relações de trabalho possuem caráter
hierárquico.
- DIVISÃO DO TRABALHO: a fim de se atingir a eficiência da organização, há uma
sistemática divisão do trabalho, que estabelece as atribuições de cada participante, suas funções
específicas e sua esfera de competência e responsabilidade.
- SEPARAÇÃO DA PROPRIEDADE: os administradores da burocracia não
necessariamente seus donos ou proprietários, surgindo a figura do profissional que se
especializa em gerenciar a organização. Os meios de produção não são propriedade dos
burocratas, mas estão acima destes.
Para Weber, a burocracia é a organização eficiente por excelência e para conseguir
essa eficiência, precisa detalhar antecipadamente e nos mínimos detalhes como as coisas
deverão ser feitas. A conseqüência desejada é a previsibilidade do comportamento dos seus
membros, ou seja, a forma como os funcionários irão agir será perfeitamente previsível, pois está
prescrita nos regulamentos. Sabemos que aí Weber cometeu um pecado capital: não considerou
nenhuma diferenciação no comportamento humano na organização, nem as chamadas
organizações informais3
, que influenciam o desempenho do funcionário.
A forma burocrática de Administração foi implantada nos principais países europeus
no final do século, nos EUA no começo do século XX e no Brasil em 1936, com a reforma
administrativa promovida por Maurício Nabuco e Luiz Simões Lopes.
A implantação da burocracia teve como pano de fundo inicial o liberalismo
econômico, que pregava que o Estado deveria se restringir a suas funções típicas (defesa
nacional, aplicação da justiça, elaboração de leis, diplomacia, etc) sem intervir na economia,
deixando para o mercado a tarefa de resolver os problemas do desemprego e da pobreza.
Posteriormente, atingiu seu apogeu com o Estado de Bem-Estar Social, onde a burocracia
deveria atender às demandas crescentes da população.
É importante citar que a administração pública burocrática não conseguiu eliminar
completamente o Patrimonialismo, passando os dois modelos a subsistirem juntos.
OBSERVAÇÃO: atenção aqui! É muito comum cair em prova que o modelo
burocrático eliminou o modelo patrimonialista. Não caiam nessa!
3.2.2 DISFUNÇÕES DA BUROCRACIA
Será que as organizacionais reais são realmente como Weber as retratou em seu tipo
ideal? Este não será uma abstração por demais idealizada? Essas questões estimularam o
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trabalho de vários autores, dentre os quais citamos CHARLES PERROW e ROBERT MERTON,
os quais se puseram a expor as chamadas “disfunções da burocracia”.
Perrow afirmava que “o tipo ideal de Weber nunca é alcançado, porque as
organizações são essencialmente sistemas sociais, feitos de pessoas, e as pessoas não existem
apenas para as organizações. Estas têm interesses independentes e levam para dentro das
organizações em que trabalham toda sua vida externa. Além disso, a organização burocrática que
Weber idealizou parece servir melhor para lidar com tarefas estáveis e rotinizadas. Não trata as
organizações dinâmicas, para quais a mudança é constante, somente as organizações
mecanicistas, orientadas basicamente para as atividades padronizadas e repetitivas.” Perrow
apontou 4 disfunções da burocracia:
- PARTICULARISMO: as pessoas levam para dentro das organizações os interesses
dos grupos de que participam fora dela.
- SATISFAÇÃO DE INTERESSES PESSOAIS: utilização da organização para fins
pessoais do funcionário.
- EXCESSO DE REGRAS: as burocracias exageram na tentativa de regulamentar tudo
o que for possível a respeito do comportamento humano, criando regras em excesso e muitos
funcionários ficam encarregados de fiscalizar o cumprimento das mesmas.
- HIERARQUIA: para Perrow, seria a negação da autonomia, liberdade, iniciativa,
criatividade, dignidade e independência. Seria a maior responsável pela RESISTÊNCIA ÀS
MUDANÇAS, as quais atrapalham o comodismo dos que estão no topo da hierarquia.
Merton também critica o modelo weberiano que, em sua opinião, negligencia o peso
do fator humano e não são racionais como ele retrata. Para ele, as principais disfunções da
burocracia são:
- EXAGERADO APEGO AOS REGULAMENTOS E SUPERCONFORMIDADE ÀS
ROTINAS E PROCEDIMENTOS: as regras passam a se transformar de meios em objetivos. O
funcionário esquece que a flexibilidade é uma das principais características de qualquer atividade
racional. Trabalha em função do regulamento e não em função dos objetivos organizacionais.
- EXCESSO DE FORMALISMO E PAPELÓRIO: devido à necessidade de se
documentar por escrito todas as comunicações e procedimentos.
- RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS: o funcionário, por se tornar um mero executor de
rotinas e procedimentos definidos, passa a dominar seu trabalho com segurança e tranqüilidade.
Qualquer possibilidade de mudança que surja no horizonte passa a ser interpretada como ameaça
à sua posição e, portanto, altamente indesejável. Tal resistência pode ser manifestada de forma
velada e discreta ou ativa e agressiva.
- DESPERSONALIZAÇÃO DO RELACIONAMENTO: o chefe não considera mais os
funcionários como indivíduos, mas sim como ocupantes de cargos, sendo conhecidos pelo título
do cargo e até mesmo pelo número interno que a organização lhes fornecem.
- CATEGORIZAÇÃO COMO BASE DO PROCESSO DECISORIAL: A burocracia se
assenta em uma rígida hierarquização da autoridade, ou seja, na burocracia quem toma as
decisões são as pessoas que estão no mais alto nível da hierarquia, mesmo que não saibam nada
do assunto, visto que são os únicos com real poder de decisão.
No momento em que o “pequeno” Estado liberal do século XIX, onde o Estado só
se preocupava com a justiça, defesa, fazenda e relações exteriores, cedeu definitivamente lugar
ao “grande“ Estado social e econômico do século XX, verificou-se que ela não garantia nem
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10. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
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rapidez, nem boa qualidade, nem custo baixo para os serviços prestados ao público. A
administração pública burocrática é lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada para o
atendimento das demandas dos cidadãos. Agora, ao invés de três ou quatro ministros, era preciso
ter 15 ou 20.
3.2.3 O ESTADO BUROCRÁTICO BRASILEIRO
A Primeira República pretendia ser uma revolução de classe média, como seriam
depois as outras três revoluções militares no Brasil – 1930, 1945, e 1964 – mas o regime militar
teve vida breve, com apenas os governos de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Com a
eleição, em novembro de 1894, de Prudente de Morais, a oligarquia cafeeira volta ao poder,
restabelecendo-se a aliança dos tempos do Segundo Império do estamento burocrático-
aristocrático com a oligarquia principalmente cafeeira. Todavia, a presença efetiva dos militares do
Exército na aliança de poder era um fato novo, porque estes militares, diferentemente dos da
Marinha, não podiam ser legitimamente incluídos no estamento burocrático-aristocrático do
Império. Os representantes da classe média tecnoburocrática, de uma classe média burocrática
moderna, que, no século XX, teria enorme expansão e diversificação, apareciam, assim, pela
primeira vez na história brasileira por intermédio do Exército.
O golpe militar não tinha base real na sociedade, de forma que não envolveu de fato a
população que, segundo Aristides Lobo(*), assistiu bestializada à proclamação da República.
Passado o entusiasmo inicial provocado pela proclamação da República, no campo das idéias
nem mesmo a elite conseguia chegar a um certo acordo quanto à definição de qual deveria ser a
relação entre o cidadão com o Estado. No campo da ação política fracassaram sistematicamente
as tentativas de mobilizar e organizar a população de acordo com os padrões conhecidos nos
sistemas liberais. O regime continuava oligárquico, as eleições, fraudulentas; o eleitorado subira
apenas de um para dois por cento da população com a República. A estrutura econômica e a
estrutura de poder não haviam mudado. Pelo contrário, com o estabelecimento da federação na
Constituição de 1891, e a decorrente descentralização política de um Estado que no Império fora
altamente centralizado, o poder dos governadores e das oligarquias locais aumentara ao invés de
diminuir.
Surge a política dos governadores, que definiria os rumos políticos do país até 1930.
Mas o aumento do poder dos governadores era contraditório: se de um lado tinham mais poder
em relação à União, tinham menos em relação aos coronéis locais, dos quais passavam a
depender. Estes problemas estavam na base da insatisfação crescente dos militares, que
demandavam a ordem e o progresso anunciados na bandeira republicana, e da indignação de
liberais clamando por democracia. O resultado é a aliança política instável de 1930, que levou não
ao Estado liberal sonhado pelos últimos, mas ao Estado burocrático e autoritário do primeiro
Vargas.
O movimento revolucionário, que desembocará na Revolução de 1930 e no governo
Vargas, era intrinsecamente contraditório. De um lado, no seu componente principalmente civil,
era liberal: protestava contra a farsa das eleições, propondo ampliar-se o eleitorado e instituir-se o
voto secreto, demandava anistia dos condenados por razões políticas, queria terminar com o
poder das oligarquias locais, de coronéis e jagunços, e regionais, de presidentes de província. De
outro, era um movimento conservador, na medida em que muitos dos seus aderentes constituíam
as próprias oligarquias estaduais, principalmente nos Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba.
