1. OPINIÃO Os rapazes da Normandia
José Miguel Sardica
Professor da Universidade Católica Portuguesa
Há dias revi no YouTube o vídeo de um dos mais cé- extremismos e os desempregados são facilmente re-
lebres discursos do século XX, proferido por um dos crutáveis para “tropa de choque” dos radicais de toda
políticos que mais jeito tinha para dizer coisas es- a espécie. Foi assim no “vale escuro” da década de
senciais de forma muito simples, captando como 1930, quando a maioria das ditaduras sucumbiu, inca-
poucos a atenção dos que o ouviam. É o discurso de paz de resolver a pesada agenda emergente nos anos
Ronald Reagan, o antigo Presidente norte-americano, entre guerras. O fenómeno pode repetir-se? Os analis-
proferido em Pointe du Hoc, na Normandia, no dia 6 tas políticos e os historiadores dividem-se, mas ainda
de Junho de 1984, no quadragésimo aniversário do muito recentemente Rob Riemen lembrou, num pe-
desembarque das forças aliadas no norte de França, queno ensaio intitulado “O Eterno Retorno do Fascis-
PÁG. a caminho de Paris, de Berlim e da vitória das demo- mo”, que, reunidas algumas condições substanciais,
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cracias sobre o totalitarismo nazi alemão. Foi há 28 o resto – a chegada e triunfo do extremismo – é uma
anos, o que significa que se completam hoje 68 anos questão de encontrar a forma. Entre 1939 e 1945, a
sobre um dos momentos chave da II Guerra Mundial. reconquista do primado democrático na maior parte
Reagan homenageou os “rapazes de Pointe du Hoc” da Europa custou quase 60 milhões de mortos.
– alguns, já idosos, estavam diante dele a ouvi-lo – Foi há muito tempo? Não foi assim há tanto. A II Guer-
e perguntou-se o que levara jovens americanos e de ra fez-se para que pudesse haver uma Europa nova
outras nacionalidades, na flor da idade e com a vida para as gerações que se lhe seguiram. Encerrados na
inteira diante de si, a lutarem, e muitos a morre- vertigem do presente, em corredores de burocratas,
rem, para conquistar aquela ventosa praia. Fora “fé” entre cimeiras de faz-de-conta e planos de não se
e “crença”, “lealdade” e “amor”; sobretudo, fora a sabe o quê, os pequenos europeus que nos governam
certeza de que a democracia era um estado de coi- precisariam de saber ver tão simplesmente como os
sas “pelo qual valia a pena morrer”, como “a mais rapazes de Pointe du Hoc: pela democracia (que é a
honrosa forma de governo alguma vez imaginada pela essência definidora da Europa democrática em que
espécie humana”. nascemos e vivemos), há que agir depressa e bem.
Ontem, como hoje – e não defendendo que estamos A crise das dívidas, do euro, da austeridade ou como
hoje como se estava então – a escolha entre a demo- lhe queiram chamar, tem de ter uma resposta polí-
cracia e os seus inimigos é um acto político. Mas a tica. Não é uma fatalidade cósmica que nos caiu em
saúde e a sobrevivência daquela não passam só pela cima. Se quem nos governa for clarividente, corajoso
política. Não fora o brutal impacto na Alemanha da e exemplar saberá encontrar um caminho. Afinal, o
depressão económica iniciada com o crash bolsista de adversário diante de nós é bem menos tenebroso do
1929 nos Estados Unidos e talvez Hitler nunca tives- que o que esperava os destemidos que desembarca-
se chegado ao poder. As crises favorecem sempre os ram na Normandia em 1944.
legislação era bem mais flexível do que se imaginava.
Visões e previsões Vale a pena voltar aos estudos do Banco de Portugal
O Banco de Portugal, nas suas previsões de Primave- que vieram reconhecer, ainda há 15 dias, que “a evi-
ra, apontava para uma quebra brutal do emprego (de dência aponta para uma dinâmica do mercado de tra-
3,6%!) suficiente para colocar a taxa de desemprego balho superior à da maioria dos países da Zona Euro”.
muito perto dos 16% já este ano. O Governo, por essa Claro que esta flexibilidade se dá sobretudo no mer-
altura, ainda se dizia convencido de que a previsão cado da contratação jovem, mas é mais um dado para
correcta era de 13,4%. contrariar os velhos mitos do receituário da troika.
No princípio de Maio, depois de meses com o desem- Insistir na necessidade de desproteger ainda mais os
prego real a passar dos 15%, as Finanças ainda insis- trabalhadores, reduzindo-lhes os salários, na esperan-
tiam numa previsão muito inferior e garantiam que ça de com isso forçar a competitividade, não é apenas
em 2013 o desemprego já estaria a descer… um erro no presente, é repetir os falhanços do passado
Nos últimos dias, o Governo veio finalmente admitir e comprometer o futuro. Portugal nunca será compe-
que não será assim e, pelo contrário, o desemprego titivo por essa via. Isso só nos afastará do modelo que
vai continuar a subir, rondando os 16% no próximo ano. Vítor Gaspar diz defender para futuro: um país com
Um número de que não há memória em Portugal. bons empregos e altos salários.
O disparo fez-se muito antes da entrada em vigor do
novo Código do Trabalho, provando que afinal a velha
Graça Franco
r/com renascença comunicação multimédia, 2012