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Gragoatá Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012
1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17
A invenção do monolinguismo
e da língua nacional
Henrique Monteagudo (Instituto da Língua Galega, Universidade de Santiago de Compostela)
Resumo
O monolinguismo social, longe de ser um fenô-
meno espontâneo, frequentemente é o resultado de
uma série de operações glotopolíticas de homoge-
neização de populações falantes de várias línguas,
um resultado que é mantido artificialmente pelo
Estado. O artigo mostra como esses processos
históricos se vinculam à emergência dos Estados-
-nação e das Nações-estado que se forjaram na
Europa a partir do século XVIII, ao tempo que se
espalhava a ideologia da ‘língua nacional’.
Palavras-chave: Sociolinguística; Política lin-
guística; Nacionalismo; Bilinguismo.
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Gragoatá Henrique Monteagudo
1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17
No prólogo à sua conhecida obra Bilingualism, a sociolinguis-
taSuzanneRomaine(1995)fazumaobservaçãosobreaestranheza
quecausariaumamonografiaintituladaMonolingualism(cf.Ellis,
2008). Por que pareceria estranho um volume de estudos sobre o
monolinguismo e, em troca, a ninguém chama a atenção o título
Bilinguismo na capa do livro? Porque existe um modelo norma-
tivo, tacitamente aceito e profundamente interiorizado, segundo o
qualomonolinguismoéonatural,onormal,oesperável,enquanto
o bilinguismo (ou o plurilinguismo) é o especial, o excepcional,
o anômalo: a condição monolíngue não requer qualquer tipo de
explicação, ao contrário, a condição bilíngue exige uma justifica-
ção e justifica uma pesquisa, inclusivamente um diagnóstico, ao
menos em alguns casos.
O caráter reconhecidamente ‘normal’ do monolinguismo
dos indivíduos constitui o correlato subjetivo da conceituação
geralmente admitida como ‘normal’ do monolinguismo plu-
ri-individual – ou melhor, coletivo. Se o indivíduo é / deve ser
‘idealmente’ monolíngue, é porque a formação social básica a que
pertence também é / deve ser assim.
Ora, se o monolinguismo é o normal, resultam lógicas
perguntas do tipo como é que chega um indivíduo a ser bilíngue? E
não menos lógicas outras do tipo como é que chega uma coletividade
a ser bilíngue? O suposto de base é: todo o indivíduo e toda a
comunidade nascem monolíngues e só alguns/algumas se fazem
bilíngues. Daí também o desconcerto do indivíduo monolíngue
perante o bilíngue, que chega até o extremo de perguntar coisas
como: por que te empenhas em falar galego? Como se falar esta língua
fosse expressão de uma espécie de estranha mania, e não um fato
simplesmentenaturalparaaspessoasqueaaprendemosaotempo
que começamos a falar, e que a partir daí a utilizamos com uma
série de pessoas com que nos relacionamos de jeito mais ou menos
frequente (incluindo os nossos pais, irmãos, cônjuges e filhos).
Dada a minha condição pessoal de bilíngue, consequência
de me ter criado em ambientes em que circulavam correntemente
duas línguas em estreito contato (galego e castelhano), vou-me
situar, a efeitos de introduzir o assunto que nos ocupa, na pers-
pectiva justamente inversa à expressada no parágrafo anterior.
Assim, vou fazer estas duas perguntas: como é que se consegue
que os indivíduos se façam monolíngues? Evidentemente, criando
meios sociais monolíngues. Pois bem, como é que se consegue
criar ambientes sociais monolíngues?
Estas perguntas podem parecer escusadas, mas se o podem
parecer,istosedevesimplesmenteaqueestamosmergulhadosem
uma cultura linguística1
(num autêntico paradigma ou, seguindo
Foucault, epistemé) em que o monolinguismo foi construído e
instaurado como a situação normal. Na verdade, a pouco que per-
corramos a história da própria civilização ocidental e reparemos
no que acontece hoje mesmo ao longo do planeta, chegaremos à
1
Para a noção de
cultura, lingüística,
veja-se Schiffman
1996.
45
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A invenção do monolinguismo e da língua nacional
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conclusão de que o bilinguismo e o plurilinguismo não são, de
maneira nenhuma, fenômenos extraordinários.
Por sinal, na Roma antiga, as elites eram bilíngues, pois não
havia cidadão romano culto que não soubesse ler e falar em grego,
que, além disso, era a língua comum ou franca em toda a metade
oriental do Império (PALMER, 1984). Na Europa centro-ocidental
do medievo os clerici ou letrados eram necessariamente bilíngues,
pois a língua culta era o latim (WOLF, 1982). Na realidade, na
medida em que o latim continuou a ser a língua da alta cultura,
os eruditos europeus foram obrigadamente bilíngues até o século
XVIII2
. A mesma Península Ibérica, por acaso no século XIII, era
uma região plurilíngue, com várias línguas escritas, duas delas
de ampla circulação (latim, só escrita, e árabe, falada e escrita),
outra com cultivo exclusivamente literário, mas procedente de
fora da Península Ibérica (o occitano), outra mais com uso ritual (o
hebreu), os diversos romances em pleno processo de emergência
como línguas escritas (galego-português, asturleonês, castelhano,
aragonês e catalão) e ainda o basco, carente de cultivo escrito. Não
esqueçamos da previsão testamentária de Afonso X, segundo a
qual no seu túmulo devia figurar uma inscrição em quatro lín-
guas: árabe, latim, hebreu e romance (MORENO FERNÁNDEZ,
2005, p. 65-124).
Com certeza, nos exemplos anteriores podem distinguir-se
diversos tipos de bilinguismo, que respondem a situações bem
diferentes. De uma parte, existe um bilinguismo de elite, que
se consegue mediante o aprendizado formal de uma língua
de cultura auxiliar, e que tradicionalmente estava reservado a
grupos sociais privilegiados, como era o caso da aristocracia
romana, os clérigos medievais ou os letrados da idade moder-
na. De outra parte, existe um bilinguismo social, que se produz
mediante o contato espontâneo entre falantes de várias línguas,
e que tipicamente corresponde à situações de coexistência de
duas línguas espalhadas em um mesmo território e/ou duas
comunidades linguísticas formando parte de uma mesma enti-
dade política, como podia ser o caso das variedades faladas do
árabe e do romance no centro e, sobretudo, no sul da península
durante a Idade Média.
Num sentido em certa maneira análogo ao dito, o mo-
nolinguismo pode se estudar no plano individual e no plano
social. Uma sociedade, comunidade ou país monolíngue é
aquele em que só uma língua é conhecida e usada pela ge-
neralidade dos seus membros. Ora, o que queremos mostrar
aqui é que o monolinguismo social, longe de ser um fenômeno
espontâneo, pode ser (e frequentemente é) o resultado de uma
série de operações glotopolíticas, mais ou menos deliberadas,
de homogeneização de populações falantes de várias línguas,
um resultado que, aliás, é mantido artificialmente pelos estados
mediante políticas de exclusão de línguas outras que a ‘oficial-
2
Pense-se que a
obra científica mais
i mp o r t a nt e de
Newton, Principia
Mathematica, está
escrita em latim;
veja-se Blair 1996 e
Pantin 1995, mais
em geral Burke
2004: 43-60.