De um terceiro lado, entretanto, possuía um forte componente militar, tenentista, burocrático e
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autoritário. Seu objetivo maior era centralizar o poder nacional, colocando sob controle os coronéis
locais e dos estados federados.
O terceiro aspecto do movimento sagra-se vencedor, e durante quinze anos Getúlio
Vargas permanece no poder, sendo que nos últimos oito anos, nos quadros de um regime
estritamente autoritário. Estabelece o poder da União sobre os estados federados e as oligarquias
locais, e dá impulso ao processo de industrialização.
A República fora descentralizadora e oligárquica. O novo Estado fundado pela
Revolução de 1930, ainda que conserve elementos da velha aristocracia, será um Estado antes
do que qualquer coisa autoritário e burocrático no seio de uma sociedade em que o capitalismo
industrial se torna afinal dominante. Duas classes novas sobem ao poder: a burguesia industrial
e a nova classe média tecnoburocrática. Ambas eram originárias de classes ou estamentos
antigos: a burguesia industrial originava-se da burguesia mercantil; a moderna burocracia evoluiu
do estamento burocrático patrimonialista. Diferentemente da sua antecessora, a burocracia não
tinha caráter aristocrático, nem estava circunscrita ao Estado.
Além da clássica tarefa política e administrativa, a nova burocracia passava a ter uma
função econômica essencial: a coordenação das grandes empresas produtoras de bens e
serviços, fossem elas estatais ou privadas. Enquanto no setor público Getúlio Vargas realizava,
nos anos 30, a reforma burocrática, a “civil service reform”, que na França, Inglaterra e Alemanha,
acontecera na segunda metade do século anterior, e nos Estados Unidos, na primeira década
deste século, no setor privado o surgimento de grandes organizações empresariais públicas e
privadas promovia o surgimento de uma burocracia moderna, voltada para a voltada para
produção.
O Estado Patrimonial teve longa duração no seio da Sociedade Mercantil e Senhorial,
o Estado Burocrático, na Sociedade Capitalista, Industrial teve vida curta. Curta porque a
industrialização chegou tarde e logo começou a ser substituída pela sociedade pós-industrial do
conhecimento e dos serviços, curta porque a Reforma Burocrática de 1936 também chegou tarde
e foi atropelada pela reforma gerencial, que a globalização imporia e a democracia tornaria
possível.
3.3 O ESTADO DE BEM ESTAR
No momento em que o Estado se converteu no grande Estado social e econômico do
século XX, assumindo um número crescente de serviços sociais – educação, saúde, cultura,
previdência e assistência social, pesquisa científica – e de papéis econômicos – regulação do
sistema econômico interno, das relações econômicas internacionais, estabilidade da moeda e do
sistema financeiro, provisão de serviços públicos e de infra-estrutura, o problema da eficiência
tornou-se essencial.
Esse estado tinha três dimensões:
- ECONÔMICA: caracterizada pela influência keynesiana, que pregava a ativa
intervenção estatal na economia, procurando garantir o pleno emprego e atuar em setores
considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional — telecomunicações e petróleo,por
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exemplo. No Brasil, através da autonomia dada às empresas de economia mista viabilizava-se o
grande projeto de industrialização com base em grandes empresas estatais de infra-estrutura e
serviços públicos que já havia sido iniciado nos anos 40, com a criação da Companhia Siderúrgica
Nacional, e acelerado nos anos 50, com a criação da Petrobrás, da Eletrobrás, e da Telebrás, e
do BNDES. Por outro lado, são então criadas ou desenvolvidas novas agências reguladoras,
como o Banco Central, que regulam também com autonomia as atividades econômicas, tendo
sempre como critério a promoção do desenvolvimento industrial.
- SOCIAL: correspondente ao “Welfare State” ou “Estado do Bem-Estar”, adotado em
maior ou menor grau nos países desenvolvidos, tinha como objetivo primordial a produção de
políticas públicas na área social (educação, saúde, previdência social, habitação, etc.) para
garantir o suprimento das necessidades básicas da população. É uma conseqüência do modelo
intervencionista adotado a partir da década de 30 por causa da grave crise financeira que assolou
o mundo no final dos anos 20, tendo como ápice a quebra da bolsa de Nova York em 1929. Suas
características são baseadas na concepção de que o Estado deve prover todas as necessidades
do cidadão, e assim fornecer direta ou indiretamente todos os serviços necessários ao bem-estar
social, inclusive o fornecimento direto de renda ao cidadão, caso este necessite, sem haver
nenhuma necessidade de contraprestação por parte deste.
