Debate sobre o futuro do euro após a crise da Grécia e os riscos de desintegração da zona do euro
1. INTERNACIONAL
Debate na Renascença
“Fukushima monetário” precipita fim do euro?
» José Bastos
ropeus são muitíssimo inferiores aos créditos da Gré-
Fórum Mundial de Davos, Janeiro de 2009. A economia cia. A Grécia não vai conseguir pagar. É impossível à
recupera do susto causado pela falência do Leehman Grécia conseguir pagar aqueles créditos e, portanto,
Brothers. Nesses dias, em contra-corrente, dois eco- qualquer pequeno perdão que se conceda vai limpar
nomistas Ken Rogoff, de Harvard, e Wim Buiter, do esses capitais próprios dos bancos centrais. Tenho di-
Citigroup, alertam para o risco da crise bancária se ficuldade em perceber porque é que este tema não
transformar em crise económica e, a seguir, vir uma é referido. Talvez por não ser demasiado agradável”
fenomenal crise de dívida pública, dessas que se dão afirma o economista.
uma vez em cada século. Para Luciano Amaral, o eventual fim do euro constitui-
Rogoff e Buiter antecipam que os EUA vão contornar rá “um grande retrocesso”.
a tempestade, porque a Reserva Federal fará o ne- “A confirmar-se esse cenário, a construção desta
cessário, lançando dinheiro de um helicóptero, se ne- união monetária terá sido um passo maior que a per-
cessário, mas que a Europa se afundará num pântano, na. Podemos ter um pequeno exemplo das tensões
vítima de uma Banco Central incapaz de reagir contra que poderá criar: quando a Islândia desvalorizou a
PÁG. os dogmas, um governo económico ausente e de uma
crise económica que é também ideológica. Sobrevi-
sua moeda, criou controlo de capitais para evitar a
fuga, o que aconteceu? Deixou de pagar aos credores
08 rá, então, o momento em que a Alemanha terá de
assumir se quer salvar o euro e esta versão de União
Europeia.
Já chegou este momento antecipado, entre outros,
externos. Isto é: todos aqueles bancos que estavam
altamente endividados deixaram de pagar aos bancos
ingleses e holandeses. Foi enorme o grau de recrimi-
nação que existiu na altura contra a Islândia, um país
em Janeiro de 2008, por Ken Rogoff e Wim Buiter? de 300 mil pessoas. Com este quadro de ‘pequeno
Pedro Braz Teixeira, que foi adjunto da então ministra país vs potência europeia’, imaginar este cenário re-
das Finanças Manuela Ferreira Leite e investigador do produzido à escala de vários países europeus é, real-
NECEP, Núcleo de Estudos Económicos da Universidade mente, muito complicado” afirmou o especialista em
Católica, e Luciano Amaral, professor da Faculdade História Económica.
de Economia da Universidade Nova de Lisboa, analisa-
ram o futuro da moeda única no espaço de debate de “Fukushima monetário”
domngo, entre as 12h00 e as 13h00, na Renascença.
Luciano Amaral sustentou a tese de que “as soluções “Um cenário com os alemães a assistirem à falência
que estão a ser seguidas apenas adiam a união orça- do Bundesbank, um dos mais simbólicos pilares da sua
mental ou a desagregação”. estrutura pública, política e cultural do pós-guerra,
“Qual é o problema da união bancária?”, questionou irá provocar um choque profundo. Já alguém desig-
o docente da Nova, para responder: “A Alemanha sus- nou este quadro como um ‘Fukushima monetário’. Ou
peita, e todos nós já percebemos que é assim, que a seja: quando surgiu o desastre nuclear no Japão em
união bancária, em última instância, é uma espécie poucos dias a opinião pública alemã mudou a sua opi-
de união orçamental por via escondida, porque o me- nião face ao nuclear. O governo de Merkel foi obrigado
canismo de estabilidade europeu é baseado nos orça- a rever completamente a sua política face à energia
mentos nacionais. A tensão do momento, na Europa, é nuclear. Uma queda do Bundesbank pode levar o go-
entre a força para a união orçamental e a força para a verno alemão a mudar radicalmente a sua visão face
separação destes países. A actual via intermédia que ao Euro e dizer ‘acabou, vamos sair do Euro’”, receia
está a ser seguida pelas autoridades é apenas um adia- Braz Teixeira, numa lógica que antecipa o fim da mo-
mento da aplicação de uma destas duas soluções”. eda única.
“No Orçamento Federal, o cenário seria a Alemanha O economista não compromete a opinião do fim do
e outros países serem contribuintes líquidos de Portu- euro com limites temporais, mas não acredita na
gal, da Grécia e de outros países. Esse quadro é politi- integração orçamental. “O que a Europa tem como
camente impossível. Como convencer um mineiro ale- solução é um fim ordenado do euro ou um fim desor-
mão, um agricultor alemão, um operário a contribuir denado e caótico. Acho que são as duas hipóteses que
para a Grécia, que é considerada - com razão - um existem, porque não há condições políticas de cons-
poço sem fundo? Para o eleitorado alemão é difícil truir a integração política, orçamental, bancária. Não
perceber. Julgo que a Europa enfrenta sérios riscos prevejo nenhum calendário, mas gostava muito que se
de desagregação”, defendeu, por sua vez, Pedro Braz estivesse já a preparar o fim ordenado do Euro”.
Teixeira, autor do livro “O fim do euro em Portugal”. No quadro das responsabilidades a apurar no cenário
Braz Teixeira não acredita na suavização dos efeitos limite do fim da moeda única, Luciano Amaral iden-
do ‘adeus’ da Grécia ao Euro. “É impossível criar um tifica um velho problema fundado num certo arbítrio
muro de protecção à volta da Grécia. Entendo que a típico da construção europeia. “Não houve, propria-
saída da Grécia da Zona Euro irá levar – devido aos cré- mente, uma intenção deliberada de criar uma coisa
ditos que tem – à falência de todos os bancos centrais horrível. Houve um voluntarismo inicial em criar uma
da Zona Euro. Em particular, do Bundesbank. Quan- determinada estrutura institucional, pensando, como
do os alemães virem que o seu querido Bundesbank se faz muitas vezes na Europa, ‘faz-se e, depois, sur-
faliu, devido à Grécia, imagine-se como irão reagir. ge aparecer a solução’. É a teoria das crises: faz-se e
Não consigo perceber porque é que este cenário não é depois há-de aparecer um problema e resolve-se, na
abordado. Os capitais próprios dos bancos centrais eu- altura, porque tudo se resolve na Europa’”.
r/com renascença comunicação multimédia, 2012