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Gragoatá Henrique Monteagudo
1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17
mente’ reconhecida. Por outras palavras, contra o que pareceria
indicar o sentido comum (a doxa, usando o termo de Bourdieu),
o monolinguismo não é (ou não sempre) o estado natural das
coisas, mas é o resultado de processos muito complexos, e em
boa parte específicos da nossa civilização na época contempo-
rânea. Mais concretamente, tem muito a ver com a criação dos
estados nação de formato europeu, que são uns artefatos de
invenção relativamente recente.
Língua e identidade nacional na Europa contemporânea
Em tempos recentes, na bibliografia antropológica e so-
ciológica o vocábulo ‘invenção’ aparece em sintagmas tais como
‘invenção da tradição’ (The Invention of Tradition; veja-se Hobs-
bawm & Ranger (eds.) 1984) ou ‘invenção duma nação’ (como
em La invención de España; veja-se Fox, 1997), associado a certas
construções culturais ou políticas, em referência a processos que
se consideram típicos da modernidade, desenvolvidos a partir do
século XVIII. Neste contexto, o termo ‘invenção’ aparece utiliza-
do polemicamente nas controvérsias sobre a gênese das nações,
dos nacionalismos e das correspondentes identidades nacionais
européias (ou euro-americanas) modernas, por parte dos estu-
diosos que defendem pontos de vista construtivistas, e criticam
as posições primordialistas ou essencialistas3
.
Como é sabido, segundo os relatos tradicionais, as identi-
dades nacionais têm uma origem remota e, em todo o caso, num
momento da história passada (tipicamente, a Idade Média) fica-
ram fixadas num molde definitivo, que praticamente não sofreu
alterações substanciais ao longo da história posterior. Segundo
este ponto de vista, a nação, cada nação, tem séculos de existên-
cia, possui uma essência imutável e descansa em fundamentos
permanentes e objetivos: território, raça, psicologia coletiva ou
Volksgeist, unidade e originalidade cultural... Um destes funda-
mentos acostuma ser, tipicamente, a língua.
O construtivismo, ao contrário, propugna que as nações e as
correspondentes identidades nacionais são artefatos de fabricação
recente, resultados de processos característicos da modernidade,
relacionados com a construção de estados nacionais e com os cor-
respondentes processos de unificação de mercados e culturas, e
particularmente,resultantesdaelaboraçãodeespecíficastradições
culturais, linguísticas e literárias mediante processos, tecnologias
e meios de comunicação de invenção recente, apoiados na ação
de aparelhos educativos estato-nacionais, difusores de línguas
escritas estandardizadas graças à imprensa. Dentro do constru-
tivismo convivem pontos de vista mais radicais com outros mais
moderados, que correspondem, grosso modo, com as distintas
acepções do termo invenção.
3
O nacionalismo
é tema privilegia-
do de pesquisa nas
ciências sociais
contemporâneas.
Entre a ampla bi-
bliografia relevan-
te, selecionamos
alguns títulos que
nos resultaram
mais reveladores.
Entre os estudos
antigos mas ainda
úteis podemos citar
Weil (1961 [1938]) e
Kohn (1984 [1944]).
Referência obriga-
da entre os atuais
são Kedourie (1993
[1960]) e Smith (1976
[1971]). Especial-
mente úteis para
nós foram Gellner
(1988 [1983]), An-
derson (1991 [1983]),
Hobsbawn (1991
[1990]) e Thiesse
(1999). Damos entre
parênteses a data
da primeira edição
de cada obra. Uma
primeira aproxi-
mação nossa a esta
questão em Monte-
agudo (1999b).
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A invenção do monolinguismo e da língua nacional
1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17
Como é sabido, invenção procede do latim inventione, subs-
tantivo deverbal de invenire. Este verbo tem, já no latim, duas
acepções de base: a) produzir uma coisa nova, não previamente
existente; b) descobrir, tirar à luz algo que estava ignorado. Um
construtivista radical entende a ‘invenção da identidade nacional’
como um processo de produção de uma novidade sem muita base
real (ou inclusivamente com engano); e mesmo, em alguns casos,
a partir do nada. Um construtivista moderado a entende como
um processo de re-interpretação de elementos tradicionais pré-
existentes, elementos que ganham um novo sentido ao se articu-
larem uns com outros de um jeito novo, ou ao se incorporarem a
um contexto histórico e discursivo diferente. Quem escreve estas
linhas manifesta-se partidário da segunda linha de aproximação.
O que em todo o caso fica claro é que as identidades nacionais, as
nações, não são entidades decantadas na Idade Média, e menos
ainda entidades fixadas de uma vez e para sempre.
Em realidade, a invenção do monolinguismo é inseparável
da invenção do Estado-nação (e posteriormente, como veremos,
da nação-Estado). Para simplificarmos uma realidade histórica
notavelmente complexa, o estado-nação típico na Europa (ou, se
se prefere, o primeiro protótipo de estado-nação europeu) é o
construído segundo o modelo napoleônico. A sua aparição tem a
ver com a mudança de uma série de conceitos chave ao redor do
poder político e a sua legitimação: no Antigo Regime, o Monarca
era a personificação do estado, e recebia o poder diretamente de
Deus (ou, indiretamente, através do povo). O estado do antigo re-
gimeeraumestadopatrimonial,propriedadedadinastiareinante.
As fronteiras dos estados mudavam conforme as alianças,
matrimônios, conquistas ou compras dos seus monarcas, e em
muitos casos os domínios das monarquias mesmo eram terri-
torialmente descontínuos, e não só pela existência dos impérios
ultramarinos, mas também na mesma Europa. A lealdade dos
súditos a respeito dos monarcas e dos senhores era de tipo pes-
soal, tinha um fundamento religioso e comportava obrigas fiscais
e militares. Aliás, entre o monarca e os súditos se interpunham
frequentemente poderes intermédios, tais como os diversos sen-
horios nobiliários ou eclesiásticos. Nas ditas circunstâncias, nem
existiamascondiçõesnemanecessidadedeforjarumaconsciência
ouumaidentidadenacional,fundadanumacertahomogeneidade
de cultura, pela sua vez apoiada na unidade de língua.
O modelo napoleônico: um estado, uma nação, uma língua
As mudanças revolucionárias que trouxeram noções fabri-
cadas e difundidas ao longo dos séculos XVIII e XIX tais como
‘soberania nacional’, ‘governo do povo’, ‘igualdade dos cidadãos’
foram as que propiciaram a aparição de consciências nacionais.
Os revolucionários franceses se encontraram com a herança do
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Gragoatá Henrique Monteagudo
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estado dinástico francês, cujas fronteiras (europeias) eram o resul-
tado mais ou menos fortuito de aquisições, conquistas e alianças
das sucessivas dinastias que detiveram historicamente o trono da
França. No interior dessas fronteiras se falavam várias línguas
(tais como o bretão, o francês, o occitano, o basco, o catalão, o
italiano, diversas variedades germânicas, desde o alemão da
Alsácia até o flamengo passando pelo lorenês), e o idioma francês
era falado somente na região parisina, com as suas variedades
distribuídas pelas outras regiões do norte (normando, picardo,
champanhês, etc). A maioria da população era analfabeta, falava
dialetos locais da respectiva língua, e só uma minúscula porcen-
tagem sabia ler e falar do francês cultivado. Aproximadamente
doisterçosdessapopulaçãofalavamvariedadesdelínguasoutras
que o francês.