- ADMINISTRATIVA: relativa ao funcionamento interno do Estado, o chamado modelo
burocrático weberiano tinha a missão de manter a impessoalidade, a neutralidade e a
racionalidade do aparato governamental.
No Brasil e nos países latino-americanos da periferia do mundo capitalista, a dimensão
social não foi aplicada da mesma forma que nos países desenvolvidos. O Estado nacional-
desenvolvimentista é característico desse grupo nessa época, e se preocupava em promover a
industrialização por meio da ação direta do Estado, como criador e impulsionador de empresas
estatais industriais. Nesses países, ocorreu a industrialização POR SUBSTITUIÇÃO DE
IMPORTAÇÕES (SI), que, segundo Maria Conceição Tavares, é um processo de
desenvolvimento parcial e fechado que, respondendo às restrições de comércio exterior, procurou
repetir aceleradamente (nos países em desenvolvimento), em condições históricas distintas, a
experiência de industrialização dos países desenvolvidos.
Isto porque os países em desenvolvimento eram exportadores de matérias-primas e
importadores de produtos manufaturados, de maior valor agregado. Desta forma, a política residia
em criar condições para que a indústria nacional produzisse internamente o que antes era
importado lá fora. Visava a possibilitar o surgimento de um setor industrial, produtor de
manufaturados, que permitisse uma acumulação de capital suficiente para desencadear um
processo de desenvolvimento econômico auto-sustentável e duradouro.
O problema era que, ao mesmo tempo em que se substituía, se criava novas
necessidades de importações qualitativamente distintas, o que terminava por exigir novas rodadas
de substituição. Além disso, o surto de substituição de importações na América Latina se deu
através da implantação de atividades produtoras de bens de consumo duráveis, o que requereria
a aquisição no exterior de determinadas peças, componentes e equipamentos (bens de capital),
de alto custo.
Nessa fase, o Estado desempenha um papel decisivo em apoiar a indústria nascente,
realizando inclusive políticas cambiais e alfandegárias altamente favoráveis a importação, mas
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prejudiciais às contas públicas, em virtude do aumento do endividamento externo. No caso
particular do Brasil, o processo de SI teve seu início efetivo no segundo governo de Getúlio
Vargas, atingindo seu ápice no chamado “milagre econômico”.
Todavia, as duas crises do petróleo (1973 e 1979) colocaram em xeque o modelo de
intervenção estatal. Uma grande crise econômica mundial pôs fim a “era dourada”, como afirma o
historiador Eric Hobsbawn, período em que não só os países capitalistas desenvolvidos, mas até
países do bloco socialista e parte do Terceiro Mundo apresentaram elevadas taxas de
crescimento econômico. Tal crise constitui-se no primeiro de quatro fatores que
desencadearam a CRISE DO ESTADO montado no pós-guerra, o estado de bem-estar.
A CRISE FISCAL, entendida como a perda em maior grau de crédito público e
incapacidade crescente do Estado de realizar uma poupança pública que lhe permitisse financiar
políticas públicas, foi causada principalmente pela grave crise econômica mundial citada
anteriormente. Os países não tinham mais como financiar seus crescentes “déficits”, surgindo a
necessidade imperativa de corte de gastos públicos. E os problemas fiscais tendiam a se agravar,
na medida em que se iniciava, principalmente nos EUA e na Grã-Bretanha, uma revolta dos
contribuintes contra a cobrança de mais tributos, devido ao fato de que estes não conseguiam
enxergar uma relação direta entre o acréscimo de recursos governamentais e a melhoria de
serviços públicos. A crise fiscal é o segundo fator que desencadeou a crise do Estado.
O ESGOTAMENTO DAS FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO, pela crise do
“Estado de Bem Estar Social” ou “Welfare State” no primeiro mundo, o esgotamento da
industrialização por substituição de importações nos países em desenvolvimento e o colapso do
estatismo nos países comunistas formam o terceiro fator. Os governos estavam, ainda,
sobrecarregados de atividades — acumuladas ao longo do pós-guerra —, “com muito a fazer e
com poucos recursos para cumprir todos os seus compromissos”. Estava caracterizada uma
situação de “ingovernabilidade”: os governos estavam inaptos para resolver seus problemas.
Com a globalização e as inovações tecnológicas (quarto fator) que transformaram
a lógica do setor produtivo, o Estado também foi afetado. Os governos não mais conseguiam
controlar os fluxos financeiros e comerciais. Este fato, somado ao aumento do poder das grandes
multinacionais, resultou na perda de parcela significativa do poder dos Estados nacionais de ditar
políticas macroeconômicas.
