1. A escola e a leitura da literatura
Regina Zilberman
A literatura viabiliza algo que de outro modo
seria impossível: ler a cultura.
Wolfgang Iser
A adoção da escrita decorreu primeiramente de práticas econômicas.
Na Suméria do quarto milênio antes da Era Cristã,
letras em formato de cunha fixadas em tabuletas de
argila registravam, segundo Henri-Jean Martin, "o
movimento de bens"1. Mateo Maciá observa, na
mesma direção, que "um dos elementos-chave no
aparecimento da escrita são as marcas de
propriedade"2. José Martínez de Souza complementa:
Os acádios usaram-na [a escrita cuneiforme] nos
milênios IV e III a.c. como simples procedimento
memorístico aplicado aos negócios; mais tarde, até
o ano 2600 a.c., para a redação de contratos, e
depois no campo jurídico; ao finalizar o terceiro
milênio a.c. foi empregada nas atividades religiosas
e literárias.3
As práticas jurídicas, religiosas e literárias aparecem na sequência do
uso da escrita como registro da propriedade. Essas novas práticas, por sua
vez, supõem a intermediação de uma instituição - a escola, conforme
destaca Itamar Even-Zohar. Para esse estudioso dos bens culturais, os
povos sumérios, os mesmos que se situam na origem da escrita, adotaram a
reprodução dos textos canônicos, vinculados às práticas religiosas,
requerendo, para tanto, a proposição da escola enquanto entidade
encarregada dessa função:
Já na Suméria, através da escola (é-dubba), emergiu - talvez
pela primeira vez na história da humanidade - a instituição
dos textos canônicos, e com eles a importância das pessoas
capazes de reproduzi-los.
Assim, se as práticas econômicas encontram-se na origem da escrita,
as práticas religiosas, a que se vinculam as literárias e jurídicas, determinam
a organização da escola, que se encarregará da difusão daquela ferramenta
da linguagem verbal. A escola será dominada pelos religiosos, e seus
frequentadores comungarão os ideais sagrados de que a escrita igualmente
se reveste entre seus usuários. A utilização da escrita supõe, em todos os
casos, o domínio de seu código, porque não se trata apenas de produzir
textos, mas de entendê-los. À escrita associa-se a leitura, colocando-se a
escola como o espaço de sua aprendizagem, domínio e uso, conforme uma
1