Os revolucionários fundaram a ideia de nação nos princí-
pios de soberania popular e igualdade dos cidadãos, mas ao mes-
mo tempo decidiram que os franceses constituíam uma nação,
e para fazer realidade os ditos princípios, a nação devia ter uma
cultura homogênea exprimida numa língua comum. Da noção
de ‘estado francês’ (que correspondia ao velho estado dinástico,
multi-étnico e plurilíngue) passou-se à noção de ‘nação france-
sa’, e essa nação devia se exprimir na única língua nacional, a
língua francesa. Dessa maneira, empreendeu-se um processo de
‘etnicização do estado’: a identidade política adotava assim um
fundamento étnico (GRILLO, 1989, p. 22-42). Ficava cunhado o
‘modelo napoleónico’: um estado > uma nação > uma língua. Daí,
o objetivo programático do novo estado revolucionário francês
de ‘anéantir les patois’, isto é, aniquilar a diversidade linguística
para homogeneizar a nação francesa do ponto de vista linguís-
tico-cultural (DE CERTEAU; JULIA; REVEL, 1975; BALIBAR;
LAPORTE, 1976).
Odiscursorevolucionáriosobreaidentidadeestato-nacional
francesa repousava em uma operação ideológica de disfarce da
realidade, utilizando para tanto uma linguagem aparentemente
descritiva, que na verdade, é normativa e performativa. Na su-
perfície, esse discurso afirmava que os franceses já eram uma
nação porque possuíam uma cultura e uma língua comuns, mas
o que na verdade afirmava é que os franceses deviam possuir uma
línguaeumaculturacomunsparachegaremaconstituirumanação;
portanto, ainda não eram uma nação. O discurso sobre a nação, a
língua e o estado pode ser interpretado como uma instância de
interpelação4
: as várias populações que habitavam nos territórios
do velho estado dinástico são chamadas a se constituir em nação
francesa, e para tanto, a abandonar as suas línguas seculares e
adotarem o idioma francês.
De outra parte, a realidade do plurilinguismo é escamo-
teada, ocultada, negada, mas o é precisamente para que não seja
visível o projeto da sua destruição. Destarte, também fica excluída
4
Interpelação (“inter-
pellation”) é uma
noção introduzida
por Louis Althus-
ser (1970) como
um meca n ismo
ideológico defini-
do do seguinte jeito:
“l’idéologie «agit»
ou « fonctionne »
de telle sorte qu’elle
«recrute» des su-
jets parmi les in-
dividus (elle les
recrute tous), ou
«trans-forme» les
individus en sujets
(elle les transforme
tous) par cette opé-
ration très précise
que nous appelons
l’interpellation” (49),
levando em conta
que, segundo o
mesmo autor, «la
catégorie de sujet
est constitutive de
toute idéologie,
m a i s en même
temps et aussitôt
nous ajoutons que
la catégorie de su-
jet n’est constitutive
de toute idéologie,
qu’en tant que toute
idéologie a pour fonc-
tion (qui la définit)
de «constituer» des
individus concrets en
sujets» (ibídem, 46,
salientado no ori-
ginal). Nas ciências
sociais, o uso da
noção de ‘interpe-
lação’ se espalhou
consideravelmente
para se referir de
modo geral ao pro-
cesso pelo qual o
sujeito se reconhece
a si mesmo em uma
identidade dada.
49
Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012
A invenção do monolinguismo e da língua nacional
1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17
à partida a hipótese da convivência pluralista: a necessidade de
impor a língua comum se vincula necessariamente à destruição
das outras línguas, sem dar sequer a oportunidade de contem-
plar a possibilidade de fazer compatível a diversidade linguística
dos diferentes povos com a difusão de uma língua comum de
intercomunicação. Nascia assim a ideologia da monoglossia, e o
modelo do estado-nação monolíngue, ao tempo que se iniciava
a construção discursiva da nova noção de ‘língua nacional’. A
diversidade línguística se tornava uma realidade anômala e dis-
funcional, tanto na ideologia quanto na prática. O estado ficava
programaticamente vinculado ao programa de homogeneização
linguística e cultural, correlativo ao de criação e difusão da língua
e a cultura nacionais e a manutenção da correspondente intelec-
tosfera ideológica e cultural que acompanha, legitimando-os,
esses processos.
Os meios de que se valeu o estado nacional de novo
cunho para conseguir a uniformização linguístico-cultural e
a difusão das ideologias que a legitimavam, isto é, os meios
de moldeamento das consciências e dos hábitos linguísticos,
foram basicamente dois: de uma parte, os aparelhos do estado e
a burocracia ao seu serviço (o uso administrativo da língua), da
outra, e muito especialmente, o aparelho educativo sob controle
do Estado (quando não diretamente estatal e centralizado), que
ao longo dos séculos XIX e XX foi estendendo a sua cobertura
da população infantil e juvenil e ampliando o período de per-
manência obrigatória.
Mas a construção do estado nacional respondeu também
ao interesse de determinados grupos sociais (a grande burguesia
industrial, comercial e financeira; a burocracia, o exército e outros
corpos estatais; certos setores da intelectualidade), que contri-
buíram decisivamente neste programa de ‘nacionalização’. Assim,
não se pode esquecer a relevância dos meios de comunicação e
em geral de todas as instituições do que Habermas denominou
a ‘publicidade burguesa’: meetings, clubes políticos e esportivos,
comemorações e festividades públicas, cassinos, tertúlias, etc.
(HABERMAS, 1994). Todos estes meios contribuíram em maior
ou menor medida à criação e difusão da cultura monoglóssica e
à divulgação da ‘língua nacional’.
O correlato na consciência individual da identidade mo-
noglóssica do estado-nação monolíngue e a constituição de um
novo sujeito é o cidadão monolíngue, interpelado para manter
uma forte e unívoca lealdade àquela identidade coletiva. Um
cidadão instruído e construído, tanto nas suas competências
linguístico-comunicativas, quanto nas suas representações men-
tais e atitudes, em grande parte através do sistema educativo.
De determinar os seus hábitos linguísticos se encarregaria mais
bem o meio social.
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Gragoatá Henrique Monteagudo
1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17
O contra-modelo herderiano:
uma língua, uma nação, um estado
O modelo napoleônico foi aplicado para transformar vel-
hos estados proto-nacionais da Europa ocidental em modernos
estados-nação: primeiro a França, depois, ao menos tentativa-
mente, a Espanha; Portugal e a Holanda, com as suas especi-
ficidades (entre outras cousas, não eram países multi-étnicos);
a Grã Bretanha seguiu um caminho próprio, mas, afinal não
substancialmente distinto. Mas não demorou em se gerar um
contra-modelo, que aqui vamos denominar herderiano, pois a
sua inspiração foi atribuída ao filósofo alemão Johann G. Her-
der (1744-1803) (cf. Monteagudo, 1999a). Este modelo surgiu e
se espalhou na Europa central e oriental, e provocou de uma
parte os movimentos de unificação de Itália e Alemanha, e
de outra a desmembração de Impérios como o Haubsburgo
(austríaco) e o Otomano, e a independência de países como a
Noruega (arrancada antes da Dinamarca e finalmente da Suécia)
ou Finlândia (que escachou primeiro da Suécia e finalmente da
Rússia). Esses processos históricos foram impulsionados por
movimentos nacionalistas que também estabeleceram uma
relação entre a língua, a identidade nacional e o estado, mas
em termos precisamente contrários ao ‘modelo napoleônico’
(BAGGIONI, 1997, p. 201-87).