A crise do Estado afetou diretamente a organização das burocracias públicas. Os
governos tinham menos recursos e mais déficits. O corte de custos virou prioridade, o que
produziu dois efeitos:
- REDUÇÃO DE GASTOS COM PESSOAL;
- NECESSIDADE DE AUMENTAR A EFICIÊNCIA GOVERNAMENTAL.
Voltado cada vez mais para si mesmo, o modelo burocrático tradicional vinha
caminhando para um sentido contrário aos anseios dos cidadãos. A incapacidade de responder às
demandas destes, a baixa eficiência de suas estruturas, aliadas a captura do Estado por
interesses privados, obrigavam a realização de modificações profundas no modelo weberiano,
considerado como lento e excessivamente apegado a normas. A burocracia era classificada mais
como um grupo de interesse do que como um corpo técnico neutro a serviço dos cidadãos.
Teorias extremamente críticas à burocracia estatal, tais como a public choice4
nos EUA, abriu
espaço para a crítica ao modelo de organização do setor público.
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Os serviços sociais eram prestados com baixa qualidade, ineficientes e com custos
crescentes. Os cidadãos tornam-se cada vez mais conscientes de que a administração pública
burocrática não corresponde às demandas que a sociedade civil apresenta aos governos no
capitalismo contemporâneo. Era preciso urgentemente aumentar a eficiência governamental.
Segundo Abrucio, “o aparato governamental precisava ser mais ágil e mais flexível, tanto em sua
dinâmica interna como em sua capacidade de adaptação às mudanças externas”.
Este cenário impulsionou o surgimento de uma novo modelo de administração pública,
mais preocupado com os resultados e não com procedimentos e que levava em consideração
sobretudo a eficiência: produzir mais aproveitando ao máximo os recursos disponíveis, com a
maior produtividade possível. O Estado teria que inovar, ser criativo, e se aproximar mais dos
princípios que regem a Administração de Empresas Privadas, reduzindo custos e maximizando
resultados.
Desta forma, iremos estudar, em seguida, a Administração Pública Gerencial.
3.4 O ESTADO REGULADOR E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL
3.4.1 INTRODUÇÃO
Para responder ao esgotamento do modelo burocrático weberiano, foram introduzidos,
em larga escala, padrões gerenciais na administração pública, inicialmente e com mais vigor em
alguns países do mundo anglo-saxão (Grã-Bretanha, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia),
e depois, gradualmente, na Europa continental e Canadá.
No começo da década de 80, o modelo gerencial puro, denominado “managerialism”
ou gerencialismo sugeriu 3 providências básicas:
- CORTE DE GASTOS – inclusive de pessoal;
- AUMENTO DA EFICIÊNCIA – com a introdução da lógica da produtividade existente
no setor privado;
- ATUAÇÃO MAIS FLEXÍVEL DO APARATO BUROCRÁTICO.
3.4.2 O GERENCIALISMO INGLÊS
O primeiro passo do modelo gerencial puro foi o corte de gastos e de pessoal, sendo o
exemplo mais contundente o inglês, no governo de Margareth Thatcher. O ponto principal deste
modelo é a busca da eficiência. Abrucio relata que “contra essa visão de administração pública
(modelo burocrático), o governo Thatcher propunha:
a) definição clara das responsabilidades de cada funcionário dentro das agências
governamentais;
b) clara definição dos objetivos organizacionais, analisados em sua substância e não
enquanto processo administrativo;
c) aumento da consciência a respeito do “valor dos recursos” (value money) públicos,
procurando maximizar a relação financeira entre os recursos iniciais e os gastos realizados para a
produção de políticas, ou seja, incorporando o valor da eficiência na lógica de funcionamento da
burocracia.”
A busca pela qualidade na prestação de serviços, por meio de uma perspectiva
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voltada à satisfação do público, intitulada paradigma do consumidor, deu origem ao
CONSUMERISM, evolução do modelo gerencial puro. Abruccio ainda nos dá uma palhinha sobre
o PUBLIC SERVICE ORIENTATION, terceiro estágio do modelo gerencial, onde o cidadão não
mais é encarado como simples consumidor de serviços, mas sim como cidadão e a preocupação
com a eqüidade é levada em consideração. É importante ressaltar que cada estágio não elimina o
anterior e sim acrescenta melhoramentos a ele.
A tabela abaixo resume o que vocês devem saber sobre os 3 estágios do modelo
gerencial, inicialmente adotado na Inglaterra:
Fase do Gerencialismo Ênfase em: Beneficiários encarados como:
Managerialism Economia/eficiência Contribuintes
Consumerism Efetividade/qualidade Consumidores/ Clientes
Public service Orientation Accountability/Eqüidade Cidadãos
3.4.3 O MOVIMENTO “REINVENTANDO O GOVERNO”
Nos EUA, surge no início da década de 1990, a obra de David Osborne e Ted
Gaebler, "Reinventando o Governo", que deu origem a um movimento de modernização e de
mudança de postura da administração pública, após o fracasso da tentativa de implantar o
gerencialismo puro da forma inglesa no governo Reagan.
