O documento discute o poder de conexão das palavras "e" e "que" na língua portuguesa. O "e" pode assumir valores adversativos, conclusivos, alternativos e concessivos, enquanto o "que" é usado em comparações, condicionais e outras funções. Exemplos de questões de provas são dados para ilustrar como esses conectores podem ser mal interpretados se seu valor semântico não for compreendido no contexto.
1. O poder de sedução do "e" e do "que"
Como sabemos, é preciso estar conectado, mas também sabemos que isso não basta, temos mesmo é
de estar "bem" conectados. Dessa forma, saber como e com o que conectar é importante.
Nossa língua oferece muitos mecanismos para isso,e entre esses mecanismos está a conjunção "e".
Assim como o "que" é um conector que nos atrai muito, a conjunção "e" é muito prestigiada. Isso ocorre, pois
tanto um como o outro são conectores por excelência.
O "que", além de desempenhar papel de pronome relativo e de conjunção subordinativa integrante, é
também base das locuções de conjunção, conjunção subordinativa e coordenativa, assumindo diversos valores,
vejamos:
a) comparativo: Falam mais que papagaio.
b) adversativo: Apresente outro projeto que não esse.
c) aditivo: Mexe que mexe.
d) concessivo: Sensual que fosse, não o conquistava!
e) condicional: Que ela viesse aqui, resolveríamos tudo muito rápido!
O "e", apesar de sua classificação de conjunção coordenativa aditiva, é polissêmico, ou seja, pode
assumir diversos valores semânticos:
a) adversativo = Estudou, e não passou.
b) conclusivo/ consecutivo = Estudou bastante, e passou.
c) alternativo = Estudar e ficar à toa, o que fazer?
d) concessivo = Foi aprovado, e conseguiu boa pontuação.
O conectivo "e" pode também ser palavra denotativa, expressando ideia de
a) assunto = E ele? Por que não veio? - notem a retomada de assunto que fez o interlocutor nesse exemplo;
b) explicação enfática = Você sabe que mereço, e muito!
Devido a essa variedade de função e sentido, os dois são os queridinhos de muita gente, afinal, basta
empregá-los em um contexto e a "ligação" entre as partes estará feita. É por isso que, no momento em que se vai
escrever, é preciso que se tenha cuidado para não empregá-los em exagero. Ao utilizá-los em demasia, além de a
pessoa mostrar falta de conhecimento de vocabulário, revelar pouca habilidade para fazer coesão e empobrecer
seu texto, é possível, ainda, que ela estabeleça uma relação incoerente com esses conectores.
Notem como isso pode "judiar" de vocês tanto em redação como em prova objetiva. Vejam as questões
que seguem:
2. (CESPE - 2007 - TRT-9R - Analista Judiciário)
Na linha 9, a preposição de, em "do que", introduz o segundo termo de uma comparação iniciada com "mais
capaz de".
"... Se pensarmos no que está à nossa volta, na América do Sul, então, mais ainda. Mesmo quando é bem
informado, o brasileiro típico se mostra mais capaz de dar notícia do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos
da América do que em qualquer de nossos vizinhos. "
Observem ser até possível a maioria entender que o fragmento "do que ocorre na Europa e nos Estados
Unidos da América" não seja, de fato, o segundo termo da comparação iniciada por "mais capaz de", mas que é
difícil identificar, no texto, o segundo termo da comparação e entender essa continuidade do trecho do texto,
isso é! A elaboração deixa a desejar, e é claro que o examinador aproveitou-se disso.
Afinal, o que o segmento representa no texto, se não é o segundo elemento da comparação? É
complemento de "notícia": "...ser capaz de dar notícia daquilo / que (pronome relativo) ocorre na Europa e nos
Estados Unidos da América..."
O segundo elemento da comparação mesmo está em "do que em qualquer de nossos vizinhos." =
"mais capaz de dar notícia do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos da América
do que (é capaz de dar notícia do que ocorre) em qualquer de nossos vizinhos."
(FCC - CASA CIVIL - Executivo Público - abril/2010)
Gostaria de propor algumas hipóteses sobre as formas de complô, sobre as intrigas e os grupos que se
constituem para planejar ações paralelas e sociedades alternativas.
(linha 5) Em princípio, o complô supõe uma conjuração e é ilegal porque secreto; sua ameaça implícita não
deve ser (linha 7) atribuída à simples periculosidade de seus métodos, mas ao caráter clandestino de sua
organização. Como política, postula a seita, a infiltração, a invisibilidade.
(linha 10) Muitas vezes, o próprio relato de um complô faz parte do complô, e assim temos uma relação
concreta entre narração e ameaça. De fato, podemos ver o complô como uma ficção potencial, uma intriga que se
trama e circula, e cuja realidade é sempre duvidosa. O excesso de informação produz um efeito paradoxal, o que
não se sabe passa a ser a chave da notícia. (linhas 15 e 16) O que não se sabe, em um mundo onde tudo se sabe,
obriga a buscar a chave escondida que permita decifrar a realidade.
(Ricardo Piglia. Teoria do complô. In: Serrote, revista de ensaios, ideias e literatura. São Paulo: Instituto Moreira Salles, n. 2, jul 2009, p. 97)
Atenção aos itens A e C.
A alteração que mantém o sentido e a correção originais é a de
(A) e (linha 5) por “mas”.
(B) à simples periculosidade de seus métodos (linha 7) por “à simples perigos advindos de seus métodos”.
(C) mas (linha 7) por “e sim”.
(D) Muitas vezes (linha 10) por “Intermitentemente”.
(E) o que não se sabe (linhas 15 e 16) por “o efeito que não se conhece”.
Notem que a questão cobra exatamente o valor do "e" aditivo,na linha5 e, por isso, não pode ser
substituído pelo "mas" neste contexto, e o adversativo, na linha 7, que aqui é reforçado pelo "sim" em contraste
ao "não" da oração anterior - não deve ser atribuída à simples periculosidade de seus métodos, o que permite a
substituição do "mas". Essas percepções semânticas só são possíveis com a análise do contexto. Sendo assim, o
gabarito é a letra c.
3. Vejam este outro exemplo: Temos dois braços e uma cabeça e somos donos do mundo! Como o "e" tanto
pode associar termos, palavras como também orações, enunciados, sintagmas, para entendermos o que os "es"
estão relacionando no texto de exemplo, será preciso pensar no sentido da frase, o qual acabará se apresentando
devido à elaboração do fragmento. A redação feita tem coerência, lógica: primeiro, foram somados "dois braços"
e "uma cabeça" - que são termos de mesma ordem gramatical, dois substantivos numerados -; depois, foram
somadas as orações "Temos... e somos ..." - que também são de mesma ordem gramatical - duas orações com
verbos e respectivos complementos. Podemos dizer que existe uma hierarquia sintática aí: primeiro, somam-se os
menores e, depois, os maiores.
Não deixem de observar esses detalhes na formação dos períodos, dos períodos compostos, dos
parágrafos, dos textos, enfim; pois trata-se de um assunto muito cobrado em prova ultimamente.
Que confusão eles podem fazer! Com esses dois realmente não se brinca.
Bons estudos, pessoal! E até mais.
Professora Luciane Sartori
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