Os nacionalismos ‘irredentistas’ não se apoiavam num
estado pré-existente, mas aspiravam a criá-lo, por tanto, partiam
de uma situação radicalmente distinta aos nacionalismos esta-
talistas. Quer dizer, fundavam-se na existência de comunidades
étnicas englobadas em estados multiétnicos (e/ou fragmentadas
politicamente), comunidades muitas vezes carentes de tradições
estatais próprias e caracterizadas pela posse de uma língua
própria, a qual, frequentemente carecia de tradição cultivada
(mesmo, em muitos casos, era totalmente ágrafa), ainda que em
alguns casos pudessem ser invocados precedentes históricos
mais ou menos remotos de posse de um estado próprio ou de
cultivo literário do idioma vernáculo. Esquematicamente, o ra-
ciocínio dos nacionalistas irredentistas corria em sentido inverso
aos estatalistas: somos uma comunidade diferenciada porque
possuímos uma língua própria e distinta, e por isso mesmo
constituímos uma nação, e como tal temos direito a um estado
independente. Se bem que em ocasiões, o que se reivindicava
não era um estado independente, mas um estado federado em
pé de igualdade com outras comunidades étnico-linguísticas.
Se no caso do nacionalismo estatalista falamos antes de
um processo de ‘etnicização da política’, agora podemos falar
da ‘politização da etnicidade’. Na Europa dos séculos XIX e XX,
o nacionalismo irredentista propiciou amplos movimentos de
unificação nacional (Itália e Alemanha), que pela sua vez se rea-
51
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1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17
lizaram a custa da desaparição de unidades políticas anteriores
e da desmembração de partes de territórios doutros países; mas
com muita mais frequência deu azo à fragmentação de Impérios
e ao nascimento de novos estados: desde a Grécia e a Polônia
até a Estônia ou a Croácia. Uma solução intermédia, que podia
consistir na federação igualitária das distintas comunidades
etno-linguísticas, foi tentada em ocasiões e nem sempre com
sucesso durável (a Suíça e em certa maneira a Bélgica podem
servir de exemplos).
A invenção do monolinguismo e da língua nacional
Mas o que nos importa salientar é que, fosse pela via do
modelo napoleônico, fosse pela via contrária do modelo herde-
riano (este em princípio mais aberto ao pluralismo), em toda a
Europa acabou por se estabelecer uma associação estreita entre
língua, identidade nacional e estado; e por via da regra essa
associação era unívoca e excludente, quer dizer: o monolinguis-
mo das nações e o uninacionalismo dos estados é a norma; em
correspondência, fomentou-se a monolingualização das popu-
lações e dos indivíduos. Nas nações monolíngues se formaram
cidadãos monolíngues. A convivência de várias línguas dentro
de uma sociedade passou a ser uma raridade, uma anomalia,
e com ela também os indivíduos bilíngues (exceto, claro está,
o aprendizado de segundas línguas auxiliares, para o estudo,
o comércio, etc.).
Portanto, a emergência dos estados nacionais, fossem do
tipo napoleônico (estado > nação) fossem do tipo herderiano
(nação > estado) teve um duplo efeito (sócio)linguístico: de
uma parte, a política dos estados nacionais se orientou à uni-
formização linguística das populações mediante a imposição
da língua nacional, de outra parte, a própria língua nacional
foi sujeita a uma série de profundas intervenções tendentes à
estandardização, tanto mais intensas quanto menos tradição
de elaboração e cultivo tivesse às suas costas (por caso, as lín-
guas ágrafas tiveram de ser dotadas de um alfabeto e normas
ortográficas, etc.). Estes dois processos foram impulsionados
por e acompanhados de grandes transformações na consciên-
cia linguística das respectivas comunidades idiomáticas, e
em particular pela criação e difusão de ideologias e discursos
legitimadores da uniformização linguística, da hegemonia da
língua nacional, e da estandardização (com a correspondente
preeminência da variedade padrão dessa língua). Foi assim que
se inventou o monolinguismo.
52 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012
Gragoatá Henrique Monteagudo
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http:/
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Verso, 1991.
BAGGIONI, Daniel. Langues et nations en Europe. Paris: Éditions
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Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
DE CERTAU, Michel; JULIA, Dominique; REVEL, Jacques. Une
politique de la langue. La Révolution française et les patois: l’enquête de
Gregoire. Paris: Gallimard, 1975.
Abstract
Societal monolingualism, far from being a
spontaneous phenomenon, is usually the ou-
tcome of glotopolitical interventions aimed at
the uniformization of previously multilingual
populations. This outcome is achieved and arti-
ficially sustained by deliberate institutional and
governmental policies. This contribution explains
how these historical processes are connected to the
emergence of Nation-States and States-Nation
established in Europe form the 18th century on.
At the same time, the ideology of the ‘national
language’ was elaborated and diseminated, so
the cultural, socio-political and practical condi-
tions for the creation of monoligual spaces were
achieved.
Keywords: Sociolinguistics; Language Plan-
ning; Nationalism; Bilingualism
53
Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012
A invenção do monolinguismo e da língua nacional
1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17
ELLIS, Elizabeth E. (ed.). Defining and Investigating Monolingualism
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Éditions du Seuil, 1999.
54 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012
Gragoatá Henrique Monteagudo
1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17
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louse-Le Mirail, 1982.

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  • 1. Gragoatá Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 A invenção do monolinguismo e da língua nacional Henrique Monteagudo (Instituto da Língua Galega, Universidade de Santiago de Compostela) Resumo O monolinguismo social, longe de ser um fenô- meno espontâneo, frequentemente é o resultado de uma série de operações glotopolíticas de homoge- neização de populações falantes de várias línguas, um resultado que é mantido artificialmente pelo Estado. O artigo mostra como esses processos históricos se vinculam à emergência dos Estados- -nação e das Nações-estado que se forjaram na Europa a partir do século XVIII, ao tempo que se espalhava a ideologia da ‘língua nacional’. Palavras-chave: Sociolinguística; Política lin- guística; Nacionalismo; Bilinguismo.
