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 OPINIãO

 Não somos ga (a decendo a
              do. gra       s
 pa vra de Teodora rdoso e D.
   la s            Ca
 Januário Torgal)
 08 Junho 2012 | 12:14
 Nicolau do ValePais -


 As últimas duas semanas produziram toneladas de lixo mediático, como é habitual.
 As últimas duas semanas produziram toneladas de lixo mediático, como é habitual. Se a troika se
 lembrasse de criar um imposto sobre a tralha que nos assoberba, talvez resolvêssemos, então, a dívida...
 Pela capacidade política não vamos lá, de certeza - preparem esses ossos.

 No meio deste mar de indiferença, frivolidade, e algum cinismo, surgem as declarações de Teodora
 Cardoso, Presidente do Conselho de Finanças Públicas, e de D. Januário Torgal, Bispo das Forças Armadas.
 E o que disseram, então, que possa ter causado inusitada indignação a figuras como a jornalista Maria João
 Avillez, ou feito resfolgar António Borges, que, imprudente, nos deu finalmente a conhecer o seu sonho de
 desenvolvimento neo-soviético para Portugal? Nada de especial. Não foi o que disseram, mas como
 disseram, e, sobretudo - e esta foi a parte ao arrepio do "prato do costume" que mais me agradou - a
 absolutamente descomprometida independência cívica com que o fizeram. Desinteressados, separaram
 responsabilidade pública de responsabilidade individual, Estado de particulares, país de partidos. Não é
 preciso sequer concordar para gostar da transparência destas declarações; quem precisa de unanimidade e
 concordância para chegar ao pasto é o gado. E nós não somos gado.

 Teodora Cardoso falou do Terceiro Mundo sem léria ideológica. O modelo de permanente redução salarial
 não só é insustentável a médio prazo, como os resultados da sua erosão no poder de compra e coesão
 social são depauperantes a nível das receitas fiscais e explosivos ao nível da estabilidade social. De
 permeio, não se esqueceu do Citigroup, banco americano cujas influências lobistas têm sido nefastas para
 a República Portuguesa, e lembrou a qualificação como caminho para a competitividade, ao invés da via
 terceiro mundista do empobrecimento. Mostrando-se com pedagógico optimismo, salientou que teremos de
 "pensar pela própria cabeça e não fazer só o que nos mandam".

 Já D. Januário Torgal, Bispo das Forças Armadas, saiu em defesa da dignidade dos Portugueses ao dizer o
 evidente: que é absolutamente chocante a forma como o primeiro-ministro paternalizou os cidadãos que
 supostamente representa, ao agradecer-lhes o "esforço" como se de empregados de uma empresa se
 tratassem. Depois de falar do conforto da zona do desemprego ou da solução mágica da emigração, Passos
 vem agora agradecer aos Portugueses num estilo Presidencialista, que foi a forma que encontrou para
 esconder a sua própria mediocridade programática e política; e esta falsa prudência, esta mudança de tom
 súbita a roçar a hipocrisia, tem, pelo meio, o aparecimento de três dados fundamentais:



 - O caso Relvas, monumento sombrio à vida dos partidos em Portugal;
 - O ajuste súbito do défice e correcção do nível da receita altamente desfavorável ao Governo (refiro-me às
 correcções anunciadas dia 31 de Maio pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental), que fazem prova da
 completa ineficácia política da austeridade no que toca a qualquer hipótese de recuperação económica;
 - O tombo de cerca de 10% nas sondagens para o Governo.



 D. Januário está legitimado e inspirado pela história recente, nomeadamente por esse documento que
 deveria estar emoldurado nas paredes de todas as escolas públicas em Portugal, que é a carta de D.
 António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, a António Oliveira Salazar, redigida a 30 dias das eleições de
 1958, que, depois de falsificadas, conduziriam ao posterior assassinato de Humberto Delgado. É uma carta
 sobre a desumanidade da fome e da subjugação, que Pedro Passos Coelho deveria ler, ao invés de nos
 tentar alimentar com amendoins e bananas; poupava-se assim a essa figura prazenteira e frágil de, como
 um provinciano, olhar para dentro de uma jaula e achar que já percebeu a selva por detrás das grades.




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