Abrucio refere-se à obra como um marco na nova discussão da administração pública
americana, tratando-se de rediscutir os fundamentos do governo no que se refere à administração
pública. Para tanto, é estruturado um modelo híbrido e eclético de análise, incorporando conceitos
que estiveram separados no desenvolvimento do modelo gerencial inglês, tais como a
implantação de uma administração por objetivos — ou por missões —, a mensuração do
desempenho das agências através dos resultados, a busca da qualidade total como método
administrativo, a ênfase no cliente, a transferência do poder aos cidadãos e a tentativa de
garantir a eqüidade.
A discussão de Osborne e Gaebler começa subvertendo o ideal que impulsionou o
gerencialismo na Grã-Bretanha no início da década. Em vez de propor o “rolling back the state”
thatcheriano, os autores propõem uma redefinição da atividade governamental.” “Aqui está o
grande problema do livro de Osborne e Gaebler. Eles conseguem enunciar uma conjugação de
valores importantes para reinventar o governo, mas não criam um arcabouço teórico que explique
e possibilite a implementação de reformas no setor público.
A reforma do sistema significa, ao mesmo tempo, a introdução de métodos voltados
para a produção qualitativa de serviços públicos com a prioridade dada aos clientes e cidadãos
como razões últimas do setor público, o que quer dizer não só que eles devem ser bem
atendidos, mas que devem ser também chamados a participar do governo, definindo os
destinos de suas comunidades. A maioria dos exemplos do livro de Osborne e Gaebler mostra
que a melhor resposta para tornar melhor um serviço público é chamar a comunidade a
participar de sua gestão, seja fiscalizando, seja trabalhando voluntariamente na prestação
de serviços — constituindo-se numa resposta adequada tanto para a questão da eficiência como
para o problema da transparência. Portanto, a modernização do setor público deve caminhar pari
passu com o aumento da accountability.
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Mas a reinvenção do governo deve ser realizada ainda garantindo o princípio da
eqüidade. Desta maneira, a introdução de mecanismos gerenciais, tais como são propostos
no livro, não é incompatível com a busca de justiça redistributiva, um conceito que por muito
tempo foi abandonado no debate sobre reforma administrativa.
Osborne e Gaebler propõem dez princípios básicos para reinventar o governo,
listados a seguir:
1 — Competição entre os prestadores de serviço;
2 — Poder aos cidadãos, transferindo o controle das atividades à comunidade;
3 — Medir a atuação das agências governamentais através dos resultados;
4 — Orientar-se por objetivos, e não por regras e regulamentos;
5 — Redefinir os usuários como clientes;
6 — Atuar na prevenção dos problemas mais do que no tratamento;
7 — Priorizar o investimento na produção de recursos, e não em seu gasto;
8 — Descentralização da autoridade;
9 — Preferir os mecanismos de mercado às soluções burocráticas;
10 — Catalisar a ação do setores público, privado e voluntário.”
Bresser Pereira também faz sua análise sobre o movimento, quando afirma que "...
Em conseqüência, nos anos 80 iniciou-se uma grande revolução na administração pública dos
países centrais em direção a uma administração pública gerencial. ... Nos Estados Unidos,
essa revolução ocorreu principalmente nos municípios e condados - revolução que o livro de
Osborne e Gaebler, Reinventando o Governo, descreve de forma tão expressiva. Era a
administração pública gerencial que estava surgindo, inspirada nos avanços realizados pela
administração de empresas."
3.4.4 O GERENCIALISMO BRASILEIRO
No Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), Bresser Pereira
discorre sobre a Administração Pública Gerencial:“A administração pública gerencial constitui um
avanço e até um certo ponto um rompimento com a administração pública burocrática. Isto não
significa, entretanto, que negue todos os seus princípios. Pelo contrário, a administração pública
gerencial está apoiada na anterior, da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus
princípios fundamentais, como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, a existência de um
sistema estruturado e universal de remuneração, as carreiras, a avaliação constante de
desempenho, o treinamento sistemático. A diferença fundamental está na forma de controle, que
deixa de basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados, e não na rigorosa
profissionalização da administração pública, que continua um princípio fundamental.”