  • 2. 44 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 Gragoatá Henrique Monteagudo 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 No prólogo à sua conhecida obra Bilingualism, a sociolinguis- taSuzanneRomaine(1995)fazumaobservaçãosobreaestranheza quecausariaumamonografiaintituladaMonolingualism(cf.Ellis, 2008). Por que pareceria estranho um volume de estudos sobre o monolinguismo e, em troca, a ninguém chama a atenção o título Bilinguismo na capa do livro? Porque existe um modelo norma- tivo, tacitamente aceito e profundamente interiorizado, segundo o qualomonolinguismoéonatural,onormal,oesperável,enquanto o bilinguismo (ou o plurilinguismo) é o especial, o excepcional, o anômalo: a condição monolíngue não requer qualquer tipo de explicação, ao contrário, a condição bilíngue exige uma justifica- ção e justifica uma pesquisa, inclusivamente um diagnóstico, ao menos em alguns casos. O caráter reconhecidamente ‘normal’ do monolinguismo dos indivíduos constitui o correlato subjetivo da conceituação geralmente admitida como ‘normal’ do monolinguismo plu- ri-individual – ou melhor, coletivo. Se o indivíduo é / deve ser ‘idealmente’ monolíngue, é porque a formação social básica a que pertence também é / deve ser assim. Ora, se o monolinguismo é o normal, resultam lógicas perguntas do tipo como é que chega um indivíduo a ser bilíngue? E não menos lógicas outras do tipo como é que chega uma coletividade a ser bilíngue? O suposto de base é: todo o indivíduo e toda a comunidade nascem monolíngues e só alguns/algumas se fazem bilíngues. Daí também o desconcerto do indivíduo monolíngue perante o bilíngue, que chega até o extremo de perguntar coisas como: por que te empenhas em falar galego? Como se falar esta língua fosse expressão de uma espécie de estranha mania, e não um fato simplesmentenaturalparaaspessoasqueaaprendemosaotempo que começamos a falar, e que a partir daí a utilizamos com uma série de pessoas com que nos relacionamos de jeito mais ou menos frequente (incluindo os nossos pais, irmãos, cônjuges e filhos). Dada a minha condição pessoal de bilíngue, consequência de me ter criado em ambientes em que circulavam correntemente duas línguas em estreito contato (galego e castelhano), vou-me situar, a efeitos de introduzir o assunto que nos ocupa, na pers- pectiva justamente inversa à expressada no parágrafo anterior. Assim, vou fazer estas duas perguntas: como é que se consegue que os indivíduos se façam monolíngues? Evidentemente, criando meios sociais monolíngues. Pois bem, como é que se consegue criar ambientes sociais monolíngues? Estas perguntas podem parecer escusadas, mas se o podem parecer,istosedevesimplesmenteaqueestamosmergulhadosem uma cultura linguística1 (num autêntico paradigma ou, seguindo Foucault, epistemé) em que o monolinguismo foi construído e instaurado como a situação normal. Na verdade, a pouco que per- corramos a história da própria civilização ocidental e reparemos no que acontece hoje mesmo ao longo do planeta, chegaremos à 1 Para a noção de cultura, lingüística, veja-se Schiffman 1996.
  • 3. 45 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 A invenção do monolinguismo e da língua nacional 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 conclusão de que o bilinguismo e o plurilinguismo não são, de maneira nenhuma, fenômenos extraordinários. Por sinal, na Roma antiga, as elites eram bilíngues, pois não havia cidadão romano culto que não soubesse ler e falar em grego, que, além disso, era a língua comum ou franca em toda a metade oriental do Império (PALMER, 1984). Na Europa centro-ocidental do medievo os clerici ou letrados eram necessariamente bilíngues, pois a língua culta era o latim (WOLF, 1982). Na realidade, na medida em que o latim continuou a ser a língua da alta cultura, os eruditos europeus foram obrigadamente bilíngues até o século XVIII2 . A mesma Península Ibérica, por acaso no século XIII, era uma região plurilíngue, com várias línguas escritas, duas delas de ampla circulação (latim, só escrita, e árabe, falada e escrita), outra com cultivo exclusivamente literário, mas procedente de fora da Península Ibérica (o occitano), outra mais com uso ritual (o hebreu), os diversos romances em pleno processo de emergência como línguas escritas (galego-português, asturleonês, castelhano, aragonês e catalão) e ainda o basco, carente de cultivo escrito. Não esqueçamos da previsão testamentária de Afonso X, segundo a qual no seu túmulo devia figurar uma inscrição em quatro lín- guas: árabe, latim, hebreu e romance (MORENO FERNÁNDEZ, 2005, p. 65-124). Com certeza, nos exemplos anteriores podem distinguir-se diversos tipos de bilinguismo, que respondem a situações bem diferentes. De uma parte, existe um bilinguismo de elite, que se consegue mediante o aprendizado formal de uma língua de cultura auxiliar, e que tradicionalmente estava reservado a grupos sociais privilegiados, como era o caso da aristocracia romana, os clérigos medievais ou os letrados da idade moder- na. De outra parte, existe um bilinguismo social, que se produz mediante o contato espontâneo entre falantes de várias línguas, e que tipicamente corresponde à situações de coexistência de duas línguas espalhadas em um mesmo território e/ou duas comunidades linguísticas formando parte de uma mesma enti- dade política, como podia ser o caso das variedades faladas do árabe e do romance no centro e, sobretudo, no sul da península durante a Idade Média. Num sentido em certa maneira análogo ao dito, o mo- nolinguismo pode se estudar no plano individual e no plano social. Uma sociedade, comunidade ou país monolíngue é aquele em que só uma língua é conhecida e usada pela ge- neralidade dos seus membros. Ora, o que queremos mostrar aqui é que o monolinguismo social, longe de ser um fenômeno espontâneo, pode ser (e frequentemente é) o resultado de uma série de operações glotopolíticas, mais ou menos deliberadas, de homogeneização de populações falantes de várias línguas, um resultado que, aliás, é mantido artificialmente pelos estados mediante políticas de exclusão de línguas outras que a ‘oficial- 2 Pense-se que a obra científica mais i mp o r t a nt e de Newton, Principia Mathematica, está escrita em latim; veja-se Blair 1996 e Pantin 1995, mais em geral Burke 2004: 43-60.
