1) O relatório do FMI prevê cortes drásticos nas pensões, salários e funcionários públicos em Portugal para cortar 4 mil milhões de euros anuais na despesa.
2) O autor argumenta que estes cortes radicais propostos pelo FMI são social e politicamente impossíveis numa democracia, podendo levar o país à ingovernabilidade.
3) A oposição e figuras do PSD e CDS criticam o relatório do FMI, enquanto apoiantes do antigo regime ditatorial de Salazar elogiam a sua austeridade financeira,
1. OPINIÃO Relatório totalitário
José Miguel Sardica
Professor da Universidade Católica Portuguesa
O apocalíptico relatório do FMI divulgado na se- democracia, com direito à opinião, à indignação,
mana passada caiu como uma bomba em Portu- ao protesto, à greve, a exprimir desagrado e des-
gal. Parece que a versão inicial do documento contentamento, com sindicatos organizados, com
era ainda mais drástica do que a que a imprensa jornais que escrevem o que querem, com fazedo-
divulgou, em mais uma falha de comunicação do res de opinião que dizem o que sentem e que fa-
Governo. O que veio a público é no entanto sufi- zem agenda e mobilização. Habituámo-nos a um
ciente para alarmar todos: cortes permanentes padrão de vida e é humano e natural, porque a
de 15% a 20% nas pensões e salários, aumento da democracia consciencializou as pessoas e melho-
idade da reforma, supressão definitiva dos 13.º e rou as suas vidas, não o querermos perder. O que
PÁG. 14.º meses (ou indexação dos mesmos ao PIB), re- quero dizer com isto é que a magnitude, a bruta-
03
dução de uns 100 mil funcionários públicos e nova lidade, o radicalismo dos cortes que o FMI sugere
vaga de aumentos, tudo para cortar em definitivo e que o governo irá, ou não, executar na íntegra
4 mil milhões de euros anuais na despesa públi- é de tal ordem que não é realizável em demo-
ca. Tão depressa como chegou, o relatório do FMI cracia. O verdadeiro dilema é afinal tão simples
tornou-se logo um enjeitado. A oposição vai fazer- e tão aterrador quanto este. Nenhum plano de
lhe guerra aberta, os barões do PSD já abriram a ajustamento extremista resistirá ao vendaval de
trincheira da crítica e o CDS já veio dizer que o contestação que aí vem, numa escalada de ten-
documento é um simples parecer “técnico” e que são e de proto-desobediência civil que tornarão o
o Governo (ou seja, Vítor Gaspar) terá de ter em país ingovernável. Mais do que inconstitucional,
conta o que é política e socialmente razoável. o plano do FMI é socialmente suicidário e politi-
Percebe-se o incómodo que reina nas cúpulas do camente impossível – a não ser… em ditadura. Os
poder – e por poder entendo aqui os partidos di- saudosistas do defunto Estado Novo gostam mui-
tos do arco da governação, com os seus barões to de lembrar os méritos de Salazar como “mago
e comentadores e também o Presidente da Re- das finanças” e a forma salvífica como o sábio de
pública, ou seja, todos os que em alguma altura Coimbra resgatou os portugueses do caos e os
e de alguma maneira ocuparam cargos políticos reeducou na ordem, oferecendo à nação o equi-
no Portugal europeu. É um incómodo duplo – por líbrio das contas públicas depois da “balbúrdia”
aquilo que o relatório do FMI revela e por aquilo republicana. Terá sido assim, numa versão sim-
que ele implica. O que o documento revela é o plista da história. Esquecem-se de salientar que
absoluto desvario com que o país foi governado, à Salazar pôde fazer o que fez porque não tinha a
vez, por PSD, CDS e PS até ao aperto para que to- democracia à porta de São Bento. Não é “mago
dos eles nos lançaram. Lida sem paixões, a prosa das finanças” quem quer, mas quem pode. E como
do FMI é o maior libelo acusatório jamais feito à tenho para mim que a democracia é insubstituí-
classe política portuguesa. Mas é mais do que isso vel, convém que os culpados do pântano – todos
– e o mais é sombrio. Vivemos, felizmente, em eles – percebam que não podem tudo.
Leilão de dívida
Portugal foi buscar 2.500 milhões e pagou menos juros
O Tesouro português colocou, esta manhã, 2.500 mi- euros, com a taxa de juro média a fixar-se nos 0,667%,
lhões de euros em dívida a três, doze e dezoito meses contra 1,936% de juro fixado na última colocação a três
pagando taxas de juro consideravelmente mais baixas meses, realizada a 21 de Novembro do ano passado.
do que nas últimas operações para colocar dívida com No prazo a 12 meses, Portugal colocou 1.200 milhões
prazos semelhantes. de euros, com a taxa de juro a fixar-se nos 1,609%, o
Segundo a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida que compara com 2,101% fixados a 17 de Outubro.
Pública, as taxas de juro chegaram a cair mais de um Nos Bilhetes de Tesouro com prazo a 18 meses, Portugal
ponto percentual na maturidade mais longa, 18 meses, conseguiu colocar mil milhões de euros, pagando uma
e ficar em quase um terço no prazo mais curto. taxa de juro média de 1,963%, abaixo dos 2,99% regis-
No prazo a três meses, Portugal colocou 300 milhões de tados no leilão de 21 de Novembro.
r/com renascença comunicação multimédia, 2013