“ Na administração pública gerencial a estratégia volta-se (1) para a definição precisa
dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade, (2) para a garantia de
autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros que lhe
forem colocados à disposição para que possa atingir os objetivos contratados, e (3) para o
controle ou cobrança a posteriori dos resultados. Adicionalmente, pratica-se a competição
administrada no interior do próprio Estado, quando há a possibilidade de estabelecer concorrência
entre unidades internas. No plano da estrutura organizacional, a descentralização e a redução dos
níveis hierárquicos tornam-se essenciais. Em suma, afirma-se que a administração pública deve
ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade
civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins).'
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“Na burocracia pública clássica existe uma noção muito clara e forte do interesse
público. A diferença, porém, está no entendimento do significado do interesse público, que não
pode ser confundido com o interesse do próprio Estado. Para a administração pública burocrática,
o interesse público é freqüentemente identificado com a afirmação do poder do Estado. Ao
atuarem sob este princípio, os administradores públicos terminam por direcionar uma parte
substancial das atividades e dos recursos do Estado para o atendimento das necessidades da
própria burocracia, identificada com o poder do Estado. O conteúdo das políticas públicas é
relegado a um segundo plano. A administração pública gerencial nega essa visão do interesse
público, relacionando-o com o interesse da coletividade e não com o do aparato do Estado.”
“A administração pública gerencial vê o cidadão como contribuinte de impostos e
como cliente dos seus serviços. Os resultados da ação do Estado são considerados bons não
porque os processos administrativos estão sob controle e são seguros, como quer a
administração pública burocrática, mas porque as necessidades do cidadão-cliente estão sendo
atendidas.”
“O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios da confiança e
da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas,
descentralização de funções, incentivos à criatividade. Contrapõe-se à ideologia do formalismo e
do rigor técnico da burocracia tradicional. À avaliação sistemática, à recompensa pelo
desempenho, e à capacitação permanente, que já eram características da boa administração
burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadão-cliente, do controle por
resultados, e da competição administrada.”
“No presente momento, uma visão realista da reconstrução do aparelho do Estado em
bases gerenciais deve levar em conta a necessidade de equacionar as assimetrias decorrentes da
persistência de aspectos patrimonialistas na administração contemporânea, bem como dos
excessos formais e anacronismos do modelo burocrático tradicional. Para isso, é fundamental ter
clara a dinâmica da administração racional-legal ou burocrática. Não se trata simplesmente de
descartá-la, mas sim de considerar os aspectos em que está superada, e as características que
ainda se mantêm válidas como formas de garantir efetividade à administração pública.”
“O modelo gerencial tornou-se realidade no mundo desenvolvido quando, através da
definição clara de objetivos para cada unidade da administração, da descentralização, da
mudança de estruturas organizacionais e da adoção de valores e de comportamentos modernos
no interior do Estado, se revelou mais capaz de promover o aumento da qualidade e da eficiência
dos serviços sociais oferecidos pelo setor público . A reforma do aparelho do Estado no Brasil
significará, fundamentalmente, a introdução na administração pública da cultura e das técnicas
gerenciais modernas.”
3.4.5 O ESTADO REGULADOR
Com a crise do Estado intervencionista (produtor de bens e serviços), do Estado de
bem-estar e à luz das doutrinas neoliberais, foi iniciado em todo mundo a partir dos anos 70 – no
Brasil tardiamente (anos 90) – o processo de diminuição do “tamanho” dos Estados. A
característica mais marcante dessa fase é a série de privatizações ocorridas no Brasil a partir dos
anos 90. Com a transferência da produção de bens e serviços para as mãos de particulares, num
mercado de concorrência muito pequena (Ex.: energia elétrica), tornou-se necessária, por parte do
Estado, a regulamentação e controle dessas atividades. Surgem, então, as Agências Reguladoras
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(ANP, ANATEL, ANEEL, etc.) com a função de regulamentar e supervisionar os serviços que
foram transferidos do Estado para a iniciativa privada.
O Estado regulador — caracterizado pela criação de agências reguladoras
independentes, pelas privatizações de empresas estatais, por terceirizações de funções
administrativas do Estado e pela regulação da economia segundo técnicas administrativas de
defesa da concorrência e correção de “falhas de mercado”,em substituição a políticas de
planejamento industrial — representou uma clara descentralização do poder do presidente da
República e de seus ministros, ao mesmo tempo em que se tentaram criar novos mecanismos
jurídico-institucionais de participação de diferentes setores da sociedade civil no controle
democrático do processo de formulação do conteúdo da regulação de setores da economia
brasileira. Tal processo ocorreu a partir do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso
como Presidente da República.