  • 4. 46 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 Gragoatá Henrique Monteagudo 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 mente’ reconhecida. Por outras palavras, contra o que pareceria indicar o sentido comum (a doxa, usando o termo de Bourdieu), o monolinguismo não é (ou não sempre) o estado natural das coisas, mas é o resultado de processos muito complexos, e em boa parte específicos da nossa civilização na época contempo- rânea. Mais concretamente, tem muito a ver com a criação dos estados nação de formato europeu, que são uns artefatos de invenção relativamente recente. Língua e identidade nacional na Europa contemporânea Em tempos recentes, na bibliografia antropológica e so- ciológica o vocábulo ‘invenção’ aparece em sintagmas tais como ‘invenção da tradição’ (The Invention of Tradition; veja-se Hobs- bawm & Ranger (eds.) 1984) ou ‘invenção duma nação’ (como em La invención de España; veja-se Fox, 1997), associado a certas construções culturais ou políticas, em referência a processos que se consideram típicos da modernidade, desenvolvidos a partir do século XVIII. Neste contexto, o termo ‘invenção’ aparece utiliza- do polemicamente nas controvérsias sobre a gênese das nações, dos nacionalismos e das correspondentes identidades nacionais européias (ou euro-americanas) modernas, por parte dos estu- diosos que defendem pontos de vista construtivistas, e criticam as posições primordialistas ou essencialistas3 . Como é sabido, segundo os relatos tradicionais, as identi- dades nacionais têm uma origem remota e, em todo o caso, num momento da história passada (tipicamente, a Idade Média) fica- ram fixadas num molde definitivo, que praticamente não sofreu alterações substanciais ao longo da história posterior. Segundo este ponto de vista, a nação, cada nação, tem séculos de existên- cia, possui uma essência imutável e descansa em fundamentos permanentes e objetivos: território, raça, psicologia coletiva ou Volksgeist, unidade e originalidade cultural... Um destes funda- mentos acostuma ser, tipicamente, a língua. O construtivismo, ao contrário, propugna que as nações e as correspondentes identidades nacionais são artefatos de fabricação recente, resultados de processos característicos da modernidade, relacionados com a construção de estados nacionais e com os cor- respondentes processos de unificação de mercados e culturas, e particularmente,resultantesdaelaboraçãodeespecíficastradições culturais, linguísticas e literárias mediante processos, tecnologias e meios de comunicação de invenção recente, apoiados na ação de aparelhos educativos estato-nacionais, difusores de línguas escritas estandardizadas graças à imprensa. Dentro do constru- tivismo convivem pontos de vista mais radicais com outros mais moderados, que correspondem, grosso modo, com as distintas acepções do termo invenção. 3 O nacionalismo é tema privilegia- do de pesquisa nas ciências sociais contemporâneas. Entre a ampla bi- bliografia relevan- te, selecionamos alguns títulos que nos resultaram mais reveladores. Entre os estudos antigos mas ainda úteis podemos citar Weil (1961 [1938]) e Kohn (1984 [1944]). Referência obriga- da entre os atuais são Kedourie (1993 [1960]) e Smith (1976 [1971]). Especial- mente úteis para nós foram Gellner (1988 [1983]), An- derson (1991 [1983]), Hobsbawn (1991 [1990]) e Thiesse (1999). Damos entre parênteses a data da primeira edição de cada obra. Uma primeira aproxi- mação nossa a esta questão em Monte- agudo (1999b).
  • 5. 47 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 A invenção do monolinguismo e da língua nacional 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 Como é sabido, invenção procede do latim inventione, subs- tantivo deverbal de invenire. Este verbo tem, já no latim, duas acepções de base: a) produzir uma coisa nova, não previamente existente; b) descobrir, tirar à luz algo que estava ignorado. Um construtivista radical entende a ‘invenção da identidade nacional’ como um processo de produção de uma novidade sem muita base real (ou inclusivamente com engano); e mesmo, em alguns casos, a partir do nada. Um construtivista moderado a entende como um processo de re-interpretação de elementos tradicionais pré- existentes, elementos que ganham um novo sentido ao se articu- larem uns com outros de um jeito novo, ou ao se incorporarem a um contexto histórico e discursivo diferente. Quem escreve estas linhas manifesta-se partidário da segunda linha de aproximação. O que em todo o caso fica claro é que as identidades nacionais, as nações, não são entidades decantadas na Idade Média, e menos ainda entidades fixadas de uma vez e para sempre. Em realidade, a invenção do monolinguismo é inseparável da invenção do Estado-nação (e posteriormente, como veremos, da nação-Estado). Para simplificarmos uma realidade histórica notavelmente complexa, o estado-nação típico na Europa (ou, se se prefere, o primeiro protótipo de estado-nação europeu) é o construído segundo o modelo napoleônico. A sua aparição tem a ver com a mudança de uma série de conceitos chave ao redor do poder político e a sua legitimação: no Antigo Regime, o Monarca era a personificação do estado, e recebia o poder diretamente de Deus (ou, indiretamente, através do povo). O estado do antigo re- gimeeraumestadopatrimonial,propriedadedadinastiareinante. As fronteiras dos estados mudavam conforme as alianças, matrimônios, conquistas ou compras dos seus monarcas, e em muitos casos os domínios das monarquias mesmo eram terri- torialmente descontínuos, e não só pela existência dos impérios ultramarinos, mas também na mesma Europa. A lealdade dos súditos a respeito dos monarcas e dos senhores era de tipo pes- soal, tinha um fundamento religioso e comportava obrigas fiscais e militares. Aliás, entre o monarca e os súditos se interpunham frequentemente poderes intermédios, tais como os diversos sen- horios nobiliários ou eclesiásticos. Nas ditas circunstâncias, nem existiamascondiçõesnemanecessidadedeforjarumaconsciência ouumaidentidadenacional,fundadanumacertahomogeneidade de cultura, pela sua vez apoiada na unidade de língua. O modelo napoleônico: um estado, uma nação, uma língua As mudanças revolucionárias que trouxeram noções fabri- cadas e difundidas ao longo dos séculos XVIII e XIX tais como ‘soberania nacional’, ‘governo do povo’, ‘igualdade dos cidadãos’ foram as que propiciaram a aparição de consciências nacionais. Os revolucionários franceses se encontraram com a herança do
  • 6. 48 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 Gragoatá Henrique Monteagudo 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 estado dinástico francês, cujas fronteiras (europeias) eram o resul- tado mais ou menos fortuito de aquisições, conquistas e alianças das sucessivas dinastias que detiveram historicamente o trono da França. No interior dessas fronteiras se falavam várias línguas (tais como o bretão, o francês, o occitano, o basco, o catalão, o italiano, diversas variedades germânicas, desde o alemão da Alsácia até o flamengo passando pelo lorenês), e o idioma francês era falado somente na região parisina, com as suas variedades distribuídas pelas outras regiões do norte (normando, picardo, champanhês, etc). A maioria da população era analfabeta, falava dialetos locais da respectiva língua, e só uma minúscula porcen- tagem sabia ler e falar do francês cultivado. Aproximadamente doisterçosdessapopulaçãofalavamvariedadesdelínguasoutras que o francês. Os revolucionários fundaram a ideia de nação nos princí- pios de soberania popular e igualdade dos cidadãos, mas ao mes- mo tempo decidiram que os franceses constituíam uma nação, e para fazer realidade os ditos princípios, a nação devia ter uma cultura homogênea exprimida numa língua comum. Da noção de ‘estado francês’ (que correspondia ao velho estado dinástico, multi-étnico e plurilíngue) passou-se à noção de ‘nação france- sa’, e essa nação devia se exprimir na única língua nacional, a língua francesa. Dessa maneira, empreendeu-se um processo de ‘etnicização do estado’: a identidade política adotava assim um fundamento étnico (GRILLO, 1989, p. 22-42). Ficava cunhado o ‘modelo napoleónico’: um estado > uma nação > uma língua. Daí, o objetivo programático do novo estado revolucionário francês de ‘anéantir les patois’, isto é, aniquilar a diversidade linguística para homogeneizar a nação francesa do ponto de vista linguís- tico-cultural (DE CERTEAU; JULIA; REVEL, 1975; BALIBAR; LAPORTE, 1976). Odiscursorevolucionáriosobreaidentidadeestato-nacional francesa repousava em uma operação ideológica de disfarce da realidade, utilizando para tanto uma linguagem aparentemente descritiva, que na verdade, é normativa e performativa. Na su- perfície, esse discurso afirmava que os franceses já eram uma nação porque possuíam uma cultura e uma língua comuns, mas o que na verdade afirmava é que os franceses deviam possuir uma línguaeumaculturacomunsparachegaremaconstituirumanação; portanto, ainda não eram uma nação. O discurso sobre a nação, a língua e o estado pode ser interpretado como uma instância de interpelação4 : as várias populações que habitavam nos territórios do velho estado dinástico são chamadas a se constituir em nação francesa, e para tanto, a abandonar as suas línguas seculares e adotarem o idioma francês. De outra parte, a realidade do plurilinguismo é escamo- teada, ocultada, negada, mas o é precisamente para que não seja visível o projeto da sua destruição. Destarte, também fica excluída 4 Interpelação (“inter- pellation”) é uma noção introduzida por Louis Althus- ser (1970) como um meca n ismo ideológico defini- do do seguinte jeito: “l’idéologie «agit» ou « fonctionne » de telle sorte qu’elle «recrute» des su- jets parmi les in- dividus (elle les recrute tous), ou «trans-forme» les individus en sujets (elle les transforme tous) par cette opé- ration très précise que nous appelons l’interpellation” (49), levando em conta que, segundo o mesmo autor, «la catégorie de sujet est constitutive de toute idéologie, m a i s en même temps et aussitôt nous ajoutons que la catégorie de su- jet n’est constitutive de toute idéologie, qu’en tant que toute idéologie a pour fonc- tion (qui la définit) de «constituer» des individus concrets en sujets» (ibídem, 46, salientado no ori- ginal). Nas ciências sociais, o uso da noção de ‘interpe- lação’ se espalhou consideravelmente para se referir de modo geral ao pro- cesso pelo qual o sujeito se reconhece a si mesmo em uma identidade dada.
  • 7. 49 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 A invenção do monolinguismo e da língua nacional 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 à partida a hipótese da convivência pluralista: a necessidade de impor a língua comum se vincula necessariamente à destruição das outras línguas, sem dar sequer a oportunidade de contem- plar a possibilidade de fazer compatível a diversidade linguística dos diferentes povos com a difusão de uma língua comum de intercomunicação. Nascia assim a ideologia da monoglossia, e o modelo do estado-nação monolíngue, ao tempo que se iniciava a construção discursiva da nova noção de ‘língua nacional’. A diversidade línguística se tornava uma realidade anômala e dis- funcional, tanto na ideologia quanto na prática. O estado ficava programaticamente vinculado ao programa de homogeneização linguística e cultural, correlativo ao de criação e difusão da língua e a cultura nacionais e a manutenção da correspondente intelec- tosfera ideológica e cultural que acompanha, legitimando-os, esses processos. Os meios de que se valeu o estado nacional de novo cunho para conseguir a uniformização linguístico-cultural e a difusão das ideologias que a legitimavam, isto é, os meios de moldeamento das consciências e dos hábitos linguísticos, foram basicamente dois: de uma parte, os aparelhos do estado e a burocracia ao seu serviço (o uso administrativo da língua), da outra, e muito especialmente, o aparelho educativo sob controle do Estado (quando não diretamente estatal e centralizado), que ao longo dos séculos XIX e XX foi estendendo a sua cobertura da população infantil e juvenil e ampliando o período de per- manência obrigatória. Mas a construção do estado nacional respondeu também ao interesse de determinados grupos sociais (a grande burguesia industrial, comercial e financeira; a burocracia, o exército e outros corpos estatais; certos setores da intelectualidade), que contri- buíram decisivamente neste programa de ‘nacionalização’. Assim, não se pode esquecer a relevância dos meios de comunicação e em geral de todas as instituições do que Habermas denominou a ‘publicidade burguesa’: meetings, clubes políticos e esportivos, comemorações e festividades públicas, cassinos, tertúlias, etc. (HABERMAS, 1994). Todos estes meios contribuíram em maior ou menor medida à criação e difusão da cultura monoglóssica e à divulgação da ‘língua nacional’. O correlato na consciência individual da identidade mo- noglóssica do estado-nação monolíngue e a constituição de um novo sujeito é o cidadão monolíngue, interpelado para manter uma forte e unívoca lealdade àquela identidade coletiva. Um cidadão instruído e construído, tanto nas suas competências linguístico-comunicativas, quanto nas suas representações men- tais e atitudes, em grande parte através do sistema educativo. De determinar os seus hábitos linguísticos se encarregaria mais bem o meio social.
  • 8. 50 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 Gragoatá Henrique Monteagudo 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 O contra-modelo herderiano: uma língua, uma nação, um estado O modelo napoleônico foi aplicado para transformar vel- hos estados proto-nacionais da Europa ocidental em modernos estados-nação: primeiro a França, depois, ao menos tentativa- mente, a Espanha; Portugal e a Holanda, com as suas especi- ficidades (entre outras cousas, não eram países multi-étnicos); a Grã Bretanha seguiu um caminho próprio, mas, afinal não substancialmente distinto. Mas não demorou em se gerar um contra-modelo, que aqui vamos denominar herderiano, pois a sua inspiração foi atribuída ao filósofo alemão Johann G. Her- der (1744-1803) (cf. Monteagudo, 1999a). Este modelo surgiu e se espalhou na Europa central e oriental, e provocou de uma parte os movimentos de unificação de Itália e Alemanha, e de outra a desmembração de Impérios como o Haubsburgo (austríaco) e o Otomano, e a independência de países como a Noruega (arrancada antes da Dinamarca e finalmente da Suécia) ou Finlândia (que escachou primeiro da Suécia e finalmente da Rússia). Esses processos históricos foram impulsionados por movimentos nacionalistas que também estabeleceram uma relação entre a língua, a identidade nacional e o estado, mas em termos precisamente contrários ao ‘modelo napoleônico’ (BAGGIONI, 1997, p. 201-87). Os nacionalismos ‘irredentistas’ não se apoiavam num estado pré-existente, mas aspiravam a criá-lo, por tanto, partiam de uma situação radicalmente distinta aos nacionalismos esta- talistas. Quer dizer, fundavam-se na existência de comunidades étnicas englobadas em estados multiétnicos (e/ou fragmentadas politicamente), comunidades muitas vezes carentes de tradições estatais próprias e caracterizadas pela posse de uma língua própria, a qual, frequentemente carecia de tradição cultivada (mesmo, em muitos casos, era totalmente ágrafa), ainda que em alguns casos pudessem ser invocados precedentes históricos mais ou menos remotos de posse de um estado próprio ou de cultivo literário do idioma vernáculo. Esquematicamente, o ra- ciocínio dos nacionalistas irredentistas corria em sentido inverso aos estatalistas: somos uma comunidade diferenciada porque possuímos uma língua própria e distinta, e por isso mesmo constituímos uma nação, e como tal temos direito a um estado independente. Se bem que em ocasiões, o que se reivindicava não era um estado independente, mas um estado federado em pé de igualdade com outras comunidades étnico-linguísticas. Se no caso do nacionalismo estatalista falamos antes de um processo de ‘etnicização da política’, agora podemos falar da ‘politização da etnicidade’. Na Europa dos séculos XIX e XX, o nacionalismo irredentista propiciou amplos movimentos de unificação nacional (Itália e Alemanha), que pela sua vez se rea-
  • 9. 51 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 A invenção do monolinguismo e da língua nacional 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 lizaram a custa da desaparição de unidades políticas anteriores e da desmembração de partes de territórios doutros países; mas com muita mais frequência deu azo à fragmentação de Impérios e ao nascimento de novos estados: desde a Grécia e a Polônia até a Estônia ou a Croácia. Uma solução intermédia, que podia consistir na federação igualitária das distintas comunidades etno-linguísticas, foi tentada em ocasiões e nem sempre com sucesso durável (a Suíça e em certa maneira a Bélgica podem servir de exemplos). A invenção do monolinguismo e da língua nacional Mas o que nos importa salientar é que, fosse pela via do modelo napoleônico, fosse pela via contrária do modelo herde- riano (este em princípio mais aberto ao pluralismo), em toda a Europa acabou por se estabelecer uma associação estreita entre língua, identidade nacional e estado; e por via da regra essa associação era unívoca e excludente, quer dizer: o monolinguis- mo das nações e o uninacionalismo dos estados é a norma; em correspondência, fomentou-se a monolingualização das popu- lações e dos indivíduos. Nas nações monolíngues se formaram cidadãos monolíngues. A convivência de várias línguas dentro de uma sociedade passou a ser uma raridade, uma anomalia, e com ela também os indivíduos bilíngues (exceto, claro está, o aprendizado de segundas línguas auxiliares, para o estudo, o comércio, etc.). Portanto, a emergência dos estados nacionais, fossem do tipo napoleônico (estado > nação) fossem do tipo herderiano (nação > estado) teve um duplo efeito (sócio)linguístico: de uma parte, a política dos estados nacionais se orientou à uni- formização linguística das populações mediante a imposição da língua nacional, de outra parte, a própria língua nacional foi sujeita a uma série de profundas intervenções tendentes à estandardização, tanto mais intensas quanto menos tradição de elaboração e cultivo tivesse às suas costas (por caso, as lín- guas ágrafas tiveram de ser dotadas de um alfabeto e normas ortográficas, etc.). Estes dois processos foram impulsionados por e acompanhados de grandes transformações na consciên- cia linguística das respectivas comunidades idiomáticas, e em particular pela criação e difusão de ideologias e discursos legitimadores da uniformização linguística, da hegemonia da língua nacional, e da estandardização (com a correspondente preeminência da variedade padrão dessa língua). Foi assim que se inventou o monolinguismo.