A criação de uma burocracia estatal para regulação de mercados — especialmente
centralizada no modelo de agências reguladoras independentes — marcou uma redefinição dos
canais de circulação de poder político para a formulação de políticas públicas para setores
estratégicos da economia, tais como os de telecomunicações, energia elétrica,gás e
petróleo,transportes,água e saneamento,saúde e medicamentos, seguros, etc. A formulação de
políticas setoriais, antes restrita aos gabinetes ministeriais, aos conselhos institucionalizados no
interior da burocracia estatal da administração direta, às decisões políticas do presidente da
República e ao jogo de barganhas políticas com o Congresso, passou a adotar critérios técnicos e
uma forma “negociada”, segundo procedimentos juridicamente institucionalizados,com o público
afetado pelas normas editadas pelas agências.
Todavia, o governo Lula procurou contestar e criticar especialmente o modelo de
burocracia estatal criado pelo governo FHC na forma das agências reguladoras independentes.
No início do primeiro mandato, em referência às competências das agências na negociação das
condições de reajustes de tarifas de serviços públicos (definidas nos contratos de concessão),Lula
declarou:“O Brasil foi terceirizado.As agências mandam no país.[...] As decisões que afetam a
população não passam pelo governo”.A essa declaração se seguiu uma série que culminou em
discussões públicas — amplamente divulgadas nos jornais ao longo de 2003 — sobre o modelo
de agências reguladoras adotado no Brasil e sua relação com o governo (administração direta).
Os resultados mais concretos dessas manifestações, até janeiro de 2004, foram dois
anteprojetos de lei do Poder Executivo submetidos à consulta pública pela Casa Civil da
Presidência da República e, posteriormente,transformados em projeto de lei enviado ao
Congresso.Além disso,cabe destacar também,como medida concreta, o decreto presidencial que,
no início de janeiro de 2004, demitiu o presidente da Anatel (Luiz Guilherme Schymura) e indicou
para o seu lugar um conselheiro ligado ao governo Lula, colocando em xeque a autonomia
decisória das agências reguladoras. Na prática, o projeto de lei que altera o modelo de agências
reguladoras tem como principal característica a criação de um mecanismo de subordinação das
decisões ao presidente da República (na forma de “contratos de gestão”). No entanto,não oferece
nenhum novo modelo jurídico-institucional para a ação do Estado no desenvolvimento de setores
da economia brasileira.
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3.5 RESUMO
Bresser Pereira resume a evolução da sociedade e do Estado no Brasil, tanto no
campo político como no administrativo: “Em síntese, no plano político transitamos do Estado
oligárquico ao Estado democrático (de elites); no administrativo, do Estado patrimonial ao Estado
gerencial; no plano social, da Sociedade Senhorial para a Sociedade Pós-Industrial. O Estado
autoritário-modernizador, o Estado burocrático, e a sociedade capitalista, que nesses três planos
duraram um longo tempo na Europa, foram aqui transições rápidas, próprias de um país que salta
etapas mas permanece subdesenvolvido, que se moderniza mas permanece atrasado porque
dual e injusto.”
Formas Históricas de Estado e Sociedade no Brasil
1821-1930 1930 - ... Início?
Sociedade Mercantil-
Senhorial
Capitalista
Industrial
Pós-
Industrial (?)
Estado (política) Oligárquico Autoritário Democrático
(1985)
Estado (administração) l Patrimonial Burocrático Gerencial
(1995)
NOTAS EXPLICATIVAS
1 - Definidas em função do interesse das próprias pessoas e não para satisfazer aos caprichos
arbitrários de um dirigente, ou seja, que procuram estabelecer coerência lógica entre os meios e
os fins/objetivos da organização
2 - Weber distinguiu três tipos de autoridade ou dominação: tradicional – transmitida por herança,
conservadora; carismática – baseada na devoção afetiva e pessoal e no arrebatamento emocional
dos seguidores em relação à pessoa do líder; racional legal ou burocrática – baseada em normas
legais racionalmente definidas e impostas a todos.
3 - Constituída de interações e relacionamentos sociais entre as pessoas e surge espontânea e
naturalmente, transcendendo a organização formal na duração (prolonga-se para além do horário
de trabalho), na localização (prolonga-se para fora do horário de trabalho) e nos assuntos
(transcende os assuntos ligados ao trabalho).
4 – Teoria da Escolha Pública (“public choice”) é um ramo da teoria econômica em que os
conceitos da economia de mercado são aplicados à política e aos serviços públicos. Os políticos e
os burocratas são vistos como agentes que têm como objetivo maximizar o seu bem estar, e não
como servidores altruístas do interesse público.
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20. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
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PROFESSOR EDUARDO FÁVERO
BIBLIOGRAFIA
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CHIAVENATO, Idalberto. Administração Geral e Pública. Rio de Janeiro: Elsevier,
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CURSO CATHEDRA
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