  • 10. 52 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 Gragoatá Henrique Monteagudo 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Idéologie et appareils idéologiques d’État: Notes pour une recherche, 1970. Disponível em: http:/ /classiques.uqac.ca/contemporains/althusser_louis/ideo- logie_et_AIE / ideologie_et_AIE.pdf Acesso em: 28 dez. 2009. ______. Artigo originalmente publicado en La Pensée, nº 151, e in- cluído en Louis Althusser. Positions (1964-1975). Paris: Les Éditions sociales, 1976, pp. 67-125. ANDERSON, Benedict. Imagined Communities. London; New York: Verso, 1991. BAGGIONI, Daniel. Langues et nations en Europe. Paris: Éditions Payot & Rivages, 1997. BALIBAR, Renée; LAPORTE, Dominique. Burguesía y lengua na- cional. Barcelona: Avance, 1976. BLAIR, Ann. La persistance du latin comme langue de science à la fin de la Renaissance. In: CHARTIER, Roger; CORSI, Pietro (dirs.). Sciences et langues en Europe. [Paris]: École des Hautes Études en Sciences Sociales; Centre National de la Recherche Scientifique; Muséum National d’Histoire Naturelle, 1996, pp. 21-42. BURKE, Peter. Languages and Communities in Early Modern Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. DE CERTAU, Michel; JULIA, Dominique; REVEL, Jacques. Une politique de la langue. La Révolution française et les patois: l’enquête de Gregoire. Paris: Gallimard, 1975. Abstract Societal monolingualism, far from being a spontaneous phenomenon, is usually the ou- tcome of glotopolitical interventions aimed at the uniformization of previously multilingual populations. This outcome is achieved and arti- ficially sustained by deliberate institutional and governmental policies. This contribution explains how these historical processes are connected to the emergence of Nation-States and States-Nation established in Europe form the 18th century on. At the same time, the ideology of the ‘national language’ was elaborated and diseminated, so the cultural, socio-political and practical condi- tions for the creation of monoligual spaces were achieved. Keywords: Sociolinguistics; Language Plan- ning; Nationalism; Bilingualism
  • 11. 53 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 A invenção do monolinguismo e da língua nacional 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 ELLIS, Elizabeth E. (ed.). Defining and Investigating Monolingualism In: Sociolinguistic Studies 2.3, 2008. Disponível em: http:/ /www. equinoxjournals.com/SS/index FOX, Inman. La invención de España. Nacionalismo liberal e identidad nacional. Madrid: Ediciones Cátedra, 1997. GELLNER, Ernest. Nations and Nationalism. Oxford: Basil Black- well, 1998. GRILLO, Ralph. Dominant Languages. Language and Hierarchy in Britain and France. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. HABERMAS, Jürgen. Historia y estructura de la opinión pública. La transformación estructural de la vida pública. Barcelona: Gustavo Gili, 1994. HOBSBAWM, Eric. Naciones y nacionalismo desde 1780. Barcelona: Editorial Crítica, 1991. ______; RANGER, Terence. The Invention of Tradition. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. KEDOURIE, Elie. Nationalism. Oxford: Blackwell Publishers, 1993. KOHN, Hans. Historia del nacionalismo. México / Madrid / Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1984. MONTEAGUDO, Henrique. Nas raíces ideolóxicas do nacionalis- mo lingüístico: unha visita a J. G. Herder. In: ÁLVAREZ BLANCO, Rosario; VILAVEDRA, Dolores (eds.). Cinguidos por unha arela común. Homenaxe ó profesor Xesús Alonso Montero, 2 vol.. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, vol. 1, 1999a, pp. 691-714. ______. Historia social da lingua galega. Vigo: Editorial Galaxia, 1999b. MORENO FERNÁNDEZ, Francisco. Historia social de las lenguas de España. Barcelona: Ariel, 2005. PALMER, Leonard. Introducción al latín. Barcelona: Ariel, 1984. PANTIN, Isabelle. Latin et langues vehiculaires dans la littérature scientifiqueeuropéenneaudébutdel’époquemoderne(1550-1635). In: CHARTIER, Roger; CORSI, Pietro (dirs.). Sciences et langues en Europe. [Paris]: École des Hautes Études en Sciences Sociales; Centre National de la Recherche Scientifique; Muséum National d’Histoire Naturelle, 1996, pp. 43-58. ROMAINE, Suzanne. Bilingualism. Oxford: Blackwell, 1995. SCHIFFMAN, Harold F. Linguistic Culture and Language Policy. London & New York: Routledge, 1996. SMITH, Anthony. Las teorías del nacionalismo. Barcelona: Ediciones Península, 1976. THIESSE, Anne Marie. La création des identités nationales. Paris: Éditions du Seuil, 1999.
  • 12. 54 Niterói, n. 32, p. 43-53, 1. sem. 2012 Gragoatá Henrique Monteagudo 1ª PROVA - Káthia - 12/3/2013 - 6:17 WEILL, Georges. La Europa del siglo XIX y la idea de nacionalidad. México: Unión Tipográfica Editoria Hispanoamericana, 1961. WOLFF, Philippe. Les Origines linguistiques de l’Europe occidentale. Toulouse: Association des publications de l’Université de Tou- louse-Le Mirail, 1982.